ANALYNE SOUSA DE OLIVEIRA [1]
(coautora)
Me. JULIANO DE OLIVEIRA LEONEL [2]
(orientador)
RESUMO: O presente estudo tem como objetivo mostrar a importância da aplicação de medidas alternativas para a substituição da prisão cautelar sem que o princípio da proporcionalidade seja violado. Para tanto, foram realizadas comparações dos critérios objetivos estabelecidos no código de processo penal e na lei de execução penal, bem como a realização de análises dos requisitos para a substituição da prisão preventiva por domiciliar. Partindo deste ponto, conforme a metodologia utilizada do tipo pesquisa qualitativa descritiva e bibliográfica foi possível chegar à conclusão de que esse instituto é pouco aplicado na prática pelo fato de se ter a ideia de que a prisão domiciliar é um benefício ao preso, porém deve-se levar em consideração a limitação no direito de liberdade, mesmo que em regime domiciliar. Ressaltasse que outro fator abordado é a aplicação das medidas cautelares no processo penal, como por exemplo a concessão da prisão domiciliar para presos que se encontram no regime semiaberto e aberto e todos os requisitos para que seja realizada essa substituição sem se deparar com imensa desproporcionalidade da aplicação desses institutos.
Palavras-chave: Prisão cautelar, prisão domiciliar, medidas cautelares, prisão domiciliar, substitutiva da preventiva.
Sumário: 1 Introdução. 2 Da Instrumentalidade Constitucional. 3 A Evolução Das Penas E O Surgimento Das Prisões Domiciliares E Cautelares. 3.1 Evolução Das Penas. 3.2 Surgimento Da Prisão Domiciliar. 3.3 Prisão Cautelar. 3.4 Prisão Domiciliar De Natureza Cautelar. 4 Medidas Cautelares No Processo Penal E O Princípio da Proporcionalidade. 4.1 Prisão Domiciliar Em Fase De Execução Penal. 4.2 Princípio Da Proporcionalidade E Sua Aplicação Na Esfera Penal. 4.3 Da Adequação. 4.4 Da Necessidade. 4.5 Da Proporcionalidade Em Sentido Estrito. 5 Substituição Da Prisão Preventiva Por Prisão Domiciliar. 5.1 Domiciliar Substitutiva LEP X CPP. 5.2 Os Requisitos Para Substituição E Sua (Des)Proporcionalidade. 6 Conclusão. 7 Referências
1 INTRODUÇÃO
Diante dos fatos apresentados pela mídia de práticas delitivas, é comum a sociedade criar um juízo de valor negativo sobre aquela conduta, desencadeando o desejo de vingança, a fim de retribuir ao ofensor o mal causado, sem que a este seja dada alguma possibilidade de defesa, aplicando-se como pena a privação de um dos maiores bem jurídicos, a liberdade.
E mesmo que o sujeito tenha incorrido em condutas reprovativas, ainda assim lhe é conferido, dentro de normas legais, direitos e garantias fundamentais para a aplicação de uma pena justa, à luz do princípio do devido processo legal e do princípio da proporcionalidade, com o intuito de trazer para a sociedade uma visão da disparidade dos mecanismos utilizados no processo penal.
O foco deste artigo limitar-se-á na análise dos requisitos da prisão domiciliar prevista na Lei de Execução Penal (Lei n° 7.210/84) e a Lei de prisão domiciliar prevista no Código de Processo Penal.
Ressalta-se ainda que a prisão domiciliar presente no Código de Processo Penal é aplicada para presos que estão sendo submetidos à medida cautelar, e gozam do status de inocente, enquanto a Lei de Execução Penal, no que tange a prisão domiciliar, trata de conversão de prisão para presos que já foram sentenciados e que já possuem transito em julgado. Apesar de terem a mesma nomenclatura, esses institutos não se confundem, pois o artigo 117, da lei nº 7.210/84 (LEP), trata da prisão domiciliar em sede de execução penal, concedida a presos que se encontram no regime semiaberto e aberto, ao passo que o artigo 318 do Código de Processo Penal, disciplina a prisão domiciliar enquanto medida cautelar substitutiva da prisão preventiva.
Deve-se deixar claro que a doutrina tem classificado a prisão domiciliar do Código de Processo Penal em autônoma e substitutiva da prisão preventiva. A autônoma seria a prisão domiciliar aplicada enquanto medida cautelar, quando as cautelares alternativas forem inadequadas ou insuficientes ou quando não existirem requisitos para uma prisão preventiva. Já a domiciliar substitutiva deve ser aplicada quando couber a prisão preventiva cautelar, porém por preencher alguns requisitos o preso tem o direito de ter a conversão para a prisão domiciliar, baseado no princípio da humanidade, e é a esta última que o artigo se limitará.
Conforme a metodologia utilizada do tipo pesquisa qualitativa descritiva e bibliográfica realizada em livros, periódicos, juntamente com as legislações aqui explanadas, será abordado neste artigo desde o surgimento das penas e das prisões cautelares, até como estas funcionam na atualidade.
Em uma análise sobre os critérios da prisão domiciliar previstos no artigo 318 do CPP com os da prisão domiciliar do artigo 117 da LEP, foi possível se deparar com uma desproporcionalidade na lógica sistemática da aplicação desses institutos, que não foram levadas em conta pelo legislador e nem tampouco tem sido objeto de análise para uma reforma legislativa, e que na prática tem sido meio de consecução de injustiças sociais.
E é nesse prisma que se desenvolve a problemática desta pesquisa pela necessidade em comparar essas normas legais sob o ponto de vista Constitucional, abrigado pelo princípio da proporcionalidade, visando uma perquirição do tema estudado, a fim de despertar um sentimento crítico quanto à aplicação da lei, e transcender o entendimento de que a atribuição do julgador é somente impor a pena à luz da letra fria da lei, mas também de corrigir as distorções apresentadas por ela, dentro dos limites da discricionariedade que lhe é permitida e dentro das regras do jogo, para que a justiça cumpra o seu papel de maneira efetiva.
2. DA INSTRUMENTALIDADE CONSTITUCIONAL
Antes de adentrar nas modalidades das medidas, se faz importante falar sobre a instrumentalidade Constitucional do processo penal, pra mostrar que o processo penal não é instrumento de segurança pública e sim de proteção do indivíduo.
Ainda predomina no Brasil e no estrangeiro[3] a equivocada concepção de processo como relação jurídica, na esteira da doutrina de Bülow. Ocorre que, o senso comum teórico ainda não se deu conta de que essa concepção de processo parte de uma equivoca noção de igualdade e segurança[4].
Com razão adverte Lopes Jr (2012, p. 101), “foi GOLDSCHMIDT que evidenciou o caráter dinâmico do processo, ao transformar a certeza própria do direito material na incerteza característica da atividade processual”.
A partir de Beck (2011) é inegável que vivemos numa sociedade de risco, onde os riscos estão em tudo e em todos os lugares, evidenciando que estamos inseridos num Estado Insegurança.
Logo, por óbvio, que o processo penal não está fora desse contexto, ao contrário, também está inserido na mais completa epistemologia da incerteza, já que a sentença judicial nunca pode ser prevista com segurança, coexistindo em igualdade de condições a possibilidade de serem prolatadas no processo sentenças justas e injustas (LOPES JR, 2012).
Para Calamandrei (1999, p. 223) “O êxito depende, por conseguinte, da interferência destas psicologias individuais e da força de convicção com que as razões feitas pelo demandante consigam fazer suscitar ressonâncias e simpatias na consciência do julgador”.
No entanto, adverte Lopes Jr (2012, p.109) que “o árbitro (juiz) não é livre para dar razão a quem lhe dê vontade, pois se encontra atrelado à pequena história retratada pela prova contida nos autos”. Preleciona ainda o citado autor que, o juiz “está obrigado a dar razão àquele que melhor consiga, através da utilização de meios técnicos apropriados, convencê-lo. Por conseguinte, as habilidades técnicas são cruciais para fazer valer o direito, considerando sempre o risco inerente à atividade processual” (LOPES JR, 2012, p. 109).
Dessa maneira, destaca Calamandrei (1999, p. 224): “Afortunada coincidência é a que se verifica quando entre dois litigantes o mais justo seja também o mais habilidoso”, sendo que para ele o processo “vem a ser nada mais que um jogo no qual há que vencer”.
Em assim sendo, a concepção que melhor retrata essa realidade do processo, que está inserido na epistemologia da incerteza, por evidente, é aquela que foi construída por Goldschmidt (1935), ou seja, a que conceitua o processo enquanto situação jurídica, retratando assim a insegurança processual, o seu estado de guerra e a sua dinamicidade, ao contrário da concepção de processo como relação jurídica, que está ancorada num equivocado juízo de estática. Assim, o processo penal nada mais é do que uma guerra[5], aonde alguém há de vencer. E, vencerá, por óbvio, aquele que melhor aproveitar as chances processuais[6], conseguindo, através da produção das provas[7], a captura psíquica do juiz[8].
Por conseguinte, se o processo penal é uma guerra, um jogo, que não deve ter por missão a busca desenfreada do mito “verdade real”, já que a verdade no processo penal não é achada, mas sim construída analogicamente através dos rastros da passeidade (KHALED JR, 2013), mister se faz compreendê-lo pelo viés da sua instrumentalidade constitucional.
Por conseguinte, necessário se faz, no âmbito do processo penal, uma revolução hermenêutica, com a quebra dos paradigmas autoritários de uma ordem legal (CPP) anacrônica, policialesca, fascista, punitivista, fomentadora da violência estatal e de nítida base ditatorial.
Na atual quadra da história, mister se faz uma nova ordem processual penal, constitucional e internacionalmente comprometida com a proteção da dignidade da pessoa humana.
Portanto, é inegável a necessidade de rompimento desses entraves, na direção da construção de um processo penal constitucional e humanitário, que necessariamente passa pela análise de conformidade das regras do Código de Processo Penal com o Pacto de São José da Costa Rica, dentro daquilo que se chama de controle de convencionalidade, até porque hierarquicamente o CPP, enquanto lei ordinária, está baixo da CADH, que segundo o STF possui o status de norma supralegal.
Necessário se faz romper com verdades e certezas “absolutas” no processo penal, que não mais se coadunam com os regramentos constitucionais e internacionais de direitos humanos.
Assim, imperioso se torna assumir que o processo penal é um jogo e que não tem por objeto a busca da verdade, pois ela não está lá para ser encontrada, já que o crime é um fato histórico, passado e, portanto, imaginário.
Dessa forma, inegável que o processo penal democrático tem por finalidade assegurar o respeito do fair play processual, das regras do jogo democrático, ou seja, o processo penal é um instrumento a serviço da máxima eficácia dos direitos e garantias, previstos na Constituição Federal e no Pacto de São José da Costa Rica.
3 A EVOLUÇÃO DAS PENAS E O SURGIMENTO DAS PRISÕES DOMICILIARES E CAUTELARES
3.1 Evolução das penas
Desde os primórdios, para que se pudesse viver em sociedade, foi preciso que houvesse uma intervenção para a concretização do controle social. Dessa necessidade surgiram as penas empregadas àqueles que praticavam condutas infratoras, opostas aos valores morais da sociedade, sendo eles verdadeiros espetáculos punitivos, aplicados ao corpo, de cunho cruel e desproporcional, apenas para satisfazer o desejo vingança, e contudo o medo da punição, ao desobedecer uma norma, fazia com que todos seguissem o padrão consoante aos valores do grupo social.
A religião, por sua vez, nessa época, manteve um forte domínio sobre a sociedade, exercido sob a crença de uma inviolável justiça delegada pelas autoridades sobrenaturais, que mediavam a vontade divina, determinando as penas a serem aplicadas, constituindo um verdadeiro jogo de sorte ou azar, cabendo aos sacerdotes julgarem o infrator segundo à vontade divina, devendo reconquistar o perdão dos deuses, fazendo provas da seguinte forma: “se a pessoa andasse sobre o fogo e não tivesse queimaduras, seria inocente, caso contrário, seria culpada.” (CALDEIRA, 2009, p. 262).
Com o surgimento de uma sociedade mais organizada politicamente falando, cria-se a ideia de líderes ou assembleias. Nesse momento a pena perde seu caráter sacral, para ser uma sanção da vontade de alguma autoridade pública, que tem por finalidade resguardar o interesse geral da comunidade. Já não se tratava de aplicação de castigo divino, mas de uma faculdade de uma autoridade soberana, mas que, todavia, sugestionava uma maior segurança, pois as penas não eram mais aplicadas de forma velada, variante a vontade sobrenatural, mas sim pelo estado.
Conforme Prado (2010) na Idade Média, o Direito Canônico possuía grande influência na legislação penal, introduzido no mundo as primeiras noções de privação de liberdade como forma de punição, aplicando tanto aos religiosos quanto aos cidadãos em geral, que cometiam algum pecado, a privação da liberdade, para que fossem punidos e meditassem sobre o seu pecado para alcançarem o arrependimento, surgindo daí a nomenclatura “penitenciária”.
Findando a idade média, logo no começo do século XIX, surge a fase da humanização da pena, caracterizada por uma punibilidade menos cruel, com menos sofrimento. Nesta fase, tem-se o início da noção de proporcionalidade na aplicação penal, teoria desenvolvida por Beccaria (2012), que segundo ele:
Se fosse possível aplicar um cálculo matemático à obscura e infinita combinação de ações humanas, haveria uma escala correspondente de penas, da maior para a menor; mas, não sendo possível, basta ao legislador sábio indicar os pontos principais, sem perturbar a ordem, não decretando a delitos de primeiro grau penas de ultimo. (BECCARIA, 2012, p. 23-24).
A prisão, ou o cárcere do indivíduo, surge com o escopo de ressocialização, a partir de uma sanção proporcional ao delito cometido, para afastar as práticas delitivas e realizar o que é necessário para deter um determinado crime (BARATTA, 2017). Essa ideologia, de se atribuir a ressocialização do criminoso à pena de prisão, se espalhou extraordinariamente no mundo, contudo, até hoje, verifica-se o efetivo fracasso desse sistema.
Conforme Daher Jr. (2015) o homem é um ser social e desde o início da história se reconhece a necessidade de agrupamento para facilitar a vida e garantir a sobrevivência. Dessa convivência, com a existência de interesses convergentes em um mesmo grupo social, surgem os conflitos. Nessa linha o Direito Penal surge para prevenir que as infrações aconteçam, estabelecendo as condutas proibidas que lesam ou ameaçam valores protegidos pelo ordenamento jurídico.
De acordo com Gomes (2017) a evolução da pena acompanha a evolução do direito de punir. Inicialmente para defender seus princípios e interesses, as pessoas praticavam a autotutela, instituto que permitia a realização de vinganças coletivas. As punições eram aplicadas de próprio punho com penas de caráter desumano e cruéis, totalmente desproporcionais às infrações cometidas.
Diante de inúmeras atrocidades e com a mudança dos paradigmas sociais onde inicia-se a transição da valorização dos direitos fundamentais do homem, o Estado suprimiu as ações privadas, estabelecendo normas na aplicação de penas (SILVA, 2013).
O Estado avocou para si a tutela dos valores sociais sendo legitimado para agir em nome do ofendido e que, diante de uma conduta reprovada pela sociedade e proibida pelo direito penal, aplique uma pena, sendo necessária a existência de um devido processo legal, já que ele é despido de coerção direta. Sendo assim, o Estado se legitima sob o argumento da supremacia do interesse público em detrimento do interesse individual o que, de certo modo, transparece a submissão da sociedade a um ente superior com poderes supremos (VIEGAS, 2001). Desse modo, o processo penal vem no sentido de limitar a atuação do poder Estatal, sendo ele um instrumento para a aplicação da pena.
Há várias teorias que tentam explicar a natureza jurídica do processo, e dentre elas duas se destacam por sua maior contribuição no desenvolvimento desse fenômeno: a do entendimento do processo como relação jurídica, defendida por Büllow (2020), e a teoria do processo como situação jurídica, apresentada por Goldschmidt apud Lopes Jr. (2020).
Acertadamente Lopes Jr. apud Bülow (2020) conseguiu distinguir o direito material do direito processual, reconhecendo-o como uma relação jurídica, como explica Lopes Jr. (2020):
Com Bülow, a concepção muda radicalmente, sendo o processo visto uma relação jurídica de natureza pública que se estabelece entre as partes e o juiz, dando origem a uma reciprocidade de direitos e obrigações processuais. A natureza pública decorre do fato de que existe um vínculo entre as partes e um órgão público da administração da justiça, numa atividade essencialmente pública. Nessa linha, o processo é concebido como uma relação jurídica de direito público, autônoma e independente da relação jurídica de direito material.
(LOPES JR, P.48, 2020).
Conforme citação realizada por Lopes Jr. (2020) Bülow possui de fato uma grande contribuição teórica na esfera do direito, por ter inaugurado a era do processualismo científico, explicando o processo a partir de categorias de Direito Público, distinguindo com clareza o procedimento do processo e seu caráter tridimensional (sujeito ativo - juiz – sujeito passivo), além do contraditório, que permanece sendo uma premissa do processo contemporâneo.
Porém, essa teoria não se adequa aos moldes do processo penal e foi James Goldschmitd quem demonstrou o erro na visão estática, enquanto relação jurídica, pois no processo penal não há distribuição de cargas probatórias, ficando tudo a cargo da acusação. (LOPES JR. 2020).
Para Lopes Jr apud Goldschmitd (2020), o processo possui um caráter dinâmico, onde, na mesma linha de pensamento, segue o autor supracitado:
O processo é uma complexa situação jurídica, no qual a sucessão de atos vai gerando chances, que bem aproveitadas permitem que a parte se libere das cargas (por exemplo, probatórias) e caminhe em direção a uma sentença favorável (expectativas). O não aproveitamento de uma chance e a não liberação de uma carga, gera uma situação processual desvantajosa, conduzindo a uma perspectiva de sentença desfavorável. (LOPES JR APUD GOLDSCHMITD, p. 49, 2020).
Segundo Lopes Jr. apud Goldschmidt (2020), o processo é uma situação jurídica, onde assemelha-se a um estado de guerra e que está envolto a uma nuvem de incerteza, onde as partes assumem os riscos, aproveitando ou não as chances de liberação de carga, respeitando as regras do jogo e quem melhor souber aproveitar, caminhará para uma sentença mais favorável, evidenciando assim a epistemologia da incerteza no processo penal.
Nesses moldes, é evidente a construção de um processo penal como instrumento de garantia e respeito aos seus fundamentos de existência, o que ainda se perfaz para aprimoramento da eficácia dos direitos e garantias, assegurados na nossa Carta Magna e nos Tratados de Direitos Humanos, no qual o Brasil é signatário.
3.2 Surgimento da Prisão Domiciliar
Com a entrada em vigor do regime aberto no ordenamento jurídico, a prisão domiciliar surge com a finalidade de combater a problemática das más condições ou falta de estruturas para o cumprimento pena nesse regime, tendo em vista que não houve um preparo no território nacional para dar efetividade a ele.
No início, a prisão domiciliar era regida pelo código penal em seu artigo 43, inciso III, reconhecida como uma pena restritiva de direitos. Em 1998, foi revogado pela lei nº 9.714, porém a lei nº 9.605, lei de crimes ambientais, trouxe novamente em seu artigo 8º o como pena restritiva de direito. (NUNES, 2012).
Esse recolhimento domiciliar tratado no código penal e na lei de crimes ambientais, é diferente da prisão domiciliar, pois no código penal refere-se à uma pena restritiva de direitos, em que o indivíduo está efetivamente solto, e que em certos horários deve se recolher em casa por ordem judicial, e na lei de crimes ambientais trata de medida cautelar diversa da prisão sede de cumprimento de pena em regime aberto. O benefício de prisão domiciliar somente aparece em 1994 como medida cautelar, com a lei nº 8.906/1994, o estatuto da advocacia e da OAB, em seu artigo 7º, inciso V, como um dos direitos do advogado, quando não houvesse uma sala de estado maior no lugar onde estivesse sendo preso. (LOBO, 2017).
No entanto, aos condenados em prisões comuns, o instituto foi trazido pela lei de execução penal, lei 7.210/84, e no campo processual, pela lei 12.403/2011, que trouxe as medidas cautelares diversas da prisão preventiva, não restringindo a uma classe profissional, mas enquadrando todas as pessoas que preencham os requisitos legais. Hoje o artigo 317 do código de processo penal traz o conceito de prisão domiciliar: “A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial”. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011). (BRASIL, 2011).
3.3 Prisão Cautelar
A prisão cautelar é decretada visando assegurar a investigação ou a eficácia do processo, onde se analisa não a culpabilidade do agente, mas a sua periculosidade, devendo estar presente, no caso, o fumus comissi delicti, e o periculum libertatis, que consiste no perigo à ordem pública, econômica, processual ou aplica-se para assegurar a efetividade da lei penal.
Para que seja concedida, devem estar presentes alguns requisitos objetivos, quais sejam: Pena superior a 4 anos; Reincidente e/ou em violência doméstica e que as medidas alternativas não se mostrem suficientes; Por falta de identificação do indiciado.
De acordo com Andrade (2017) a prisão cautelar/processual possibilita ao Estado restringir a liberdade do acusado pela prática do injusto penal antes do término do processo criminal. Trata-se de uma espécie de medida cautelar de caráter pessoal, que visa à restrição da liberdade do imputado a fim de resguardar a investigação e o processo em face aos imprevistos causados pelo decurso do processo, garantindo, assim, a eficácia da sentença definitiva.
No Brasil, a prisão é uma exceção, devendo ser aplicada somente em casos previstos legalmente, de forma taxativa, já que o nosso Código Penal, embora utilitarista, tem como princípio jurídico de ordem constitucional a presunção de inocência. A prisão cautelar é uma exceção à exceção, onde a pessoa será privada de sua liberdade sem que tenha tido uma sentença condenatória contra ela mas que, diante do caso, torna-se indispensável para resguardar a ordem pública e a efetividade do processo penal.
Para sua adoção é imprescindível a presença de dois pressupostos: o periculum in mora e fumus boni juris. O primeiro requisito consiste na verificação da existência de risco para o objeto tutelado, cujo exame das questões fáticas confirmam o perigo de lesão. A segunda condição para a sua decretação é a plausibilidade do direito substancial, ou seja, a probabilidade de êxito na demanda penal. A falta dos pressupostos delineados inviabiliza a decretação da prisão cautelar, tornando-a ilegal. (ANDRADE, 2017).
3.4 Prisão Domiciliar de Natureza Cautelar
Prevista nos artigos 317 e 318, do Código de Processo Penal (Lei n° 3.689/41), a prisão domiciliar de natureza cautelar substitui o cumprimento da medida de prisão preventiva, não sendo uma modalidade autônoma de medida cautelar, podendo inclusive ser impetradas cumulativamente.
Nesse momento o preso ainda goza do status de inocente, mas como já dito anteriormente, no caso concreto, a prisão é necessária para efetivar a ordem pública, econômica, processual ou até mesmo a aplicabilidade da lei penal. (COPPETI, 2017).
Deve-se deixar claro que a doutrina tem classificado a prisão domiciliar do Código de Processo Penal em autônoma e substitutiva da prisão preventiva.
A autônoma seria a prisão domiciliar aplicada enquanto medida cautelar, quando as cautelares alternativas forem inadequadas ou insuficientes ou quando não existirem requisitos para uma prisão preventiva. Já a domiciliar substitutiva deve ser aplicada quando couber a prisão preventiva cautelar, porém por preencher alguns requisitos o preso tem o direito de ter a conversão para a prisão domiciliar, baseado no princípio da humanidade, e é a esta última que nos limitaremos.
4 MEDIDAS CAUTELARES NO PROCESSO PENAL E O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
4.1 Prisão Domiciliar em Fase de Execução Penal
Conforme Lopes Jr. (2020) diferente da prisão domiciliar de natureza cautelar, substitutiva da preventiva, a domiciliar trata-se de medida substitutiva da prisão pena, ou seja, não são considerados mais inocentes, pois possuem sentença condenatória já transitado em julgado e cumprem pena no regime aberto ou semiaberto, como já entende a jurisprudência, e poderão solicitar a substituição pela prisão domiciliar ao se enquadrar em algum requisito do artigo 117 da Lei nº 7.210/84, lei de execução penal.
Ao fazer uma análise sobre os critérios da prisão domiciliar previstos no artigo 318 do CPP com os da prisão domiciliar do artigo 117 da LEP, foi possível perceber tamanha desproporcionalidade na lógica sistemática da aplicação desses institutos, e é nesse prisma que se desenvolve a comparação das normas legais sob o ponto de vista constitucional, abrigado pelo princípio da proporcionalidade.
Sendo assim, faz-se importante mencionar os artigos acima citados, a saber:
Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
I - maior de 80 (oitenta) anos; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
II - extremamente debilitado por motivo de doença grave; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
IV - gestante; (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016)
V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos; (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016.
VI - homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016)
Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.
Enquanto que, para o art. 117 da Lei de Execuções Penais (Lei n° 7.210/84), dispõe:
Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de:
I - condenado maior de 70 (setenta) anos;
II - condenado acometido de doença grave;
III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental;
IV - condenada gestante.
Visto isso, é cristalino perceber a disparidade entre as normas, onde a lei mais nova, Lei de Execuções Penais, traz um rol bem mais inclusivo e justo sobre a matéria, e entende-se que este deve ser utilizado.
4.2 Princípio Da Proporcionalidade E Sua Aplicação Na Esfera Penal
O princípio da proporcionalidade é o pilar de todo o ordenamento jurídico para que se concretize a justiça almejada, embora não seja expressamente previsto na Carta Magna, pode ser extraído dos diversos dispositivos da Constituição de 1988, como no art.5º, XLVI que prevê a individualização da pena, e no art.5º, XLVII que enumera diversas penas proibidas de serem aplicadas, entre outros. (BRASIL, 1988).
O princípio da proporcionalidade conforme Gomes (2002) desempenha importante função dentro do sistema penal, uma vez que orienta a construção dos tipos incriminadores por meio de uma criteriosa seleção daquelas condutas que possuem dignidade penal, bem como fundamenta a diferenciação nos tratamentos penais dispensados às diversas modalidades delitivas. Além disso, estabelece limites à atividade do legislador penal e, também, do intérprete, posto que estabelece até que ponto é legítima a intervenção do Estado na liberdade individual dos cidadãos.
De acordo com Gomes (2003) no âmbito do direito penal, a noção de que deve existir uma medida de proporcionalidade no estabelecimento dos delitos e das penas não é recente, uma vez que já constituiu de forma significativa o conteúdo da lei do talião, conforme o autor menciona:
Assim, a lei do talião, que traduz seu conteúdo através da expressão “olho por olho, dente por dente” pode ser considerada a primeira resposta encontrada para se estabelecer a qualidade da pena a ser imposta a cada conduta delitiva, tendo estado presente em todos os ordenamentos jurídicos arcaicos, desde o Código de Hamurabi, a Bíblia e a Lei das XII Tábua. (FERRAJJOLI, APUD GOMES, p. 41, 2003).
Para que haja tipificação de uma conduta na esfera penal, é necessário que esta viole significativamente um bem jurídico de grande relevância social. Desta feita, será analisada a valoração de determinado bem jurídico pela sociedade, devendo este ser tutelado pelo direito penal, e quando for lesionado aplicar-se-á uma sanção à altura da gravidade cometida.
Deste modo, haverá uma graduação na aplicabilidade das penas, pois, quanto mais relevante for o bem jurídico, maior será a sanção aplicada para aquele que lesionar esse bem. O princípio da proporcionalidade é composto pela adequação dos meios, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito, e sem estes será impossível medir a proporcionalidade de uma norma.
Consignado Rabelo (2009) o princípio da proporcionalidade pode ser facilmente deduzido a partir da previsão de proteção de direitos fundamentais amparados pela Constituição de 1988, tais como a declaração da liberdade como um valor superior do ordenamento jurídico, o reconhecimento da dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito, a igualdade que proíbe o legislador ordinário de discriminações arbitrárias , a proibição da aplicação de penas cruéis e desumanas, dentre outros.
4.3 Da Adequação
A adequação está relacionada aos meios escolhidos para se atingir o fim almejado, ou seja, o meio deve ser justo para a realização do fim, não devendo este ser justificado pelos meios empregados. Conforme Canotilho, trata-se de controlar a relação de adequação medida-fim.
Segundo Ávila (2003), o legislador deve analisar a adequação no plano abstrato, quando se tratar de ato jurídico geral, para que essa análise sirva como parâmetro na delimitação para a elaboração das normas.
A adequação também serve como parâmetro para o aplicador da lei, já que a norma escolhida só será considerada adequada quando o meio for idôneo para se alcançar os fins perseguidos, pois do contrário, será desproporcional. Logo, a adequação da norma deverá ser analisada caso a caso, em um plano concreto individual, observando qual o bem jurídico que a norma visa tutelar, para que se possa verificar se ela estará efetivamente alcançando o fim para o qual foi criada, e desta forma aferir se houve uma proporcionalidade na aplicação dela.
Côngruo á Aguiar (2016) no âmbito de análise segundo a máxima da adequação, é possível constatar que não serão idôneos para a proteção de determinado bem jurídico os atos legislativos criadores de tipos de perigo abstrato que incriminem meras infrações administrativas, as quais não têm aptidão para produzir, sequer potencialmente, qualquer perigo em concreto para o bem jurídico em questão.
Portanto, é possível concluir que a adequação se refere à correspondência entre meio e finalidade, ou seja, exige-se que o meio empregado para atingir os objetivos sejam adequados para a persecução destes.
4.4 Da Necessidade
O subprincípio da necessidade deve promover o fim almejado sem restringir, na mesma intensidade, os direitos fundamentais afetados, analisando a existência de meios alternativos àquele inicialmente adotado. (ÁVILA, 2003).
Dessa forma a necessidade será examinada a partir da análise da adequação dos meios, verificando se são aptos para promoverem o fim almejado e os meios alternativos, avaliando o menos restritivo que afetará os direitos fundamentais.
Com isso, afirma-se que o meio necessário será aquele menos gravoso aos direitos fundamentais afetados (ÁVILA, 2003). Contudo, a norma penal só será necessária quando o meio for o menos gravoso para a realização do fim almejado, pois se houverem outros meios menos lesivos, que possam se chegar ao mesmo fim, ela será adequada, porém não a necessária, tornando-se assim improporcional.
4.5 Da Proporcionalidade Em Sentido Estrito
Após a verificação do meio adequado e necessário na aplicação da norma para a consecução de um fim, em um terceiro plano, deve-se aferir se ela também será proporcional strictu sensu, ou seja, pesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim.
Em 1971 que a Corte Alemã Ocidental empregou a tríplice manifestação do mandamento da proporcionalidade, através do tão citado BVerfGE 30, 316. Na ocasião assentou-se que:
O meio empregado pelo legislador deve ser adequado e exigível, para que seja atingido o fim almejado. O meio é adequado, quando com o seu auxílio se pode promover o resultado desejado; ele é exigível, quando o legislador não poderia ter escolhido outro igualmente eficaz, mas que seria um meio não-prejudicial ou portador de uma limitação menos perceptível a direito fundamental (BVERFGE 30, 316 APUD WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO, ENSAIOS DE TEORIA CONSTITUCIONAL, P. 75, 1971).
Embora o meio seja adequado e necessário, não será proporcional em sentido estrito se ele ferir direitos e garantias elencadas na Constituição Federal, trazendo mais desvantagens do que benefícios.
5 SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA POR PRISÃO DOMICILIAR
5.1 Domiciliar substitutiva: LEP x CPP
Ao comparar os critérios da prisão domiciliar previstos no artigo 318 do CPP com os critérios da prisão domiciliar do artigo 117 da LEP, nos é possível observar a enorme desproporcionalidade na lógica sistemática da aplicação desses institutos, que embora tenham nomenclaturas parecidas, ocorrem em momentos distintos. Nos termos do CPP, a prisão domiciliar substitutiva da preventiva poderá ser concedida para maiores de 80 anos, para extremamente debilitados por motivos de doença grave, para aquele que seja imprescritível aos cuidados especiais de menores de 6 anos de idade ou pessoa com deficiência, para gestantes, mulheres com filho de até 12 anos de idade incompletos, e por fim, para o homem que seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 anos. (BRASIL, 1941)
No âmbito da Lei de Execução Penal, no artigo 117, para que se possa substituir a prisão pena por domiciliar, se faz necessário os seguintes requisitos: condenado maior de 70 (setenta) anos, condenado acometido de doença grave, condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental, condenada gestante. (BRASIL, 1984).
É válido ressaltar que a substituição trazida no CPP é uma prisão de natureza cautelar, ou seja, a pessoa ainda não recebeu sentença definitiva, e por vezes ainda está sendo julgada ou aguardando julgamento e essa pessoa pode ser inclusive considerada inocente. Sendo assim, a substituição da LEP conforme visto, é aplicada aos condenados com trânsito em julgado, e estes conseguem ter mais proporcionalidade do que os que ainda não foram julgados e estão sem sentença e é a partir desse entendimento, serão tecidas as considerações a respeito da proporcionalidade, quando confrontado esses critérios.
5.2 Os requisitos para substituição e sua (des)proporcionalidade
Tanto no inciso I do artigo 318 do CPP, quanto no do artigo 117 da LEP, apresentam a idade como critério para se conseguir a conversão da medida e da pena, respectivamente. No entanto, verifica-se que para ser possível a conversão da prisão preventiva, enquanto medida cautelar, é necessário que o preso tenha a idade de 80 anos, enquanto em sede de cumprimento de sentença essa idade cai para 70 anos. Não é preciso fazer muito esforço para constatar que os parâmetros exigidos destoam de uma lógica sistemática, pois o critério cronológico estabelecido para o eventual inocente é mais severo do que se exige para o condenado, sem que haja uma explicação plausível para isso.
Adiante foi analisado o inciso II, onde no artigo 318 do CPP prevê como requisito que a pessoa deva estar extremamente debilitada por motivo de doença grave, no entanto, o artigo 117 da LEP apenas aduz que o condenado deva estar cometido de doença grave. Rangel (2007) faz crítica quanto à necessidade de se chegar ao extremo com a saúde do indivíduo, que em um caso concreto, um senhor com 78 anos e com diabetes não teria direito à prisão domiciliar, devendo aguardar o agravamento de sua debilitação.
Nos termos do inciso III não se faz distinção de sexo, tanto no artigo 318 do CPP quanto o 117 da LEP, podendo assim ser concedida a prisão domiciliar tanto a homens quanto a mulheres, porém deverá ser demonstrada a relação de dependência direta e imediata para o cuidado de pessoas menores de 6 anos ou deficientes. O que foi levantado em questionamento foi sobre o critério de idade estabelecido no referido inciso, pois no artigo 318 do CPP o menor seria de até 6 anos de idade, enquanto no artigo 117 da LEP não traz especificação de idade mas somente a nomenclatura de filho menor.
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) considera-se criança até os 12 anos de idade incompletos, contudo a Organização Mundial de Saúde (OMS) estabeleceu como limite cronológico até os 10 anos.
Conforme Moraes e Smanio (2006) explicam que:
A lei presume que a existência de longo tratamento ou, ainda, o fato de o rigor do cumprimento da pena agravar a situação do sentenciado, colocando sua vida em risco, possibilitam o cumprimento da pena em sua própria residência. (MORAIS APUD SMANIO, p. 191, 2006).
O texto do inciso III do artigo 117 da LEP somente traz como requisito que a condenada, seja mulher, tenha filho menor ou com deficiência física ou mental, deixando em aberto o critério quanto à idade, o que permite a interpretação da possibilidade de que qualquer mulher, condenada, que possuir filho menor de 18 anos ou maior que tenha doença física ou mental, poderá ter a concessão da domiciliar.
Para Rojo (2017) tais hipóteses, assim como as primeiras, imprimem grande clareza quanto ao motivo pelo qual é concedido o benefício domiciliar, eis que, nessa realidade, os cuidados para com aqueles que dependem (ou dependerão) daquele que têm sua liberdade limitada é que são resguardados.
No que tange ao requisito gestacional, ora se verifica acertada tanto no CPP como na LEP, porém nem sempre foi assim. Antes da lei nº 13.257, de 2016, conforme o inciso IV do artigo 318 CPP, a gestante só se enquadraria no critério de substituição para a domiciliar, a partir do 7° (sétimo) mês de gravidez, totalmente desproporcional quando comparado com a lei de execução penal que simplesmente se referia à gestante. (MARCÃO, 2017).
Os dois últimos incisos a serem analisados são do artigo 318 do CPP, o V e o IV, que tratam da possibilidade da conversão em domiciliar quando a mulher possuir filho de até 12 anos de idade incompletos e/ou homem, caso seja o único responsável por esse filho. De mal grado, admite-se que no caso da mulher, poderá ser contemplada com a medida mesmo morando longe, sem convivência com os filhos, ou pior, que tenha sido destituída do poder familiar, em contrapartida, o pai mesmo que participe ativamente na formação psicossocial do menor de 12 anos, só receberá o benefício se for o único responsável.
No que se refere ao conceito e aplicação do princípio da proporcionalidade na esfera direito penal brasileiro, leva-se em consideração todo o ordenamento jurídico, a fim de que se desenvolva em consonância com todo o sistema. Sobre isso, Ishida (2009) ensina:
Aquele que prevê que, ao estipular a pena do referido tipo, o legislador deve se atentar à gravidade do crime. Assim, a pena par ao homicídio doloso deve ser mais elevado que para o homicídio culposo, por que o primeiro fato é mais grave que o segundo. Na cominação da pena, o legislador segue a proporcionalidade. (ISHIDA, p. 29, 2009).
Destarte, verifica-se um distanciamento do princípio da proporcionalidade nos requisitos de substituição da prisão preventiva cautelar e da prisão em regime aberto ou semiaberto, visto que há um maior rigor os critérios estabelecidos para os indivíduos que eventualmente são considerados inocentes do que os que já receberam uma sentença condenatória.
Conforme Aguiar (2016) o princípio da proporcionalidade funciona como limite não apenas à atividade judicial de interpretação/aplicação das normas penais, mas também à própria atividade legislativa de criação/conformação dos tipos legais incriminadores, o que possibilita o exercício da fiscalização, por parte da Jurisdição Constitucional, da constitucionalidade das leis em material penal.
Desta forma, é possível perceber que o legislador errou ao aplicar critérios mais gravosos àquele que encontra-se em prisão cautelar e não teve seu julgamento do que ao que já tem sua sentença.
À luz do princípio da proporcionalidade, é relevante a análise quanto a incongruência relativa à concessão do instituto nesses dois momentos, a fim de corrigir as anormalidades perpetradas pelo legislador e para que se possa dar condições justas ao apenado, garantindo a este, pelo menos, que respeitem as regras do jogo.
Os requisitos previstos na Lei de Execução Penal e no Código de Processo Penal tratados no presente estudo, em uma visão geral, viabiliza uma forma mais ampla quanto a aplicação da prisão domiciliar na sua forma substitutiva. Dessa forma, verifica-se que para a possível conversão, os critérios exigidos para o preso preventivo são muito mais severos que para o preso condenado.
A prisão, conforme o entendimento de muitos doutrinadores é a privação de liberdade de locomoção determinada por ordem escrita da autoridade competente ou em caso de flagrante delito. É a maior ou menor limitação no direito de ir e vir do ser humano quando comete um ilícito penal, devendo ser utilizada como a ultima ratio do sistema.
No Brasil, a prisão é uma exceção, devendo ser aplicada somente em casos previstos legalmente, de forma taxativa, já que Código Penal (Lei n° 2848/40), embora sendo um Código utilitarista, tem como princípio jurídico de ordem Constitucional a presunção de inocência. Diante desse prisma, surgem as penas alternativas, como meio de efetivar as garantias estabelecidas em todo o sistema normativo, que também é defendida por Cesari Beccaria, pois a seu ver deveria guardar proporcionalidade entre o delito cometido pelo indivíduo e a sanção imposta e sua humanização.
Em suma, ao se decretar uma prisão preventiva de natureza cautelar, não é possível deixar de analisar que está sendo encarcerada uma pessoa que não foi condenada, o que é visto por maioria da doutrina como uma medida drástica e uma injustiça necessária, diferente do condenado, pois este já encontra-se em sede de cumprimento de sentença, o que ressalta o problema trazido ao decorrer da pesquisa.
Deste modo, diante de tanta desproporcionalidade na aplicação das normas penais, a conversão denotada solidifica tamanha desigualdade e, como consequência disso, tem-se que o princípio da proporcionalidade efetive a justiça almejada, limitando assim a atuação do Estado. Portanto, a grande questão do tema é a necessidade de uma análise mais aprofundada do juiz quanto à adequação da pena, para que o preso preventivo não seja “prejudicado” de forma superior ao preso condenado.
Logo, há que se flexibilizar a supracitada substituição, tendo em vista a desproporção entre os dispositivos discorridos, sem, desprezar os princípios que norteiam a prática deste alteração, resguardando assim as garantias e direitos fundamentais, pilares do Estado Democrático de Direito.
REFERÊNCIAS
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[1] Analyne Sousa de Oliveira, Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA. E-mail: [email protected].
[2] Juliano de Oliveira Leonel, Mestre em Direito pela UCB, pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal pela UFPI, professor de graduação do Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA. E-mail: [email protected].
[3]De acordo com Lopes Jr (2012, p. 100): “A teoria do processo como relação jurídica recebeu críticas, tanto na sua aplicação para o processo civil como também para o processo penal, mas, em que pese sua insuficiência e inadequação, acabou sendo adotada pela maior parte da doutrina processualista”.
[4]Adverte Lopes Jr (2012, p. 100) que “A noção de processo como relação jurídica, estruturada na obra de BÜLOW, foi fundante de equivocadas noções de segurança e igualdade que brotaram da chamada relação de direitos e deveres estabelecidos entre as partes e entre as partes e o juiz. O erro foi o de crer que no processo penal houvesse uma efetiva relação jurídica, com um autêntico processo de partes”.
[5]Para Lopes Jr (2012, p. 102) “Essa dinâmica do estado de guerra é a melhor explicação para o fenômeno do processo, que deixa de lado a estática e a segurança (controle) da relação jurídica para inserir-se na mais completa epistemologia da incerteza”.
[6] Segundo Lopes Jr (2012, p. 102) “O processo é uma complexa situação jurídica, na qual a sucessão de atos vai gerando situações jurídicas, das quais brotam as chances, que, bem aproveitadas, permitem que a parte se liberte de cargas (probatórias) e caminhe em direção favorável. Não aproveitando as chances, não há a liberação de cargas, surgindo a perspectiva de uma sentença desfavorável. O processo, enquanto situação – em movimento -, dá origem a expectativas, perspectivas, chances, cargas e liberação de cargas. Do aproveitamento ou não dessas chances, surgem ônus e bônus”.
[7]“As provas são os materiais que permitem a reconstrução histórica e sobre os quais recai a tarefa de verificação das hipóteses, com a finalidade de convencer o juiz (função persuasiva)” (LOPES JR, 2012, p. 537).
[8]Esclarece Lopes Jr (2012, p. 538) que “o processo penal tem uma finalidade retrospectiva, em que, através das provas, pretende-se criar condições para a atividade recognitiva do juiz acerca de um fato passado, sendo que o saber decorrente do conhecimento desse fato legitimará o poder contido na sentença”.
Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANA PAULA SOUSA GUIMARãES, . Da (des)proporcionalidade dos requisitos do art. 318 do CPP para a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 jun 2020, 04:54. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54615/da-des-proporcionalidade-dos-requisitos-do-art-318-do-cpp-para-a-substituio-da-priso-preventiva-por-priso-domiciliar. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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