ANDREA LUÍZA ESCARABELOSOTERO[1]
(orientadora)
RESUMO: O estelionato configura-se crime contra o patrimônio, definido como obter para si ou para outro, vantagem ilícita, causando prejuízo alheio, induzindo ou submetendo alguém ao erro, mediante artificio, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento. Dentre as vítimas em potencial, destacam-se as pessoas idosas, que são comumente vitimadas por representarem uma grande parcela da população economicamente ativa. O problema de pesquisa que norteou este estudo pautou-se no seguinte questionamento: O crescente número de pessoas idosas vitimadas pelo crime de estelionato se dá pela falta de autonomia frente à sistemática operacional das instituições bancárias? As instituições bancárias têm responsabilidade sob o crime de estelionato ocorrido por meio de suas plataformas de serviços? O objetivo central desta pesquisa foi investigar a responsabilidade subsidiária das instituições financeiras nos casos de golpes envolvendo pessoas idosas. Como objetivos específicos pretendeu-se identificar se os idosos são vítimas em potencial por não se familiarizarem com as novas tecnologias digitais, analisar as políticas públicas de proteção voltadas para a terceira idade e verificar quais os golpes mais comuns praticados por estelionatários tendo como vítima a pessoa idosa. Para tal realizou-se uma pesquisa qualitativa do tipo bibliográfica. Como instrumentos para coleta de dados utilizou-se a análise aprofundada da legislação vigente acerca do crime de estelionato bem como, o Estatuto da Pessoa Idosa, dados estatísticos oficiais e a literatura recente que versa sobre a temática. Pudemos concluir que há responsabilidade das instituições bancárias por ofertarem serviços que não respeitem a singularidade das pessoas idosas e as colocam em situação de vulnerabilidade.
Palavras-chave: Estelionato. Pessoas idosas. Instituições bancárias.
1 INTRODUÇÃO
Por conta de sua peculiaridade e de sua fase de desenvolvimento humano, os idosos tem sido vítimas em potencial de pessoas cuja intenção é a de aplicar golpes e beneficiar-se utilizando meios fraudulentos. Em decorrência do advento das novas tecnologias essas pessoas encontraram um campo de atuação bastante vulnerável devido ao desconhecimento e falta de habilidade das pessoas idosas para lidarem com essas ferramentas.
As instituições bancárias ao reformularem suas plataformas operacionais criou um universo de possibilidades para estes criminosos atuarem, pois, essas instituições não desenvolveram uma política de adaptação e inclusão da população idosa. Por vezes, os bancos não utilizam de linguagem clara e objetiva o que dificulta ainda mais o entendimento e a acessibilidade por parte dos idosos.
Aproveitando-se da baixa escolaridade e do pouco entendimento dos idosos estelionatários aplicam uma série de golpes financeiros e fraudes em concessões de empréstimos consignados, visando aproveitar-se dos proventos oriundos de aposentadorias ou pensões.
Comumente as pessoas idosas são vítimas de golpes e fraudes envolvendo operações bancárias. Esses delitos são praticados em decorrência da falta de conhecimento e habilidade em operar as ferramentas tecnológicas presentes nas instituições bancárias como caixas eletrônicos, Internet Banking e aplicativos de celulares. Os criminosos se fazem valer desse estado de vulnerabilidade para atuarem aplicando golpes nessa população.
O apelo midiático envolvendo vantagens e possibilidades com ofertas de empréstimos consignados e cartões de crédito, acaba por criar um universo atrativo para esta clientela que enxerga uma possibilidade de resolução de dificuldades financeiras. Porém, as instituições não esclarecem de forma clara e objetiva as particularidades dessas operações e das ferramentas que utilizam, promovendo uma seara bastante vulnerável para que estelionatários possam agir, aplicando golpes e fraudes em pessoas idosas.
O crescente número de pessoas idosas vitimadas pelo crime de estelionato se dá pela falta de autonomia frente à sistemática operacional das instituições bancárias? As instituições bancárias têm responsabilidade sob o crime de estelionato ocorrido por meio de suas plataformas de serviços?
Como objetivo geral desta pesquisa destaca-se investigar a responsabilidade subsidiária das instituições financeiras nos casos de golpes envolvendo pessoas idosas. Como objetivos específicos pretende-se identificar se os idosos são vítimas em potencial por não se familiarizarem com as novas tecnologias digitais, analisar as políticas públicas de proteção voltadas para a terceira idade e verificar quais os golpes mais comuns praticados por estelionatários tendo como vítima a pessoa idosa.
2 O CRIME DE ESTELIONATO
Caracteriza por estelionato o crime previsto no artigo 171 do Código Penal “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento” (BRASIL, 2018).
O Código Penal brasileiro traz em seu capítulo VI o crime de estelionato e outras fraudes. Neste sentido, Mirabete (2002 p.301), afirma que a conduta ilícita tipificada como estelionato tem o seguinte conceito: O estelionato, cuja denominação deriva de stellio (lagarto que muda de cores, iludindo os insetos de que se alimenta), é assim definido na lei: “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer meio fraudulento: Pena – reclusão, de um a cinco anos e multa” (art. 171, caput).
Segundo Mirabete,
Existe o crime, portanto, quando alguém emprega qualquer meio fraudulento, induzindo alguém em erro ou mantendo-o nessa situação e conseguindo assim, uma vantagem indevida para si ou para outrem, cm lesão patrimonial alheia (MIRABETE, 2002, p.301).
O sujeito ativo do crime de estelionato pode ser qualquer pessoa, ou união de duas pessoas, como observados nos casos denominados de “contos do vigário”. De acordo com Mirabete (2002) o sujeito passivo do estelionato é a pessoa que sofre diretamente o dano patrimonial, comumente é a mesma pessoa que é enganada. O prejuízo sofrido por alguém poderá também atingir terceiros, o que se caracteriza por prejuízo alheio. (MIRABETE, 2002, p.303).
Para Mirabete (2002, p.303) “O sujeito passivo do delito deve ser pessoa certa e determinada não ocorrendo estelionato, mas crime contra a economia popular quando atingidas vítimas indeterminadas [...]”.
2.1 Estelionato contra pessoas idosas
Em 2015 por meio da Lei n.13.228, o artigo 171 do Código Penal foi alterado para estabelecer aumento de pena quando se tratar de estelionato praticado contra o idoso, autorizando aplicação de pena em dobro nestes casos (BRASIL, 2018).
Consiste, pois, em caso de aumento de pena e é aplicada na terceira fase da dosimetria da pena. Com essa mudança na lei veda-se o sursis processual no caso de estelionato contra idoso.
Com o advento da lei quem comete estelionato contra idoso não terá direito à suspensão condicional da pena, concedida aos condenados por estelionato simples, cuja pena é inferior há um ano, pois com a redação do §4 do art. 171, que define que a pena mínima aos delitos de estelionato contra idosos seja de 2 anos (BRASIL, 2018).
3 A PESSOA IDOSA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS PARA A GARANTIA DE SEUS DIREITOS
O mundo todo se encontra em um processo de demográfico único e irreversível que resultará em maiores populações de pessoas idosas em todos os países. Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas) as taxas de fertilidade estão diminuindo expressivamente a proporção de pessoas com 60 anos ou mais deve duplicar entre 2007 e 2050, e seu número atual deve mais que triplicar, alcançando dois bilhões em 2050. Na maioria dos países, o número de pessoas acima dos 80 anos deverá quadruplicar para quase 400 milhões de pessoas no mesmo período (ONU, 2019).
O número global de pessoas idosas, com 60 ou mais anos de idade, tem projeção para aumentar para 1,4 bilhão em 2030 e 2,1 bilhões em 2050, época em que todas as regiões do mundo, exceto a África, terão quase um quarto ou mais de suas populações de pessoas com idade superior a 60 anos. Em 2100, o número de pessoas idosas pode alcançar 3,1 bilhões.
Segundo dados do Ministério da Saúde, o Brasil, em 2016, possuía a quinta maior população idosa de todo o mundo, e, em 2030, esse número de idosos ultrapassará o total de crianças entre zero e 14 anos.
Mediante o exposto o governo precisa pensar em políticas públicas que atendam de forma adequada e eficaz essa parcela numerosa da população, pensando nisso em 2003 foi promulgada a lei que cria o Estatuto do Idoso, documento que visa à garantia dos direitos das pessoas idosas.
De acordo com o Estatuto do Idoso considera-se pessoa idosa aquela com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. O referido documento criado para regular os direitos relacionados a esta população preconiza que:
Art. 2º O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade (BRASIL, 2003, p.15).
Em um País marcado pela desigualdade social, o qual somente no ano de 2003 teve uma lei específica para amparar juridicamente a essa população que avança em idade cronológica, porém mantendo-se ativa em atividade laboral, os criminosos que perpetuam tal delito aproveitam-se de tamanha dificuldade em acesso a estas novas tecnologias, associado ao fato que para o idoso, ao cair no ardil de um golpe lhe causou prejuízo financeiro, além do fator econômico, existe a vergonha moral da vítima, que em muitos casos culpa-se por ter caído em um golpe, é a dupla vitimização.
4 O DIREITO DO CONSUMIDOR
De acordo com o Código de Proteção ao Consumidor para que haja a proteção garantida pela referida lei é necessário que haja uma relação de consumo. Segundo Nery Junior (1995, p. 270), “entende-se por relação de consumo a relação jurídica entre fornecedor e consumidor tendo como objeto o produto ou o serviço.”
Portanto, a relação de consumo é entendida como toda relação jurídica existente entre o sujeito que consome e o que fornece o produto ou serviço. Desse modo é possível afirmar que entre a instituição bancária e o cliente do banco há esta relação de consumo e que os bancos são prestadores de serviços, passíveis às sanções previstas no Código de Defesa do Consumidor.
5 METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa descritiva bibliográfica de abordagem qualitativa. A pesquisa qualitativa é uma investigação científica que enfatiza o caráter subjetivo de um estudo analisado, dando ênfase a suas particularidades. Desse modo em uma pesquisa de abordagem qualitativa os dados não podem ser quantificados, pois propõe-se a entender o comportamento do recorte da realidade, compreendendo que o objetivo do estudo é entender o porquê da ocorrência de certos fenômenos tendo como foco principal a abordagem e não apenas dados mensuráveis (GIL, 2002).
Como instrumentos para coleta de dados utilizaremos a legislação vigente, as normas e a literatura que versa sobre a temática. Utilizaremos também estatísticas criminológicas e documentos oficiais. Os dados serão interpretados hermêuticamente.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o advento das novas tecnologias as instituições bancárias reformularam toda sua estrutura de atendimento e de operacionalização, essas modificações exigiram dos clientes conhecimentos acerca do universo digital. As instituições por sua vez, não criaram meios para atender às necessidades da clientela de pessoas idosas que encontram certa dificuldade e resistência em interagir com as novas tecnologias, fato este que facilitou a ação de golpistas e estelionatários.
Os criminosos se fazem valer do desconhecimento das particularidades das novas tecnologias por parte das pessoas idosas para agirem aplicando golpes que envolvem a obtenção de senhas de cartões bancários, empréstimos consignados, dentre outros delitos.
Desse modo há o entendimento de que as instituições bancárias possuem responsabilidade legal ao ofertarem serviços que não respeitem a singularidade das pessoas idosas e as colocam em situação de vulnerabilidade.
REFERÊNCIAS
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 18 nov. 2019.
_______. Decreto-lei 2848, de 07 de dez. de 1940. Código Penal. In: VADE mecum. São Paulo: Saraiva, 2018.
_______. Lei n.8078, de 11 de set. de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Brasília. DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em 09 nov. 2019.
_______. Lei n.10741, de 1 de out. de 2003. Estatuto do Idoso. Brasília. DF. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/70326/672768.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2019.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 17 ed. São Paulo: Saraiva.
CÉSAR, Solange de Campos. A responsabilidade civil das instituições bancárias à luz do Código de Defesa do Consumidor. Taguatinga: FACITEC, 2009. 96 f.
GIL, Antônio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo: Atlas, 2011.
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. v. 1. 17 ed. Niterói: Impetus, 2015.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. 20ed. São Paulo: Atlas, 2002.
NERY JUNIOR, Nelson, et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.
ONU.A ONU e as pessoas idosas . Disponível em: <https:nacoesunidas.org/acao/pessoas-idosas/>. Acesso em: 20 out.2019.
[1] Docente Mestre do curso de Direito – IESB Instituto de Ensino Superior de Bauru. E-mail: [email protected]
IESB - Instituto Educacional Superior de Bauru.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RESTANHO, ADILSON. Estelionato contra pessoas idosas: uma análise criminológica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 jun 2020, 04:27. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54801/estelionato-contra-pessoas-idosas-uma-anlise-criminolgica. Acesso em: 22 nov 2024.
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