RESUMO: O estudo trata do uso das Parcerias Público-Privadas para a construção e a manutenção de penitenciárias brasileiras como uma forma de melhorar a qualidade dos serviços que devem ser oferecidos aos detentos, para promover a ressocialização do preso bem como, futuramente, a sua reinserção no mercado de trabalho, após o cumprimento de sua pena. A análise perpassa pela questão da violência, que ao longo dos anos, foi crescente no Brasil, o que demonstra as inúmeras falhas e a ineficácia do tratamento dado aos presos, atualmente, no país. A apresentação de argumentos favoráveis e desfavoráveis ao modelo citado, bem como os exemplos similares já existentes em outros países, auxilia a construção de um debate mais consciente e menos ideológico, o qual se mostra necessário, visto que, a violência nos interiores de algumas penitenciárias é descomunal, além de ultrapassar os muros das cadeias públicas, o que acaba afetando não só os ex-presidiários ou suas famílias, mas toda a sociedade, de uma forma maléfica e destrutiva.
Palavras-chave: Preso, Penitenciária, Parceria Público-Privada, Ressocialização.
Abstract: The study deals with the use of Public-Private Partnerships for the construction and maintenance of Brazilian penitentiaries as a way to improve the quality of services that must be offered to prisoners, to promote the resocialization of the prisoner as well as, in the future, their reintegration into the labor market, after the fulfillment of his sentence. The analysis runs through the issue of violence, which has been increasing in Brazil over the years, which demonstrates the innumerable failures and the ineffectiveness of the treatment given to prisoners, currently in the country. The presentation of arguments favorable and unfavorable to the model cited, as well as similar examples already existing in other countries, helps to construct a more conscious and less ideological debate, which is necessary, since violence in the interiors of some penitentiaries is huge, in addition to overcoming the walls of public jails, which ends up affecting not only the ex-prisoners or their families, but the whole society in a destructive way.
Key-words: Prisoner, Public-private partnerships, resocialization.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 BREVES COMENTÁRIOS SOBRE AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS. 3 PANORAMA INTERNACIONAL DO TRATAMENTO AO PRESO. 4 O HISTÓRICO DA EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL DA PRIVATIZAÇÃO DOS PRESÍDIOS. 4.1 A experiência da Inglaterra. 4.2 O modelo francês. 4.3 O modelo americano. 5 EXPERIÊNCIAS NACIONAIS DE PRESÍDIOS PÚBLICOS E SUA GESTÃO PELA INICIATIVA PRIVADA. 6 VANTANGENS E DESVANTAGENS DA IMPLANTAÇÃO DAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NO BRASIL. 6.3 Medidas realizadas em âmbito nacional para a redução das violações aos direitos dos detentos. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
1.INTRODUÇÃO
A situação carcerária no Brasil atualmente está caótica, visto que, a cada ano, a população carcerária aumenta. Segundo o Banco de Monitoramento de Prisões, do Conselho Nacional de Justiça, a população carcerária até julho de 2019, contava, aproximadamente com 812.564 presos, o número é próximo ao da população da cidade de Nova Iguaçu (RJ) – 818.875 habitantes, conforme estimativa do IBGE.
O crescimento desenfreado de presos para um número limitado de celas e presídios acarreta uma maior incidência de violações de direitos humanos, dentre as quais, as inúmeras mortes ocasionadas por guerras entre facções dentro dos presídios. Há ainda problemas como as péssimas condições das instalações e dos alimentos, o que propicia um ambiente instável e fértil para rebeliões e o cometimento de crimes, tanto durante o cumprimento da pena como após o término desta, tornando-se assim, muito difícil a possibilidade de reabilitação do detento na sociedade.
O presente artigo visa analisar a possibilidade de implantação de parcerias publico- privadas no sistema prisional brasileiro, como uma alternativa para a redução dos problemas existentes nos presídios públicos, além de viabilizar ao Estado uma economia de gastos, os quais poderiam ser utilizados em outros setores sociais, como a educação e a criação de novos programas sociais.
Ao longo do trabalho, haverá a apresentação de argumentos favoráveis e desfavoráveis a tais parcerias, bem como a divulgação de dados estatísticos sobre as populações carcerárias dos presídios públicos. Também será levantada a problemática em relação ao principal objetivo que deveria conduzir o aprisionamento da grande maioria dos presos, seja no âmbito estritamente público, seja no âmbito privado, a real reabilitação do ex-detento na sociedade e a promoção de medidas para a sua reinserção no mercado de trabalho, uma medida importante para a integração do indivíduo no meio social e econômico.
O objetivo geral deste trabalho foi analisar se as parcerias público-privadas poderiam ser utilizadas para a solução dos inúmeros problemas existentes no sistema prisional brasileiro, desde as superlotações até as graves violações aos direitos humanos. Para essa pesquisa foi necessário fazer um estudo bibliográfico que pudesse realizar um comparativo entre os presídios públicos e os privados, também se utilizou o direito comparado para observar os resultados desse experimento em outros países. Visualizou-se dessa forma, os prós e os contras dos dois sistemas de administração, levando em consideração a melhor relação de custo e benefício, o que se coaduna com os princípios administrativos da eficiência e da moralidade.
Os objetivos específicos se dividiriam em descrever como se daria essa Parceria Público-Privada na Administração Prisional Brasileira, apresentar as constatações obtidas com os experimentos realizados em outros países por meio do direito comparado, comparar a Administração Pública e a Administração pelas Parcerias público-privadas nos presídios brasileiros e, por fim, avaliar se a Parceria Público-Privada seria mais eficiente em relação à administração prisional estritamente pública.
A metodologia utilizada baseia-se em uma pesquisa explicativa, a qual busca explicar as causas para os inúmeros problemas existentes dentro dos presídios brasileiros, bem como expõe alternativas viáveis para a redução desses problemas. Destaca-se também que esse trabalho tem por fundamento teórico a pesquisa bibliográfica especializada, tendo em vista que foram realizadas consultas a livros, produções acadêmicas, como artigos científicos, teses, dissertações, além da legislação nacional pertinente.
1.BREVES COMENTÁRIOS SOBRE AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS
O surgimento da parceria público privada pode ser justificado pela escassez de recursos econômicos do Estado frente às inúmeras demandas sob sua responsabilidade. Adicionando-se a isto também há o agravamento de crises financeiras e políticas, as quais, infelizmente, são uma característica cíclica na história do Brasil.
Diante desse cenário, as concessões de serviços públicos e as parcerias público- privadas mostram-se como uma alternativa para manter o desenvolvimento econômico e social do país sem a necessidade de o Estado gastar tantos recursos financeiros, evitando o aumento da dívida interna e proporcionando aumento nos investimentos no país, bem como a melhoria da qualidade dos serviços públicos gerenciados pelo regime de parceria público- privada.
É o que se pôde observar, por exemplo, com a privatização da rede telefônica no Brasil, ocorrida em meados dos anos 1990. O surgimento de empresas concorrentes no sistema de telecomunicações, as quais fornecem planos de telefonia mais baratos e de melhor qualidade, em contraste com o alto valor para a aquisição de uma linha telefônica quando administrada pelo Poder Público, demonstra que a privatização, sem ser observada somente por um viés ideológico, pode sim ser uma ótima alternativa para países emergentes equilibrarem seus gastos, sem deixar de realizar investimentos e promoção de serviços públicos em setores econômicos e sociais importantes para o crescimento do país.
A sociedade clama por melhorias em vários serviços prestados pelo Estado, sendo evidente que o tripé básico para o desenvolvimento de uma sociedade é a segurança, a saúde e a educação. A boa gestão desse tripé centraliza-se por meio da eficiência e acesso à população, devendo o Estado exercer esses deveres com fiscalização, planejamento, desenvolvimento e aplicação dos recursos humanos e orçamentários.
É interessante mencionar o conceito de serviço público para Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
[...] toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob o regime jurídico total ou parcialmente público. (DI PIETRO, 2014, p. 106)
Até a implantação da Legislação Federal das Parcerias Público- Privadas (PPP’s), Lei nº 11.079/2004, o setor público relacionava-se com a área privada exclusivamente através de atos normativos: Leis federais nº 8.987/95 (Lei das Concessões Comuns) e a nº 9.074/95 (Ato Regulatório das Concessões).
Importante destacar a doutrina da Professora Fernanda Marinela para quem a PPP é considerado um acordo entre a Administração Pública e uma pessoa do setor privado:
(...) é um acordo firmado entre a Administração Pública e a pessoa do setor privado, com o objetivo de implantação ou gestão de serviços públicos, com eventual execução de obras ou fornecimento de bens, mediante financiamento do contratado, contraprestação pecuniária do Poder Público e compartilhamento dos riscos e dos ganhos entre os pactuantes. Trata-se de uma espécie de concessão de serviço público denominada concessão especial. (MARINELA, 2007, p. 484).
A Lei nº 11.079/2004 apresentou duas modalidades específicas de concessão, as quais são a concessão patrocinada e a concessão administrativa, conforme a redação do art. 2º, §1º e §2º:
Art. 2º §1º: Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei n.º 8.987, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado.
Art. 2º §2º: Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.
Esses tipos de concessões envolvem um grande investimento transferido para o setor privado, principalmente a concessão administrativa, visto que nessa modalidade a relação da empresa contratada é diretamente com a Administração Pública, não tendo com os administrados qualquer relação, portanto não há a exigência de tarifa cobrada dos usuários. Ademais, segundo a Lei nº 11.079/2004, o contrato não pode ser apenas sobre o fornecimento de serviços, devendo contar com a execução da obra ou fornecimento e instalação de bens.
Essas parcerias público–privadas já foram bastante utilizadas em grandes eventos esportivos no país, como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, em construção de estradas, rodovias, portos e obras do antigo programa do PAC (Programa de aceleração ao crescimento), o que demonstra a importância do seu papel no cenário de desenvolvimento atual do país.
Certas características das PPP’s previstas no artigo 4º da sua lei (Lei nº 11.079/2004) denotam alguns benefícios colhidos para o Estado como, por exemplo, a repartição objetiva dos riscos entre as partes, a indelegabilidade das funções de regulação jurisdicional do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado, evidenciando dessa forma o princípio administrativo da preponderância do interesse público sobre o interesse privado.
Convém ressaltar que esse tipo de contrato também não se mostra infrutífero para o parceiro privado, vide o artigo 8º da Lei nº 11.079/04, o qual lista algumas garantias diante das obrigações firmadas nesse tipo de contrato, tais como a vinculação de receitas, em obediência ao artigo 167, inciso IV, da CRFB/88 e a instituição ou a utilização de fundos especiais previstos em leis.
2.PANORAMA INTERNACIONAL DO TRATAMENTO AO PRESO
Os padrões internacionais mínimos para o tratamento de reclusos podem ser encontrados em alguns tratados de direitos humanos elaborados sob a égide da ONU. Tais parâmetros coadunam-se com os princípios constitucionais e a busca pela efetivação dos direitos fundamentais na CRFB/88, conformando um sistema interno e externo de proteção e garantia dos direitos fundamentais de qualquer ser humano submetido a pena de prisão.
O princípio da não discriminação que orienta todo o universo jurídico de proteção aos direitos humanos é encontrado nos artigos 1°, 2º e 7º da Declaração Universal dos Direitos Humanos. A Declaração determina ainda que os presos não poderão ser submetidos à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante (art. 5), regra repetida pelo Pacto dos Direitos Civis e Políticos (art. 7) e regulada mais detidamente pela Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes.
O Pacto dos Direitos Civis e Políticos, entretanto, amplia o marco legal da proteção aos presos, especialmente nos artigos nove e dez. Devido a essas disposições, a privação da liberdade não poderá ocorrer arbitrariamente, mas somente pelos motivos destacados em lei e em conformidade com os procedimentos nela contidos.
O regime penitenciário terá como objetivo principal a reforma e a reabilitação moral dos detentos. Os reclusos deverão receber tratamento que respeite a sua dignidade, a qual é inerente à pessoa humana. Salvo em circunstâncias excepcionais, é essencial separar as pessoas processadas das pessoas já condenadas, assim como estabelecer um tratamento condizente com a realidade e com a condição de pessoas não condenadas. Além disso, o preso poderá ser obrigado a trabalhar, sem que isso configure trabalho forçado (art. 8, ‘’c’’, par. 1).
A ONU adotou uma resolução referente às Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos, proferida em 1955 e atualizada em 1957 e 1977 e secundada por um ‘‘Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão’’, de 1988, e por ‘‘Princípios Básicos Relativos ao Tratamento de Reclusos’’, de 1990.
Segundo Portela (2017, p. 893) o objetivo desses documentos é estabelecer as normas gerais de uma organização penitenciária compatível com a dignidade humana e os padrões internacionais mínimos relativos ao tratamento de presos, partindo, porém, do princípio de que nem todas as regras podem ser aplicadas de maneira permanente e indistinta em todos os lugares, em vista da variedade de condições existentes no mundo. Em todo o caso, tais normas devem servir como referência a orientar, sempre que possível, a organização dos sistemas penitenciários no mundo.
3.O HISTÓRICO DA EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL DA PRIVATIZAÇÃO DOS PRESÍDIOS:
O crescimento do sistema de privatização dos presídios se deu por conta do crescimento populacional e o agravamento de mazelas sociais, as quais se multiplicam devido à ineficiência de planos governamentais, a corrupção estrutural, dentre outros problemas estruturais nos países. A necessidade por parte do Estado de maiores gastos em vários setores públicos, dentre eles o setor relativo aos presídios, para reduzir o flagrante desrespeito aos direitos humanos, cuja proteção, inúmeros países concordaram em garantir, seja por suas Constituições, seja pela assinatura de tratados internacionais na área dos Direitos Humanos, impulsionou a busca por este sistema de parcerias público-privadas, o qual possui como objetivo, a redução de gastos do ente estatal e o aumento da eficiência no tratamento e reabilitação dos presos.
3.1 A experiência da Inglaterra
A Inglaterra adotou o sistema privado em alguns de seus presídios em 1992, devido à superlotação dos mesmos. Atualmente, este país conta com nove presídios privados dentre um total de cento e trinta e oito presídios ingleses.
No sistema adotado, as empresas constroem as penitenciárias e recebem uma contraprestação do governo por um tempo aproximado de vinte e cinco anos. As empresas são responsáveis por todos os setores do presídio, exceto o transporte de presos para audiências ou julgamentos, que é executado por outra empresa privada de segurança. Não há guaritas nem cercas elétricas, e os guardas trabalham desarmados.
Durante os anos de 1999 e 2000, não foi registrado nenhuma fuga, os compartimentos prisionais são monitoradas, externa e internamente, por câmeras de TV móveis, cada cela abriga, no máximo, dois presos, e o subsolo é revestido com uma estrutura formada por fibras ópticas que impedem a escavação de túneis para fugas.
Há uma política de separação de presos do regime primário e de presos reincidentes, todas as pessoas, mesmo advogados que entram em tais presídios são revistados, com exceção da Família real britânica. O modelo adotado na Inglaterra difere do modelo americano por centralizar o poder nas mãos do Estado e também porque é financiado por impostos ou empréstimos ao mercado, em oposição ao que ocorre nos Estados Unidos, onde as receitas para construção de presídios precisam ser aprovadas pelo Poder Legislativo e são limitadas a um determinado valor.
Na França, as razões para a implementação do sistema de parcerias público-privadas nos presídios também foram a superlotação e a dúvida em relação à eficácia da política criminal adotada. Tal cenário impulsionou a criação da Lei francesa nº 87/1932, a qual concedeu autorização legal para a cogestão das penitenciárias.
No sistema francês, o setor privado é responsável pela edificação e execução da hotelaria, e o Estado, pelos serviços administrativos e agentes penitenciários. É importante destacar a relação entre o ente público e o privado, expressa no artigo 2º da referida Lei:
Art. 2º: O Estado pode confiar a uma pessoa de direito público ou privado ou a um grupo de pessoas de direito público ou privado uma missão versando ao mesmo tempo sobre a construção e a adaptação de estabelecimentos penitenciários.
No sistema de privatização francês há uma dupla gestão, incumbindo ao Estado e também ao grupo privado o gerenciamento e a administração conjunta do estabelecimento prisional. Neste modelo, o diretor geral do estabelecimento é indicado pelo Estado, e a execução penal, bem como a segurança interna e externa são de responsabilidade estatal, podendo ser concedidos ao setor privado, às áreas referentes ao transporte, alimentação, lazer, assistência social, médica, espiritual, sendo a sua remuneração feita pelo Estado por cada preso sob cuidado do ente privado.
Pode se caracterizar o modelo francês como um modelo misto, no qual o poder público e a iniciativa privada trabalham conjuntamente, com o propósito de propiciar condições melhores para a reintegração dos presos na sociedade, bem como o respeito aos direitos fundamentais expressos na Lei Maior e nas Declarações de Direitos Humanos.
Atualmente existem cerca de 200 presídios privados no mundo, cuja metade está localizada nos Estados Unidos, porém, conforme Minhoto (op. cit., p. 63) os presídios privatizados representam apenas 7% do total de presídios localizados nesse país.
Algumas experiências de privatização de presídios ocorreram no século XIX (Presídio de Auburn e Sing-Sing), em estados como Nova York, mas foram mal sucedidas, visto que houve denúncias de maus-tratos e abusos físicos cometidos contra os reclusos, além da ‘‘escravização’’ dos mesmos, pois estavam sujeitos a cargas horárias grandes sem receber nenhuma espécie de benefício ou contraprestação pecuniária.
No século XX, principalmente na década de 1980, ocorreu a retomada do plano de privatização dos presídios, motivados pela política neoliberal atuante no país e o grande número de presos.
O primeiro estabelecimento privatizado nos Estados Unidos é a prisão de Saint Mary, localizada numa área rural do Kentucky. Segundo Minhoto (2000) a empresa U.S. Corrections Corporations administra essa prisão desde 1986.
A questão da implantação de presídios privatizados fica sob a competência dos Estados, há opiniões divergentes em relação aos prejuízos e aos benefícios em torno deste sistema. As opiniões favoráveis argumentam que há a redução dos custos do Estado, já as opiniões contrárias afirmam que há um incentivo para criar uma ‘‘ indústria de produção de presos’’, alegam que os administradores de presídios pleiteiam a aprovação de leis mais duras e penas mais longas, com o intuito de aumentar a lucratividade das empresas privadas.
4.EXPERIÊNCIAS NACIONAIS DE PRESÍDIOS PÚBLICOS E SUA GESTÃO PELA INICIATIVA PRIVADA
Diferentemente do que ocorrem com as privatizações, as PPP’s não importam a alienação integral e definitiva do controle da política pública, tendo em vista que no Brasil há uma lista de serviços públicos essenciais que não podem ser alienados, nem controlados por setores privados, dentre eles, pode-se citar o setor da saúde e da segurança, para os quais existe apenas o direito a firmar contratos de concessão de serviços públicos ou a autorização para a atuação no setor privado, porém sob a vigilância e controle de agências reguladoras.
O programa de parceria público-privada brasileiro é baseado em uma gestão mista, ou seja, envolve de um lado a administração pública e de outro a iniciativa privada, cabendo a esta, atividades como a manutenção em boas condições dos estabelecimentos dos presídios, a construção dos presídios e o fornecimento de serviços essenciais para o bem estar dos reclusos, tais como materiais de higiene pessoal, alimentos, assistência médica e psicológica.
Para o Direito Administrativo brasileiro, a parceria público-privada no sistema prisional é possível, não havendo que se falar em ilegalidade, devendo, entretanto, obedecer ao critério temporal, o qual estabelece um tempo mínimo de contrato de 05 anos e um tempo máximo de 35 anos, podendo ocorrer eventual prorrogação conforme a lei, além do critério econômico, o qual estabelece o valor mínimo de R$ 20.000,00 (vinte milhões de reais) para a feitura de contratos sob o regime de parceria público-privada.
No âmbito Constitucional e no âmbito Penal (vide a Lei de Execuções Penais), não se constata nenhum impedimento ou norma proibitiva da gestão privada, também não há ainda a existência de uma lei nacional específica que regulamente a gestão privada das penitenciárias, portanto, verifica-se a omissão normativa quanto ao regime a ser adotado pelo Estado para os presídios, o que proporciona certa margem de liberdade para os governantes se utilizarem das parcerias público-privadas conforme as necessidades econômicas, políticas e sociais atuais.
É válido ressaltar que, em um sistema prisional privado, a responsabilidade pela sentença penal continua sendo exclusiva do poder público, bem como o acompanhamento da execução penal, sendo como responsabilidade do privado o confinamento. Há uma nítida separação entre a função jurisdicional do Estado e a administração da penitenciária.
No Brasil, já há muito ocorria à associação entre Estado e particular visando à satisfação de interesses públicos, de modo que a entrada do instituto da PPP no sistema vigente não importou substancial alteração. As inovações apresentadas pela Lei Federal nº 11.079/2004 limitam-se à formação do conceito legal de contrato de PPP, à definição das respectivas modalidades e à previsão de características peculiares do instituto.
Em meados de 1992, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), órgão do Ministério da Justiça, propôs a adoção do sistema de gerenciamento privado das prisões no Brasil, essa ideia fora influenciada pelos exemplos internacionais, já comentados em tópico anterior, os quais refletem uma característica, ou melhor, necessidades em comum, como, por exemplo, a redução de gastos e uma melhor administração e gerência dos presídios, de forma concomitante ao respeito aos direitos humanos dos reclusos.
Para (SANTOS, 2008) a gestão compartilhada é um modelo pelo qual cada parceiro mantém sua identidade institucional e programática, dirigindo pessoas, esforços e recursos para fins comuns e integrados. No Brasil, terceirizaram-se os serviços de fornecimento de refeições, aquisição de uniformes, serviços de lavanderia, entre outros.
O Estado do Paraná construiu o primeiro presídio com administração e construção sob responsabilidade do Estado, e a administração de serviços de segurança interna, alimentação, higiene, assistência médica, entre outras atividades internas, gerenciada pelo setor privado, em 1999, sob o nome de Penitenciária Industrial de Guarapuava.
Nessa penitenciária, foram criados canteiros de trabalho locando-se os serviços dos internos com remuneração, a fim de auxiliar na manutenção de familiares e no ressarcimento dos prejuízos a que eventualmente deram causa quando do cometimento dos crimes. Os canteiros são mantidos pelo Fundo Penitenciário do Estado do Paraná.
Os resultados colhidos nessa penitenciária foram satisfatórios, pois conforme Osório (2005) houve uma baixa reincidência entre seus egressos, de apenas seis por cento no ano de 2005 enquanto que em Maringá, sob a completa administração estatal, o índice chegava aos trinta por cento e a média nacional era de setenta por cento de reincidência criminal.
A política adotada no Paraná era a de promover a completa ressocialização do interno e a interiorização das unidades penais, o que possibilitou a aproximação do preso com seus familiares e amigos. Havia ainda o fornecimento de trabalho e cursos profissionalizantes para os detentos, com o benefício da posterior remição da pena, disposta na Lei de Execuções Penais, o que consistia, basicamente, em reduzir um dia de pena para cada três dias trabalhados.
O sucesso desse exemplo motivou outros Estados a experimentarem esse modelo de parceria entre o Estado e o setor privado. No presente trabalho, devido à profundidade e extensão do assunto, apresentará somente mais alguns exemplos, que aconteceram no Estado do Ceará.
A primeira experiência no Estado do Ceará ocorreu na Penitenciária Industrial Regional do Cariri, em Juazeiro do Norte, implantada por volta de novembro de 2000, na qual o serviço de vigilância interna dos detentos é prestado por empresa privada, enquanto que a vigilância na área externa é feita por policiais militares.
No ano de 2002, o governo do Ceará inaugurou a Penitenciária Industrial Regional de Sobral e o Instituto Presídio Professor Olavo Oliveira II, nos mesmos moldes de administração da Penitenciária do Cariri. Estes contratos foram feitos por meio de dispensa de licitação, infringindo assim a Lei nº 8.666/93.
Porém, as atividades desse presídio viriam a ser paradas, devido à decisão que suspendia o contrato firmado entre o Estado do Ceará e a Companhia Nacional de Administração Prisional Ltda. (CONAP), expedida pelo Juízo Federal da 3º Vara no dia 19 de julho de 2007, decisão advinda de uma ação pública interposta pelo Ministério Público Federal (MPF) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em 2005. Na ação, o MPF e a OAB alegaram que a execução penal e a gestão de unidades prisionais são atividades típicas do Estado, portanto indelegáveis à iniciativa privada. Além disso, os contratos referentes a essas atividades estariam sendo feitos de forma irregular, com dispensas de licitações e elevados custos para o Governo.
O magistrado afirmou que a gestão de unidades prisionais é função típica do Estado, e por isso deve ficar a cargo exclusivo da administração pública. Em sua decisão, o juiz federal afirmou que a execução penal:
Imiscui-se, ontologicamente, no rol das funções típicas do Estado, de forma que o seu exercício deve ser incumbido a órgãos ou entidades públicos, sendo indelegável ou intransferível a particulares, à semelhança das atribuições legislativas, jurisdicionais, diplomáticas, policiais, etc.
A primeira experiência brasileira com o sistema de parceria público-privada em penitenciárias se deu no presídio construído em Ribeirão das Neves, região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, na data de 28 de janeiro de 2013. Essa penitenciária foi construída por um consórcio de cinco empresas (uma sociedade com propósito específico), sob a forma de sociedade anônima, com o objetivo de explorar a concessão administrativa do presídio.
Para Oliveira (2013), as parcerias público-privadas se diferenciam das terceirizações utilizadas em outros presídios brasileiros, pois o parceiro privado deve construir o presídio, instalar bens e serviços com recursos próprios e financiados, o custo da obra é ressarcido aos poucos à iniciativa privada com as mensalidades que o Estado paga pelo serviço da gestão.
Neste complexo penitenciário convivem aproximadamente 2.000 presos, condenados nos regimes fechado e semiaberto. Não são aceitos estupradores ou integrantes de facções. Cada preso custa em média R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais) por mês, metade deste valor é o custo real do preso, o lucro sobrevém após o término dos gastos com a construção do presídio. As celas comportam no máximo 04 detentos, os compartimentos dentro dos presídios são monitorados por aproximadamente 800 câmeras, para vigiar as atividades dos detentos. O uso da tecnologia é extremamente importante para a eficácia desse sistema e redução de prejuízos, tendo em vista a automatização de alguns serviços ali instalados.
É possível visualizar algumas vantagens para o Estado na contratação da execução do serviço ao setor privado, visto que ele se beneficia do acesso às novas tecnologias, redução de gastos com pessoal, na ausência de burocracia para compra de materiais e contratação de serviços, visto que não há necessidade de processos licitatórios, na maior rapidez e eficácia que evita os atrasos nos cronogramas, os quais são bastante comuns em obras e serviços integralmente públicos.
Ademais, há também melhorias presentes no sentido de aumentar a capacidade de vagas no sistema prisional, visto que esse custo seria transferido para o parceiro privado, bem como a redução da corrupção de agentes de segurança, por meio de um sistema punitivo mais rigoroso e rápido, tendo em vista que os parceiros privados quando constatarem evidências de corrupção ou práticas infracionais, como tratamento favorecido a alguns presos, ‘‘regalias’’ destinadas a certos ‘‘líderes’’ dos reclusos, dentre outras, poderão demitir os seus funcionários e substituí-los sem a necessidade de aguardar o julgamento de um processo administrativo disciplinar e suas consequências na via judicial, devido à natureza e a estabilidade do cargo público, bastante distinta da natureza dos cargos privados.
5.VANTANGENS E DESVANTAGENS DA IMPLANTAÇÃO DAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NO BRASIL
O Brasil tem hoje 11 das 30 cidades mais violentas do mundo de acordo (O GLOBO, 2014) e ocupava a sétima posição entre os países mais violentos (MAPA DA VIOLÊNCIA 2015: BRASIL OCUPA SÉTIMA POSIÇÃO NA LISTA DE 95 PAÍSES, 2016). Esse país é formado por uma população resultante de uma alta desigualdade social, que repercute, fortemente, no aumento de cometimento de crimes.
Segundo Rocha (2017, p. 10) o descaso dos governantes e o descumprimento das políticas governamentais de atendimento a população mais pobre são uma das inúmeras razões para não se constatar a redução da criminalidade no Brasil. Atualmente, não dá para esperar somente por resultados de longo prazo como a melhoria e a amplitude de acesso à educação básica, tendo em vista que se fazem necessárias soluções rápidas e objetivas para conter o avanço da mortandade e outros tipos de violência que dizimam diariamente milhares de brasileiros inocentes.
O encarceramento eficaz tem como primeira consequência lógica a retirada de criminosos das ruas, gerando uma natural tranquilidade para toda a sociedade. Como reflexo indireto e muitas vezes esquecido, o encarceramento gera imediata redução dos índices de criminalidade conforme aponta estudo do IPEA (p. 7, 2013).
Segundo esse estudo, o aumento de 10% no número de presos proporciona, em 10 anos, uma redução na taxa de homicídios da ordem de 3,3%. Conclui ainda o referido estudo que esse encarceramento gera imediato reflexo na queda das taxas de outros crimes.
As consequências da alta criminalidade no Brasil são incontáveis, produz reflexos diretos e indiretos na saúde, no sistema previdenciário e trabalhista, devido ao aumento de doenças psicossomáticas paralisantes, tais como síndrome do pânico e transtornos de ansiedade.
Ou seja, o crime, especialmente com violência, gera uma infinidade de outros problemas de saúde, sociais e econômicos.
5.1O sistema prisional brasileiro
Entre os 20 países de maior população carcerária do mundo, o Brasil ocupava em 2014 a 4ª colocação, contando com aproximadamente 700 mil encarcerados, conforme dados do Ministério da Justiça, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, China e Rússia. Outro dado preocupante é o relacionado à tendência de crescimento do número de presos no Brasil, em comparação com os outros países acima citados. Ao contrário dos três primeiros colocados, o Brasil apresenta uma taxa de crescimento entre 2008 e 2014 na ordem de 33%, enquanto, no mesmo período, os Estados Unidos tiveram um decréscimo de 8%, China, de 9%, e Rússia, de 24%.
Até julho de 2019, segundo levantamento feito pelo Banco de Monitoramento de Prisões do Conselho Nacional de Justiça (O GLOBO, 2019), a população carcerária brasileira contava com 812.564 presos, os dados mostraram que, do total da população carcerária, 41,5% (337.126) são presos provisórios – pessoas que ainda não foram condenadas. Ademais, a pesquisa mostrou também que há, em todo o país, 366,5 mil mandados de prisão pendentes de cumprimento, dos quais a grande maioria (94%) é procurada pela justiça, ou melhor, esses presos estão foragidos.
A contabilização realizada pelo CNJ considera os presos já condenados e os que aguardam julgamento, o que abarca detentos que estão cumprindo a pena nos regimes fechado, semiaberto e aberto em Casas do Albergado, uma espécie de abrigo público destinado a cumprimento de pena, previsto na Lei de Execuções Penais. Esse monitoramento excluiu os presos com tornozeleira eletrônica e os que estão em regime aberto domiciliar.
Nota-se que o crescimento da criminalidade é proporcional ao crescimento da população carcerária, segundo diagnóstico do DEPEN - Departamento Penitenciário Nacional (O Globo, 2019) o ritmo de crescimento dessa população carcerária é de 8,3% ao ano, o que evidencia a falência do sistema prisional, que além de não cumprir com o objetivo final de ressocializar e integrar o recluso, novamente, na sociedade, ainda viola inúmeros direitos fundamentais garantidos formalmente na Constituição brasileira.
Para além das estatísticas, quando se recortam os relatórios produzidos pelo Ministério da Justiça sobre o perfil dos encarcerados, verifica-se que o sistema prisional se manifesta como o mais perverso dos retratos da sociedade brasileira. Segundo o relatório produzido pelo INFOPEN – Informações Penitenciárias (p. 31, 2017), o perfil dos presos é majoritariamente de jovens negros, de baixa escolaridade e baixa renda. Ora, diante dessa constatação inicial, não resta qualquer dúvida quanto ao fato de que os problemas sociais refletem diretamente no índice de criminalidade.
5.2 As Parcerias público-privadas e as garantias constitucionais do preso
A Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso III, assegurou que ‘‘ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante’’, já o inciso XLVIII assegurou aos presos que: “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado” e o inciso XLIX dispõe o seguinte: “é assegurados aos presos o respeito à integridade física e moral”.
A realidade factual, porém, é bem distinta do que está disposto na Lei Maior, não raro, os presídios estão superlotados e as instalações estão em um péssimo estado de conservação, bem como há um péssimo tratamento dos presos em relação aos cuidados médicos, alimentícios e psicológicos, o que demonstra o descaso dos governos bem como o abandono da busca pela implementação dos objetivos assegurados constitucionalmente aos presídios, os quais se destinam a ressocialização e integração do preso novamente na sociedade, contribuindo para o bem estar coletivo.
Os noticiários, rotineiramente, reportam as rebeliões e os inúmeros assassinatos ocorridos dentro dos presídios, os quais motivados pelas guerras entre as facções. O Estado vê-se então, em uma situação de descontrole, na qual há inúmeras violações aos direitos fundamentais constitucionais bem como aos direitos humanos, sob o ponto de vista internacional.
Se não houver o controle dessa situação problemática para frear esse crescimento, a população carcerária pode chegar a quase 1,5 milhão de presos em 2025. A superpopulação carcerária e a quantidade de presos aguardando julgamento foram dois pontos criticados por ministros do Supremo Tribunal Federal em 2015, quando este Tribunal finalizou o julgamento de uma ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347 proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em que questionava ‘‘ações e omissões’’ do poder público em relação ao sistema penitenciário brasileiro e pedia a adoção de providências para o tratamento da questão prisional do país.
Diante da análise da ação, o Plenário concluiu que a responsabilidade diante desse caos seria dos três Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), e que essa situação era um verdadeiro ataque generalizado aos direitos dos presos em relação à integridade física e psíquica. A consequência nefasta dessa violência institucional seria a produção de mais violência, demonstrada pelo crescimento exponencial dos presos, da sensação de medo e de insegurança que ronda a população brasileira.
Em seu voto, o Ministro Marco Aurélio, avaliou a situação dos presos como ‘‘vexaminosa’’
A superlotação carcerária e a precariedade das instalações das delegacias e presídios, mais do que inobservância, pelo Estado, da ordem jurídica correspondente, configuram tratamento degradante, ultrajante, e indigno a pessoas que se encontram sob sua custódia. As penas privativas de liberdade aplicadas em nossos presídios convertem-se em penas cruéis e desumanas. Os presos tornam-se ‘’ lixo digno do pior tratamento possível’’, sendo-lhes negado todo e qualquer direito à existência minimamente segura e salubre. (STF - ADPF: 347 DF 0003027-77.2015.1.00.0000, Rel. Min. Marco Aurélio, 26.10.2015).
No julgamento da ADPF ajuizada pelo PSOL, o Supremo Tribunal Federal concluiu que as condições degradantes dos presídios no Brasil violavam direitos fundamentais dos presos e reconheceu o ‘‘estado de coisas inconstitucional’’ em relação ao sistema penitenciário nacional.
O ‘‘estado de coisas inconstitucional’’ é uma figura jurídica que surgiu na Corte Constitucional da Colômbia, que identificou um quadro insuportável e permanente de violação de direitos fundamentais, a exigir a atuação de todos os Poderes, originado da inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a situação.
Na ocasião do julgamento, a Corte brasileira determinou que o governo liberasse o saldo acumulado no Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN), destinado à construção e reforma de presídios, também fora decidido que os tribunais e juízes do país deveriam adotar medidas para aplicar as chamadas ‘‘audiências de custódia’’, procedimento pelo qual os presos são levados em até 24 horas a um juiz para determinar a necessidade ou não de permanecerem na cadeia antes da condenação.
5.3 Medidas realizadas em âmbito nacional para a redução das violações aos direitos dos detentos
O Ministério da Justiça, questionado pela reportagem do G1 (O GLOB0, 2019) sobre contingenciamento de verbas do Fundo Penitenciário para a construção de novos presídios, informou que desde 2016 não há mais esses bloqueios das verbas, afirmou também que em 2019, mais de R$ 1,1 bilhão do fundo foram liberados para construção, ampliação, aprimoramento e reforma das instalações.
O DEPEN afirmou também para o G1 que pretende ampliar o número de vagas nas penitenciárias, bem como promover a ampliação de parcerias público-privadas e a troca de experiências por meio de diálogos com as Associações de Proteção aos Condenados (APAC’s).
É importante explicar que o presente artigo científico não se alongará no estudo das medidas alternativas de cumprimento da pena como as medidas substitutas da prisão (ex: uso de tornozeleira eletrônica) que já são aplicadas pelos juízes em todo o país, devido a sua brevidade e ao seu enfoque principal, o qual se dá na aplicação do sistema de parcerias público-privadas no setor penitenciário como uma forma de inibir a violação aos direitos fundamentais dos presos, bem como a execução de uma verdadeira ressocialização dos mesmos.
Em 17 de junho deste ano, a Medida Provisória nº 885, editada pelo Governo Federal autoriza a contratação provisória de engenheiros para dar andamento nos projetos de reforma e construção de penitenciárias bem como a elaboração de projetos padronizados de unidades.
O DEPEN possui hoje 94 Contratos de Repasse vigentes e mais 170 pleitos de obras com recursos do Fundo a Fundo (transferência obrigatória). A intenção, de acordo com o DEPEN, é que os engenheiros deem continuidade às análises de projetos passivos e celeridade às obras em andamento. (MINISTÉRIO..., 2019).
Além disso, com a mão de obra reforçada, o DEPEN prevê a entrega 20 mil novas vagas para o ano de 2019 e mais 30 mil para 2020 com intuito de sanar um dos grandes gargalos do sistema prisional, que é o déficit de cerca de 350 mil vagas. (MINISTÉRIO..., 2019).
O objetivo é a ampliação de vagas em presídios bem estruturados, que possam fornecer internamente ocupações laborais para os detentos, o que ajudaria a mantê-los afastados de facções e assim, possibilitaria uma reabilitação em condições mais humanas.
Outras iniciativas ocorreram nos últimos anos, por meio de pequenas alterações na Lei de Licitações (Lei nº 8.666/93) com a finalidade de evitar mais tragédias, como a ocorrida no Presídio de Pedrinhas e em outros inúmeros presídios brasileiros.
A primeira alteração foi a adição do inciso XXXV no artigo 24 da Lei de Licitações, o qual foi incluído pela Lei nº 13.500 de 2017:
Artigo 24. É dispensável a licitação:
XXXV - para a construção, a ampliação, a reforma e o aprimoramento de estabelecimentos penais, desde que configurada situação de grave e iminente risco à segurança pública.
Deve-se admitir a utilização desta hipótese de contratação direta apenas em situações emergenciais, nas quais a submissão à tramitação do processo licitatório se demonstre incompatível com a urgência exigida para a intervenção (‘‘situação de grave e iminente risco à segurança pública’’).
Nas construções de presídios, obras, recuperações e ampliações ordinárias, não identificados os pressupostos legais, deve-se priorizar a adoção do devido procedimento licitatório.
Outra medida que se destina a melhorar as possibilidades de ressocialização do ex-detento e sua reinserção no mercado de trabalho, fora também incluída pela Lei nº 13.500 de 2017, desta vez, a inclusão do parágrafo quinto ao artigo 40:
Artigo 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para o início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:
§ 5º A Administração Pública poderá, nos editais de licitação para a contratação de serviços, exigir da contratada que um percentual mínimo de sua mão de obra seja oriundo ou egresso do sistema prisional, com a finalidade de ressocialização do reeducando, na forma estabelecida em regulamento.
Para Torres (2018, p. 245) trata-se de uma exigência discricionária da Administração Pública, que deverá respeitar as regras estabelecidas em regulamento. Cada unidade federativa possui autonomia para definir os termos para aplicação ou mesmo não aplicação desta regra de fomento à ressocialização de egressos do sistema prisional.
No âmbito federal, foi publicado o Decreto federal nº 9.450, de 24 de julho de 2018, que instituiu a Política Nacional de Trabalho, no âmbito do Sistema Prisional, voltada à ampliação e qualificação da oferta de vagas de trabalho, ao empreendedorismo e à formação profissional das pessoas presas e egressas do sistema prisional, regulamentando o §5º do art. 40 da Lei nº 8.666/93.
Diante da dificuldade em reverter esse quadro dramático em que vive a população carcerária brasileira, alguns doutrinadores e especialistas em Direito Penal já declararam a sua preferência em adotar o modelo de privatização dos presídios, aos moldes do modelo francês e das experiências brasileiras já citadas, dentre eles o professor Luís Flávio Gomes (2002) que considera esses exemplos bem sucedidos:
Incontáveis resistências se levantam, oriundas de desconhecimento, ignorância do tema e da experiência, ou até de má-fé, mas todas, absolutamente todas são "espancadas", quando se discute o tema sem paixões, no plano técnico e racional. É lamentável que diante do desastre do sistema prisional no mundo e das mazelas gigantesca do sistema brasileiro, ainda existam pessoas, que rejeitam até a observação de uma experiência brasileira, que é real e precisa ser estudada. Muitas dessas resistências parte de setores que pretender manter a situação como está, vale dizer, investem na piora do sistema prisional, por interesses menores e até inconfessáveis, ressalvados aqueles que resistem por puro desconhecimento da matéria. Chegará o dia em que a realidade será inegável. Espero que não seja tarde demais. Não estou dando mero palpite, estudei e continuo a estudar essa modalidade de gerenciamento prisional, observando seus resultados no mundo todo e obtive meu grau de Mestre em Direito Penal pela USP, com a tese da privatização de presídios. De minha parte, não me acomodo e continuo a defender essa experiência no Brasil, até porque não admito que a situação atual se perpetue, gerando mais criminalidade, sugando nossos preciosos recursos, para piorar o homem preso que retornará, para nos dar o troco!
Fernando Capez declarou que:
É melhor que esse lixo que existe hoje. Nós temos depósitos humanos, escolas de crime, fábrica de rebeliões. O estado não tem recursos para gerir, para construir os presídios. A privatização deve ser enfrentada não do ponto de vista ideológico ou jurídico, se sou a favor ou contra. Tem que ser enfrentada como uma necessidade absolutamente insuperável. Ou privatizamos os presídios; aumentamos o número de presídios; melhoramos as condições de vida e da readaptação social do preso sem necessidade do investimento do Estado, ou vamos continuar assistindo essas cenas que envergonham nossa nação perante o mundo. Portanto, a privatização não é a questão de escolha, mas uma necessidade indiscutível é um fato. (CAPEZ apud SANTOS, 2008)
Para Moura (2011, p. 29) esse modelo possui muitas vantagens para o Estado, visto que a empresa privada pode comprar bens e realizar obras, de uma forma mais célere e econômica, visto que não há a exigibilidade de realizar procedimentos licitatórios, bem como promover a demissão, sem a exigibilidade de processo administrativo, diante de fraudes e infrações de seus empregados. Diante dessas constatações, é pertinente a movimentação do debate em torno de uma maior aplicação dessa medida pelos Estados brasileiros.
O presente artigo procurou analisar as Parcerias Público-Privadas como uma alternativa viável para atender as demandas constitucionais de garantia dos direitos fundamentais dos presos, e também para evitar os gastos excessivos do Estado com os serviços públicos, visto que, boa parcela dos gastos relativos à construção e manutenção dos presídios seria transferida para os gestores privados.
As vantagens advindas dessa parceria ajudariam a manter o equilíbrio fiscal dos Estados em um cenário nacional de baixo crescimento econômico e aumento considerável de desempregados, os quais são o combustível ideal para o crescimento de outras mazelas sociais como violência, doenças e analfabetismo.
As desvantagens que foram citadas se originariam do retorno financeiro das empresas privadas responsáveis por estes presídios. Os opositores alegam que esses tipos de parcerias com o setor privado poderiam fomentar o ‘‘encarceramento’’ de mais pessoas, somente para o auferimento de um maior lucro por preso, também alegam a menor fiscalização e segurança dos presos, bem como uma menor qualidade dos serviços alimentícios, psicológicos e de hospedagem dos detentos.
Entretanto, esses problemas foram levantados na administração de presídios americanos, de modo que é importante ressaltar que no Brasil, devido ao pequeno número de presídios administrados por meio de parceria público-privada, não há ainda constatações de descasos e violações de direitos fundamentais dos presos, pelo contrário, os presídios explorados pela iniciativa privada com utilização do modelo de PPP nos Estados de Alagoas, Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina e Minas Gerais mostraram resultados satisfatórios, dentro da exigência da legislação brasileira e dos parâmetros internacionais de respeito aos direitos humanos.
É notório que diante da realidade dos presídios públicos brasileiros, de profunda degradação e violação de direitos, as Parcerias Público-Privadas mostram-se como uma solução viável para garantir o mínimo que é exigido na Lei Maior, na Lei de Execução Penal e nas normas internacionais que o Estado Brasileiro adere. A celeridade e melhoria da qualidade da prestação dos serviços, a redução dos gastos estatais, geram benefícios não apenas para o Estado ou para o preso, mas para toda a sociedade, que se beneficiará com a integração de um cidadão, e não a recolocação de um ‘‘criminoso’’ novamente no seio social.
Não se pretende esvaziar o debate, mas sim fomentá-lo com novas perspectivas sobre esse cenário social, que envolve não só o Direito Penal ou Administrativo, mas também outras áreas como a Administração, Sociologia, Psicologia, Política, dentre tantas outras. Devido a pouca abordagem desse tema nos meios políticos e midiáticos, visto que, o imaginário social ainda é povoado com a ideia falaciosa do ‘‘bandido bom é bandido morto’’, esse artigo buscou apresentar a realidade desse tipo de contratação, que é a Parceria Público-Privada, seus benefícios, malefícios, bem como a necessidade e a urgência de esforços para a implantação de medidas em curto prazo, como forma de evitar mais massacres e desrespeitos aos direitos fundamentais daqueles que se encontram diariamente no interior dos cárceres brasileiros.
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Advogada, Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará, Pós-Graduada em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá e Pós- Graduanda em Direito Empresarial pela Faculdade Legale.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MATOS, MAÍRA MESQUITA. A utilização de parcerias público-privadas como instrumento pacificador e restaurador da dignidade humana dos detentos nas penitenciárias brasileiras Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jul 2020, 04:21. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54872/a-utilizao-de-parcerias-pblico-privadas-como-instrumento-pacificador-e-restaurador-da-dignidade-humana-dos-detentos-nas-penitencirias-brasileiras. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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