REBECCA SOUSA DE ARAÚJO
(coautora)[1]
ROCHELE JULIANE LIMA FIRMEZA [2]
(orientadora)
RESUMO: Esse artigo demanda estudar a publicidade infantil no YouTube e explicar a hipervulnerabilidade a frente dessa plataforma que está em constante crescimento, as empresas estão investindo e sempre inovando com a intenção de captar cada vez mais a atenção do público infantil e idealizando situações que levam as crianças a acreditarem que necessitam daqueles produtos ou serviços apresentados. Nessa perspectiva, o principal objetivo da pesquisa foi mostrar como a criança é influenciada no consumo e de que forma pode ser protegida. Buscando argumentar inquietações em relação à legislação e regulamentação publicitária apontada as crianças na plataforma YouTube. De acordo com a metodologia utilizada do tipo pesquisa descritiva, bibliográfica e qualitativa, os resultados apontaram a deficiência de um plano de fiscalização na legislação ou regulamentação já existente, se fazendo necessário um acompanhamento efetivo na plataforma para combater esse tipo de publicidade.
Palavras-chave: criança, consumo, publicidade infantil, youtube.
Sumário: 1 Introdução. 2 Da Relação de Consumo sob a Ótica Constitucional e Infraconstitucional. 2.1 Tratamento Constitucional do Direito do Consumidor. 2.2 A vulnerabilidade no Código de Defesa do Consumidor. 2.4 A criança e a sua Hipervulnerabilidade. 3 A Publicidade direcionada as crianças no Youtube. 3.1 Regulamentação Publicitária relacionadas ás crianças no youtube. 4. Conclusão. 5 Referências.
1 INTRODUÇÃO
As relações de consumo, nos últimos anos, têm aumentado de forma extraordinária, sobretudo quando atinge consumidores de todas as idades, principalmente com o advento da tecnologia, pelo acesso facilitado a internet, na qual se permite um maior contato com exibição e venda de produtos. Para melhor entendimento, Tartuce e Amorim (2018) dispõe em relação a publicidade afirmando que esta pode ser conceituada como sendo qualquer forma de transmissão de dados e informações com o intuito de motivar a aquisição de produtos os serviços no mercado de consumo.
Com isso, observou-se uma preocupação maior quanto à parte mais frágil da relação jurídica, ainda mais quando se trata de uma vulnerabilidade agravada, existindo maior dificuldade quanto a distinguir, identificar e reconhecer mensagens publicitárias, como é caso das crianças como consumidoras.
Nesse sentido, cumpre destacar que o presente estudo buscou analisar de que forma ocorre a proteção jurídica existente relacionada a crianças expostas a publicidade presente em mídias sociais, destacando a plataforma de vídeos Youtube frente a sua condição de hipervulnerável, discutindo a real eficácia desses dispositivos.
Para alcançar tais objetivos, o estudo foi desenvolvido através de pesquisas e revisão bibliográfica por meio de um levantamento em livros, doutrinas, jurisprudências sobre Direito do Consumidor correlacionando ao tema em questão e a legislação brasileira vigente.
Sendo esse tema de cunho relevante tanto juridicamente quanto para a sociedade, no âmbito da sua proteção social de forma a identificar possíveis dificuldades na regulamentação no que tange a comunicação mercadológica direcionada às crianças, buscando entender conceitos e determinações jurídicas. Por meio disso, objetiva analisar a publicidade destinada às crianças na plataforma Youtube, e como gera impacto na sociedade de consumo. Demonstra relevância acadêmica, visto que tal assunto encontra-se em constante evolução, buscando contribuir diretamente quanto à compreensão de mudanças na relação de consumo, especialmente àqueles considerados hipervulneráveis.
Dessa forma, visando, não esgotar o conteúdo, naturalmente tão vasto, mas esclarecer os seus pontos mais relevantes, inicialmente, este estudo tratará sobre relação de consumo e os sujeitos que dela participam, bem como a defesa ao consumidor como dever do Estado presente na Constituição Federal de 1988, e quanto a proteção desse consumidor em legislação própria, o Código de Defesa do Consumidor. Posteriormente passará a explicar e a criança enquanto consumidora e a sua condição de hipervulnerável. No último item será debatido como ocorre à publicidade em vídeos do Youtube e consequente a regulamentação publicitária relacionada às crianças.
2 RELAÇÃO DE CONSUMO SOB A ÓTICA CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL
A relação jurídica de consumo é bilateral, definida como uma relação pactuada entre consumidor e fornecedor, a qual possui como objeto a obtenção de um produto ou a contratação de um serviço. Nesse sentido, Bolzan (2020), afirma que os conceitos de todos os entes em apreço não podem ser considerados isoladamente, se fazendo necessária a apreciação de ambos.
Em razão disso, é imprescindível definir de forma clara os sujeitos que participam dessa relação, sendo eles o consumidor e o fornecedor. Levando em consideração que o instrumento legislativo optou por não definir relação jurídica, mas sim os elementos que dela participam, sendo eles objetivos, subjetivos e finalístico, visto que o consumidor é o destinatário final do produto e do serviço.
Dessa forma, apresentam-se como elementos subjetivos, primeiramente o consumidor que figura no polo passivo e conforme artigo 2° do Código de Defesa do Consumidor será toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Nessa esteira, Theodoro Júnior (2017) destaca que:
Depreende-se do dispositivo que o Código utilizou o caráter econômico para a conceituação de consumidor, na medida em que leva em consideração o fato de a pessoa adquirir os produtos para utilização pessoal e, não, comercial. Vale dizer, consumidor é quem “age com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de uma outra atividade negocial”. (JUNIOR, 2017, p.24).
Vale ressaltar que no final do artigo supracitado deixa claro o destinatário final que seja para uso próprio, privado, individual, familiar ou doméstico, e até mesmo para terceiros, desde que o repasse não seja para fins lucrativos. Para entendermos melhor o conceito de consumidor destinatário final foi criado duas teorias: Finalista e Maximalista.
Na teoria finalista só inclui consumidor como pessoa física e não pessoa jurídica ou profissional liberal, e aquele que obtém o produto ou serviço para o uso próprio ou de sua família. Na teoria Maximalista o destinatário fático é aquele que remove o produto ou serviço do mercado de consumo, podendo ser para fins profissionais ou não, é importante lembrar que não pode ocorrer revenda.
O Superior Tribunal de Justiça adota a corrente Finalista Atenuada que a pessoa jurídica ou profissional liberal deverão comprovar a vulnerabilidade para ser considerados consumidores. É importante destacar o raciocínio de Bolzan (2014):
Ademais, apresenta-se como uma corrente intermediária quando cotejada com as teorias tradicionais finalista e maximalista, pois, apesar de o STJ ter adotado a teoria finalista, passou a interpretá-la de tal forma a enquadrar no conceito de consumidor destinatário final a pessoa jurídica, desde que a vulnerabilidade desta esteja presente no caso concreto. (BOLZAN, 2014, p. 63).
Dito isso, a pessoa jurídica mesmo não sendo consumidora em sentido estrito, o STJ encaixou na teoria finalista atenuada como destinatário final desde que haja comprovação de sua vulnerabilidade e que está em desvantagem na situação. Assim como é possível se verificar em trecho de um julgado do Superior Tribunal de Justiça em Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 837871 SP 2016/0000575-3 a seguir exposto:
[...]
2. A jurisprudência desta Corte tem mitigado a teoria finalista para autorizar a incidência do Código de Defesa do Consumidor nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade, o que foi configurado na hipótese dos autos [...].
Tal decisão demonstra de forma clara a incidência da teoria finalista mitigada em um caso concreto, consubstanciando uma relação de consumo na qual demonstra que comprovada a vulnerabilidade da pessoa jurídica, também serão considerados consumidores.
É de suma importância comentar sobre o consumidor por equiparação, considerado aquele que não possui uma relação de consumo direta com o fornecedor e ainda assim são vítimas do dano causado. Segundo Bolzan (2014, p.77) afirma que não é somente o adquirente do serviço ou produto a parte mais vulnerável da relação jurídica, podendo se valer dessa proteção, pessoas que tiveram contato com a relação de consumo.
Os artigos 17 e 29, do Código de Defesa do Consumidor, elencam os tipos de consumidor por equiparação, diferente do padrão. Neste raciocínio, Souza, Werner e Neves (2018) destacam que:
Equiparam-se, assim, aos consumidores todas as vítimas dos fatos do consumo, ou seja, dos danos por eles causados (artigo 17), assim como as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas (artigo 29). Não atenderia aos reclamos de uma sociedade comprometida com os valores da solidariedade social e boa-fé restringir a proteção do Código aos consumidores-padrão, deixando ao desabrigo os terceiros que são atingidos por danos decorrentes dos acidentes de consumo. (SOUZA, WERNER, NEVES, 2018, p.38).
Assim, a pessoa que sofrer qualquer consequência decorrente do evento danoso de terceiros, poderá recorrer a justiça e fazer valer seu direito como consumidor por equiparação, ou seja, são protegidas pelo CDC.
O outro elemento subjetivo é o fornecedor definido no artigo 3° caput do CDC, figurando o polo ativo, entendido como toda pessoa física ou jurídica que desenvolve atividade produtiva, de distribuição ou comercialização de produtos e serviços. Tal conceito se desenvolve de forma ampla tanto para a figura do próprio fornecedor quanto para as atividades desenvolvidas pelo mesmo.
Nesse azo, afirma Miragem (2016, p. 176) que o CDC buscou relacionar de forma abrangente o conjunto de ações relacionadas ao fornecimento de produtos e prestação de serviços. Com isso, o fornecedor pode ser pessoa física, jurídica, entes despersonalizados, contudo, exigem-se requisitos como habitualidade, bem como a necessidade de remuneração, constituindo a finalidade econômica da atividade.
Já os elementos objetivos da relação, são produtos e serviços. Embora seja um conceito bem breve e sintetizado na legislação consumerista, define produto como qualquer bem móvel ou imóvel, material ou imaterial, no entanto, tal conceito deve ser entendido de forma bem mais abrangente, assim incluindo qualquer objeto colocado a venda.
Quanto aos serviços, será uma atividade prestada pela figura do fornecedor, contratada pelo destinatário final, mediante remuneração podendo esta ser direta ou indireta. O art. 3°, §2° do CDC ainda elenca um rol exemplificativo de serviços e uma exceção no que diz respeito às relações decorrentes de caráter trabalhista, visto que possuem lei específica.
Em Filomeno (2018), é possível encontrar o seguinte esclarecimento:
Aqui o Código de Defesa do Consumidor abrange todo e qualquer tipo de serviço, entendido como uma utilidade usufruída pelo consumidor, e prestada por um fornecedor determinado, num facere (fazer). Desta forma são exemplos de serviços: os prestados por um eletricista, encanador, pintor, coletivos de transporte, e outros tipos de transporte terrestre, aéreo, marítimo, lacustre, ferroviário, de dedetização, de turismo etc. (Filomeno 2018, p.103)
Os serviços públicos oferecidos no mercado de consumo à população mesmo que seja indiretamente, são protegidos pelo CDC, por isso devem ser de qualidades e consideravelmente eficazes, como por exemplo, o transporte coletivo, existe a presença de uma relação de consumo caracterizada.
Nesse sentido, atualmente vem ocorrendo uma crescente evolução social e tecnológica, bem como a globalização fazendo com que as fontes de informações e comunicação se tornem cada vez mais satisfatórias e eficazes, as relações de consumo sofrem mudanças constantes e extremamente rápidas, como, por exemplo, tem-se a criança como consumidora escolhendo o que deseja consumir, e utilizando o simples acesso à internet como uma das formas de adquirir produtos e serviços.
2.1 Tratamento Constitucional do Direito do Consumidor
Com o desenvolvimento das relações de consumo houve a necessidade de criar instrumentos para regular tal relação. A proteção do consumidor é de tamanha importância que é determinada na Carta Magna de 88 em seu art. 5°, inciso XXXII, de forma expressa como se prevê “O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.
Nesse mesmo sentido, Almeida (2015), afirma que a defesa ao consumidor passou a ser direito do cidadão e dever do Estado. Visto que, tais direitos encontram-se localizados nos direitos fundamentais, ficando o consumidor a salvo da possibilidade de possível modificação pelo Poder Constituinte, se tornando uma preocupação definitiva e duradoura.
Neste raciocínio de acordo com Miragem (2016):
[...] o direito do consumidor se compõe, antes de tudo, em direito à proteção do Estado contra a intervenção de terceiros, de modo que a qualidade de consumidor lhe atribui determinados direitos oponíveis, em regra, aos entes privados, e em menor grau (com relação a alguns serviços públicos) ao próprio Estado. (MIRAGEM 2016, p.59).
O autor alude a Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais, na qual o Estado irá buscar a igualdade nas relações que ocorrem entre particulares, ocorrendo a Constitucionalização do direito privado. O princípio da autonomia privada sempre se faz presente nas relações de consumo privadas, devendo ser aplicado os direitos fundamentais de acordo com o caso concreto sempre que observado um desequilíbrio dentro dessa relação, levando em consideração a razoabilidade e proporcionalidade.
Presente ainda no art. 170, inciso V, do mesmo diploma:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
V- defesa do consumidor
O dispositivo supracitado garante que haja tratamento igual na relação de consumo, nenhum tipo de exploração poderá alcançar os direitos concedidos ao consumidor. Assim, se fazem presentes também os princípios basilares na tentativa de garantir que estejam em um mesmo nível, os sujeitos participantes da relação, ou seja, que fornecedor e consumidor não sobreponha um ao outro. Tais princípios são o da boa-fé objetiva, da transparência e da informação.
Sobre o art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias concedeu um prazo de cento e vinte dias da promulgação da CF, para a elaboração do Código de Defesa do Consumidor, escolhendo o legislador pela elaboração de um diploma próprio e específico.
2.2 A Vulnerabilidade do Consumidor no Código de Defesa do Consumidor
Diversos marcos históricos, como a Revolução Industrial, influenciaram no surgimento um novo modelo de mercado, na qual o fornecedor prezava mais pela quantidade e menos pela qualidade, prejudicando assim o sujeito passivo da relação. Desse modo, o direito existente não era suficiente para solucionar tal conflito se fazendo necessária uma legislação própria, o Código de Defesa do Consumidor.
O CDC é formado por diversos princípios que conferem garantias aos consumidores, considerados os vulneráveis da relação, trazendo em sua matéria normas de ordem pública e interesse social, assim entende-se que o legislador buscou equilibrar uma relação jurídica, reestabelecendo a igualdade entre os sujeitos da mesma.
O artigo 4° do diploma legislativo em questão pode ser considerado um dos mais importantes, visto que destaca a política de proteção ao consumidor e dentre outros um importante princípio, o da vulnerabilidade. Na qual em seu inciso I, o consumidor é reconhecidamente vulnerável em relação ao fornecedor no mercado de consumo, valendo ressaltar a redução de abusos pelos fornecedores, após tal princípio.
Assim, esclarece Nunes (2018):
Tal reconhecimento é uma primeira medida de realização da isonomia garantida pela Constituição Federal. Significa que o consumidor é a parte fraca da relação jurídica de consumo. Essa fraqueza, essa fragilidade é real, concreta e decorrente de dois aspectos: um de ordem técnica e outro de cunho econômico. (NUNES 2018, p.122)
Cumpre ressaltar que existem três espécies de vulnerabilidade. A fática decorre da desigualdade econômica e social, o consumidor encontra- se em desvantagem em relação ao fornecedor. A técnica, o consumidor não possui estudo técnico ou especifico sobre o processo produtivo. A jurídica decorre da falta de conhecimento do consumidor sobre seus direitos.
2.3 A Criança e sua Hipervunerabilidade
Tomando como ponto inicial a vulnerabilidade, na qual significa uma condição jurídica de proteção à parte mais fraca da relação de consumo, existe a hipervulnerabilidade, que são pessoas ainda mais vulneráveis em relação ao fornecedor. São consumidores que ficam mais expostos a abusos, apresentando-se como mais frágeis em decorrência de um fator biológico como sua deficiência física ou mental necessitando de maiores informações e atendimento diferenciado.
Nesse sentido, destaca Cavalieri (2019):
Ao Estado Social importam não apenas os vulneráveis, mas, sobretudo os hipervulneráveis, pois são esses que, exatamente por serem minoritários e amiúde discriminados ou ignorados, mais sofrem com a massificação do consumo e a pasteurização das diferenças que caracterizam e enriquecem a sociedade moderna. Ser diferente ou minoria, por doença ou qualquer outra razão, não é ser menos consumidor, nem menos cidadão, tampouco merecer direitos de segunda classe ou proteção apenas retórica do legislador. (CAVALIERI 2019, p.73).
Desse modo, verifica-se a que a hipervulnerabilidade se define como a vulnerabilidade majorada e agravada perante a comunicação mercadológica, cuja fragilidade é verificada em maior grau de relevância, podendo tal aspecto ser verificado em idosos, doentes, gestantes, portadores de necessidades especiais e as crianças.
Atualmente, é possível afirmar que a criança possui um grande papel econômico em decorrência da antecipação em diversos aspectos, inclusive no mundo consumista, bem como nas relações de consumo. O público infantil tornou-se um consumidor em potencial, movimentando a economia e mobilizando milhões, ao influenciarem os adultos no ato da compra.
Assim entende Miragem (2019, p.132) que o poder dessas crianças nas decisões de consumo familiar, gera conflito com a vulnerabilidade agravada que apresentam, visto que nesse estágio da vida, se deixam convencer com facilidade por não possuírem controle sobre aspectos de um negócio.
Nesse sentido, as crianças como consumidoras se enquadram como hipervulneráveis, exigindo maior atenção com relação à fiscalização de anúncios publicitários e técnicas de marketing em razão da sua deficiência de julgamento e da falta de experiência, visto que se encontram em fase transitória de desenvolvimento ainda formando seus pontos de vistas e princípios, merecendo uma proteção específica.
Considerando a idade mental um aspecto relevante para configurar a hipervulnerabilidade, uma vez que não possuem amadurecimento suficiente para se proteger de fatores que as influenciem como protagonistas, exibição de produtos e narrativas de induzimento, direcionada a esse público que necessitaria de uma análise crítica.
Nessa perspectiva, as crianças são consideravelmente suscetíveis a algumas publicidades, desenvolvendo expectativas relacionadas a produtos que podem não condizer com a realidade, bem como não sendo capazes de identificar manobras publicitárias implícitas que as induzem facilmente ao consumo.
O Estatuto da Criança e Adolescente (Lei n° 8.069 de 13 de junho de 1990), que em seu artigo 2° considera-se criança a pessoa de até 12 anos incompletos. E faz menção relacionando à publicidade, somente no que tange a proibição do anúncio que incluir bebidas alcoólicas, tabacos e armas. Em relação ao CDC, se faz presente apenas um único dispositivo na qual proíbe publicidade considerada abusiva.
3 A PUBLICIDADE DIRECIONADA AS CRIANÇAS NO YOUTUBE
O propósito da publicidade é comercial, que proporciona produtos, marcas e serviços através de diversas plataformas, podemos perceber que a comunicação é essencial para a publicidade, pois a mensagem tem que chegar excelente ao receptor.
Nesse ponto de vista Miragem (2016) destaca:
Em uma realidade de hiperinformação na qual cada indivíduo é submetido a uma quantidade imensa de dados e informações as mais variadas, a todo o tempo, a importância da publicidade é ressaltada, na medida em que, considerando-a como "informação dirigida ao público com o objetivo de promover direta ou indiretamente uma atividade econômica", ou como "a arte de criar, no público, a necessidade de consumir" será dotada de uma série refinada e profissional de técnicas para sua realização. Neste sentido, estudiosos do fenômeno da "publicidade relacionam como cinco as tarefas a serem realizadas pelo anúncio publicitário: 1) chamar a atenção; 2) despertar o interesse; 3) estimular o desejo; 4) criar convicção; e 5) induzir à ação. (MIRAGEM 2016, p.264)
É claro que a publicidade está presente nos mais variados lugares, de maneira que os indivíduos são influenciados, estimular a venda de produtos e serviços é sua maior função, incontáveis vezes faz com que o consumidor comece a admirar o produto.
É importante diferenciar publicidade de propaganda. Segundo Cavalieri (p.159) “publicidade tem objetivo comercial, próprio para anunciar produtos e serviços possíveis de negociação. Propaganda, por sua vez, visa a um fim ideológico, próprio para a propagação de princípios, ideias, teorias, com objetivo religioso, político ou cívico”. O maior exemplo desta última é a propaganda eleitoral, as campanhas governamentais ou até mesmo de vacinas. A publicidade visa o lucro, enquanto a propaganda é um meio de difusão de princípios, teorias e valores, sem impulso comercial.
Vale ressaltar que o artigo 37, do CDC, expressou que é proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. A publicidade enganosa é toda informação falsa, ou quando age com omissão e induz o consumidor ao erro, ou até mesmo quando deixa de informar corretamente sobre um determinado produto, essa modalidade está prevista no artigo 37, § 1°, do CDC. A publicidade abusiva é quando incide a violência, e abuse do medo ou superstição, usufruir da deficiência de julgamento e experiência da criança, desconsiderar valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança, está previsto no artigo 37, § 2º, do CDC.
A publicidade infantil tem conquistado espaço no decorrer dos anos, por ser consumidor hipervulnerável as empresas desfrutam de tal característica. Traz com clareza o artigo 36, do CDC, que a publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente a identifique como tal. As crianças não têm conhecimento suficiente e muito menos experiências para saber o que é relevante, e não possuem discernimento para constatar.
Segundo Karsaklian (2000), destaca:
A vulnerabilidade especial ou agravada que se deve tomar em consideração na interpretação do conceito de publicidade abusiva e sua proibição, pelo CDC. Parte-se de um fato: a criança por suas qualidades naturais conta com deficiência de julgamento e experiência em relação ao mundo exterior, quando comparadas ao consumidor médio que já tenha deixado a infância. (KARSAKLIAN (2000, p.221).
As crianças agem com imaturidade por não ter idade suficiente e as empresas conseguem estimular o consumo excessivo e sem necessidade. Sendo responsabilidade dos pais educar relativamente à necessidade do consumo, o que refletiria de forma relevante para o cenário atual, enquanto o público infantil já possui uma noção da ligação entre o financeiro e o consumo. Reconhecendo que quando a publicidade for abusiva, poderá ocasionar prejuízos ao menor, enquanto a sua formação.
Segundo Burgues e Green (2009) o Youtube é entendido como uma plataforma e um agregador de conteúdo, embora não seja uma produtora de conteúdo em si. Ou seja, possibilita a criação de conteúdos e entretenimento agregando publicidade em seus vídeos. Sendo as crianças o público-alvo de muitos canais existentes, de acordo com um estudo apresentado por Correa (2016) que identificou que entre 100 canais de maior audiência no Youtube, 48 canais abordam conteúdo direcionado ou consumido por crianças de 0 a 12 anos.
A publicidade no Youtube ocorre de diversas formas, destacando as principais: como uma propaganda formal e explícita podendo aparecer antes, durante ou ao fim do vídeo, podendo o usuário optar por clicar, fazendo com que o canal tenha ganhos ou pode simplesmente fechar o anuncio.
Outra forma é quando dentro do contexto do vídeo, existe a publicidade já inserida, fazendo com que o conteúdo comercial se torne tema do vídeo, por meio de uma exposição de opinião sobre o produto. Essa segunda forma, pode ser um tanto difícil identificar o conteúdo comercial, visto que se trata apenas de apresentar o produto, chamando assim de review.
A ação de marketing pode ocorrer por parte da empresa, quando as empresas se comunicam com as crianças e seus responsáveis com o propósito de promover produtos, lembrando que o contrário também pode acontecer, na qual é a criança ou seus responsáveis que entram em contato com a empresa solicitando um produto sem custo e em troca publica uma review no seu canal.
Existe ainda, o conteúdo proprietário da marca, na qual possuem seus próprios canais, usando como ferramenta principal para expor seus produtos de forma leve, com a criação de conteúdos como episódios de novelas narrada e encenadas por brinquedos da marca feita por adultos, bem como tutorais de como usar o produto anunciado, algo bem espontâneo que muita das vezes não soa como publicidade.
E por fim a mais influente técnica, chamada unboxing, na qual se tem protagonistas que geralmente são crianças de mesma idade ao público-alvo, quase que encenando a surpresa de abrir e exibir determinado produto em seus mínimos detalhes, como se fosse uma brincadeira. Tal modalidade de vídeo é a mais preocupante, uma vez que é de fácil absorção pelas crianças e possui um alto de nível de interação com os usuários, gerando a sensação de que tal produto seria essencial.
Esses tipos de publicidades propagam uma situação perfeita e desperta o interesse no publico infantil a consumir por serem levados a acreditar que a alegria só existe em situações apresentadas. Vale ressaltar, que muitas vezes pode acontecer um choque emocional maior, pelo fato da família não ter condições de proporcionar aquele objeto específico para garantir a alegria idealizada.
3.1 Regulamentação Publicitária Relacionada às Crianças no Youtube
Existem algumas regras e determinações mais específicas do que as do Código de Defesa do Consumidor e as do Estatuto da Criança e Adolescente que abordam a publicidade infantil de forma bem geral, nada relacionado diretamente a vídeos na plataforma em questão, bem como meios virtuais.
O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) que é uma organização não governamental visando promover a liberdade de expressão publicitária e defender prerrogativas constitucionais da propaganda comercial, oferecendo ao consumidor a oportunidade de ser ouvido tendo como maior objetivo fiscalizar a ética das publicidades que veiculam no Brasil.
Segundo Miragem (2016) tal organização é de suma importância quanto o controle da publicidade ilícita, nas modalidades abusiva e enganosa, sendo de fato a sua atuação em consequência da ampla representatividade das entidades comprometidas com os setores econômicos abrangidos na atividade publicitaria.
Nesse azo, entende-se que tal órgão não exerce um poder arbitrário no sentido de proibir, multar ou até mesmo retirar uma publicidade do ar, facultando àquelas que são destinadas a seguir as indicações propostas. No que se trata de publicidade voltada ao publico infantil, dispõe-se:
Art. 37. Os esforços de pais, educadores, autoridades e da comunidade devem encontrar na publicidade fator coadjuvante na formação de cidadãos responsáveis e consumidores conscientes. Diante de tal perspectiva, nenhum anuncio dirigirá apelo imperativo de consumo diretamente à criança.
Esse dispositivo ainda elenca várias recomendações para anúncios publicitários direcionados para esse publico em específico, como por exemplo: dar atenção especial às características psicológicas do público-alvo abster-se de estimular comportamentos socialmente condenáveis, contribuir para um desenvolvimento positivo, não impor consumo ou uso dos e serviços.
Como assim explica Miragem (2016, pg. 291):
A atividade de controle da publicidade ilícita na experiência brasileira, além do controle judicial ou por intermédio dos órgãos públicos integrantes do Sistema Nacional das Relações de Consumo, conta com importante sistema de autorregulamentação publicitária. Esta é exercida pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária – CONAR. (MIRAGEM 2016, pg. 291).
Outro órgão de grande importância é o Instituto ALANA, uma ONG que é também responsável pelo programa Criança e Consumo que busca debater ideias sobre o assunto em questão, bem como apontar diretrizes que minimizem e previnam os prejuízos decorrentes dessa comunicação mercadológica e tem a missão de honrar a criança, atuando em defesa dos direitos das crianças e adolescentes.
O que reitera essa afirmação é a Resolução n°163 de 2014 do CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), que “dispõe sobre a abusividade sobre o direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança e ao adolescente”. Destacando que a já menciona a Internet, no artigo 1°, parágrafo 2°, incluindo-a entre as ferramentas que podem ser abrangidas na comunicação mercadológica.
Essa resolução foi apoiada por grupos favoráveis à regulamentação, no entanto, também gerou muitas criticas advinda do mercado de consumo. Nesse ínterim, tem-se a falta de conteúdos específicos para as crianças, poderiam submetê-los a uma programação inapropriada para sua faixa etária, sendo como consequência o amadurecimento precoce das crianças.
Mesmo com o grande número observado no consumo das mídias online e muitos dispositivos normativos de órgãos responsáveis, ainda não existem fiscalizações apropriadas para a publicidade na internet. Podendo destacar que existe uma debilidade no controle que é conveniente somente no que tange as mídias tradicionais, reforçando a necessidade de uma maior atenção, a fim de diminuir os riscos para o menor na sua condição de hipervulnerável.
Por outro lado, vedar a totalidade desse tipo de conteúdo pode gerar complicações para o mercado, ocasionando desinteresse daqueles que a fornecem, uma vez que não conseguiriam obter retorno pecuniário como esperado pelo grande número de limitações impostas. Nesse azo, é possível observar que o fator lucro sobressai aos apelos que visam à proteção das crianças.
Com isso, é perceptível que essa proteção tem a necessidade de uma via de mão dupla, na qual que para os pais possam ter o controle de impedir a exposição das crianças a esse conteúdo, seria ideal criar filtros podendo ocultar vídeos com temática indesejada. Outra opção, é que exista uma inspeção e acompanhamento tanto dos próprios fornecedores e órgãos protetores, quanto da própria plataforma de vídeos Youtube.
Como resultado do estudo realizado, foi possível concluir que há duas discussões acerca desse tema: primeiro, a escolha do Estado de planejar uma fiscalização da publicidade infantil baseada nas normas e regulamentações já existentes ou seguir o debate do que seria realmente permitido ou não. Afinal quando se fala de Youtube é possível observar um cenário com um movimento novo e em constante mudança.
Nesse sentido, no momento os dispositivos legislativos brasileiros são bem genéricos, analisando a necessidade de uma real e possível fiscalização de forma adequada para assuntos referentes a eventuais abusos que decorrem da publicidade dirigida ao público infantil no âmbito das novas mídias sociais em que se faz juntamente com o Código de Defesa do Consumidor, a Estatuto da Criança e do Adolescente, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, e ainda o Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes.
Não obstante, a relação de consumo em questão protesta-se com veemência por um meio regulador e protetor aos interesses de quem participa dessas, visto que pela rapidez de troca e divulgações de informações aumenta o risco do polo mais vulnerável, o consumidor, ser enganado, ainda mais quando se trata de crianças. Tendo assim o Direito que evoluir proporcionalmente e juntamente com a sociedade, com a finalidade de não permitir a abusividade em publicidades frente as condições da criança como consumidora, especificadamente com relação à ferramenta de vídeos, o Youtube.
Importante mencionar que tal tema é bem extenso, complexo e possui muitas vertentes, pela dificuldade em encontrar um equilíbrio entre as partes. De toda maneira, a legislação brasileira se caracteriza por uma regulamentação hibrida, como visto a existência de uma autorregulamentaçao responsável pela fiscalização da publicidade mercadológica no país.
No entanto, faz-se necessário a inserção de dispositivos legislativos com maior detalhamento capaz de abranger essas praticas presentes em novas tecnologias e plataformas, como é o caso do Youtube, avançando para uma operacionalização eficaz no sentido de tornar mais clara e de fácil identificação, exigindo a sinalização de quem produz o conteúdo publicitário que tem o publico infantil como o destinatário da mensagem, dando a devida ciência para quem consome o conteúdo, podendo ainda dar a opção ao usuário de ocultar vídeos que possuam esse tipo de mensagem.
Além disso, é preciso o devido acompanhamento dessas plataformas de forma intensa, uma vez que a geração de conteúdo é extremamente rápida, para que seja possível uma fiscalização satisfatória tanto por órgãos responsáveis quanto pela própria plataforma com o intuito de aprimorar a administração e curadoria dos vídeos que possuem a temática publicitaria, ainda mais quando for relacionada ao público infantil.
Portanto, a agilidade e facilidade das crianças em relação ao mundo tecnológico não quer dizer que tenham plena capacidade ou maturidade suficiente para discernir a persuasão transmitida de forma implícita, interativa e informal que pode ser considerada ilegal, ao passo que desperta àquela, intenso desejo de compra.
Assim enseja uma reflexão ética, legal e social quanto ao conteúdo de canais direcionados a esse público, acima de tudo quando se trata de um limite ante a responsabilidade social dos produtores de vídeos, se adequando as novas mídias no sentido dessa comunicação a ser veiculada não gerar danos ao público-alvo.
REFERÊNCIAS
ALANA. Instituto Alana - Criança e Consumo. Disponível em: http://alana.org.br/project/crianca-e-consumo/. Acesso em: 28 mar. 2020.
ALMEIDA, João Batista de. Manual de direito do consumidor. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva Educação, 2015.
BOLZAN, Fabrício. Direito do consumidor esquematizado. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2014.
BOLZAN, Fabrício. Direito do consumidor esquematizado. 8. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
BURGESS, Jean; GREEN, Joshua. Youtube e a Revolução Digital. São Paulo: Aleph, 2009.
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2019.
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[1] Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho-UNIFSA. E-mail: [email protected]
[2] Orientadora Professora do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho-UNIFSA, Mestre em Direito pela PUCRS. E-mail: [email protected].
Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho-UNIFSA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, Amanda Lima. Publicidade velada infantil em vídeos no youtube: análise à luz da legislaçao brasileira Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 abr 2020, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54456/publicidade-velada-infantil-em-vdeos-no-youtube-anlise-luz-da-legislaao-brasileira. Acesso em: 22 nov 2024.
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