LUIS FERNANDO MENDES DE CARVALHO [1]
(Coautor)
EDJÔFRE COELHO DE OLIVEIRA [2]
(Orientador)
RESUMO: Este artigo tem como objetivo analisar o tratamento ao psicopata na esfera do Direito Penal Brasileiro, frente aos crimes cometidos por esse indivíduo. Desse modo, analisamos o conceito e os requisitos para configuração de crime adotado pela legislação vigente. Da mesma forma, analisamos dentro da Psicologia, os conceitos, a forma de diagnosticar e o tratamento para esse transtorno de personalidade. Além disso, apontamos a responsabilidade penal do ponto de vista da doutrina e jurisprudência dos Tribunais pátrios. Destacamos o fato de o tema ser controverso e que é imprescindível ao Direito solucionar da melhor forma possível. Ademais apresentamos um caso concreto para ilustrar o tema. Por fim, sugerimos o tratamento adequado para o psicopata na esfera penal.
Palavras-chave: Crime. Psicopatia. Responsabilidade penal.
Abstract: This article aims to analyze the treatment of psychopaths in the sphere of Brazilian Criminal Law, in view of the crimes committed by that individual. Thus, we analyze the concept and requirements for configuring crime adopted by current legislation. Likewise, we analyze within Psychology, the concepts, the way to diagnose and the treatment for this personality disorder. In addition, we point out criminal liability from the point of view of the doctrine and jurisprudence of the national Courts. We highlight the fact that the topic is controversial and that it is essential for the Law to resolve it in the best possible way. Furthermore, we present a concrete case to illustrate the theme. Finally, we suggest the appropriate treatment for the psychopath in the penal sphere.
Keywords: Crime. Psychopathy. Criminal liability.
Sumário: 1. Introdução. 2. Crime 2.1 conceito analítico 2.2 culpabilidade 2.3 responsabilidade penal 2.3.1 imputabilidade 2.3.2 semi-imputabilidade 2.3.3 inimputabilidade. 3. A psicopatia 3.1 breves considerações 3.2 como é feito o diagnóstico de psicopatia 3.3 assassino versus psicopata 3.4 possibilidade de cura ou tratamento dos psicopatas. 4 responsabilidade penal dos psicopatas 4.1 doutrina 4.2 jurisprudência 4.3 caso concreto. Considerações finais. Referências.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como problema de pesquisa “Como os crimes praticados por pessoas diagnosticadas com psicopatia são responsabilizadas à luz do Direito Penal Brasileiro?”. Insta mencionar que é um tema em que existem controvérsias acerca de como será a punibilidade de quem sofre com esse transtorno mental.
Nesse sentindo, nossos objetivos são analisar o tratamento dado às pessoas diagnosticadas com psicopatia e que cometem crimes à luz do direito penal; identificar a responsabilidade penal dos crimes praticados por pessoas que possuem esse transtorno. Dessa forma, buscamos fazer uma pesquisa observando a legislação, doutrina e jurisprudências pertinentes ao tema.
A motivação para o tema em questão advém da grande relevância que a psicopatia tem sobre o Direito Penal Brasileiro, pois ainda existe uma lacuna acerca da temática, levando o sistema judiciário a se basear nas hipóteses predominante sustentada pelos estudiosos, pois ainda não existe um posicionamento concreto.
A princípio foi analisado o conceito analítico de crime, em que para ocorrer é necessário existir três requisitos, quais sejam: fato típico, ilícito e culpável. Na falta de um desses requisitos não existe o crime. O ponto de destaque aqui é a culpabilidade, pois para ter esse requisito é necessário ao agente agir com dolo ou culpa.
Em seguida foi mencionado como é a penalidade adotada pela legislação penal vigente no nosso ordenamento. A pena adequada aos imputáveis, aos semi-imputáveis e aos inimputáveis. Ademais, conceituamos de acordo com os estudos de psicologia o que é o psicopata, como esse transtorno pode ser diagnosticado e se possui tratamento ou cura.
E por fim, observamos a responsabilidade penal dos psicopatas na visão doutrinária e jurisprudencial, além disso foi ilustrado um caso concreto para visualizarmos melhor. Logo, apontamentos qual forma seria mais adequada ao tratamento penal de quem sofre com esse transtorno mental.
O tema é de grande relevância para o ordenamento jurídico penal brasileiro, tendo em vista que a forma na qual os psicopatas se enquadram, pode afetar na decisão do juiz e respectivamente em sua pena, nos casos em que são considerados imputáveis, semi-imputáveis ou inimputáveis.
Para que possamos entender a responsabilidade de um psicopata na esfera penal, há a necessidade de entendermos o significado de crime, para que, posteriormente, possamos analisar o chamando elemento de culpabilidade do agente. Substancialmente, o conceito de crime parte de um pressuposto de que crime é uma violação penal que pode ser criminalizada, ou seja, é uma ação ou omissão humana que lesa ou expõe a perigo de lesão bens jurídicos penalmente tutelados e que causam algum tipo de dano ao meio social.
Nosso atual Código Penal é omisso em relação ao conceito de crime, somente dizendo em sua lei de introdução que crime é quando uma infração penal com pena de reclusão ou de detenção, quer alternativa ou cumulativamente com pena de multa. Com essa redação, o artigo 1
º da Lei de Introdução ao Código Penal somente trouxe critérios para que pudéssemos diferenciar crime de contravenção, portanto, o entendimento que se tem acerca de crime é eminentemente doutrinário.
Assim, sem um conceito fornecido pelo legislador surgem então três conceitos doutrinários ao longo da história, tais como o conceito material, o formal e o analítico. No entanto, o conceito analítico é o adotado pela doutrina majoritária e jurisprudencial, portanto, é o conceito de relevância para o entendimento da responsabilidade de um psicopata na esfera penal.
O conceito analítico de crime possui uma função de analisar todos os elementos ou características que integram o conceito de infração penal sem que com isso se queira fragmentá-lo, ou seja, cuida-se da concepção da ciência do direito sobre o crime, visando apenas estudá-lo e torná-lo um bem compreensível ao operador do direito.
Conforme lição dada por Nucci (2017), e sob a ótica dominante no ordenamento jurídico, temos o crime como uma conduta típica, ilícita e culpável, portanto, uma ação ou omissão ajustada a um modelo previsto em lei de conduta proibida (tipicidade, onde estão contidos elementos subjetivos dolo e culpa), contrário ao direito (antijuridicidade ou ilicitude) e sujeita a um juízo de reprovação social incidente sobre o fato e seu autor, desde que existam imputabilidade, consciência potencial da ilicitude e exigibilidade e possibilidade de agir conforme o direito (culpabilidade).
Sobre o conceito analítico do crime, Assis Toledo preleciona:
Substancialmente, o crime é um fato humano que lesa ou expõe a perigo bens jurídicos (jurídicos penais) protegidos. Essa definição é, porém, insuficiente para a dogmática penal, que necessita de outra mais analítica, apta a pôr à amostra os aspectos essenciais ou os elemento estruturais do conceito de crime. E dentre as várias definições analíticas que têm sido proposta por importantes penalistas, parece-nos mais aceitável a que considera as três nota fundamentais do fato-crime, a saber: ação típica (tipicidade), ilícita ou antijurídica (ilicitude) e culpável (culpabilidade). O crime, nessa concepção que adotamos, é, pois, ação típica, ilícita, e culpável (TOLEDO,1994,p.80).
Denominada corrente tripartida do delito ou sistema tripartido do crime, é amplamente majoritária na doutrina e jurisprudência, e traz uma caracterização de crime, ou seja, é necessário que na conduta praticada por um indivíduo estejam presentes três elementos fundamentais, isto é, fato típico, a antijuridicidade e a culpabilidade.
Nesse sentido, Welzel disserta que:
A tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade são três elementos que convertem uma ação em delito. A culpabilidade – a responsabilidade pessoal do fato, do mesmo modo que a antijuridicidade, por sua vez, tem de estar concretizada em tipos legais. A tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade estão relacionadas logicamente de tal modo que cada elemento posterior do delito pressupõe o anterior (WELZEL,1987,p.57).
Em breve síntese extraída das lições de Bierrenbach (2009), temos a tipicidade (fato típico) como uma adequação da conduta concreta dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva, praticada pelo agente à conduta abstrata descrita na figura penal incriminadora, sujeitando o agente a uma pena. Ambas as condutas devem se ajustar perfeitamente, sem que nada falte ou nada sobre.
A ilicitude (antijuridicidade), por sua vez, é a contrariedade entre a conduta praticada pelo agente e o ordenamento jurídico-penal. Toda conduta típica será também antijurídica, a menos que o agente atue sob o manto de uma excludente de antijuridicidade.
Por fim, a culpabilidade, é o elemento mais importante para o estudo do presente artigo. Constitui juízo de censura, ao juízo de reprovabilidade que se faz sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente, e parte do pressuposto de que o agente pode ser responsabilizado pela conduta praticada.
2.2 Culpabilidade
Com base nos ensinamentos de Greco (2014), culpabilidade é o juízo de censura, ao juízo de reprovabilidade que se faz sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente. Conduta sendo como reprovável ou censurável é uma conduta levada a efeito pelo agente que nas condições em que se encontrava, podia agir de forma contrária.
Nesse sentido, Bittencort discorre:
Hodiernamente, a culpabilidade é vista como possibilidade de reprovar o autor de um fato punível porque, de acordo como os fatos concretos, podia e devia agir de modo diferente. Sem culpabilidade não pode haver pena e sem dolo ou culpa não pode existir crime. Pelo exposto, a responsabilidade objetiva é insustentável no sistema penal brasileiro, que, certamente encapou as ideias da responsabilidade penal subjetiva (BITTENCORT, 2000, p. 125).
Assim, ninguém será penalmente punido se não tiver agido com dolo ou culpa, o que nos mostra que a responsabilização do agente não deve ser objetiva, mas sim subjetiva. Portanto, sempre que o indivíduo agir de forma consciente, sem ser abrangido por uma legitima defesa ou estado de necessidade, esse indivíduo é considerado culpado e deve ser punido, conforme o Código Penal e o entendimento doutrinário.
Torna-se essencial buscar, no seu âmago, o elemento subjetivo, formado por manifestações psíquicas, emocionais, racionais, volitivas e sentimentais, em perfeito conjunto de inspirações exclusivas do ser humano (NUCCI, 2017, p. 116).
Nesse sentido, vemos que não basta que o agente simplesmente realize o fato, mesmo que decorra de sua vontade consciente, pois se deve buscar o elemento subjetivo que é formado pelas manifestações emocionais, racionais, psíquicas, volitivas e sentimentais, que são expressões espirituais demonstradas de modo particular de ser e agir, que constitui o querer, apto a atingir determinado resultado.
2.3 A Responsabilidade na esfera penal
O ordenamento jurídico-penal brasileiro se manteve totalmente em silêncio no tocante a reponsabilidade penal dos criminosos diagnosticados como psicopata. Isso tem levado os juízes a enquadrarem as pessoas diagnosticadas com psicopatia, sendo como imputáveis e semi-imputáveis. Portanto, definir a forma de responsabilidade penal do psicopata é de grande importância, pois caso seja entendido que o mesmo é imputável, irá responder pelo crime da forma praticada, levando em consideração o preceito secundário previsto para a norma infringida, por outro lado, se for entendido que o psicopata é semi-imputável, o mesmo terá uma redução da pena, de um a dois terços, de acordo com o disposto no artigo 26, parágrafo único, do Código Penal. Assim, há a necessidade de ser exposto a diferença entre imputabilidade, semi-imputabilidade e inimputabilidade.
2.3.1 Imputabilidade
Em relação à imputabilidade, é uma definição jurídica que se baseia em critérios relacionados à saúde mental e a regularidade psíquica. É a circunstância na qual o indivíduo possui uma capacidade de ter uma ação com completo discernimento e com efetividade para conduzir suas ações, nesse sentindo, para definir uma pessoa como imputável, é necessário analisar a sanidade mental e a maturidade.
O termo imputabilidade pode ser entendido como parte da culpabilidade, pois o agente tem a competência de entender se um ato é licito ou ilícito e definir sua conclusão a partir do seu entendimento. É importante ressaltar que o responsável necessita ter um estado físico, moral, mental e psicológico, para saber que está cometendo uma ação ilícita.
Assim, todas as pessoas são responsáveis por suas ações e por seu comportamento social, sendo possível a aplicabilidade das sanções penais ajustáveis a cada caso concreto, quando tais atos descumprirem as impostas por lei, com exceção dos que a legislação tem uma percepção diferente.
2.3.2 Semi-imputabilidade
No que se refere à semi-imputabilidade, podemos dizer que é uma circunstância que fica entre a imputabilidade e a inimputabilidade, podendo ter uma influência na competência do sujeito sobre si mesmo, o art. 26, parágrafo único, do Código Penal dispõe sobre o assunto:
Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Nesses casos, o juiz é obrigado a reduzir a pena, porém, deve fixar primeiro a pena privativa de liberdade e logo após substituir pela internação ou se necessário o tratamento ambulatorial, mas sempre com a possibilidade de decretar uma medida de segurança.
Os indivíduos que possuem os sintomas da psicopatia não são caracterizados como uma enfermidade mental, nesse sentido o Código Penal os qualifica como semi-imputáveis, pois não possuem a capacidade de agir normalmente com as regras e éticas morais. É de grande importância ressaltar que nos casos em que o indivíduo for considerado semi-imputável, sua culpabilidade não é anulada e, quando necessário, a lei disponibiliza ao magistrado a opção de decretar uma medida de segurança ou diminuir a pena, somente depois de ser proposta.
2.3.3 Inimputabilidade
A imputabilidade é a capacidade de culpabilidade. No entanto, em razão de doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado, a higidez biopsíquica do agente pode estar comprometida. Assim, a inimputabilidade ou incapacidade de culpabilidade pode decorrer da norma ao se presumir a ausência de sanidade mental. Neste sentido, há três causas de inimputabilidade em nosso Código Penal, que podem ser encontradas no art. 26, in verbis:
Art. 26 – É isento de pena o agente que, por doença mental, ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Neste diapasão, sobre a inimputabilidade, explica Damásio Evangelista de Jesus:
Não havendo a imputabilidade, primeiro elemento da culpabilidade, não há culpabilidade e, em consequência, não há pena. Assim, em caso de inimputabilidade, o agente que praticou o fato típico e antijurídico deve ser absolvido, aplicando-se medida de segurança (DAMÁSIO,1999, p. 499).
Há certas condições psíquicas de que são exemplo algumas neuroses, transtornos obsessivo-compulsivos, em que o sujeito, apesar de saber o valor de seu comportamento, não detém a capacidade de autodeterminação ou de autogoverno para refrear seu agir, daí ser considerado, para o direito penal, um doente mental, de forma a ser rotulado de absolutamente incapaz. Essa falta de capacidade decorre de doença mental ou do desenvolvimento mental incompleto ou retardado.
Entende-se por doença mental as psicoses, os estados de alienação mental por desintegração de personalidade, a evolução deformada de seus componentes e assim por diante, incluindo também o hipnotismo. Já o desenvolvimento mental incompleto é aquele que não se concluiu, alcançando, além dos menores, os surdos mudos e os silvícolas (índios) não adaptados. Nesse caso, a psicopatologia forense verificará, no caso concreto, se a anormalidade produz a referida incapacidade. E, por desenvolvimento mental retardado compreende-se a oligofrenia em todas as formas tradicionais: idiotia, imbecilidade e debilidade mental.
De qualquer forma, em todos esses estados de enfermidade mental carecem de exame médico-legal para comprovar a gravidade que os testam, podendo este ser realizado tanto na fase do inquérito policial como no processo penal, mediante instauração de incidente de insanidade mental do acusado.
3. A PSICOPATIA
3.1 Breves considerações
De acordo com o dicionário online de português, o termo psicopata pode ser conceituado como aquela pessoa que sofre de um distúrbio mental, definido por comportamentos antissociais, pela falta de moral, arrependimento ou remorso, sendo incapaz de criar laços afetivos ou de sentir amor pelo próximo. Indivíduo acometido por psicopatia, por esse distúrbio mental.
Ana Beatriz Silva (2009), afirma que Psico quer dizer mente; pathos, doença, mas que o psicopata não é um doente mental da forma como nós o entendemos. O doente mental é o psicótico, que sofre com delírios, alucinações e não tem ciência do que faz. Vive uma realidade paralela. Se matar, terá atenuantes. Já o psicopata sabe exatamente o que está fazendo. Ele tem um transtorno de personalidade. É um estado de ser no qual existe um excesso de razão e ausência de emoção. Ele sabe o que faz, com quem e por que. Mas não tem empatia, a capacidade de se pôr no lugar do outro.
Robert Hare (2013, p. 38), um dos maiores nomes da atualidade no estudo da psicopatia, afirma que os psicopatas não são pessoas desorientadas ou que perderam o contato com a realidade; não apresentam ilusões, alucinações ou a angústia subjetiva intensa que caracterizam a maioria dos transtornos mentais. Ao contrário dos psicóticos, os psicopatas são racionais, conscientes do que estão fazendo e do motivo por que agem assim. Seu comportamento é resultado de uma escolha exercida livremente.
Ao pensarmos em psicopatia, existe a falsa ideia de que é fácil distinguir quem é psicopata e quem não é na nossa sociedade. No entanto, não é tão fácil percebê-los como achamos. Geralmente, só o notamos depois que tem algum surto ou cometem crimes horrendos/atípicos. Mas os psicopatas vivem entre nós, se parecem conosco, mas como bem afirma a psiquiátrica Ana Beatriz (2008, p.35), são indivíduos desprovidos do sentido tão especial, qual seja, a consciência.
3.2 O diagnóstico de um psicopata
A psiquiátrica Ana Beatriz (2009), aduz que não é tão fácil detectá-los, especialmente quando temos alguma ligação afetiva com eles. Maridos que espancam suas esposas, por exemplo: as estatísticas mostram que 25% são psicopatas, e grande parte delas não aceita a verdade. Mas há algumas características básicas entre eles: falam muito de si mesmos, mentem e não se constrangem quando descobertos, têm postura arrogante e intimidadora por um lado, mas são charmosos e sedutores por outro. Costumam contar histórias tristes, em que são heróis e generosos. Manipulam as pessoas por meio de elogios desmedidos. Se tiver de começar a desconfiar de alguém, desconfie dos bajuladores excessivos. Chefes também podem ser psicopatas – o que costuma se manifestar pelo assédio moral aos funcionários. Um dado interessante é que eles não sentem compaixão, pena, remorso. Mas sabem, cognitivamente, o que é ter esses sentimentos. Daí representarem tão bem – e às vezes exageradamente – a vítima.
Para avaliar e diagnosticar um indivíduo com característica psicopata é necessário ter consciência de quão complexo é esse fenômeno. Robert Hare, um dos principais especialistas em psicologia moderna dando ênfase na psicopatia, criou um método de operacionalização desse tema por meio do inventário da psicopatia. Ele é frequentemente creditado como o responsável pela explosão das pesquisas durante as últimas décadas devido à sua criação da medida de psicopatia mais amplamente utilizada, o Psychopathy Cheklist (PCL) e o atual Psychopathy Cheklist Revised (PCL-R) (HUSS, 2011, p. 93).
Embora esse não seja o método único de avaliar a psicopatia, o PCL-R tornou-se a medida padrão de conhecimento. O PCL-R compõe-se de 20 itens que podem ser divididos em dois grupos. Os psicólogos forenses são responsáveis por marcar as alternativas que estão presentes e identificar se o sujeito apresenta características significativas de psicopatia.
Alguns dos pontos a serem identificados no PCL são: lábia, charme superficial, senso grandioso de autoestima, mentira patológica, ausência de remorso ou culpa, crueldade, afeto superficial, falta de empatia/crueldade, comportamento sexual promíscuo, falta de objetivos realistas de longo prazo, versatilidade criminal (HUSS, 2011).
3.3. Assassino versus Psicopata
um equívoco pensar que apenas assassinos seriais são psicopatas, e um dos objetivos do livro “Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado” da Ana Beatriz Silva, é justamente mostrar que a psicopatia não está ligada apenas ao homicídio. Segundo a autora, existem assassinos passionais que jamais matariam novamente. Um exemplo é a mulher que matou o estuprador do filho dela de 4 anos. Ela nada tem de psicopata. Ao contrário, apesar da violência, o crime dela pode ser compreensível para muitas mães. Ao passo que um psicopata pode nunca ter a necessidade de assassinar, resolvendo suas questões intervindo em vidas afetivas e financeiras, prejudicando pessoas de forma irreversível, mas sem matá-las.
Uma breve revisão da história da humanidade é capaz de revelar duas questões importantes no que se refere à origem da psicopatia. A primeira delas destaca o fato de a psicopatia sempre ter existido entre nós. A segunda questão aponta para a presença da psicopatia em todos os tipos de sociedades, desde as mais primitivas até as mais modernas. Esses fatos reforçam a participação de um importante substrato biológico na origem desse transtorno. No entanto, não invalidam a participação significativa que os fatores culturais podem ter na modulação desse quadro, ora favorecendo, ora inibindo o seu desenvolvimento (SILVA, 2008).
3.4 Possibilidade de cura ou tratamento dos psicopatas
Existem tratamentos por meio de medicamentos e psicoterapias, contudo, salvo exceções, tais métodos não se mostram eficazes, visto que a maioria dos indivíduos psicopatas acredita não padecer de qualquer problema.
Ao realizar qualquer tratamento se faz necessário que haja a colaboração do paciente para que surjam os efeitos desejados. Como nesse caso a colaboração é nula, pois o próprio indivíduo psicopata não tem interesse, não tem remorso pelos crimes que cometeu, as tentativas restam frustradas.
Conforme a psiquiátrica Ana Beatriz Silva, a psicopatia não tem cura, é um transtorno de personalidade e não uma fase de alterações comportamentais momentâneas. No entanto, ainda afirma a autora que existem graus diversos de a psicopatia se manifestar, e que somente os casos mais graves apresentam barreiras de convivência intransponíveis.
De todo modo, o objetivo é criar estratégias de controle das necessidades do indivíduo, ainda pequeno, evitando o emprego de qualquer mal a outrem, seja ele semelhante ou não. Dessa forma, o controle social, político, familiar dado na infância se torna mais eficaz, pois as características psicopáticas ao invés de aflorar, são suprimidas desde o início, já que o meio social pode estimular o desenvolvimento ou supressão desse transtorno.
4 RESPONSABILIDADE PENAL DOS PSICOPATAS
4.1 Na doutrina
Questão complicada no âmbito jurídico é definir os rumos da responsabilidade penal do psicopata, isto é, se referidos indivíduos são imputáveis, semi-imputáveis ou mesmo inimputáveis. O fato é que a doutrina da psiquiatria forense é unânime no sentido de que a respeito de um transtorno de personalidade, o psicopata é inteiramente capaz de entender o caráter ilícito de sua conduta, restando, assim, se ele é capaz de determinar-se de acordo com esse entendimento. Nesse sentido, os transtornos de personalidade não são propriamente doenças, mas anomalias do desenvolvimento psíquico, sendo considerados, em psiquiatria forense, como perturbação da saúde mental.
Segundo o Código Penal Brasileiro, serão impostas aos indivíduos psicopatas a forma de infrações penais, como espécies de sanção penal, pois como já vimos, a psicopatia é um transtorno de personalidade antissocial, na qual não afeta a capacidade de entender o caráter ilícito e nem sua capacidade de entendimento. Nesse sentido, concluímos que o psicopata de início deve ser tratado e considerado na esfera penal como um infrator imputável, devendo ser imposta uma sansão adequada no caso de cometer um crime.
Contudo, estudiosos alertam sobre a reincidência criminal em relação a falta de aprendizagem dos psicopatas no tocante às aplicações das sanções penais, pois acaba que as penas se tornam um meio coercitivo e preventivo sem eficácia contra os psicopatas. Assim, os estudiosos afirmam que é inútil as tentativas de reeducação do indivíduo, pois não possui em sua personalidade a ética sobre a qual possa influir.
4.2 Na Jurisprudência
Existem controvérsias acerca de como será a responsabilidade penal dos psicopatas que cometem crimes, a decisão não é unanime na jurisprudência dos tribunais pátrios. Como podemos analisar, no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais foi decidido de acordo com o grau de psicopatia do réu a sua inimputabilidade, dessa forma foi submetido à internação como medida de segurança.
APELAÇÃO CRIMINAL - DELITOS DE AMEAÇA E INCÊNDIO - ARTIGOS 147 E 250, INC. II, ALÍNEA 'a', AMBOS DO CÓDIGO PENAL - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - RÉU INIMPUTÁVEL - MEDIDA DE SEGURANÇA - INTERNAÇÃO - SUBSTITUIÇÃO PARA TRATAMENTO AMBULATORIAL - IMPOSSIBILIDADE - EVIDÊNCIAS DE PERICULOSIDADE DO ACUSADO - RECURSO NÃO PROVIDO. - Na aplicação da medida de segurança deve o julgador observar a natureza do crime cometido, o potencial de periculosidade do réu e o grau da psicopatia, ainda que o crime seja apenado com reclusão. - Diante das evidências de periculosidade do réu, justifica-se submetê-lo à medida de segurança de internação.
(TJ-MG - APR: 10428130027223001 MG, Relator: Jaubert Carneiro Jaques, Data de Julgamento: 08/11/2016, Câmaras Criminais / 6ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 22/11/2016)
Enquanto que no Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul entendeu-se que o réu seria imputável, em um dos votos é aduzido que “a conduta social e a personalidade são desfavoráveis, porquanto submetido a exame de insanidade mental, laudo de f. 1533-43, o perito concluiu ser imputável, bem como ser psicopata, tendo em sua personalidade um viés de entendimento malévolo e hostil, com comportamento antissocial destrutivo e com elevada tendência à reincidência delitiva”
E M E N T A – APELAÇÃO DEFENSIVA – OCULTAÇÃO DE CADÁVER – ANTECEDENTES, CONDUTA SOCIAL E PERSONALIDADES NEGATIVADAS – FUNDAMENTAÇÃO INDÔNEA – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. O decurso do prazo depurador previsto no art. 64, I, do Código Penal, impossibilita o reconhecimento da reincidência, porém não impede a negativação dos maus antecedentes. A conduta social e a personalidade do agente podem ser consideradas prejudiciais na primeira fase da dosimetria da pena com a consequente exasperação da pena-base quando constam nos autos elementos concretos a fundamentar a negativação dos vetores.
(TJ-MS - APR: 00056693120178120001 MS 0005669-31.2017.8.12.0001, Relator: Desª Elizabete Anache, Data de Julgamento: 01/11/2019, 1ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 04/11/2019).
4.3 Caso concreto
Para ilustrar, descrevemos um caso real que aconteceu no interior do Piauí e chocou o país. O caso da “menina-vampiro”. A história é de uma adolescente que cometeu um crime brutal no interior do Piauí, no final da década de 1990. O caso chamou a atenção do país pelos sintomas nítidos de vampirismo que estavam por se confirmar.
A adolescente matou, com um machado, a tia e uma criança de dois anos. A outra vítima, uma menina de quatro anos, sobreviveu, mas ficou com sequelas. Após o crime, ela bebeu o sangue das vítimas. O caso teve grande repercussão à época e a jovem foi chamada de menina-vampira. Psiquiatras a diagnosticaram com psicopatia severa e incurável.
Em 2010, o escritor Enéas Barros lançou o livro “15:50 - A história da Menina-Vampiro do Piauí”, em que relata com detalhes o caso. Ele teve acesso a todo o inquérito, entrevistou autoridades policiais e psiquiatras, além de testemunhas e da própria autora do crime. “Ela relatou nos depoimentos à polícia que bebeu três copos e meio de sangue tirado da cabeça das vítimas”, disse o escritor.
Segundo o escrito, a moça ficou presa por 11 anos, mas nunca foi julgada. Por isso, conseguiu a liberdade por meio de um habeas corpus concedido pelo Superior Tribunal de Justiça. “Hoje ela não deve nada. Quando cometeu o crime ainda era menor e ficou presa ilegalmente. De todo modo, fica a advertência, porque o psiquiatra me disse que não havia cura para a psicopatia. Mas ela pode ser tratada”, afirma Enéas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo buscou, dentro do nosso ordenamento jurídico, a compreensão de como um psicopata é tratado frente ao direito penal brasileiro pela prática de uma conduta criminosa.
Com base nesse estudo, podemos concluir que os psicopatas possuem a capacidade de entender o que fazem e consequentemente o caráter ilícito de uma possível conduta que possam vir a praticar, mas não se pode negar que são pessoas que possuem um transtorno de personalidade que necessitam de tratamento e que deve ser analisado o caso concreto em que dependendo do grau de psicopatia do indivíduo seja responsabilizado pelos seus atos como semi-imputável ou imputável, mas nunca como um inimputável.
Pois como foi visto, só serão tratados como portadores de doença mental e isentos de pena conforme o disposto no artigo 26 do Código Penal Brasileiro os que forem inteiramente incapazes de entender o caráter ilícito do ato praticado. E se segundo os especialistas na área da psicologia e psiquiatria os portadores de psicopatia possuem o entendimento do que estão fazendo e do caráter ilícito de sua conduta, não podem ser considerados inimputáveis, pois serão considerados culpáveis e o seu ato seja considerado como a pratica de um crime, pois a culpabilidade é um elemento essencial para a caracterização de um crime, conforme o conceito analítico adotado pela doutrina e jurisprudência majoritária.
Por fim, acredita-se que é necessário um posicionamento do ordenamento jurídico penal brasileiro a respeito do tema, pois se observa que os juízes não possuem uma decisão unânime a respeito da responsabilidade penal dos psicopatas, sendo que cada um resolve os casos de forma diferenciada, pois a lei é omissa.
REFERÊNCIAS
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[1] Luís Fernando Mendes de Carvalho, Acadêmico de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA. E-mail: [email protected]
[2] Me. Edjofre Coelho de Oliveira. Mestre em Ciências da Educação pela ULHT/UFMS. E-mail: [email protected]
Acadêmica de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho –UNIFSA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, LUCIANA SOUSA. O tratamento à psicopatia no Direito Penal brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 abr 2020, 04:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54432/o-tratamento-psicopatia-no-direito-penal-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
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