MAURÍCIO KRAEMER UGHINI[1]
Resumo: A presente pesquisa refere-se ao estudo da teoria do direito penal e a seletividade penal na atuação das agências penais referentes ao tráfico de drogas. Para tal, necessário propor uma breve análise teórica acerca da teoria do direito penal brasileiro e seu fundamento na Lei de Drogas. Posteriormente, abordam-se artigos da lei de drogas relacionados a criminalização e as condutas referentes ao uso e tráfico de drogas. Após realizar o estudo do processo de criminalização das drogas, abrangendo análise do estereótipo do traficante no Brasil, levando-se em consideração as legislações brasileiras que se relacionam ao tráfico e ao consumo de drogas, presentes no artigo 28, parágrafo 2° e 33 da Lei 11.343/06, finaliza-se com considerações de que o mencionado dispositivo do artigo 28 é seletivo, quando por análise de dados socioeconômicos dos réus e quantidade de drogas, torna-se possível perceber as desproporcionalidades na justiça criminal nos delitos objetos deste estudo.
Palavras-Chave: Lei de Drogas; Seletividade Penal; Traficante.
ABSTRACT: The present research refers to the study of the theory of criminal law and criminal selectivity in the performance of criminal agencies related to drug trafficking. To this end, it is necessary to propose a brief theoretical analysis about the theory of Brazilian criminal law and its foundation in the Drug Law. Subsequently, drug law articles related to criminalization and conduct related to drug use and trafficking are addressed. After conducting the study of the process of criminalization of drugs, including analysis of the stereotype of the trafficker in Brazil, taking into account the Brazilian laws that relate to drug trafficking and consumption, present in article 28, paragraphs 2 and 33 of Law 11.343 / 06, ends with considerations that the mentioned provision of article 28 is selective, when by analyzing the socioeconomic data of the defendants and the quantity of drugs, it becomes possible to perceive the disproportionalities in criminal justice in the offenses object of this study.
Keywords: Drug Law; Criminal Selectivity; Drug dealer.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 A LEI Nº 11.343, DE 23 DE AGOSTO DE 2006. 3 CRITÉRIOS DE DISTINÇÃO ENTRE USUÁRIO E TRAFICANTE. 4 TEORIA DO ENTIQUETAMENTO SOCIAL. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS. 6 REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
O assunto drogas enfrenta grandes debates e problemas no Brasil, sendo objeto de discurso em diversos campos, já que atinge de maneira direta ou indireta toda a sociedade civil. É necessário, portanto, o estudo acerca das contradições e obscuridades que cercam a legislação da Lei de Drogas (11.343/2006), diante da complexidade e arbitramento na sua interpretação.
O objetivo do presente trabalho de conclusão de curso é analisar a qualificação do usuário e traficante na atual legislação da Lei de Drogas, bem como verificar a aplicação e interpretação dos critérios utilizados pelos agentes e juízes para distingui-los, a fim de demonstrar a seletividade penal, que inevitavelmente é colocada em discussão.
Após elencar as finalidades declaradas e não declaradas do direito penal, bem como verificar se este ramo do direito atua de maneira seletiva e desigual em nossa sociedade, foi estabelecida a diferença entre usuário e traficante de drogas, com base nas condutas tipificadas na lei 11.343/06, lei de drogas.
De acordo com a resolução n.° 3 do Conselho Nacional de Política sobre Drogas, de 27 de outubro de 2005, foi adotado o seguinte pressuposto: “reconhecer as diferenças entre o usuário, a pessoa em uso indevido, o dependente e traficante de drogas, tratando-os de forma diferenciada”. Dessa forma, se faz necessário a compreensão do processo de diferenciação dos delitos praticados, tendo em vista as interpretações e dúvidas que ocorrem sempre que necessário apontar as diferenças entre as infrações.
Os padrões destacados no art. 28, parágrafo 2°, da Lei 11.343/2006, utilizados para qualificar, sem uma limitação definida, relacionando apenas ao consumo ou traficância, dada a uma natureza subjetiva e pela razão de concentrar em sua totalidade nas mãos dos juízes, acaba gerando um resultado negativo, destacando uma uniformidade nas decisões judiciais, eleição de indivíduos criminalizados pelo tráfico de drogas, o que acarreta encarceramento e uma possível ineficácia da “despenalização” da conduta do usuário.
Com isso, o presente artigo busca demonstrar que os parâmetros de distinção do usuário e traficante, adotados em legislação específica, apresentam falhas e deficiências para o correto enquadramento do fato à norma incriminadora, pois legitimam a seletividade do direito penal.
2 A LEI Nº 11.343, DE 23 DE AGOSTO DE 2006
A norma penal do art. 28, § 2º, da Lei 11.343/2006, contém a seguinte descrição: para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz “atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”.
Têm-se que o legislador utilizou “excessivamente conceitos que necessitam de complementação valorativa,” requerendo do magistrado um juízo valorativo para complementar a descrição típica do art. 28, caput, e do art. 33, caput, da Lei 11.343/2006. Tem-se, portanto, diante de uma norma desprovida de técnica legislativa correta e adequada, que não assegura aos cidadãos a previsibilidade e imparcialidade do comportamento estatal face às suas condutas.
A análise dos critérios diferenciadores utilizados pelos juízes na classificação do crime quando do caso concreto, de acordo com a lei, são: à natureza e à quantidade de substância apreendida, o local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como a conduta e aos antecedentes do agente (Art. 28, § 2º, Lei 11.343/06).
Observa-se que para a configuração do crime de uso de drogas é preciso ser comprovado o dolo específico, o fim especial de agir do agente, ou seja, a droga deve destinar-se “para o consumo pessoal”. Se a destinação for para terceiro, incorre o agente na modalidade do art. 33, caput, da Lei 11.343/2006.
Além do mais, exige-se para figuração do crime de porte de drogas para consumo pessoal que se trate de “droga sem autorização ou em descordo com determinação legal ou regulamentar”. Caso a droga esteja autorizada ou em concordância com determinação legal ou regulamentar a conduta será atípica, pois a modalidade do art. 28, caput, traz como um dos elementos do tipo “droga sem autorização ou em descordo com determinação legal ou regulamentar”.
O crime da posse de drogas para consumo pessoal consuma-se pela realização de quaisquer condutas descritas no tipo, independente do resultado, configurando-se crime de perigo abstrato, tendo em vista o potencial risco a coletividade e a saúde pública pela simples posse de drogas ilícitas.
A natureza e quantidade de drogas constituem objeto material do delito, e são apenas dois dos critérios a serem observados, não podendo ser considerados individualmente. Observa-se que a pequena quantidade de drogas não descaracteriza o crime de tráfico, se os outros parâmetros pré-estabelecido apontem o contrário.
O grande destaque da Lei 11.343/2006 está no fato de não ser possível ,em hipótese alguma, a aplicação da pena privativa de liberdade, nem mesmo em flagrante delito. Assim, dispõe o art. 48, § 2º da referida Lei que, “tratando-se da conduta prevista no art. 28 desta Lei, não se imporá prisão em flagrante, devendo o autor do fato ser imediatamente encaminhado ao juízo competente, no caso o juizado especial criminal, ou, na falta deste, assumir o compromisso de a ele comparecer, lavrando-se termo circunstanciado e providenciando-se as requisições dos exames e perícias necessários”.
Como é sabido, o usuário de drogas trata-se do indivíduo que utiliza drogas de forma esporádica, ocasional, enquanto o dependente químico define-se como “uma condição física e psicológica causada pelo consumo constante de substâncias psicoativas. A dependência química é considerada uma doença crônica, que é causada pela necessidade psicológica da pessoa de buscar o prazer e evitar sensações desagradáveis, causadas pela abstinência”.
O usuário distancia-se do dependente quanto ao controle do uso das substâncias. O primeiro detém o controle sobre o desejo de usar a substância, bem como o controle emocional e físico. O segundo perde o controle do consumo e, por conseguinte, do seu estado físico e emocional.
É relevante a distinção especialmente no que se refere à consequência penal aplicada a cada agente, individualmente considerado. Neste ínterim, a legislação atual prevê a possibilidade de absolvição imprópria do indivíduo dependente de drogas, afastando a aplicação da pena e prevendo em seu lugar a medida de segurança.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se posicionou, no sentido de que o princípio da insignificância não se aplica ao crime de tráfico de drogas, tendo em vista que se trata de crime de perigo abstrato contra a saúde pública, não atendendo aos vetores do princípio da insignificância, a saber: mínima ofensividade da conduta, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada. Neste esteio, já decidiu a Suprema Corte: "o fato de o agente haver sido surpreendido com pequena quantidade de droga- três gramas- não leva à observação do princípio da insignificância, prevalecendo as circunstâncias da atuação delituosa - introdução da droga em penitenciária para venda a detentos".
3 CRITÉRIOS DE DISTINÇÃO ENTRE USUÁRIO E TRAFICANTE
Incumbe ao julgador buscar informações acerca da quantidade de substância máxima diária que é tolerado pelo organismo de um indivíduo, de modo que se identifique o numerário aprendido como razoável para o consumo pessoal.
Ressalte-se que a natureza e quantidade de drogas devem ser analisadas de forma conjunta, pois a numerário da substância está atrelada a sua natureza, ou seja, a qual espécie de drogas está sendo apreendida no caso concreto.
O local e as condições em que ocorreram a ação referem-se a locais em que são considerados zonas típicas de tráfico, entretanto deve-se atentar que nessas localidades há também a presença de usuários.
A punibilidade, porém, são completamente opostas. Ao traficante, é imposto o encarceramento. Ao o usurário, o não encarceramento. Desta feita, imperioso diagnosticar o que leva um indivíduo a ser intitulado como traficante e outro como usuário, afinal de contas, tratam-se de delitos autônomos, independentes, que mereciam ser assim trabalhados pelo legislador, de forma objetiva e precisa, sem margem para dúvida ou confusão.
Entretanto, utilizou-se o legislador de dispor em uma norma penal de textura aberta os parâmetros de distinção entre o usuário e traficante, segundo prescreve o §2º do art. 28 da Lei: “o juiz atenderá à natureza e à quantidade de substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”. Ademais, a dicção do art. 28, caput, aponta a necessidade de constatação da intenção especial do agente de ter a posse da droga para o consumo próprio (o chamado dolo específico ou elemento subjetivo), a contra sensu do delito de tráfico, que apenas depende do dolo genérico, a vontade livre e consciente de repassar a droga, com fim lucrativo ou não, leia-se: ainda que gratuitamente. Encontra-se aí também mais um elemento diferenciador.
Os antecedentes do agente como parâmetro a ser avaliado pelo juiz é alvo de críticas; segundo Samuel Miranda Arruda, (2007. P.32), a utilização dos antecedentes criminais para se identificar, no caso concreto, a conduta típica que o agente praticou enseja o retorno ao direito penal do autor, tendo em vista que o legislador deixa de analisar o fato criminoso objetivamente para realizar uma apreciação subjetiva do agente, consagrando uma verdadeira presunção de culpabilidade, contrariamente ao princípio de presunção da não-culpabilidade, previsto constitucionalmente.
O sistema penal brasileiro adotou o sistema de quantificação judicial. Sem dúvidas, há muitas críticas quanto a esta opção legislativa, tendo em vista que os elementos diferenciadores dispostos pelo legislador elencados no art. 28 § 2º, da Lei 11.343/2006, são revestidos de uma carga valorativa e subjetiva muito grande.
É sabido que a criação de normas penais incriminadora deve estar vinculada ao princípio da legalidade estrita, pelo qual “não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem há pena sem prévia cominação legal” (Art. 1º, do Código Penal). É corolário deste o princípio da taxatividade ou mandado de determinação dos tipos penais, que impõe a utilização de termos claros e precisos na descrição da conduta típica, sendo vedados tipos penais vagos, ambíguos e imprecisos.
Entretanto, a doutrina tem entendido que nada impede que este critério seja considerado de forma conjunta com os demais, servindo como apenas um dos fatores interpretativos a serem utilizados pelo juiz no enquadramento típico.
As circunstâncias sociais e pessoais referem-se às condições econômica do agente, ao seu poder aquisitivo, de maneira que se for apreendida uma grande quantidade de droga nas mãos de um pobre, presume-se a posse da droga para traficância.
Sobre esse critério, Guilherme de Souza Nucci (2007. P. 308) leciona o seguinte:
Naturalmente, espera-se que, com isso, não se faça um juízo de valoração ligado às condições econômicas de alguém. Ex.: Se um rico traz consigo cinco cigarros de maconha, seria usuário porque pode pagar pelas drogas. Entretanto, sendo o portador pessoa pobre, a mesma quantidade seria considerada tráfico. [...] Ilustrando, de modo mais razoável: aquele que traz consigo quantidade elevada de substância entorpecente e já possui anterior condenação por tráfico evidencia, como regra, a correta tipificação no art. 33 desta Lei. [...] o agente que traz consigo pequena quantidade de droga, sendo primário e sem qualquer antecedente, permite a conclusão de se tratar de mero usuário [...]. Não há entre os critérios o predomínio de uns sobre os outros, tudo a depender do caso concreto. Visto que o poder aquisitivo da agente apreendido, pode facilmente oferecer uma visão final equivocada de classificação, ou seja, o agente com poder aquisitivo menor deve ser automaticamente condenado por tráfico de drogas? Ou um o agente com poder aquisitivo maior, mesmo portando uma grande quantidade de drogas deve ser tido como usuário? (NUCCI, P. 308)
Nesse esteio, a pobreza, o desemprego, a falta de uma profissão, ou de ensino superior, são fatores que estão associados a circunstâncias de traficância, de maneira que, não raro a única “prova” do tráfico é o desemprego ou o subemprego daquele que se encontra com posse de drogas, por se supor que, estando desempregado ou subempregado, não teria condições de comprar a droga para o uso pessoal.
Constata-se que a norma é desprovida de técnica legislativa correta e adequada, que não assegura aos cidadãos a previsibilidade e imparcialidade do comportamento estatal face às suas condutas.
Passa-se a análise dos critérios diferenciadores utilizados pelos juízes na classificação do crime quando do caso concreto. São eles: à natureza e à quantidade de substância apreendida, o local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como a conduta e aos antecedentes do agente. (Art. 28, § 2º, Lei 11.343/06).
A natureza e quantidade de drogas constituem objeto material do delito, e são apenas dois dos critérios a serem observados, não podendo ser considerados individualmente. A pequena quantidade de drogas não descaracteriza o crime de tráfico, se os outros parâmetros pré-estabelecido apontem o contrário.
Desta feita, é muito comum que o usuário seja equivocadamente incriminado como traficante, pois não conseguem provar que são usuários, já que não dispõem de capacidade de defesa técnica, além de a legislação obstar tal possibilidade, ao considerar como elementos para que se incrimine alguém circunstância de natureza pessoal, econômica e social do agente, como: a cor, a etnia, a religião, a preferência sexual, a raça.
Incumbe ao julgador buscar informações acerca da quantidade de substância máxima diária que é tolerado pelo organismo de um indivíduo, de modo que se identifique o numerário aprendido como razoável para o consumo pessoal.
Ressalte-se que a natureza e quantidade de drogas devem ser analisadas de forma conjunta, pois a numerário da substância está atrelada a sua natureza, ou seja, a qual espécie de drogas está sendo apreendida no caso concreto.
O local e as condições em que ocorreram a ação referem-se a locais em que são considerados zonas típicas de tráfico, entretanto deve-se atentar que nessas localidades há também a presença de usuários.
Os antecedentes do agente como parâmetro a ser avaliado pelo juiz é alvo de críticas; segundo Samuel Miranda Arruda (2007), a utilização dos antecedentes criminais para se identificar, no caso concreto, a conduta típica que o agente praticou enseja o retorno ao direito penal do autor, tendo em vista que o legislador deixa de analisar o fato criminoso objetivamente para realizar uma apreciação subjetiva do agente, consagrando uma verdadeira presunção de culpabilidade, contrariamente ao princípio de presunção da não-culpabilidade, previsto constitucionalmente.
Diante disto, sem dúvida as classes menos favorecidas da sociedade são alvos principais do sistema punitivo estatal, sendo considerados os suspeitos e transgressores do crime de tráfico. Já as classes privilegiadas, estão longe de serem atingidos por esta norma penal.
4 TEORIA DO ETIQUETAMENTO SOCIAL
Assume uma posição de que a realidade social é construída a partir de interações concretas entre indivíduos, não havendo uma realidade objetiva, compartilhada universalmente, mas sempre produto de inter-relações subjetivas historicamente situadas.
A Teoria do Etiquetamento Social é uma teoria criminológica marcada pela ideia de que as noções de crime e criminoso são construídas socialmente a partir da definição legal e das ações de instâncias oficiais de controle social a respeito do comportamento de determinados indivíduos.
Segundo esse entendimento, a criminalidade não é uma propriedade inerente a um sujeito, mas uma “etiqueta” atribuída a certos indivíduos que a sociedade entende como delinquentes. Em outras palavras, o comportamento desviante é aquele rotulado como tal.
Surgida na década de 1960, nos Estados Unidos da América, representou importante marco para a teoria da criminalidade, em momento de transição entre a criminologia tradicional e a criminologia crítica, na medida em que passou a preterir o estudo de supostas predisposições à realização de crimes, como defendido por Cesare Lombroso, e aspectos psicológicos do agente em favor de uma análise aprofundada do Sistema Penal como forma de compreender o status social de delinquente.
A partir dessa nova concepção, a teoria pauta-se fundamentalmente na análise da ação de forças policiais, penitenciarias, órgãos do Poder Judiciário e outras instituições de controle social, com o objetivo de entender como os rótulos estipulados pela sociedade e aplicados por tais instituições refletem circunstâncias sociais e contribuem para a criação de um estigma de “criminoso” para certos grupos sociais, alterando a própria percepção individual daqueles rotulados.
Nesta concepção, o crime não existe de per si, como um dado natural que deve ser observado, dissecado e analisado objetivamente, conforme faziam os criminólogos positivistas, mas é um produto de inter-subjetivações humanas, de construções espaços-temporais localizadas e, por isso, sempre sujeito a modificações.
Por isso a teoria do etiquetamento social propõe-se a estudar a criminalização em si, historicamente situada, desde o momento da sua identificação e seleção, visando compreender as conseqüências deste processo nunca determinada sociedade concreta, indagando: quem é definido como desviante?” “que efeito decorre desta definição sobre o indivíduo?” “em que condições este indivíduo pode se tornar objeto de uma definição?” e, enfim, “quem define quem? (BARATTA, 2002, p. 88).
A Sociologia Criminal, que contempla o delito como fenômeno social, estudou e aplicou a sua análise diversos marcos teóricos (ecológico, estrutural-funcionalista, subcultural, conflitual, interacionista, etc. As principais teorias nasceram na Escola de Chicago e destacam-se as teorias do processo social que formulam diversas respostas ao fenômeno da criminalidade e sua gênese.
A desigualdade do cidadão nos processos sociais ocasionou as teorias do etiquetamento ou da reação social (labeling approach) que ampliou o objeto de investigação criminológica e segundo os teóricos, a desviação e a criminalidade não são entidades ontológicas pré-constituídas, e sim etiquetas que determinados processos de definição e seleção, altamente discriminatórios, colocam em certos sujeitos.
Em razão disso, a criminalização secundária seria a responsável pela estigmatização, pela rotulação e disto surgiriam mais criminalizações, ou seja, a reincidência. Assim, inserido numa subcultura da delinquência, após ser socialmente rotulado e marginalizado, o indivíduo trilharia uma espécie de carreira criminal.
Esses fatos demonstram claramente que a pena não ressocializa ninguém e sim estigmatiza, pois não é o fato de ter praticado um crime que torna o sujeito indesejável aos olhos da sociedade, e sim o fato de ter cumprido uma pena. O modelo clássico de justiça encontra-se em crise, então a resposta mais satisfatória ao problema criminal é o Direito Penal Mínimo, pois há um menor custo social.
Para responder tais perguntas, a teoria da rotulação o etiquetação social busca investigar o papel das agências de controle formal e informal, estas representadas pela escola, igreja, família, associações, etc. e, aquelas, pelo sistema penal legitimado pelo Estado (Poder Legislativo, Poder Judiciário e o Poder Executivo), bem como, a sinergia existente entre eles. Este corte epistemológico fornecido pela ideologia da reação social alterou significativamente o olhar sobre o criminoso, que de animal atávico e preso ao seu determinismo biológico e social, passou a ser visto como um constructo social forjado pelas instâncias formais e informais de poder.
A teoria do etiquetamento social buscou demonstrar que o crime é um processo dinâmico que parte da criminalização primária (Poder Legislativo), passa pela criminalização secundária (polícia e Poder Judiciário) e deságua na criminalização terciária (penitenciária), tendo por finalidade a neutralização dos indesejáveis numa determinada sociedade.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvimento do presente trabalho proporcionou uma maior análise do usuário e do traficante na forma da Lei 11.343/2006, principalmente quanto aos parâmetros de distinção entre as contudas tipificadas no artigo 28, caput e do artigo 33, caput do mesmo dispositivo legal.
Dai em diante, foi possível constatar que a Lei estabelece parâmetros a serem levados em conta pelo juiz, de forma arbitrária, para definir o crime praticado pelo agente no caso concreto é altamente seletiva. Dito isso, não repassa segurança para definir o correto enquadramentro do fato nos ditames da norma legal.
Mediante pesquisa realizada, é possível identificar a seletividade penal quando se realiza uma leitura utilizando critérios mais críticos do artigo 28 § 2º da lei 11.343/2006, sendo possível identificar que os critérios elencados pelo legislador são instrumentos a serem utlizados pelo estado-juiz para criminalizar determinado grupo social.
Dito isso, nos feitos os orgãos judicantes aplicam a legislação penal sobre drogas de forma heterógena, dependendo de que grupo social praticou o delito, logo, reconhece-se o delito de tráfico de drogas, tão somente quando se está diante de indivíduos estereotipados pelo legislador, caracterizando assim, o etiquetamento social, qualificando determinado grupo social como crimminoso.
Por conseguinte, é possível verificar que na forma do 28 § 2º da lei 11.343/2006, existe inspirações no direito penal do autor, pois trás em seu conteúdo circunstâncias sociais, utilizando-se ainda de antecedentes e presenção de cumpabilidade. Portanto, a repressão penal que incide sobre esta norma recai sobre o modo de vida e personalidade do agente, ao invés de pesar sobre o fato praticado.
Em razão da mencipnada Lei não abordar de forma escepífica, precisa e certa o tipo penal criado para diferenciar os delitos, sendo responsável por muitas condenações por mero baseamento e discricionariedade dos juizes, que determinam suas decisõs de acordo com a adequação social e monetária do indivíduo.
A subjetividade da norma, objeto em debate no presente artigo, impede que a conduta do usuário seja reconhecida e lhe permite que penas alternativas sejam aplicadas ao indivíduo, tendo em vista que a “presunção” está presente no âmbito do nosso sistema judiciário, determinando assim, de forma arbitrária e subjetiva, quem é tráficante ou usuário, tendo como resultado, o incremento da população carcerária.
Diante do exposto, o entendimento que fica é que é necessário a criação de critérios legais, precisos e objetivos, de modo que a diferença presente nos tipos penais do artigo 28 da lei 11.343/2006 e do artigo 33, caput, seja totalmente inserido na Lei de forma não discricionária a fim de que reste garantida a segurança nas decisões judiciais que envolvem os crimes desta legislação sobre drogas, evitando assim, condenações arbitrárias.
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[1] Graduado em direito pela Universidade de Passo Fundo – UPF, RS, especialista em análise criminal pelo Instituto de Formação Brasileira -IBF. Professor da Faculdade Católica do Tocantins, Brasil. Advogado. E-mail: [email protected]
Aluno do 10º ano do curso de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARRUDA, Vinicius Tavares de. A interpretação dos critérios de qualificação e distinção judiciais entre traficante e usuário no atual ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jun 2020, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54676/a-interpretao-dos-critrios-de-qualificao-e-distino-judiciais-entre-traficante-e-usurio-no-atual-ordenamento-jurdico-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
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