HORÁCIO RIBEIRO COSTA[1]
(coautor)
GUSTAVO LUÍS MENDES TUPINAMBÁ RODRIGUES[2]
(orientador)
RESUMO[3]: O presente artigo tem por objetivo analisar a possibilidade da aplicação do princípio da insignificância no crime de tráfico de drogas no Brasil, sendo necessário para isso verificar a sua evolução histórica, conceitos, tipicidade material, o artigo 33 da lei de drogas, os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais. Foram abordados tanto os entendimentos favoráveis quanto contrários à aplicabilidade do princípio, mediante análise dos motivos que determinaram a defesa de cada posicionamento, chegando à conclusão de que é perfeitamente possível aplicar o princípio da insignificância no crime de tráfico de drogas a depender da situação concreta. O artigo foi desenvolvido através de uma abordagem dialética, através de revisão bibliográfica e análise de jurisprudência. Em decorrência da atual situação de insegurança jurídica, o artigo é de grande importância na para comunidade jurídica e acadêmica.
Palavras-chave: Princípio, Insignificância, Tráfico de Drogas.
Sumário: 1. Introdução. 2. Evolução histórica do princípio da insignificância e sua definição. 3. Análise do artigo 33 da lei de drogas e sua tipicidade material. 4. Da divergência doutrinária e jurisprudencial quanto a aplicação do princípio da insignificância no tráfico de drogas. 5. Considerações finais. 6. Referências.
1 INTRODUÇÃO
O princípio da insignificância teve suas bases lançada em Roma, com aplicabilidade estritamente voltada para o direito civil, passando de fato a ganhar mais força após ser inserido em 1964 na órbita do direito penal por Claus Roxin. Segundo o aludido princípio, o direito penal não deve se preocupar com as lesividades insignificantes, aquelas que são incapazes de lesar o bem jurídico, pois para que cause uma ofensa é necessária uma lesividade significativa.
Portanto, é necessária a descriminalização daquelas condutas que, embora incida em um tipo penal, a conduta praticada não atinge de forma relevante o bem juridicamente tutelado, dessa forma, deve ser feita uma análise tanto formal quanto material da sua tipicidade, pois embora a conduta se adeque ao tipo penal não quer dizer a conduta praticada seja passível de punição, por conta da insignificância da conduta praticada.
Há uma discussão sobre a possibilidade da aplicação do princípio da insignificância a determinados crimes, por conta da importância dada ao bem jurídico, nesse sentido, o entendimento estar longe de ser pacífico tanto na doutrina quanto na jurisprudência, principalmente quando se trata do crime de tráfico de drogas. O Superior Tribunal de Justiça - STJ entende que não se aplica o principio da insignificância aos crimes de tráfico de drogas, pois para o referido tribunal não importa se a quantidade é mínima, pois trata-se de um crime de perigo abstrato, logo, não importa o grau da lesividade para configurar o crime, pois não afasta a tipicidade material da conduta.
Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal – STF entende que, a depender do caso concreto é possível a aplicação do principio, devendo fazer uma análise dos seguintes requisitos: I- mínima ofensividade da conduta do agente; II- nenhuma periculosidade social da ação; III- reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e IV- relativa inexpressividade da lesão jurídica.
Com isso, o presente artigo parte da seguinte problemática: O princípio da insignificância pode ser aplicado no crime de tráfico de drogas no Brasil? Para isso, é necessário fazer uma análise dos parâmetros utilizados pelos tribunais para aplicar o aludido princípio, bem como os argumentos utilizados pelos doutrinadores para sua aplicação ou não, pois o que se pode observar na pratica é que em decorrência de posicionamentos conflitantes do STF e STJ, os órgãos julgadores têm encontrado dificuldades para aplica-lo.
O tema em questão é de suma importância, dada à necessidade de estudos mais aprofundados na busca de contribuir em soluções no que tange a sua aplicação, principalmente para aqueles que pode ter um dos direitos mais importantes afetados, qual seja: a liberdade, em virtude de uma condenação. Busca-se contribuir no âmbito acadêmico e científico na procura de melhores resultados, levando em consideração as decisões conflitantes dos tribunais superiores, que causam uma sensação de insegurança jurídica.
O presente artigo será desenvolvido por meio de uma abordagem dialética, através de pesquisas bibliográficas, revistas jurídicas, teses e jurisprudências, para explicar conceitos e entendimentos conflitantes sobre o tema, acerca das ideias divergentes sobre o presente artigo.
Finalizando, no primeiro capítulo é feita uma abordagem sobre o aparato histórico do principio da insignificância, o segundo capítulo será feito uma análise do artigo 33 da lei de drogas abordando também a sua tipicidade material, e por fim, o terceiro capítulo será exposto os posicionamentos dos tribunais superiores sobre a aplicabilidade do princípio da insignificância no tráfico de drogas.
2 Evolução Histórica do Princípio da Insignificância e sua Definição
Inegavelmente, nos dias atuais tem se travado debates calorosos sobre a aplicação do princípio da insignificância no tráfico de drogas no Brasil, tanto na doutrina como na jurisprudência, o princípio que já era de grande importância passa a ganhar uma atenção ainda maior, pois infelizmente o que temos hoje no Brasil é uma política de drogas fracassada que só contribui para o aumento do tráfico, e consequentemente resulta na prisão em massa daqueles que praticaram o crime.
Por essa razão, é necessário se fazer uma análise do princípio da insignificância levando em conta a sua historicidade para buscar entender seus conceitos e fundamentos, bem como para esclarecimento da controvérsia quanto a sua incidência em determinados crimes e sua rejeição em relação a outros.
Existem posicionamentos diferentes quanto ao surgimento do referido princípio, segundo Masson (2015, p. 85) “O princípio da insignificância surgiu no Direito Romano, porém limitado ao direito privado. Invocava-se o brocardo de minimus non curat praetor, ou seja, os juízes e tribunais não devem se ocupar de assuntos irrelevantes”, em Roma as condutas na qual a lesividade era de pouca relevância, conforme o brocador romano: mínima non curat pretor, não merece uma reprimenda estatal, por se tratar de crimes de pouca monta. Apesar de ser o entendimento majoritário que o principio da insignificância teve seu surgimento no direito romano, existe posicionamento em contrário.
Para aqueles que discordam que o principio da insignificância teve seu surgimento no direito romano, afirma que a ideia que se tinha era completamente incompatível com o que se pensa atualmente sobre o referido principio, pois em Roma os juristas o tinha apenas como um delimitador, para determinar a sua relevância para os casos voltados para o direito civil.
Para a outra vertente, o princípio da insignificância teve seu surgimento no advento do iluminismo, para limitar o poder estatal, por meio da dogmática jurídico-penal, sobre esse tema Luz (2012) assevera que a tese segundo a qual, longe de se remeter à noção difusa de insignificância da Roma antiga que tratava basicamente apenas sua relevância para o direito civil, sem se fazer uma análise mais especifica da tipicidade, foi por meio da dogmática jurídico-penal que se procurou racionalizar o uso do poder punitivo na modernidade. Tratou-se, desde seu surgimento, de garantir que o Direito Penal somente pudesse ser utilizado a partir de um ferrenho respaldo legal, de modo que as normas penais apenas pudessem ser empregadas de acordo com um estrito raciocínio de subsunção formalista.
O princípio da insignificância passa a ser visto sob uma nova vertente no campo do direito penal, pois o mesmo foi abandonando o formalismo exacerbado, contrariando a dogmática jurídico-penal, que é uma subsunção, adequar o caso concreto à norma, passando então a ser implementado o funcionalismo penal, o referido instituto tem como função a proteção dos bens jurídicos mais importantes, o direito penal foi tomando outras proporções, passando a ser a ultima ratio, o ultimo instrumento utilizado pelo Estado para punição dos indivíduos dentro de uma sociedade.
Com isso, busca-se inibir alguns abusos por parte do Estado quando exerce o ius puniendi, no que diz respeito aos casos em que a conduta praticada pelo sujeito não é suficiente para lesar o bem juridicamente tutelado, o que vai na contramão da dogmática jurídico-penal, pois é inconcebível que o Estado faça a mera subsunção, aplicar de forma literal o caso concreto á norma, pois deve-se garantir uma aplicação heterogênea dos preceitos jurídicos.
O que segundo Luz (2012) a dogma formalista foi essencial para se combater os Estados absolutistas, combatendo o livre arbítrio do poder punitivo, mas que não supre mais as necessidades de uma sociedade complexa e contemporânea, e, que o direito penal passou a ser concebido como ultima ratio. Com isso o principio da insignificância passa a ganhar maior importância para o direito penal, além de servir como poder limitativo do poder estatal, visa fazer justiça frente aquelas condutas que antes se tinha uma mera adequação á norma, passa a ter uma analise no aspecto material, sendo necessária uma análise a cerca da relevância da conduta praticada.
Nesse passo, Bernardes (2019) aduz que foi atribuído a Claus Roxin em 1964 a consagração do princípio da insignificância na doutrina e que teve como consequência seu reconhecimento e aplicação, excluindo desde logo a via repressiva das condutas que efetivamente não lese o bem jurídico.
Esclarece Rocha (2017, p. 1) que, “para Roxin o modelo até então vigente teria levado a um aumento da criminalidade, já que se fazia uma interpretação extensiva dos tipos penais de forma a evitar possíveis lacunas”, nesse ponto que entra os princípios como norteadores para aplicação e interpretação da lei, sobretudo o princípio da insignificância, trazendo uma interpretação mais restritiva, analisando caso a caso.
Diante disso, dispõe Santos (2016) que, embora vários autores afirmem que o princípio da insignificância remonta ao direito romano, que, conforme já explicado, não tinha incidência no direito penal, a maioria da doutrina atribui a Claus Roxin a sua idealização e formulação no âmbito do direito penal. Apesar de ter outras correntes acerca do surgimento do principio da insignificância, a mais aceita é que afirma que teve seu surgimento no direito romano, que passou a ter novos contornos por Claus Roxin.
Diante do que foi exposto, passa-se agora a conceituar o princípio da insignificância. Conforme já fora feito algum comentário acerca do referido princípio, o mesmo possui grande relevância para o direito penal, tendo em vista que em determinadas situações não se deve fazer uma mera subsunção da conduta e tipo penal, tendo em vista que poderá está cometendo grandes atrocidades e imputando uma pena completamente incabível.
Para melhor definição do aludido principio leciona Masson (2015, p. 86):
O princípio da insignificância é vetor interpretativo do tipo penal, tendo por escopo restringir a qualificação de condutas que se traduzam em ínfima lesão ao bem jurídico nele (tipo penal) albergado. Tal forma de interpretação insere-se num quadro de válida medida de política criminal, visando, para além da descarcerização, ao descongestionamento da Justiça Penal, que deve ocupar-se apenas das infrações tidas por socialmente mais graves.
De forma bem objetiva Capez (2018, p. 29) conceitua o princípio da seguinte forma: “o Direito Penal não deve preocupar-se com bagatelas, do mesmo modo que não podem ser admitidos tipos incriminadores que descrevam condutas incapazes de lesar o bem jurídico”.
O direito penal deve ser utilizado em ultimo caso, e somente aplicável àquelas condutas na qual realmente há uma lesão significativa ao bem juridicamente tutelado, devendo desconsiderar as lesões irrelevantes, pois o legislador ao elaborar norma não quis reprimir todas as condutas de forma genérica e abstrata, mas tão somente aquelas mais significativas.
Nesse sentido, o doutrinador Rogério Greco, fazendo uma análise sobre a tipicidade diz que:
A tipicidade penal, necessária à caracterização do fato típico, biparte-se em: a) formal e b) conglobante. Tipicidade formal é a adequação perfeita da conduta do agente ao modelo abstrato (tipo) previsto na lei penal. No caso em exame, haveria a chamada tipicidade formal, uma vez que o legislador fez previsão expressa para o delito de lesão corporal de natureza culposa cometido na direção de veículo automotor. Contudo, será que poderíamos falar em tipicidade conglobante? Para que se possa concluir pela tipicidade conglobante, é preciso verificar dois aspectos fundamentais: a) se a conduta do agente é antinormativa; b) se o fato é materialmente típico. O estudo do princípio da insignificância reside nesta segunda vertente da tipicidade conglobante, ou seja, na chamada tipicidade material. (GRECO, 2016, p. 143)
Portanto, além de exigir que a conduta praticada pelo agente se adeque perfeitamente à lei penal, é necessário também verificar a relevância da lesão ao bem juridicamente tutelado, caso seja insignificante, não haverá fato típico, logo, não há de se falar em crime, pois a intenção da lei não é punir todo e qualquer crime, mas aqueles que realmente merecem atenção estatal.
No que diz respeito à natureza jurídica da insignificância em matéria criminal, a doutrina e a jurisprudência o consideram como princípio jurídico do direito penal, nesse passo, o doutrinador Ivan Luiz da Silva diz:
A contrario sensu, a doutrina europeia não a classifica diretamente como principio jurídico, preferindo relacioná-la ao princípio da Oportunidade no processo penal. De nossa parte, entendemos consistir o principio da insignificância em matéria penal em um autêntico principio jurídico decorrente da concepção utilitarista do moderno Direito Penal, que exige a concreta ofensa ao bem jurídico atacado como justificação para fazer incidir a pena criminal sobre o agente da conduta típica. (SILVA, I, 2011, p. 102)
Seguindo essa linha Masson (2017, p. 28) “o princípio da insignificância é uma causa de exclusão da tipicidade material”, sendo assim, a perspectiva atual do direito penal, não se admite mais nos dias atuais a imputação de uma pena ao agente que apesar de incidir em tipo penal incriminador, a conduta do agente não tenha uma expressividade capaz de causar uma ofensa significativa ao bem jurídico, por essa razão não merece repressão estatal.
Diante disso, não se pode negar a aplicação da insignificância, uma vez que a própria Constituição Federal no seu art. 5°, §2° determina que “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Então, não só é aplicável como também tem um revestimento constitucional conforme se depreende da leitura do texto constitucional.
Seguindo esse raciocínio é o posicionamento de Silva, I. (2011) que acertadamente entende que o principio da insignificância foi acolhido pelo direito brasileiro, tendo em vista que as leis não abarcam todo o direito, cabendo ao operador do direito explicitar as normas subjacentes, pois as normas não são compostas apenas de textos expressos em lei.
A esse respeito é firme a jurisprudência no direito brasileiro sobre o reconhecimento do principio da insignificância, não restando duvidas sobra a sua aplicabilidade, no entanto, há uma divergência no que diz respeito a sua aplicabilidade em alguns crimes, dentre eles podemos destacar o crime de tráfico de drogas que será tratado em tópicos posteriores.
3 Análise do Artigo 33 da Lei de Drogas e Sua Tipicidade Material
Antes de adentrar no artigo 33 da lei de drogas, que tipifica o crime de tráfico de drogas, é necessário fazer algumas considerações a respeito do que podemos considerar como drogas ilícitas, para melhores esclarecimentos acerca do crime que será abordado, dispõe o artigo 1°, paragrafo único da lei 11.343/06, que “Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União”.
Inegavelmente estamos diante de uma norma penal em branco, em que é necessária uma complementação de outra norma, por se tratar de conceito genérico ou indeterminado, caso não haja esse complemento, a tipicidade não se completa, e nesse caso não haverá crime.
Nesse sentido é o posicionamento de Gomes et al (2006, p. 22):
Assim, mesmo que uma das substancias seja capaz de causar dependência, enquanto não tiver sido catalogada em lei ou em lista elaborada pelo Poder Executivo da União (portaria SVS/MS 344/98), não há tipicidade da conduta daquele que pratique quaisquer das ações previstas nos arts. 33 a 39. O mesmo ocorre e relação a aplicação das medidas destinadas ao usuário e ao dependente.
Portanto, se a lei não tipifica a conduta no seu texto legal, não se pode dizer que houve crime, por razões obvias, pois não haverá fato típico, e não se pode fazer uma analogia da conduta praticada pelo agente com a que esta prevista na lei, pois é vedada a analogia in malam partem, logo, não se pode fazer uma interpretação que cause prejuízo ao réu.
O art. 33 da lei de drogas, na sua redação traz vários verbos, em que basta incidir em apenas um deles para que possa configurar o crime de tráfico de drogas, os verbos discriminados no texto legal são: importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, tem em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente.
Nessa vereda aduz Silva, D. (2016, p. 78) “Assim, praticada mais de uma conduta típica dentro da mesma situação fática, haverá crime único. Dessa forma, por exemplo, mesmo que o sujeito adquira e depois transporte a droga, haverá apenas um crime.” Trata-se de um tipo misto alternativo, pois não restam duvidas sobre o que dispõe o aludido dispositivo legal, pois a intenção é que incorra no crime apenas pelo fato de praticar uma das condutas típicas. O elemento subjetivo é o dolo, por essa razão o crime não pode ser praticado de forma culposa.
Com relação o sujeito do crime trata-se de crime comum, pois pode ser praticado por qualquer pessoa, não exige uma condição especial por parte do agente para que se possa cometer o crime em análise, no entanto, há uma exceção, nesse sentido faz-se necessário os ensinamentos de Gomes et al (2006), que assevera o verbo prescrever, exige uma condição especial do agente (crime próprio), só podendo ser praticado por médico ou dentista.
Portanto, não é qualquer pessoa que pode praticar o crime quando se tratar do verbo prescrever, pois caso a pessoa se passe por médico estará cometendo o crime de falsidade ideológica, que está tipificado no art. 299 do código penal. O sujeito passivo é a sociedade, para melhor esclarecimento Silva, D. (2016, p.75) leciona que “Eventualmente, poderá ser sujeito passivo secundário a criança, o adolescente ou a pessoa que tem suprimida a capacidade de entendimento ou de autodeterminação (art. 40, VI), que recebam a droga para usá-la.”
Com relação à consumação, o crime se consuma quando o agente pratica uma das condutas previstas no tipo penal incriminador; já em relação à tentativa esclarece Silva, D. (2016, p. 80) “Como se trata de crime plurissubsistente (em regra), que a execução pode ser fracionada, faz-se possível a tentativa. Entretanto, dada à diversidade de condutas, na prática a tentativa dificilmente ocorrerá.” Teoricamente o crime pode admitir a tentativa, no entanto, como o dispositivo prever várias condutas será quase impossível que haja tentativa.
Conforme a doutrina majoritária o crime de tráfico de drogas é de perigo abstrato, pois não precisa comprovar a efetividade do risco, pois o risco é presumido. No entanto, vem surgindo entendimento em sentido contrário, de acordo com Gomes et al (2006, p. 153):
Entretanto, cresce na jurisprudência pátria (em especial, no STF) a lição de que crimes dessa natureza (de perigo abstrato) violam o princípio da ofensividade ou lesividade ou do nullum crimem sine injuria, razão pela qual não teria sido recepcionados pela Constituição Federal.
Com esse novo entendimento quem vem surgindo nos tribunais, o crime de tráfico de drogas que antes não tinha que demonstrar a prova do risco da conduta do agente causado ao bem juridicamente tutelado, agora passa a ser, segundo a nova vertente, que o perigo deve ser real e efetivo, o que parece ser mais razoável.
O simples fato de alegar que a sociedade vai ser afetada, por si só não é suficiente, uma vez que o agente muitas das vezes ao incidir num dos verbos tipificados no artigo 33 da lei de drogas pode estar portando uma quantidade que não oferece riscos a sociedade, como por exemplo uma pessoa que possui um único cigarro de maconha. Nesse caso, para aqueles que entendem que a quantidade não faz diferença, no exemplo supracitado o sujeito pode sofrer uma pena que pode varia de 5 a 15 anos de reclusão.
A partir dai surge o embate tanto na doutrina como na jurisprudência, acerca da aplicação do principio da insignificância no tráfico de drogas, aqueles que entendem pela não aplicação se valem do argumento que o crime é de perigo abstrato, razão pela qual independe da quantidade de drogas apreendida com o agente, que, com a devida vênia, não é um argumento convincente.
Em sentido contrário, os que entendem que é cabível a aplicação do princípio em comento, dizem que é necessária a análise da tipicidade material e de alguns requisitos para sua aplicação: I- mínima ofensividade da conduta do agente; II- nenhuma periculosidade social da ação; III- reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e IV- relativa inexpressividade da lesão jurídica. Nesse passo o tema será discorrido de maneira mais detalhada no próximo tópico.
Com isso, é necessário fazer a seguinte indagação: O legislador ao elaborar o dispositivo legal tinha por objetivo incriminar o grande traficante de drogas e aquelas pessoas que possuem uma quantidade irrisória? A resposta só pode ser negativa, pois apesar de ser de competência do poder legislativo a elaboração das normas, as mesmas possuem generalidade e abstratividade.
Sobre esse assunto, esclarece Mañas (apud GRECO, 2017, p. 145):
Ao realizar o trabalho de redação do tipo penal, o legislador apenas tem em mente os prejuízos relevantes que o comportamento incriminado possa causar à ordem jurídica e social. Todavia, não dispõe de meios para evitar que também sejam alcançados os casos leves. O princípio da insignificância surge justamente para evitar situações dessa espécie, atuando como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, com o significado sistemático político-criminal da expressão da regra constitucional do nullum crimen sine lege, que nada mais faz do que revelar a natureza subsidiária e fragmentária do direito penal.
No direito penal a drástica repressão estatal deve ser mínima, devendo intervir apenas nas situações em que o infrator efetivamente lesar o bem juridicamente tutelado, no crime de tráfico de drogas não é diferente, não pode o Estado se ocupar daquelas situações onde a pessoa apreendia com uma quantidade ínfima de drogas merece uma repressão do Estado da mesma forma que o grande traficante que lucra milhões e põem em risco a vida de pessoas inocentes.
Por essa razão, o princípio da insignificância surge como norteador para o operador do direito para que não se faça uma mera subsunção. Portanto, não deve o operador do direito hesitar quanto a aplicação do referido princípio, pois é inadmissível que se aplique uma pena de que pode varia de 5 a 15 anos de reclusão para aquele que é pego com uma quantidade de drogas irrisória (incapaz de ofender o bem juridicamente tutelado) da mesma forma que o grande traficante.
Cumpre esclarecer que, não quer dizer que o princípio da insignificância seja aplicado a qualquer crime, nesse sentido explica Rogério Greco que:
Na verdade, como dissemos, não deixa de ser subjetivo o raciocínio relativo à insignificância. Obviamente que nem todos os tipos penais permitem a aplicação do principio, a exemplo do que ocorre no crime de homicídio. No entanto, existem infrações penais em que sua aplicação afastara a injustiça do caso concreto, pois a condenação do agente, simplesmente pela adequação formal do seu comportamento a determinado tipo penal, importara em gritante aberração. (GRECO, 2017, p. 145)
Nesse sentido, não se pretende banalizar o principio da insignificância aplicando em qualquer crime, mas apenas que não sejam cometidas injustiças, por haver uma repulsa no que diz respeito à aplicação desse princípio no tráfico de drogas, principalmente quando o “criminoso” é pertencente às classes sociais mais baixas da sociedade.
Negar a aplicação do principio da insignificância nesse crime, seria negar a sua existência, uma vez que tal princípio não foi criado para ser selecionado em quais os crimes que o mesmo iria incidir, mas sim de ser aplicado a todos os crimes que sejamos compatíveis com a sua finalidade.
O simples fato de uma pessoa ser levada a julgamento por ser apanhada com quantidades pequenas de drogas, não merece uma repressão estatal, pois para incidir no crime de tráfico de drogas, deve haver uma lesão significativa ao bem jurídico, nesse sentido Cezar Roberto Bitencourt assevera:
Nessas circunstâncias, pode não se configurar a tipicidade material porque, a rigor, o bem jurídico não chegou a ser lesado. O tipo penal deve ser valorado, no seu aspecto material, como instituto concebido com conteúdo valorativo, distinto de seu aspecto puramente formal, de cunho puramente diretivo. Por isso se deve considerar materialmente atípicas as condutas de inegável irrelevância (insignificância) para a sociedade como um todo. (BITENCOURT, 2018, p. 84)
Apesar de haver uma grande resistência por parte de muitos operadores do direito quanto à aplicação do aludido princípio no tráfico de drogas, alguns doutrinadores, bem como alguns juízes vem admitindo a sua aplicação, abandonando o aspecto puramente formal e levando em conta o aspecto material, dentre eles podemos destacar o ministro Gilmar Mendes, relator do HC 127573, que entendeu pela aplicação do princípio da insignificância no tráfico de drogas, segundo o qual: “por meio de simples análise preliminar, salta aos olhos a flagrante desproporcionalidade na imposição de pena tão elevada e consequente privação da liberdade da paciente em face de quantidade ínfima de droga”.
O ministro entendeu que a quantidade de drogas apreendida (uma grama de maconha) não é suficiente para lesar o bem juridicamente tutelado, sendo uma grande desproporcionalidade a pena para o crime de tráfico com a conduta da ré, o voto do ministro que se sagrou vencedor reconheceu a exclusão da tipicidade material, em razão da quantidade ínfima de drogas.
Sobre esse tema Coelho (2019) afirma que para o Ministro Gilmar Mendes, a jurisprudência deve avançar no sentido de criar critérios dogmáticos objetivos para separar o traficante de grande porte do traficante de pequenas quantidades, que vende drogas apenas para retroalimentar o seu vício, e que não oferece perigo social.
Por essa razão, o crime de tráfico de drogas, necessariamente merece uma atenção maior no que diz respeito a sua tipicidade material, uma vez que é inconcebível uma mera adequação da conduta do agente ao dispositivo legal, devendo o julgador analisar o caso concreto se o bem jurídico efetivamente foi lesado, evitando, assim, graves injustiças que consequentemente leva a uma pena de prisão desproporcional.
Então, o ideal seria um tratamento diferenciado para cada caso, devendo ser analisado de forma especifica a quantidade de drogas apreendida, e só então com base nos elementos necessários se for o caso, aplicar a pena. O que não se pode admitir é aplicar a pena ao pequeno traficante como se o mesmo comandasse um cartel, neste sentido Bernardes (2019, p. 82) assevera “o aludido princípio tem o condão de afastar a tipicidade material do fato, o qual passa a ser considerado penalmente atípico”.
Pois como se sabe, o tipo penal é dotado de generalidade e abstratividade em que prever determinadas condutas como crime, como se da um caráter genérico a cada tipo penal, o bem juridicamente protegido pode ser lesado nos mais variados graus de lesividade. O legislador quando da elaboração na norma não quis reprimir toda e qualquer conduta, mas sim aquelas mais graves que efetivamente seja capaz de causar uma lesão ao bem jurídico.
4 Da divergência doutrinaria e jurisprudencial quanto à aplicação do princípio da insignificância no tráfico de drogas
A referida discussão gera controvérsias quanto ao posicionamento tanto doutrinário quanto jurisprudencial pela aplicabilidade ou não do princípio da insignificância no crime de tráfico de drogas, onde é possível encontramos doutrinas e jurisprudência com entendimento a favor, bem como com entendimento contrário.
De acordo com o doutrinador Cleber Masson:
Os crimes tipificados na Lei 11.343/2006 – Lei de Drogas são de perigo abstrato (ou presumido) e tutelam a saúde pública. No tráfico de drogas, delito constitucionalmente equiparado a hediondo, é indiscutível a inadmissibilidade do princípio da insignificância. E igual raciocínio deve ser utilizado na posse de droga para consumo pessoal, pois entendimento diverso seria equivalente a descriminalizar, contra o espírito da lei, o porte de pequenas quantidades de drogas. (MASSON, 2015, p. 92)
Nesse sentido, trata-se de um crime de perigo abstrato ou presumido, não sendo necessário para a sua caracterização a ocorrência de uma efetiva lesão ao bem jurídico tutelado, sendo necessária apenas a realização da conduta proibida para ocorrer à presunção de perigo do bem tutelado. Portanto, por esse entendimento, não podemos afastar a tipicidade material do tráfico de drogas baseado no princípio da insignificância, independentemente da quantidade portada, mesmo que ela seja irrisória.
Em consonância com o entendimento de Cleber Masson, deve-se analisar o princípio da alteridade ou transcendentalidade. Segundo esse princípio, só pode ser punido, aquele comportamento que venha a lesionar direito de terceiros, sendo, portanto, necessário que o fato típico transcenda o indivíduo autor e venha a lesionar o direito do outro. Com relação a esfera do crime de tráfico de drogas, o doutrinador Fernando Capez afirma que:
A Lei n. 11.343/2006 não tipifica a ação de “usar a droga”, mas apenas o porte, pois o que a lei visa é coibir o perigo social representado pela detenção, evitando facilitar a circulação da substância entorpecente pela sociedade, ainda que a finalidade do sujeito seja apenas a de uso próprio. Assim, existe transcendentalidade na conduta e perigo para a saúde da coletividade, bem jurídico tutelado pela norma do art. 28. (CAPEZ, 2018, p. 79)
Por esse entendimento, o crime de tráfico de drogas transcende a figura do indivíduo, e vem a lesionar o direito a saúde da coletividade, sendo, portanto, necessário à punição pela prática do fato típico, não cabendo para esse tipo penal, a aplicação do princípio da insignificância. Nesse contexto, a saúde, que é o bem jurídico tutelado pelo tipo penal, é de interesse de terceiros, devendo se sobrepor em relação aos direitos do indivíduo.
Em sentido contrário tem-se o entendimento do professor Luiz Flávio Gomes, que afirma:
A posse de droga para consumo pessoal configura uma das modalidades do chamado delito de posse (“delitos de posesión”), que retrata uma categoria penal muito singular no Direito penal. Mister se faz, para a consumação da infração, constatar a idoneidade ofensiva (periculosidade) do próprio objeto material da conduta. Se a droga concretamente apreendida não reúne capacidade ofensiva nenhuma, em razão da sua quantidade absolutamente ínfima, não há que se falar em infração (pouco importando a sua natureza, penal ou “para-penal”). Não existe, nesse caso, conduta penalmente ou punitivamente relevante. (GOMES apud VIEGAS, 2014, p. 46-47)
De acordo com esse entendimento, se a droga que for apreendida não tiver capacidade de ofender o bem jurídico tutelado, em decorrência da quantidade ínfima, a conduta não deverá ser penalmente punida, e por consequência deverá ocorrer a exclusão da tipicidade ou por a conduta ser insignificante ou em decorrência do resultado da conduta ser ínfimo. Seguindo essa linha de raciocínio pela aplicação do princípio da insignificância no crime de tráfico de drogas temos o entendimento Cezar Roberto Bitencourt:
Questão interessante é a aplicação do princípio da insignificância a determinados crimes, em razão da natureza ou importância do bem jurídico tutelado. Assim, por exemplo, nos crimes contra a Administração Pública, nos crimes de trânsito, ou, quem sabe, nos crimes de tráfico (pequeno) de entorpecentes. (BITENCOURT, 2018, p. 83)
Para Bitencourt, a insignificância está diretamente relacionada à ofensa de determinado bem jurídico tutelado, onde havendo a desproporção entre a lesão ou ofensa ao bem jurídico tutelado e a gravidade da sanção, é perfeitamente possível a sua aplicação, sendo, portanto, cabível a aplicação do princípio da insignificância no crime de tráfico de drogas, dependendo dessa desproporção.
Portanto é possível perceber que há uma divergência doutrinária quanto à aplicabilidade do princípio da insignificância no crime de tráfico de drogas, onde os autores com posicionamento contrário defendem que mesmo o porte de uma pequena quantidade já configuraria o tipo penal, pois presume-se que já estaria afetando o bem jurídico tutelado, já quem é a favor da aplicabilidade do princípio entende que é necessário observar a capacidade da conduta em afetar o bem jurídico tutelado, onde não havendo uma ofensa, a ação deverá ser considerada atípica, o que parece ser o entendimento mais correto.
De uma maneira geral, podemos analisar que por meio de seus julgamentos, o Superior Tribunal de Justiça – STJ vem sustentando o entendimento pela não aplicação do princípio da insignificância nos crimes de tráfico de drogas, como podemos ver:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. POSSE DE ENTORPECENTE PARA USO PRÓPRIO. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. PEQUENA QUANTIDADE DE DROGA INERENTE À NATUREZA DO DELITO PREVISTO NO ART. 28 DA LEI N. 11.343/06. TIPICIDADE DA CONDUTA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. ILEGALIDADE NÃO DEMONSTRADA. RECURSO IMPROVIDO. 1. Não merece prosperar a tese sustentada pela defesa no sentido de que a pequena quantidade de entorpecente apreendida com o agravante ensejaria a atipicidade da conduta ao afastar a ofensa à coletividade, primeiro porque o delito previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/06 é crime de perigo abstrato e, além disso, o reduzido volume da droga é da própria natureza do crime de porte de entorpecentes para uso próprio. 2. Ainda no âmbito da ínfima quantidade de substâncias estupefacientes, a jurisprudência desta Corte de Justiça firmou entendimento no sentido de ser inviável o reconhecimento da atipicidade material da conduta também pela aplicação do princípio da insignificância no contexto dos crimes de entorpecentes. 3. Acrescente-se que, no caso dos autos, houve concurso do crime de posse de substância entorpecente para uso próprio com crime mais grave (porte ilegal de arma de fogo de uso permitido), a demonstrar a maior reprovabilidade da conduta, reforçando a não incidência do princípio da insignificância. 4. Agravo regimental improvido.
(AgRg no AREsp 1093488/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 12/12/2017, DJe 18/12/2017).
Por meio desse julgamento, podemos perceber que o entendimento do STJ vem em consonância com o doutrinador Cleber Masson ao classificar o crime como de perigo abstrato, não admitindo afastar a tipicidade mesmo pela quantidade ínfima portada, e por consequência não aceitando a aplicação do princípio da insignificância. Aliado a isso, ainda é possível encontramos entendimento em favor da tutela do direito à saúde:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ART. 28 DA LEI N. 11.343/2006. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE.
1. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a pequena quantidade de substância entorpecente apreendida, por ser característica própria do crime descrito no art. 28 da Lei n. 11.343/2006, não afasta a tipicidade material da conduta. Além disso, trata-se de delito de perigo abstrato, dispensando-se a demonstração de efetiva lesão ao bem jurídico tutelado pela norma - saúde pública. Precedentes.
2. Agravo regimental a que se nega provimento."
(AgRg no HC 442.072/MS, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 21/06/2018, DJe 08/08/2018.)
Por esse julgamento reforça-se o entendimento que trata-se de um crime de perigo abstrato, sendo irrelevante falar em quantidade portada, aliado ao fator de que a potencialidade ofensiva da conduta não atinge apenas a saúde de uma forma individual, mas como também de toda a coletividade. Entende-se que nesses casos, o que é visado tanto pelos doutrinadores, quando por juristas, é evitar o perigo social, devendo para tanto, que se evite a circulação de determinadas substancias.
Mesmo com a maioria dos ministros do STJ, indo por essa mesma linha de raciocínio, ainda é possível encontramos, de forma minoritária, uma divergência, quando se tratar de pequenas quantidades de drogas, senão vejamos:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. RECEBIMENTO DE DENÚNCIA. IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE CANNABIS SATIVA LINEU. MATÉRIA-PRIMA PARA PRODUÇÃO DE DROGA. PEQUENA QUANTIDADE DE MATÉRIA PRIMA DESTINADA À PREPARAÇÃO DE DROGA PARA CONSUMO PESSOAL. FATO ATÍPICO. 1. O fruto da planta cannabis sativa lineu, conquanto não apresente a substância tetrahidrocannabinol (THC), destina-se à produção da planta, e esta à substância entorpecente, sendo, pois, matéria prima para a produção de droga, cuja importação clandestina amolda-se ao tipo penal insculpido no artigo 33, § 1º, da Lei n. 11.343/2006. 2. Todavia, tratando-se de pequena quantidade de sementes e inexistindo expressa previsão normativa que criminaliza, entre as condutas do artigo 28 da Lei de Drogas, a importação de pequena quantidade de matéria prima ou insumo destinado à preparação de droga para consumo pessoal, forçoso reconhecer a atipicidade do fato. 3. Recurso provido.
(STJ - REsp: 1687058 SP 2017/0182003-7, Relator: Ministro NEFI CORDEIRO, Data de Julgamento: 06/02/2018, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/03/2018)
Com isso, fora instaurado dentro do STJ uma divergência de entendimento, visto que fora admitido a aplicação do princípio da insignificância na hipótese de importação de uma pequena quantidade de sementes de maconha (Cannabis sativa), contrapondo o entendimento majoritário firmado dentro do tribunal, que considera o crime tipificado independentemente da quantidade portada, como demonstrado nas jurisprudências anteriores. Dessa forma, o STJ alterou o senário que antes era inimaginável a aplicação do princípio da insignificância no tráfico de drogas.
Já em ralação ao Supremo Tribunal Federal – STF, segundo seus julgados, deve ser observado alguns requisitos para que seja aplicado o princípio da insignificância, e que ao serem preenchidos deve haver o reconhecimento da bagatela, conforme procede no seguinte julgado:
Ementa: PENAL. HABEAS CORPUS. PACIENTE CONDENADO PELO CRIME DE FURTO SIMPLES. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE DA CONDUTA DO AGENTE. RECONHECIMENTO. ORDEM CONCEDIDA. I – A aplicação do princípio da insignificância de modo a tornar a ação atípica exige a satisfação, de forma concomitante, de certos requisitos, quais sejam, conduta minimamente ofensiva, ausência de periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e lesão jurídica inexpressiva. II – In casu, tenho por preenchidos os requisitos necessários ao reconhecimento do crime de bagatela. Isso porque, além da inexpressividade econômica do objeto subtraído (R$ 200,00), deve-se destacar que o bem foi restituído à vítima, de modo que da conduta do agente não adveio nenhum prejuízo relevante à vítima ou à sociedade. III – Todos os registros criminais existentes em nome do paciente, além de serem apenas inquéritos policiais, sem notícia nos autos de recebimento de denúncia pelo Poder Judiciário, referem-se a fatos delituosos praticados posteriormente à infração penal objeto deste habeas corpus, não podendo, assim, ser utilizados retroativamente como elementos desabonadores da sua conduta. IV – Ordem concedida para reconhecer a atipicidade da conduta e trancar a ação penal.
(STF - HC: 111487 MG, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 02/10/2012, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-207 DIVULG 19-10-2012 PUBLIC 22-10-2012)
Nesse sentido, o STF estabeleceu premissas para que seja aplicado o princípio da insignificância, tornando por consequência a conduta atípica. São elas a mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e relativa inexpressividade da lesão jurídica. No caso julgado acima, havia a presença de todos os requisitos mencionados, cabendo, portanto a aplicação da insignificância, e aliado a isso, fora analisada a proporcionalidade entre a conduta do agente e a sanção penal imposta pelo Estado, onde fora constatada a inexistência da relação de proporcionalidade, chegando à conclusão que a privação da liberdade do agente seria mais gravoso que o dano provocado.
Assim como no STJ, é possível encontrar divergências quanto à aplicação do princípio da insignificância no crime de tráfico de drogas nos julgamentos do Supremo Tribunal Federal, onde alguns ministros tem seguido uma linha de raciocínio desfavorável à aplicação desse princípio, mesmo que a quantidade apreendida seja irrisória, servindo como exemplo os julgamentos dos HC 96.684/MS, HC 88.820/BA e HC 87.319/PE, tendo como argumento para tanto, que se trata de um crime de perigo abstrato, que tem por tutela a saúde pública e a paz social.
Contrapondo os Habeas Corpus acima mencionados, recentemente no julgamento do Habeas Corpus n° 127573 perante a 2° turma do STF, fora anulada a condenação de uma mulher que fora flagrada com 1g de maconha. No presente julgamento, o ministro Gilmar Mendes entendeu cabível a aplicação do princípio da insignificância visto que a conduta praticada não seria capaz de lesionar o bem jurídico tutelado, muito menos de colocar em perigo a paz social.
Segundo o ministro, quando se tratar do crime de tráfico de drogas, e havendo a desproporcionalidade entre a lesividade da conduta e a sanção estatal a solução seria a ampliação do princípio da insignificância. Vale ressaltar que seu entendimento fora seguido pelos ministros Celso de Mello e Ricardo Lewandowski. Ademais, o ministro relator, reconheceu que o STF tem seguido pelo entendimento da não aplicação do referido princípio quando se tratar do delito de tráfico de drogas, mas relata que as jurisprudências devem ter avanços no sentido de criar critérios objetivos para que possa haver uma separação entre o tráfico de grande porte e o tráfico de pequenas quantidades apenas em razão de vício.
Conclui-se que o princípio da insignificância tem o seu surgimento remetido a Roma, apesar de haver divergências quanto a isso, porém só foi inserido na doutrina penal no ano de 1964 por Claus Roxin. De acordo com o aludido princípio, o direito penal não deve ter preocupação com bagatelas, onde além da necessidade de haver uma adequação formal da lei, devemos analisar se a conduta do agente é capaz de lesionar de forma efetiva o bem jurídico tutelado, onde não havendo essa lesão, deve ocorrer a exclusão da tipicidade material.
Apesar de ainda haver um entendimento majoritário tanto na doutrina quanto na jurisprudência pela não aplicação do princípio, entende-se que é perfeitamente possível a aplicação do princípio da insignificância no crime de tráfico de drogas, a depender da análise do caso concreto, desde que preenchidos todos as premissas impostas pelo STF (mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e relativa inexpressividade da lesão jurídica).
Além dos requisitos estabelecidos pelo STF, tem que levar em conta a gravidade da lesão ao bem jurídico tutelado, aliado a uma análise da proporção entre a conduta do agente e a sanção imposta pelo Estado, levando em consideração que a sanção imposta pelo Estado varia de 5 a 15 anos de reclusão mais o pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
Dessa forma, a tendência é que cada vez mais seja aceita a sua aplicação, dada as últimas decisões, aliado ao fator de haver a necessidade de uma definição quanto a isso, onde o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, entende que as jurisprudências devem avançar no sentido de aceitar a aplicação do princípio da insignificância no crime de tráfico de drogas, visto que atualmente ainda existe uma enorme insegurança jurídica no Brasil no que se refere a esse assunto.
Por essa razão, entende-se que negar a aplicação desse princípio em determinados crimes, a exemplo do tráfico de drogas, seria o mesmo que negar a sua existência, visto que o referido princípio tem que ser aplicado em todos os crimes compatível com a sua finalidade.
REFERÊNCIAS
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[1]Acadêmico do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho- UNIFSA. E-mail: [email protected].
[2] Orientador Professor do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho-UNIFSA, Mestre em Direito Pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul-PUCRS . E-mail: [email protected].
[3] Trabalho de Conclusão de Curso apresentado no Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA, Teresina-PI, 14 de Junho de 2020.
Bacharelando do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho- UNIFSA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUSA, Philippe Lima de. Aplicação do Princípio da Insignificância no Crime de Tráfico de Drogas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 maio 2020, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54605/aplicao-do-princpio-da-insignificncia-no-crime-de-trfico-de-drogas. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: LEONARDO DE SOUZA MARTINS
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