RESUMO: O objetivo do presente artigo é fornecer um apanhado jurídico e histórico do nascimento e evolução dos direitos coletivos e das normas processuais que compõem o miscrossistema que regula os litígios coletivos. Incialmente, tratou-se de forma geral acerca dos acontecimentos motivadores do nascimento e evolução dos direitos coletivos e compreensão das dimensões dos direitos humanos, apontando a importância deles para a evolução das normas e, por fim, se fez uma abordagem dos princípios norteadores da aplicabilidade do conjunto de normas tipificadas como microssistema processual coletivo.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos coletivos, Dimensões dos Direitos Fundamentais e Humanos, Princípios do Processo Coletivo, Microssistema Processual Coletivo.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO . 2 DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E HUMANOS. 3 PRINCÍPIOS DO PROCESSO COLETIVO. 4 MICROSSISTEMA PROCESSUAL COLETIVO. 5 CONCLUSÃO. 6 REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
Inicialmente, crucial compreender que processo individual e coletivo não são instrumentos antagônicos, mas sim complementares e, conforme será apresentado, o segundo emergiu a partir da necessecidade da ampliação do primeiro frente a metamorfose dos direitos fundamentais.
Nessa perspectiva, para um satisfatório entendimento da aplicabilidade do microssistema processul coletivo, se faz necessário trazer a baila a compreensão do surgimento dos Direitos Humanos, posto que a evolução de alguns desses direitos trouxe, a roboque, a necessidade de adaptações do processo individual, a fim de se conceber uma efetiva proteção e concretização aos direitos, até então, carecedores de tutela.
Ora, na medida em que a sociedade evolui, inevitavelemente, ela carrega consigo uma gama de novos tipos de conflitos e, por consequência, o ordenamento jurídico tem o dever de acompanhar essa evolução no sentido de tutelar os direitos e deveres faticamente envolvidos, seja essa tutela do ponto de vista material ou processual.
Desse modo, a globalização importou uma séria de danos aos direitos que, se não analisados sob uma ótica macro, não haveriam como ser tutelados, pois por muitas vezes os sujeitos dessa relação jurídica não são determinados.
Nesse cenário, nascem os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, cujo diferencial é a interpessoalidade, a exemplo do meio ambiente, dos direitos trabalhistas de uma categoria e dos produtos de consumo estragados lançados no mercado, respectivamente (GARCIA, 2018, P. 459/460).
Assim, o processo coletivo vem suprir a deficiência histórica e tornar possível a efetivação dos direitos da coletividade, concretizando o atributo da complementaridade do processo como intrumento de efetivação dos direitos individuais e coletivos.
2. DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS/HUMANOS
Como é sabido, o surgimento dos direitos humanos se deu de forma gradual, ou seja, fatores históricos nortearam o seu nascimento em épocas distintas e, por esse motivo, a doutrina didaticamente tipificou em “gerações ou dimensões” os direitos humanos ou fundamentais, conforme o momento e o direito tutelado.
Os direitos humanos de primeira dimensão têm como característica a defesa do indivíduo frente ao Estado absolutista, daí o porquê de serem consagrados como direitos negativos, isto é, “direitos de liberdade” e de propriedade.
Em contrapartida, os direitos de segunda dimensão guardam um viés “positivo”, demandando do Estado ações a fim de promover o “bem-estar social”e equilibrar as desigualdades sociais e não apenas garantir a liberdade individual. Trata-se, com essa nova dimensão, não de se proteger contra o Estado, mas, sobretudo, de elaborar um rol de pretensões exigíveis do próprio Estado, que passa a ter de atuar para satisfazer tais direitos (TAVARES, 2020, p.445).
Por conta dessa nova geração, houve o reconhecimento jurídico dos primeiros interesses de dimensão coletiva, ou seja, que abrangem todo um grupo, classe ou categoria de pessoas (mulheres, crianças, idosos e trabalhadores), de modo que uma única lesão ou ameaça pode afetar a todos os integrantes de determinada coletividade. Diferenciam-se, desse modo, dos interesses meramente individuais, que não são inerentes a determinado grupo, e dos públicos, em que está necessariamente presente, em um dos pólos da relação jurídica, a Administração Pública (ANDRADE, 2017, p. 3).
Os direitos humanos de terceira dimensão (geração) tem como traço marcante a solidariedade, pautados pela necessidade de discussões internacionais como busca de paz mundial e do meio ambiente, equilibrando através de cooperação entre as nações com a perspectiva de salvaguardar as presentes e futuras gerações.
Quanto aos direitos de quinta dimensão, não há um consenso, de modo que para parte da doutrina estaria ligado ao patrimônio genético e, para outros , se referem ao direito à democracia e ao pluralismo.
Observe que os direitos humanos de segunda e terceira gerações caracterizavam-se por possuírem uma dimensão coletiva, ou seja, por consagrarem interesses de grupos, classes ou categorias de pessoas, quando não de toda a humanidade, diferenciando-se dos direitos tipicamente individuais, reconhecidos no interesse da autonomia privada (disciplinados, p. ex., no direito civil e no direito comercial), bem como dos direitos tipicamente públicos (ANDRADE, 2017, p. 5).
Nesse sentido, diante da mudança do contexto político e social que desaguou no inevitável surgimento de conflitos interpessoais, se fez necessário a evolução para um processo com mecanismos e instrumentos compatíveis com os direitos tuteláveis, ou seja, um processo dispido da subjetividade do processo comum individual.
3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO COLETIVO
Diante das suas peculiaridades, o processo coletivo também dispõe de princípios que norteiam a integração das normas espelhadas pelo microssistema com o intuito de conferir efetividade ao ordenamento coletivo.
Nessa senda, é aplicável o princípio do interesse jurisdicional no conhecimento do mérito do processo coletivo, segundo o qual o juiz deve flexibilizar algumas regras prcessuais, viabilizando o julgamento do mérito do processo levando em conta o caráter social das ações coletivas, de maneira que vícios sanáveis não impeçam de atingir o fim social do processo coletivo, a exemplo da subsitituição de legimados para propor as ações. (ZANETI, 2018, P. 25).
De fundamental importância, destaca-se o principio da máxima prioridade de tutela jurisdicional coletiva, o qual direciona no sentido de se conferir prioridade aos feitos de interesse coletivo, seja em razão da premissa de supremacia do interesse público sobre o particular, seja em razão da maximização do processo, pois uma vez se julgando um processo coletivo, tanto estará efetivando o direito de milhares de pessoas como também se evitará milhares de ações individuas, ou seja, evitando a hipertrofia do judiciário.
Nas ações coletivas, vigora o princício da disponibilidade motivada das ações, impondo aos legitimados que as desistências das ações propostas sejam motivadas e, caso não seja acatada a fundamentação, caberá ao Ministério Público assumir a titularidade.
Em relação à legitimidade para a causa, vigora no sistema processual coletivo o princício da presunção da legitimidade “ad causam” ativa pela afirmação de direito coletivo, segundo o qual o judiciário não deve analisar se o legitimado é o titular dos direitos tuteláveis, haja vista se tratar de uma substituição processual em favor da coletividade.
Em razão da especialidade do sistema procesual coletivo, adotou-se o princípio da não taxatividade da ação coletiva e, por esse motivo, não se pode limitar o cabimento das ações coletivas, ou seja, as espécies de ações desse tipo não estão preestabelecidas. Esse princípio está insculpido no art. 129, III da CF/88, “outros interesses difusos e coletivos”, assim como nos arts. 5ª, XXXV da CF/88 quando declara que “a lei não excluirá da apreciação do poder judicário lesão ou ameaça a direito” e art. 1º, IV da LACP “qualquer outro interesse difuso ou coletivo”. Assim, qualquer direito coletivo pode ser discutido processualmente (ZANETI, 2018, p. 28).
Seguindo a perspectiva da maximização do processo coletivo, deve ser aplicado o princípio do máximo benefício da tutela jurisdicional coletiva, de modo que deve se imprimir esforços para o aproveitamento do julgamento de um processo coletivo em favor dos demais titulares (coletividade), evitando, assim, a proliferação de ações individuais. É o exemplo clásico do transporte in utilibus, onde se permite a execução da sentença coletiva em um processo individual.
Já quanto ao princípio da máxima efetividade do processo coletivo, se permite ao juiz ampliar seus poderes instrutórios na prática de atos processsuais, independentemente de provocação das partes na busca da verdade processual e da efetividade do processo coletivo.
Por fim, vigora o princípio da obrigatoriedade da execução coletiva, segundo o qual uma vez verificada desídia dos demais legitimados em promover a execução coletiva, caberá ao Estado, através do Ministério Público, efetivar a execução do julgado.
4. MICROSSISTEMA PROCESSUAL COLETIVO
Em que pese a importância do processo coletivo frente as relações de massa, verdade é que não se tem uma codificação específica no processo coletivo como se verifica em outros ramos do Direito.
Assim, para suprir essa ausência de um código específico, várias leis que tratam dos direitos difusos e coletivos se integram formando o microssistema processual coletivo, tendo como seus núcleos o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e a Lei de Ação Cívil Pública (LACP), sendo aplicados reciprocamente conforme art. 90 do CDC e 121 da LACP.
Tendo em vista a existência do microssistema processual coletivo, o Título III do CDC deve ser aplicado no que for compatível à Lei de Ação Popular, Lei de Improbidade Administrativa, Lei de Ação Civil Pública, mandado de segurança coletivo, ou seja, trata-se de uma espécie de Código Geral a ser aplicado aos processos, nos quais se verificam conflitos de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos.
Nesse horizonte, há um verdadeiro “diálogo das fontes”, haja vista que todo ordenamento jurídico processual coletivo se comunica através das normas previstas nas leis que tratam da matéria. É um sistema processual pulverizado.
Pode-se afirmar que uma das últimas evoluções do processo coletivo se deu com relação ao Código de Processo Civil de 2015, pois antes da nova codificação, era dominante na doutrina o entendimento que o CPC era residual, ou seja, uma vez não encontrada uma solução na lei especial, deveria se buscar o diálogo com as demais normas de direito coletivo, para só depois de frustrada essa comunicação, se socorrer do diploma de processo individual (CPC).
Assim, o Código de Processo Civil de 2015 abandonou a ideia de processo estritamente individual e encampou a premissa do diálogo das fontes, passando a tutelar tanto os processo individuais quanto os de cunho coletivo, como se verifica nos arts.1º a 12, bem como nos art. 190, 489, §§ e 926,27 e 928 do novel diploma.
Um dos grandes exemplos do tutela dos direitos coletivos no Código de Processo Civil é o procedimento de causas repetitivas (art.928) através dos incidentes de resolução de demandas repetitivas (art.976 a 9870) e nos casos de recursos especias repetitivos e extraordinários repetitivos (erts. 1036 a 1041).
5. CONCLUSÃO
Como se percebe, os direitos coletivos em sentido lato nasceram e evoluíram de maneira meteórica no sistema globalizado e, por consequência, também os litígios envolvendo as pretensões resistidas da coletividade entre si e em face do Estado.
Por se tratar de uma gama de direitos pautados na especialidade (interpessoais), também se fez necessário a especialização do processo para instrumentalmente tutelar os conflitos de interesses coletivos.
Assim, surgiu um microssistema de leis especiais que se comunicam em um verdadeiro diálogo de fontes com uma forte incidência de princípios sensíveis às peculiaridades e valores coletivos, que indiscutivelmente pontencializam e efetivam a maximização da tutela dos direitos da coletividade, podendo-se dizer que teve como grande novidade a promulgação do Código de Processo Civil de 2015, que passou a compor não mais de maneira residual o microssitema coletivo, mas sim de forma complementar.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Adriano. Interesses difusos e coletivos. 7. ed. São Paulo: Forense
BAROSO, Luiz Roberto. Curso de direito constitucional contemporãneo. 7. ed. São Paulo: Saraiva 2017.
GONÇALVES, Marcus vinicios. Direito processsual civil esquematizado. 11. Ed. São Paulo: Saraiva 2020.
GARCIA, Leonardo Medeiros. Direito do consumidor. 12. ed. Salvador: Jus Podivm. 2018.
ZANETI, hermes Jr. Direitos difusoso e cletivos. 9. Ed. Salvador. Jus Podivm. 2018.
Procurador Federal. Ex-Defensor Público do Estado do Acre. Pós-graduado em Direito Constitucional
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Orlando Luiz De Melo. Aplicabilidade do microssistema processual coletivo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 maio 2020, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54496/aplicabilidade-do-microssistema-processual-coletivo. Acesso em: 22 nov 2024.
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