Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Direito da Universidade Brasil, como complementação dos créditos necessários para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Ademir Gasques Sanches e Coorientadora Profª. Me. Márcia Kazume Pereira Sato.
RESUMO: Trata-se de um trabalho que tem por finalidade apresentar as transformações morais da sociedade, motivadas pelas evoluções ocorridas graças às influências de uma época e suas possíveis consequências no seio da sociedade ao longo do tempo. Temos como referencial as obras literárias de um grande e influente autor russo Feóder Mikhalovitch Dostoiévski. Partindo de “Crime e Castigo”, temos o precedente do ideal hierárquico, mais a frente passamos por os “Irmãos Karamazov” e logo chegamos no ideal que irá afluir de maneira dantesca dando origem a Segunda Guerra Mundial. Vemos que a perda da moral, que para o autor simboliza o caos interior, irá gerar um distanciamento social levando o homem a um labirinto psicológico que irá fazer com que deseje voltar a civilidade. Temos também como pano de fundo a empatia e o “phatos”, conjunto que, ao longo do trabalho, parece se mostrar indivisível a alguns seres humanos, mesmo aos que se convencem de sua superioridade para justificar o extermínio daqueles que são julgados inferiores e por isso descartáveis socialmente. Veremos que a marca registrada do autor é o castigo aos que revogam as leis morais e impõe a pena capital aos que são julgados como sub-humanos, como eram chamados pelos nazistas. E por fim chegamos aos dias atuais onde o ser humano continua a exterminar, mas agora com drones
Palavras-chave: Moral, Empatia, alienação
ABSTRACT: It is a work that aims to present the moral transformations of society, motivated by the developments that occurred thanks to the influences of an era and its possible consequences within society over time. We have as reference the literary works of a great and influential Russian author Feóder Mikhalovitch Dostoiévski. Starting from “Crime and Punishment”, we have the precedent of the hierarchical ideal, later on we pass by the “Karamazov Brothers” and soon we arrive at the ideal that will flow in a Dante way giving rise to World War II. We see that the loss of morality, which for the author symbolizes the inner chaos, will generate a social distance leading man to a psychological maze that will make him want to return to civility. We also have as a backdrop empathy and “phatos”, a set that, throughout the work, seems to be indivisible to some human beings, even to those who are convinced of their superiority to justify the extermination of those who are considered inferior and for this socially disposable. We see that the author's trademark is punishment for those who repeal moral laws and imposes capital punishment on those who are judged as subhuman, as they were called by the Nazis. And finally we come to the present day where the human being continues to exterminate but now with drones
Keywords: Moral, Empathy, Alienation
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 A EVOLUÇÃO DA ALIENAÇÃO E INSTRUMENTALIZAÇÃO DO CRIME SEGUNDO DOSTOIEVSKI. 2.1 A UNICIDADE ENTRE AUTOR INTECTUAL E EXECUTOR. 2.2 A ALIENAÇÃO E A INSTRUMETALIZAÇÃO DO TRABALHO LETAL. 3 CRIMES SEM CASTIGOS. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS. 5 REFERÊNCIAS.
O presente trabalho relata a evolução dinâmica e histórica da alienação do trabalho letal no entendimento visionário de Feóder Mikhalovitch Dostoiévski em suas obras ““Crime e Castigo”” e “Os “Irmãos Karamazov””, chegando até a atualidade com a banalidade do mal. A princípio, temos um estudante de Direito em ruína tentando elevar sua moral, às custas do que chamo “assepsia social”, ao planejar o assassinato de uma senhora; emblemático é o fato de ser um estudante de Direito o que nos leva a raciocinar que não é na capacidade intelectual que geralmente vamos encontrar os melhores exemplos de moral e civilidade. No passo seguinte, em os “Irmãos Karamazov”, mais uma vez para reafirmar a tese discutida, temos um jovem intelectual que instiga seu irmão a assassinar seu pai, mas agora, além da finalidade de limpeza social, segundo o que ele mesmo acredita, tem também como objetivo herdar as riquezas do pai e conquistar com bens o carisma de uma jovem. Em ambos os casos vemos o ideal de hierarquia humana, um ideal de supremacia perante os demais. Importante ressaltar o quanto essa ideia tem sido disseminada, propagada e como até os dias de hoje influencia negativamente as novas gerações. Logo em seguida, quase que em resposta às obras do autor, teremos a Segunda Guerra Mundial liderada por Hitler, com base no mesmo ideal hierárquico do jovem estudante de Direito. Para justificar a morte de milhões de judeus, Hitler consegue impor uma ideia a toda uma nação de que judeus, gays, negros, ciganos ou aqueles que não fossem da raça ariana teriam que ser considerados descartáveis e não merecedores de viver com dignidade ou mesmo merecedores de um pouco de compaixão. Dostoievski um jogador compulsivo, como é possível ver em seu livro “O Jogador”, simplesmente analisou as influências que surgiam em sua época e lançou as probabilidades das consequências a que tudo isso levaria à nova sociedade.
Entretanto, ele não conseguiu prever os crimes sem castigo a que vivemos hoje. Extremamente religioso, todas as suas personagens são mutiladas com o trauma e a empatia da culpa frente ao corpo que cai, como veremos na personagem Raskolnikov. Seus condenados anseiam pela redenção, sentem a dor moral do crime que cometeram e assim foi com alguns soldados alemães na Segunda Guerra Mundial.. Mas chegamos ao século atual em que é possível exterminar e não presenciar a dor alheia, não sofrer ante o corpo mutilado, pois o executor está cada vez mais distante do local da destruição e graças a novas armas de guerra, os drones militares são armados com misseis supersônicos. No campo de batalha não resta mais um corpo contorcido para se ter empatia, na verdade não sobra nada a não ser alguns escombros.
O autor nos motiva a sermos civilizados e a entender que regras simples de convivência que devem ser absorvidas para o íntimo para que não só façamos parte da sociedade, mas também para que a civilidade nos permeie nos toque e que quando deixamos de segui-las pode acontecer a perda dessa civilidade e o caos interno causara um desequilíbrio natural. A empatia com o próximo regida pelo não mataras do autor é inspirada nas Doze Tábuas de Moisés, o princípio da lei moral e da lei legal, as regras básicas para a convivência social entre os direitos e os deveres de uma sociedade. Ele nos alerta a não perdemos nossa humanidade ante às novas formas de pensamento e visão do mundo moderno. Diante disto, temos o desafio de nos amoldarmos às novas tendências, às novas descobertas como a Teoria da Evolução de Charles Darwin que para alguns é a desconstrução de Deus, ou seja, que a vida é um acaso em eterna evolução e por conseguinte uma revogação natural do não matarás.
2 A EVOLUÇÃO DA ALIENAÇÃO E INSTRUMENTLIZAÇÃO DO CRIMES SEGUNDO DOSTOIEVSKIUNDO
2.1 A UNICIDADE ENTRE AUTOR INTELECTUAL E EXECUTOR
O livro “Crime e Castigo”” do escritor russo Feóder Mikhalovitch Dostoiévski, lançado no ano de 1866, ou seja, há mais de cento e cinquenta anos continua, como toda boa literatura, a ser atual, útil e de grande valia a todo estudante da área jurídica, pois, além de abordar o comportamento humano usando como exemplo um estudante de Direito, descrevendo detalhadamente fatores sociais e psicológicos que o levam a cometer um homicídio, o livro também nos remete a um momento histórico de transição com o advento da então desconstrução de Deus advinda do livro “A Origem das Espécies” do escritor Britânico Charles Darwin que apresentou ao mundo sua teoria da evolução junto com ainda existentes resquícios de influência da Era Napoleônica que se iniciou em 1799 e foi até 1815. Amalgamadas tais ideias, Dostoievski tem uma percepção futurista quanto a engrenagem moral que se desprendia e se modificava com as novas tendências do comportamento humano e social. Vacuidade de valores, relativismo ético e uma forte tendência ao niilismo. O escritor russo, dotado de uma acuidade sem igual, cria uma personagem que traz no nome esse desprendimento do senso moral, Raskolnikov em russo quer dizer cisão. Nesse caso, cisão com a moral, cisão com os valores éticos, entre outros. Tendo como inspiração o mercado central de São Petersburgo, um lugar violento e miserável onde as pessoas conviviam com cafetões, ladrões, prostitutas e todo tipo de indiferença social. No romance temos Raskolnikov como personagem central que, influenciado pela era napoleônica, cria em sua mente a existência de seres napoleônicos, seres extraordinários que tem por direito hierárquico superioridade sobre os seres inferiores, ou seja, os seres ordinários. Naturalmente, ele, um jovem estudante de Direito, com todo vigor em alta, se eleva ao patamar de ser extraordinário e uma vez colocado a tal nível evoca para si o direito de eliminar do mundo uma pessoa que em sua concepção é repugnante e descartável. Entretanto o jovem estudante, em seu delírio de superioridade, na verdade está em constante dificuldade financeira a ponto de ter que abandonar o curso de Direito e empenhorar alguns objetos de valor para poder se alimentar e pagar o aluguel de onde mora.
Diante da situação, o estudante resolve desempenhar seu papel de ser extraordinário matando a usuraria que penhora seus pertences que a seu ver, além de lhe explorar, é uma pessoa má e que, desprezivelmente maltrata a irmã. Tal pessoa só pode ser um indivíduo ordinário, portanto, um ser descartável. O que na verdade há ali é uma revogação da lei de Moisés: o não matarás. E uma das consequências justificáveis que pode resultar tal revogação. Deste momento em diante o autor nos relata de forma drástica, porém a nível real, o que no mundo jurídico é conhecido como fase inter criminis. Dividido em três fases: cogitação, que na verdade é o simples pensamento do crime; a preparação, que no nosso presente caso ainda não é um fato tipificado e a execução do crime, que é a consumação e a complementação do fato típico antijurídico. Conforme o conceitua Cezar Roberto Bitencourt inter criminis.
Todo ato humano voluntário, no crime a ideia antecede a ação é no pensamento do homem que se inicia o movimento delituoso, e a sua primeira fase é a ideação e a resolução criminosa. Há um caminho que o crime percorre, desde o momento que germina, como ideia, no espírito do agente, até aquele em que se consuma no ato final. A esse itinerário percorrido pelo crime, desde o momento da concepção até aquele em que ocorre a consumação, chama-se iter criminis e compõe-se de uma fase interna (cogitação) e de uma fase externa (atos preparatórios, executórios e consumação), ficando fora dele o exaurimento, quando se apresenta destacado da consumação. BITENCOURT, Cezar Roberto (2012, p.522).
Raskolnikov é levado pelo autor a um verdadeiro emaranhado psicológico de cogitação, preparação e execução do assassinato, destacando como ponto principal que ele, o estudante, se considera um ser superior comparado ao “piolho”, segundo suas palavras se referindo a Alena Ivanovna. Na primeira fase, ou na fase interna, ele se convence através de devaneados pensamentos superiores de que precisa matar aquela velha repugnante e que isso não seria dentro de seu entendimento um crime, mesmo tendo a consciência de que poderia ser punido por isso, afinal não se precipita a simplesmente ir e liquidar a velha, mas maquina por alguns dias qual a melhor maneira para fazê-lo. Neste ponto podemos destacar duas teorias: a primeira do filosofo Thomas Hobbes (1558-1679) de que o homem nasce mau e por isso precisa de um Estado autoritário, que dite as regras, as normas de convivência e aqui parece totalmente plausível encaixar esse pensamento ao estudante; em contra partida, temos a teoria de Rousseau de que o homem nasce bom e que o meio é que o desvirtua, sendo também de perfeito encaixe ao nosso caso. Verdade é que é aceitável que tal dúvida pairava na mente do autor e que de forma escatológica a eternizou sob o manto de um assassinato. Na segunda fase, a fase da preparação, vemos o intelecto do estudante trabalhando para não ser descoberto em seu crime o que de certa forma contradiz a sua certeza de ser superior. Mesmo em seu delírio, Raskolnikov tem a clareza do seu ilícito aos olhos da sociedade, mesmo que em tempos obscuros. E por fim, temos a última fase que é a fase da execução da consumação, o que irá completar o Inter criminis e dar corpo ao fato típico antijurídico: o assassinato de Alena Ivanovna. Com um machado, o jovem estudante a executa friamente, porém, ele tem que lidar com o fato de que a irmã da velha presencia o assassinato e então precisa matá-la também e, de forma fria e cronológica, a executa cruelmente. Temos, de forma simbólica, a revogação do não matarás. Entretanto, conforme mencionei acima, a agudeza de percepção de Dostoiévski o leva mais além em termos gerais das influências mal interpretadas por seus contemporâneos. Ele visualiza de forma que só os gênios conseguem enxergar a instrumentalização do crime em seu livro “Os “Irmãos Karamazov””, lançado em novembro de 1880. Se graças ao niilismo e a deficiência moral ética então retratada pelo autor surge um estudante com ares de homicida, por outro lado ele percebe que num futuro não muito distante essa vontade de eliminar os inferiores por parte dos aclamados superiores poderá ser delegada a subalternos. O que realmente se efetiva na história com a Segunda Guerra Mundial, nos campos de concentração. Porém, para entendermos melhor, precisamos compreender o que aconteceu após a consumação do crime. Verdade que o assassino não conseguiu se manter ao patamar de seu grande inspirador Napoleão Bonaparte, que não se arrependia do sangue derramado em suas tantas batalhas e começou a viver uma verdadeira tortura psicológica de arrependimento. Mesmo mergulhado em seu niilismo, o algoz estabelece uma empatia ante o rosto contorcido, ante o corpo que sofre. Em algumas ocasiões não se sabe se seu arrependimento é por enfim não se ver mais como um ser extraordinário ou mesmo por ter tirado uma vida. Raskolnikov carrega a culpa, não consegue festejar seu objetivo alcançado e devido a isso começa a deixar pequenos rastros que o incrimina, como que se inconscientemente desejasse a expiação, a punição por seu ato hediondo. O autor deste ponto em diante nos relata de forma desnuda o intimo sofrimento de culpa e arrependimento a que o ser humano pode chegar quando se desprende de seu senso moral. Raskolnikov, que era um jovem vivaz, começa a definhar e auto impõe um degredo perante a sociedade, começa a viver escondido pelos arrabaldes da cidade, vive um terror febril sem paz, sem harmonia consigo. Ele deseja profunda e sinceramente voltar ao seio da sociedade, fazer parte do que foi privado a partir do assassinato. Anseia pela terceira fase da tríplice finalidade da pena de nosso Código Penal. A tríplice finalidade da pena prevista em nosso Direito Penal é classificada em retributiva, preventiva e ressocializadora. Vejamos o conceito de Flávio Augusto Monteiro sobre cada uma dessas previsões:
1) a prevenção geral atua antes mesmo da prática de qualquer infração penal, pois a simples cominação da pena conscientiza a coletividade do valor que o Direito atribui ao bem jurídico tutelado;
2) a prevenção especial e o caráter retributivo atuam durante a imposição e execução da pena;
3) finalmente, o caráter reeducativo atua somente na fase de execução. Nesse momento, o escopo é não apenas efetivar as disposições da sentença (concretizar a punição e prevenção), mas, sobretudo, a ressocialização do condenado, isto é, reeducá-lo para que, no futuro, possa reingressar ao convívio social. (BARROS, Flávio Augusto Monteiro (2006, p. 440).
O que é relatado no livro nos leva a crer que, dentre as três previsões da finalidade da pena, Raskolnikov, como dito anteriormente, ansiava pela terceira, ou seja, voltar a ter paz e ser parte integrante do todo e esse era um item subjetivo, algo que existia somente em sua vontade, embora exteriorizasse em pequenos detalhes, ainda assim tinha certo receio em tornar público sua atitude. Somente vindo a fazê-lo depois de conhecer Sonia. Personagem emblemática, Sonia era o reflexo de Raskolnikov no verdadeiro sentido da palavra, pois era uma moça que sofria na pele as dores da miséria humana, não somente nas dificuldades financeiras, mas moral e eticamente. Quase que as mesmas dificuldades dele, entretanto, como mencionado, ela era o retrato do jovem, porém ao inverso, já que era um ser que, mesmo vivendo em meio a mancha da promiscuidade, conseguia manter-se alva, de coração integro. Enquanto ele aproveitou o meio caótico em que vivia e as influências da época para se tornar um homicida que revogou o decálogo de Moises: o não matarás. Ela, por sua vez, coloca em cheque as teorias de Rousseau e Hobbes, afinal, mesmo sem ter a índole necessária, se torna uma prostituta. Levada pelo meio miserável e caótico em que vivia, sem estabilidade familiar, se vendia para ajudar a tratar dos irmãos e até mesmo do pai alcóolatra. Ainda assim não perde seu senso moral e ético.
O autor nos relata suas inquirições sobre o meio social, o momento histórico e em como o caráter pode ser perpétuo ou moldado por tais influências. Sonia, que é apresentada em uma figura feminina, de compleição frágil e exposta a todo tipo de dificuldade, representa o caráter e a determinação humana frente as suas crenças e suas descrenças, na mesma vertente tenta nos convencer da necessidade de respeitar as doze tabuas de Moisés e de que como poderíamos adentrar em um inferno civil sem respeito aos valores éticos que o decálogo de Moisés nos proporciona e, mesmo que não importássemos com tais leis, ainda assim teríamos que ter intimamente esse senso moral de respeito ao próximo. Assim, Sonia, a prostituta, o leva a caminho da ressocialização, antes lhe fortalecendo o espirito, lecionando para ele o livro que para ela representa a liberdade, mas, não a liberdade corporal, mas a liberdade maior, interior sem a necessidade do ambiente exterior: a bíblia. Raskolnikov perdeu sua humanidade sem nem mesmo saber que possuía uma, levado pelas influências de sua época, lembrando que humanidade no sentido literal, no sentido harmônico entre indivíduo e o desejo e a necessidade de viver em sociedade. Então Dostoievski vem a seu auxílio apresentando-lhe Sonia que o convence a se entregar e pagar pelo crime hediondo que cometeu para então poder voltar ao convívio social novamente de forma plena. Para o escritor, a bíblia é o que as leis, normas e regras contidas no Vade Mecum são para o advogado, um livro que representa as regras de convivência social, as leis civis enviadas diretamente do legislador maior que serve de guia quando o indivíduo se perde socialmente. Em seu entendimento, quando essas leis são violadas, ocorre um desequilíbrio pessoal que começa no interior, logo afetando o exterior do transgressor. Ou seja, Dostoievski, que é um sensível conhecedor da natureza humana, nos leva em seu livro a resultados sociais, morais, éticos e psicológicos que sua época levou a humanidade. Um ser humano que aspira superioridade, que logo não consegue dormir em paz pelo fato de ter eliminado outro ser humano que por aquele era considerado inferior. Tais fatos veremos décadas depois na Segunda Guerra Mundial. Importante destacar neste ponto outro livro do autor que é um complemento de ideias quanto a cronologia do que seguiu ante as influências evolucionistas e napoleônicas daquela época. Em “Os “Irmãos Karamazov””, temos o distanciamento o deslocamento entre autor e executor, há uma delegação da tarefa letal justamente para se evitar o que houve com Raskolnikov. O abalo psicológico, a empatia ante o corpo que sofre e cai, a tortura emocional e o narcisismo ferido tendem a ser evitados para se manter o “status a quo” de ser superior. É necessário ao ser superior manter seu niilismo até as últimas consequências. O autor faz um refinamento do sadismo de nossa época. Assim como em ““Crime e Castigo””, o nome da família já nos traz em sua raiz um significado para o desenrolar da trama. “Kara” em russo tem o significado de punição ou castigo, enquanto que “Mazat” tem o significado de sujar ou não acertar. Em uma tradução livre teremos: aquele que com seu comportamento errante vai tecendo a sua própria desgraça. No referido livro temos o patriarca devasso e dois dos seus três filhos que lutam pela compra do amor de uma bela jovem tendo como desfecho a morte do patriarca. Fiódor Pavlovitch Karamazov. O pai é um devasso que subiu na vida principalmente devido aos dotes de suas duas mulheres - ambas mortas de forma precoce e à sua mesquinharia. Sua vida é regrada de orgias e bebedeiras. Trata os filhos de uma forma que o carrasco trata suas vítimas. Dmitri Fiodorovtch Karamazov, que é o filho mais velho, é criado primeiramente pelo empregado que mora em uma isbá ao lado de sua casa e depois por Miússov, parente de sua falecida mãe. É o mais mundano, o mais mulherengo, aquele que as mulheres desejam; e Ivan Pavlovitch Karamazov, o grande ateu intelectual, que pensa sobre o pai o mesmo que Raskolnikov pensou sobre a usuraria, ou seja, qual utilidade desse “piolho” que atende pelo nome de meu pai. Destacando que esse pai é descrito como “p” minúsculo em contrapartida ao Pai com “P” maiúsculo da igreja católica protestante e ortodoxia representando aqui uma simbologia da perda do sagrado por parte do patriarca que era tido naquela época como o símbolo máximo, o cabeça da família e da sociedade. O patriarca representava o equilíbrio entre o que é moral e o imoral. Temos ainda Alexei Fiodorovitch Karamazov que é o contrapeso da família por ser puro e sensato vai morar em um mosteiro e por fim, e mais importante temos o irmão bastardo Smerdyakov, filho de um estupro, de uma doente mental que mora jogada na fazenda da família. E tal crime surge depois de mais um dia de bebedeira e orgias em que o patriarca aposta com os amigos que é capaz de cometer o estupro. Vemos que o autor nos leva a crer que realmente o pai é um verdadeiro crápula digno do mais alto desprezo humano. E de forma simbólica o fruto do estupro carrega em seu nome o peso de sua existência: smerdy, que em russo significa malcheiroso; e, eufonicamente, smerdy lembra merda. É Ivan quem vai aspergir, propagar a ideia do assassinato do pai. Ele deseja sua morte para enfim ficar com a herança e poder comprar a simpatia de Gruchénka.
Entretanto, mesmo sendo de uma família devassa, Ivan é um intelectual, um nobre decadente que aspira a uma vida em sociedade, por isso ele mesmo não pode efetivar o assassinato. Desse modo, dissemina a ideia por entre os irmãos e contrário a ele, Smerdyakov, nascido de um ato violento que vive como vassalo na fazenda do pai, sem educação ou mesmo esperança de um futuro melhor, não tem nada a perder, desta forma a ideia que não germina em Dmitri tão pouco em Alexei, fecunda em Smerdyakov e ele vem a assassinar o estuprador de sua mãe: seu pai. Veja que Ivan não dá uma ordem, tampouco paga para que o outro mate o pai, mas o instiga usando de questionamentos passionais para que ocorra a letalidade. Dostoievski antevia o desenfreamento das novas gerações advindas das influencias de sua época. Se em ““Crime e Castigo”” um único indivíduo efetua sozinho as três fases do inter criminis e sofre ante a dor alheia, em “Os “Irmãos Karamazov”” há uma ruptura entre o planejamento intelectual e a execução a fim de se evitar o desgaste emocional e psicológico de quem deseja o crime. Entretanto, ao fim, com a morte do pai, mesmo não tendo sujado sua mão de sangue, Ivan enlouquece. É o resultado esperado de Dostoievski e dado à sociedade de forma simbólica a perda da moral, segundo o autor. Em nosso ordenamento podemos encontrar essa previsão na teoria do domínio do fato que Fernando Capez define da seguinte forma:
Com relação ao concurso de pessoas, a teoria do domínio do fato traz uma perspectiva a fim de auxiliar na identificação do autor, coautor ou partícipe de determinada ação delituosa.
Embora sua origem esteja em Hans Welzel (1939), foi Claus Roxin, ao elaborar sua tese em 1963, quem proporcionou à teoria um efetivo direcionamento, buscando demonstrar a aplicação mais adequada ao caso concreto. Nesse contexto, vale lembrar o julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal Alemão (Bundesgerichthof) no famoso caso dos atiradores do muro de Berlim (Der Mauerschützen-Prozesse), no qual a tese foi aplicada para determinar a autoria das autoridades políticas que davam a ordem para que se atirasse em quem estivesse na iminência de cruzar a fronteira para fugir para a Alemanha Ocidental. Até então, a jurisprudência alemã identificava e condenava como partícipe o agente que dava o comando para a execução de uma ação criminosa específica, e essa foi a razão que incentivou o desenvolvimento da teoria por Claus Roxin. Desse modo, para Roxin, se o agente tem consciência da ação que será executada, poder de determinar a sua execução e poder de determinar sua interrupção até a produção do resultado final, deve ser considerado seu autor, ainda que não tenha realizado o verbo ou núcleo do tipo. O chefe da SS nazista que autoriza a eliminação física de seres humanos em campos de concentração é considerado coautor, ainda que não tenha executado pessoalmente o homicídio nem determinado especificamente um a um a sua prática. Por outro lado, a mera condição de superior hierárquico não induz à autoria quando o superior não tem conhecimento dos atos praticados por seus subordinados, não se confundindo com a responsabilidade penal objetiva, banida do nosso sistema penal. Nessa mesma perspectiva, Hans Welzel entende que a teoria do domínio do fato parte da teoria restritiva, adotando um critério objetivo-subjetivo, segundo o qual autor é aquele que detém o controle final do fato, dominando toda a realização delituosa, com plenos poderes para decidir sobre sua prática, interrupção e circunstâncias. Não importa se o agente pratica ou não o verbo descrito no tipo legal, pois o que a lei exige é o controle de todos os atos, desde o início da execução até a produção do resultado. Por essa razão, o mandante, embora não realize o núcleo da ação típica, deve ser considerado autor, uma vez que detém o controle final do fato até a sua consumação, determinando a prática delitiva. CAPEZ, Fernando (2006 pg. 552).
Mais adiante veremos uma das grandes consequências a que o autor de “Crime e Castigo” e os “Irmãos Karamazov” nos adverte de forma categórica ante a indiferença, a falta de empatia e a ideia de superioridade frente aos que os nazistas chamaram de “untermensch”, ou seja, os sub-humanos que nada mais é que a evolução do ideal de Raskolnikov da existência de seres superiores e seres inferiores. Ideal esse que os nazistas levaram a cabo até as últimas consequências, elegendo a si próprios como raça ariana, ou seja, uma raça superior ante as demais
2.2 A ALIENAÇÃO E A INSTRUMENTALIZAÇÃO DO TRABALHO LETAL
“Os Irmãos Karamazov” é escrito cinquenta anos antes do stalinismo e setenta anos antes da Segunda Guerra Mundial e o que o autor previa com a queda da moral social, da empatia ante o próximo, o distanciamento do mentor e executor se efetivam verdadeiramente, como a história nos mostrou durante a Segunda Guerra Mundial. Em “Crime e Castigo” temos um assassino que, por considerar-se superior, resolve assassinar um outro ser humano, porém sofre ante o sangue alheio derramado, o que se repete de forma bizarra com os soldados alemães quando metralhavam mulheres, crianças e idosos nos campos de concentração. A ideia de Hitler sobre a raça ariana não era diferente da ideia de superioridade de Raskolnikov. Daí parte a primeira etapa para se tornar plausível o extermínio não de uma pessoa, mas de toda uma raça. Em 1941, no início da Segunda Guerra Mundial, foi criada a “einsatzgruppe” que era basicamente uma polícia alemã de extermínio de judeus, que patrulhava tanto na zona rural quanto na zona urbana; a princípio, matava somente homens, porém logo começaram a matar mulheres, velhos e crianças. As mortes chegaram a uma proporção dantesca e muitos soldados começaram a sofrer os fatores psicológicos semelhantes ao do assassino de “Crime e Castigo” escrito setenta anos antes. Soldados se suicidavam se embriagavam e causavam brigas familiares. A ideia do não matarás foi superada por completo pela ideia da raça superior, com total similitude ante a ideia original de “Crime e Castigo”. Para se dar concessão ao que é cruel ante os olhos, torna-se legal moralmente tal fato. Uma nação inteira compactuou com a ideia do estudante de direito de que alguns seres humanos não são dignos de viver e existir a esses seres os alemães, chamavam de untermensch os sub-humanos. Criaram a concepção da raça ariana, uma raça pura, forte e a única que deveria existir. Então toda uma nação, guiada por Adolf Hitler, foi responsável por milhões de mortos. Vemos aqui a mesma concepção a que passou Raskolnikov, o grande delírio da superioridade perante os demais. Entretanto em proporção gigantesca. Criaram, então, os campos de concentração que eram estabelecimentos preparados para o extermínio em massa, uma prisão onde poucos tiveram a sorte de sair de lá vivos. A materialização da instrumentalização do crime. Ali não existia empatia, afinal, a divisão de trabalho entre os soldados era muito bem organizada, o contato entre eles e os prisioneiros quase não existia. Nesses campos se exterminavam os ‘untermensch”, fossem homens, mulheres, velhos ou mesmo crianças. Eis que houve uma preocupação tão bem organizada em se praticar as execuções que os condenados pelos nazistas se dirigiam às salas de execução acreditando que estavam indo tomar banho. Uma ideia visivelmente conexa a evitar o estresse tanto dos soldados quanto das vítimas; tão funcional que estes se dirigiam por conta própria até as câmaras de gás acompanhados apenas por um guia judeu que logo seria morto também. Essas câmaras eram isoladas de forma a não se escutar os gritos do lado de fora dos que agonizavam com o sufocamento do gás que saia dos então chuveiros. Assim que eram mortos, os corpos eram carregados por prisioneiros judeus aos fornos onde eram incinerados. Vemos como se preocupavam com a saúde mental de seus soldados e simplesmente humilhavam e degradavam os judeus. Uma elevação a nível desastroso da ideia de superioridade a que Dostoievski nos alerta alguns anos antes de tal fato desastroso. Antes de prosseguir, destaco aqui alguns números sobre a quantidade de mortos em campos de concentração e campos de extermínio.
Sobibor – 167.000 cento e sessenta e sete mil mortes.
Chelmo – 152.000 cento e cinquenta e dois mil mortes.
Belzec – 432.508 quatrocentos e trinta e dois mil e quinhentas e oito mortes.
Auschwitz – 1.000,000 um milhão de mortes
Não se trata de números exatos, são apenas alguns registros. Sem contar os inúmeros soldados dos Estados Unidos, União Soviética, França, Inglaterra, entre outros que morreram em batalha durante a guerra. Mas, importante é destacar como se chegou a números tão elevados de mortes de seres humanos considerados inferiores ao ponto de serem considerados descartáveis. Como foi dito anteriormente, os nazistas começaram os extermínios ao modo Raskolnikov. Não tão braçal ao estilo machadinha, mas ainda assim próximos de suas vítimas e isso, além de os abalar emocionalmente, afinal, mesmo tendo em si a ideia de raça pura e raça impura, sentiam a empatia que é natural e universal nos seres ordinários, mesmo nos que apoiavam e aspiram a ideias alheias de superioridade. Entretanto, além do abalo emocional, havia os custos elevados que os levaram a ideia de distanciar os soldados e a praticar mortes menos onerosas. A situação chegou a um ponto tão exorbitante e macabro no início das execuções que, algumas vezes, os judeus eram coagidos a atirarem em outros judeus com a promessa de serem poupados, sem saber que seriam os próximos a serem metralhados. Uma tentativa vã de aliviar os soldados mais sensíveis ante os extermínios que estavam só no início. Aqui chegamos novamente em os “Irmãos Karamazov”, ou seja, a instrumentalização do homicídio, mas agora em massa, o que hoje conhecemos como holocausto ou genocídio. Lembrando que o genocídio era a prática de queimar os corpos, uma forma asséptica de se livrar dos milhares de corpos. Enquanto que holocausto era propriamente a morte dos judeus ou quem quer que fosse considerado um “untermnsch”. Assim como previsto pelo autor, as novas gerações não se refrearam ante o corpo que cai simplesmente se distanciando do local da barbárie do campo de batalha ensanguentado e, de forma prática, virando o rosto ante suas vítimas. E por isso foram criados os campos de concentração onde um único soldado era responsável pela morte de dezenas, centenas e até mesmo milhares de judeus, poloneses entre outros que eram considerados “piolhos” simplesmente fazendo a dosagem certa de veneno a ser pulverizada nos canos das câmaras, já sem nenhum contato direto com suas vítimas, conservando assim sua integridade moral e psicológica para que, no outro dia, voltasse ao trabalho de carrasco sem arrependimento e, supostamente, sem nenhum abalo. Conservava-se então a integridade física e moral do soldado que acreditava estar cumprido seu dever civil perante sua sociedade, esse era o legado da ideia inicial em “Crime e Castigo”. Uma justificativa moral e legal para se exterminar quem se considerava descartável, inútil, e até mesmo nocivo a sociedade dos arianos. Raça esta que reinaria por mil anos, segundo suas próprias pretensões. Uma divisão letal do trabalho que de forma lúgubre foi implantada de forma maquinal e assustadoramente funcional, talvez nem mesmo o autor de “Crime e Castigo” e de os “Irmãos Karamazov” pudesse imaginar a que ponto chegaria a alienação entre “Crime e Castigo” do pensamento e da pratica niilista de sua época mesmo deduzindo, até então, que as novas gerações não se refreariam ante a incapacidade de empatia com o próximo. Em todos os seus livros, de alguma forma, as personagens sofrem e são punidas pelos crimes que cometeram e não poderia haver punição melhor que a que vem do âmago do criminoso, pois o arrependimento é o primeiro passo para a ressocialização e para satisfação da sociedade. E, mesmo que não baste para fins jurídicos nos casos estampados, soa como um fim lógico aos que revogaram por conta própria o não matarás. Raskolnikov, que logo sente o peso de sua barbárie, é inspirado e apoiado pelo amor fraternal de Sonia a se entregar e cumprir a pena para enfim voltar ao meio social no sentido lato e espiritual da palavra. Smerdyakov fica louco e se mata, enquanto que Ivan, o autor intelectual, apesar de não morrer, também fica louco, não usufruindo do prestígio social que tanto desejava ostentar ao lado de Gruchénka. É uma espécie de advertência que o autor quer transmitir que ao se andar sem as normas estabelecidas em uma sociedade: o caos. Neste caso, o caos moral poderá tomar conta desta sociedade e não foi diferente na Segunda Guerra Mundial. O caos foi de proporções inimagináveis. O castigo para aqueles que fomentaram tamanha desgraça à humanidade não foi muito diferente das que o autor nos narra em seus livros. O maior responsável pela Segunda Guerra Mundial se suicidou quando viu seu ideal ruir e seu exército ser derrotado. Os que foram capturados, foram julgados num tribunal internacional militar de formação inédita, formado especialmente para julgar o alto escalão dos nazistas por crime de guerra contra a humanidade na cidade de Nuremberg, na Alemanha. A Operação serviu de base para a criação de leis militares e internacionais válidas até hoje, também serviu de inspiração para a convenção de Genebra que dita as leis de guerra internacionais, e contribui para a declaração universal de diretos humanos, de 1948.
Começamos com “Crime e Castigo” em que um único criminoso é mentor e executor, passamos por os “Irmãos Karamazov”, no qual se dá a alienação ou instrumentalização do crime, acontecendo a cisão entre mentor e executor do trabalho letal que foram escritos em resposta ao que vivenciava em sua época o escritor Feóder Mikhailovich Dostoievski e ao que previa montando um quebra cabeça do que tudo aquilo poderia influenciar as épocas vindouras. Na vida real, tivemos o nazismo que parece a resposta imediata do que o escritor mais temia e a princípio poderíamos imaginar ser este o ápice da brutalidade, da bestialidade humana. Entretanto, as fabricas da morte, a industrialização do extermínio da raça sub-humana não foi a parte final do caos moral a que se refere o autor em suas obras. A evolução da divisão do crime, especialmente o crime de homicídio, tem se mostrado cada vez mais tecnológico e mais letal. Pois, chegando em nossa época atual, temos os ataques de drones que distancia ainda mais mentor e executor. Não existe o corpo a corpo, não existe a possibilidade de uma defesa, ou até mesmo de um pedido de socorro como ocorreu no ataque de machado do estudante à velha usuraria Alena Inanovna. Dificulta até mesmo a identificação de autor e executor. Os ataques de drones são guiados via satélite e seus alvos são atingidos sem nenhuma possibilidade de defesa, geralmente leva-se um tempo para que se entenda que o local do ataque foi alvo de drone. A seguir, destaco um modelo atual de drone militar que tem uma capacidade inimaginável de destruição:
Desenvolvido pela General Atomics o MQ-9 POSSUI habilidade de voar autonomamente, ou seja, é um robô voador. Possuindo um motor turbo-hélice de 950 hp Além de carregar os mísseis Hellfire (ataque ao solo), pode levar bombas guiadas a laser (bombas inteligentes) e os poderosos mísseis ar-ar (utilizados para atacar outros aviões) AIM-9 Sidewinder. Possui um alcance de quase 6 mil quilômetros, e sua altitude operacional é de 50 mil pés (15 mil metros, altitude geralmente maior que a de um avião comercial). Para cada tipo de missão, ele é carregado com determinado kit de sensores e armamentos. Ele leva um poderoso sistema de aquisição de alvos, o Raytheon AN/AAS-52, que inclui uma câmera de TV colorida, também com infravermelho e uma outra TV com o sistema de laser para designar os alvos, ou seja, da própria estação de controle (que pode ser na Flórida), o operador designa o alvo e solta os mísseis e/ou bombas com o drone estando a 14.000 Km de distância, no Afeganistão, por exemplo. Além disso, possui um radar de apertura sintética que permite escanear e ter uma imagem clara de determinado alvo, e designa alvos para as GBU-38 JDAM, que são dispositivos de guiamento colocados em bombas convencionais (bombas "burras") que as tornam inteligentes, guiadas por GPS.
Nota se que o distanciamento entre a ação, execução e consumação ganha matizes astronômicas, o crime a culpa e o castigo parecem não se coadunarem como desejava o autor de “Crime e Castigo”. Nos crimes atuais com os drones não há o sentimento de culpa e, consequentemente, o castigo tem se tornado cada vez mais difícil de se estipular, cada vez mais complicado de ser aplicado. Os modernos crimes sem castigos são tão assépticos que não precisam de fornos para queimar corpos, já que em ataques de drones militares, como esse anteriormente citado, não deixa nem mesmo vestígios de seres humanos. Trata-se de um ataque altamente letal. Tornando assim impossível qualquer forma de empatia e dor moral ante o ser humano que tomba. Apesar de existirem leis e regulamentações esparsas sobre o uso de drones, como a Agência Europeia para a segurança de aviação (EASA), as autoridades nacionais de aviação Civil (CAA), a Organização Europeia para o Equipamento da Aviação Civil (EUROCAE), a empresa comum (SESAR), Agência Europeia de Defesa (EDA), a Agência Espacial Europeia (ESA), a agência europeia para a segurança da Navegação aérea, Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO) e a autoridade nacional da aviação Civil (ANAC) em Portugal e os fabricantes e os operadores de drones, não há uma harmonização de eficácia que possa coibir os ataques militares cada vez mais frequentes. Penso que ainda não chegamos ao clímax máximo a que Dostoievski calculava, pois em seu tempo ele vivenciou apenas as transformações morais as quais vivemos hoje, porém a tecnologia tende a nos levar cada vez mais longe e a distanciar cada vez mais o algoz de sua vítima. Cabe às novas gerações determinar seu novo senso moral e indagar se o uso de drones em homicídios em massa é legitimo e quem será responsabilizado face a violação dos direitos humanos. Será que através de ataques tão impessoais, é capaz de identificar o responsável. São questões preocupantes quando verificamos a proliferação de drones armados para o uso de conflitos congelados.
Em “Tempos Modernos”, de Charles Chaplin, temos uma mostra da divisão de trabalho e sua possível consequência ante o cotidiano humanitário. Ali vemos a banalização do trabalhador que é exaurido em longas jornadas de trabalho em repetitivos movimentos de produção chegando a demência e, por conseguinte a morte de tanto trabalhar. O mesmo acontece de forma bizarra com o extermínio de mais ou menos seis milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial, numa época onde havia se tornado banal matar. E matar em grande número, como nas fábricas do filme “Tempos Modernos”, o ser humano perde seu valor como ser vivo na divisão do trabalho, a divisão para uma maior produção. Nos campos de concentração, além da produção, tem-se a ideia de poupar a sanidade mental dos que eram considerados superiores. Mas vemos uma grande contradição quando seres superiores precisam serem poupados daquilo que lhes era para ser, devido seu ideal, um ato útil e prazeroso. Seguindo Aristóteles, a arte imita a vida, e, nesse caso a semelhança é indiscutível. Pode-se mesmo pensar que a arte de Dostoievski influenciou os nazistas e a evolução até hoje da alienação do trabalho letal, porém, para tanto, seria necessário ignorar que todas as suas personagens se mutilavam psicologicamente ante a perda da humanidade. Ainda não há números exatos quanto a morte de civis por drones militares. Recentemente, mais precisamente no dia 19 de setembro de 2019, em um ataque de drone dos Estados Unidos ao Afeganistão, foram mortos trinta colonos que trabalhavam na colheita de pinhão e mais de quarenta ficaram feridos. Mas sabemos que essa máquina de matar chegou para ficar e só o tempo poderá nos mostrar o quanto valeu o alerta de Feóder Mikhalovitch Dostoiévski sobre a banalidade do crime e a alienação do trabalho letal. Em seus livros ele tenta nos mostrar as consequências da desvalorização do ser humano, a perda de valores intrínsecos à vivencia harmônica em sociedade, não podemos culpar as novas tecnologias sabendo que qualquer ferramenta é manipulada segundo a vontade humana. Cabe a todos nós resgatar os valores perdidos e novamente tornar o ser humano a peça principal em qualquer país, em qualquer cidade, em qualquer época ou ambiente. “Todos somos responsáveis de tudo perante todo” (Dostoiévski).
Antes de pensar em castigo, é nosso dever implantar uma cultura que previna o crime, esse é um dos objetivos da tríplice finalidade da pena, entretanto não resolve apenas a conscientização da pena, da punição, sem antes moldar o caráter do cidadão com valores éticos e morais. E acima de tudo incutir nas novas gerações a não existência da divisão de pessoas por gêneros, raça, opção sexual, cor ou condição econômica. Esses valores morais são um desafio, mesmo que não mais existam drones ou campos de concentração, pois, como vimos no recente trabalho, toda a ideia parte da elevação de uns com a diminuição de outros, a desvalorização de uns e a super valoração de outros. Temos todos esses valores na Declaração Universal dos Diretos Humanos, que foi redigida no ano de 1948 em resposta a Segunda Guerra Mundial. Direitos humanos é o conjunto de garantias e valores universais que tem como objetivo garantir a dignidade, que pode ser definida com um conjunto mínimo de condições de uma vida digna. São direitos humanos básicos: direito à vida, à liberdade de expressão de opinião e de religião, direito à saúde, à educação e ao trabalho. Cabe agora aprendermos com o passado a não revogar leis que são básicas para a verdadeira valoração do ser humano, lembrando que a vida é sempre um direto básico de cada ser humano. No Brasil, temos na Constituição Federal em seu artigo 5° inciso XXXVI nos traz garantias e direitos fundamentais bem como os deveres do ser humano temos a seguinte disposição:
Art. 5 inciso XXXVI CF, todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”
Nota-se que ao fim do advento da Segunda Guerra Mundial houve uma preocupação em assegurar o direito fundamental à vida por parte da sociedade mundial. Entretanto, levando em consideração as diferentes culturas de cada país, é muito difícil ter um entendimento uniforme sobre o valor da vida. O não matarás está sendo revogado a todo instante, seja por ação (homicídios) ou por omissão (a fome), levando-nos novamente a nos perguntarmos se o homem nasce bom e o meio o torna mal ou se realmente todo homem já nasce corrompido. Os drones são, junto com todas as atuais tecnologias, a prova de que somos dotados de um dom especial seres de extrema capacidade intelectual de uma inteligência invejável. Verdadeiramente somos a tradução livre da pintura de Michelangelo “A Criação”, porém ainda assim muitas vezes destituídos da empatia necessária para a verdadeira evolução social.
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Bacharelando no curso de Direito da Universidade Brasil. Campus Fernandópolis - SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PRIMILA, Driamar Carlos. A evolução da alienação e instrumentalização do crime segundo Dostoiévski Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 jun 2020, 04:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54638/a-evoluo-da-alienao-e-instrumentalizao-do-crime-segundo-dostoivski. Acesso em: 22 nov 2024.
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