LUMA ARAUJO DA ROCHA SILVA
(coautora)
Artigo de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário – UNINOVAFAPI como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Me. ALEXANDRE AUGUSTO BATISTA DE LIMA
RESUMO: O presente artigo compromete-se em analisar a Constitucionalidade da atuação do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26, em que houve a equiparação do crime de homofobia ao racismo, tendo como base o voto do ministro relator Celso de Mello, que foi a favor de tal equiparação, e o ministro Ricardo Lewandowski, como voto contrário da maioria. Com os objetivos de esclarecer a cerca dos conceitos e definições da comunidade LGBTQI+ e examinar se houve o descumprimento do dever de criminalizar a homofobia e transfobia no Brasil, bem como a performance do STF como legislador positivo. Foram utilizados como fonte os artigos disponíveis nas bases de dados Google Acadêmico, Scielo, assim como livros e revistas que foram analisados por meio de um ritual de revisão de literatura. Quanto aos resultados, constatou-se que o STF extrapolou sua competência, ferindo os princípios da separação dos poderes, legalidade e reserva legal; intervindo sobre matéria exclusiva do Poder Legislativo. Concluindo-se, assim, que a melhor solução seria a criação de uma lei específica pelo órgão competente – Congresso Nacional, reconhecendo o direito de igualdade e assegurando o princípio da dignidade humana.
Palavras-chave: Homofobia. Racismo. Minorias. Criminalização. Legislador positivo.
ABSTRACT: This article is committed to analyzing the constitutionality of the action of the Supreme Federal Court in the judgment of Direct Action of Unconstitutionality for Omission No. 26, in which there was an equation between the crime of homophobia and racism based on or voting on the rapporteur of Minister Celso de Mello who was in favor of equalization and of Minister Ricardo Lewandowski as a majority vote. With the objective of clarifying the concepts and definitions of the LGBTQI + community and examining whether or not there was a duty to criminalize homophobia and transphobia in Brazil, as well as a performance by the STF as a positive legislator. It was used as a source of articles available in the Google Scholar databases, Scielo, as well as books and magazines that were analyzed through a literature review ritual. Regarding the results, it can be seen that the Supreme Court extrapolates its competence, violating the requirements of the norms of powers, legality and legal reserve, intervening on matters exclusive to the legislative power. In conclusion, the best solution would be the creation of a specific law for the competent body, the National Congress, the recognition of the right to guarantee and guarantee the right to human dignity.
Keywords: Homophobia. Racism. Minorities. Criminalization. Positive legislator.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 SURGIMENTO DO GRUPO LGBTQI+. 3 A INÉRCIA DO PODER COMPETENTE EM CRIMINALIZAR A HOMOFOBIA. 4 IMPORTÂNCIA DA CRIMINALIZAÇÃO CONSTITUCIONAL DO RACISMO. 4.1 O Supremo Tribunal Federal como órgão legislador na criminalização da homofobia. 4.2 O princípio da legalidade e princípio da reserva legal diante do julgado da ADO nº 26. 4.3 Análise do voto ministro relator Celso de Mello. 4.4 Análise do voto do Ministro Ricardo Lewandowski. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇAO
A comunidade LGBTQI+, que assim pode ser determinada para caracterizar lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queer, intersexuais, dentre outras, nasceu com intuito de reunir forças e lutar contra a homofobia existente há séculos sobre a sexualidade e identidade de gênero das pessoas que assim se identificam.
A Homofobia consiste na intolerância, discriminação ou qualquer manifestação de repúdio à homossexualidade e à homoafetividade. A repulsa às diferentes formas de orientação sexual representa um desrespeito às liberdades básicas garantidas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e pela Constituição Federal.
Em 23 de dezembro de 2013, o Partido Popular Socialista (PPS) ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão, que tem como foco a criminalização da homofobia, pois bem, podemos saber que até o momento não existem leis em nosso código penal que tratem sobre a questão. No ano de 2019, por maioria dos votos determinou-se que a conduta passaria a ser punida pela Lei de Racismo (7716/89), que hoje prevê crimes de discriminação ou preconceito por "raça, cor, etnia, religião e procedência nacional". Sob essa perspectiva o entendimento do STF não extrapola a sua competência?
O artigo tem como objetivo geral a análise da legitimidade do STF na decisão da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) Nº 26 em que há equiparação dos crimes de homofobia ao crime de racismo. Tendo como objetivos específicos analisar os conceitos e definições do grupo LGBT, verificar o descumprimento do dever constitucional de criminalizar a homofobia e a transfobia no Brasil e discutir a atuação do STF como órgão legislador.
Diante da fragilidade do grupo LGBT no Ordenamento Jurídico Brasileiro e a inércia do Poder Legislativo em protegê-los, o tema nos remete a refletir até que ponto o Poder Judiciário pode adentrar nas funções do legislativo, pois tem-se poderes divididos, com funções típicas e atípicas na Constituição Federal.
A revisão sistemática da literatura foi adotada como método de agrupamento dos dados, indexados nas bases de dados SCIELO, Google Acadêmico, livros e revistas, em síntese do conhecimento acerca da temática proposta, de modo a responder à questão norteadora.
Os resultados foram apresentados em quatro tópicos e seus subtópicos a saber: O surgimento do grupo LGBTQ+, a inércia do poder competente em criminalizar a homofobia, o Supremo Tribunal Federal como órgão legislador na criminalização da homofobia, o princípio da legalidade e o princípio da reserva legal diante do julgado da ADO nº 26, a análise do voto do ministro relator Celso de Mello e análise do ministro Ricardo Lewandowski.
2 SURGIMENTO DO GRUPO LGBTQI+
Neste tópico será abordado o surgimento do grupo LGBTQI+ (lésbicas; gays; bissexuais; transexuais; queer, intersexuais e entre outras), bem como o seu significado, o que representa, a diferenciação de questões terminológicas, a fim de esclarecer as questões de gênero, sexualidade, bem como evidenciar os problemas enfrentados por essa comunidade.
Diante de muitos movimentos existentes no Brasil, o grupo LGBTQI+ - que está relacionado ao objeto de pesquisa - tem ganhado ao decorrer desses anos muita visibilidade e espaço em discussões no âmbito judiciário. Por muitos anos, esse movimento vem enfrentando lutas, violências, discriminações e preconceitos.
A expressão LGBT consagrou-se no Brasil em 08/06/2008, na I Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais, incluindo-se também “queer”, “intersexuais”, as “assexuais” e todas as demais pessoas inseridos por sua orientação sexual ou identidade de gênero (LGBTQI+) (SIMÕES & FACCHINI, 2009).
Conforme o autor Alves Junior (2012), as diversas formas de expressão da diversidade sexual humana derivam com base nos aspectos fundamentais e estruturantes da identidade de cada pessoa. Como, durante anos, a homossexualidade era considerada por muitos psicólogos e psiquiatras como um transtorno de personalidade ou transtorno sexual, no ano de 1973 foi desmitificada essa teoria pela APA (American Psychological Association). Partindo desse parâmetro, entende-se que a sexualidade humana envolve aspectos da personalidade e da natureza interna de cada pessoa (BRASIL, 2019).
De acordo com Constituição Internacional de Juristas e do Serviço Internacional de Direitos Humanos, a orientação sexual define-se como a capacidade de cada pessoa ter uma atração emocional, afetiva ou sexual por indivíduos do mesmo gênero, de gênero diferente ou de mais de um gênero. Já a identidade de gênero, caracteriza-se pela experiência interna e individual de cada pessoa que pode ou não corresponder ao sexo do seu nascimento (FREITAS, 2007).
Após encontrarem melhores entendimentos e interpretações da homossexualidade, surgiu um novo termo relacionado a este acontecimento, a homofobia. Segundo Costa e Nardi (2015), o termo homofobia refere-se à conceitualização da violência e discriminação contra indivíduos que apresentem orientação sexual diversa da heterossexual. O que causou um grande aumento da desigualdade social, de modo que as pessoas estão cada vez mais intoleráveis e menos empáticas umas com as outras (BRASIL, 2019).
Conforme Dias (2012), a homofobia compreende qualquer ato ou manifestação de ódio ou rejeição a homossexuais, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. Essa denominação abrange outras expressões, como lesbofobia, bifobia e transfobia, que dão ainda mais visibilidade à intolerância em todos os seus âmbitos devido à aversão que os homofóbicos têm a qualquer atitude vinda desse grupo.
A partir dessas considerações, é claro que a liberdade e a realidade de cada ser humano são caracterizadas por valores compostos por sua essencialidade, sendo cada um responsável por seu próprio destino, e esse preconceito e discriminação da sociedade permitem que o grupo LGBTQI+ possa lutar pelos seus direitos de exercer, de forma livre, as prerrogativas inerentes a toda a sociedade, para que as pessoas pertencentes a eles possam ter acesso à liberdade estatal e sejam reconhecidas como pessoas/cidadãos perante a lei.
3 A INÉRCIA DO PODER COMPETENTE EM CRIMINALIZAR A HOMOFOBIA
A Constituição de 1988, tem em seu texto a garantia da “não-discriminação” como direito fundamental, com base no princípio da igualdade. Tal igualdade, de acordo com Silva (2013), constitui característica imprescindível de Democracia, não permitindo privilégios e distinções que um Regime Liberal consagra.
Afirma Dias (2014), que a igualdade e a justiça são como valores primordiais para uma sociedade pluralista e sem preconceitos. A Constituição Federal (art. 1º, III) tem como um dos seus objetivos fundamentais proporcionar o bem de todos, sem preconceito de raça, origem, cor, sexo, igualdade ou qualquer outra forma de discriminação. Assegurando ainda que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.
A Constituição Federal (1988) adotou o direito penal como mecanismo responsável para defender os direitos humanos, que de acordo com Nucci (2020, p.73), “É o conjunto de normas jurídicas voltado à fixação dos limites do poder punitivo do Estado, instituindo infrações penais e as sanções correspondentes, bem como regras atinentes à sua aplicação”. Sendo responsável pela tipificação criminal de condutas contra os grupos vulneráveis, que tanto sofrem violências.
A nossa Constituição tem caráter Dirigente, definindo tarefas à serem concretizadas, sendo a do poder legislativo criar leis, e caso isso não ocorra geram o fenômeno chamado de omissão constitucional. O que levou ao ajuizamento da ADO nº 26, devido à omissão do legislativo durante muitos anos para a criminalização da homofobia e da transfobia (SIQUEIRA; SANTANA, 2019).
A ADO, é um instrumento criado para realizar o controle de constitucionalidade, combatendo a inaplicabilidade efetiva das normas constitucionais, exemplifica Silva (2013, p.49) da seguinte maneira:
A Constituição, por exemplo, prevê o direito de participação dos trabalhadores nos lucros e na gestão das empresas, conforme definido em lei, mas, se esse direito não se realizar, por omissão do legislador em produzir a lei aí referida e necessária à plena aplicação da norma, tal omissão se caracterizará como inconstitucional. Ocorre, então, o pressuposto para a propositura de uma ação de inconstitucionalidade por omissão, visando obter do legislador a elaboração da lei em causa.
O STF, até o ano de 2007, realizava seus julgamentos de ADOs baseado na posição não concretista, de forma que o STF apenas reconhecia a omissão do Poder Legislativo, não podendo criar as leis que eram objetos da ação, ou seja, não atuava como legislador positivo. Após 2007, houve um novo entendimento jurisprudencial que passou a adotar a posição concretista geral, sendo que, além de declarar a omissão legislativa, passou a aplicar legislação infraconstitucional já existente e/ou determinar prazo para que o legislativo crie a norma requerida. Mas é importante ressaltar que esse entendimento é direcionado aos Mandados de Injunção e não as Ações de Inconstitucionalidade, como é o caso do objeto de estudo (TEXEIRA, 2019).
Dessa forma, quanto a inércia da criminalização da homofobia e da transfobia, o autor da ADO nº26/DF expõe que esses atentados discriminatórios estariam inclusos nos mesmos comportamentos definidos à ideia de racismo mas que a Lei nº 7.716/89 – Lei do Racismo, referiu-se somente a discriminação oriunda de preconceitos de cor, etnia, religião ou procedência nacional, excluindo assim as inúmeras outras formas de racismo que o art. 5º, inciso XLII, da Constituição Federal visa proteger (CABRAL, 2019).
Verifica-se, então, a omissão do Poder Legislativo quanto a ausência da conduta exigida pela Constituição, conforme o artigo 5º XLI, que diz: “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. Tendo assim, demonstrado-se inerte quanto à criação de normas incriminadoras para atos atentatórios aos direitos e liberdades fundamentais do grupo LGBTQI+ (BRASIL, 2019).
4 IMPORTÂNCIA DA CRIMINALIZAÇÃO CONSTITUCIONAL DO RACISMO
No Brasil, encontra-se uma grande diversidade de cidadãos em diferentes aspectos, tais como etnia, nacionalidade, cultura, religião, orientação sexual e de gênero, cor, entre outros, tornando-se assim um Estado conhecido mundialmente por sua excentricidade (ALMEIDA e CASTRO, 2017).
Durante anos, sofremos com a prática discriminatória enraizada em nossa sociedade, levando ao Poder Legislativo a criação de leis específicas para garantir os direitos fundamentais, elencados em princípios e artigos da Constituição Federal de 1988, podendo-se, inclusive, grifar o artigo 5º nos seus incisos XLI e XLII, que criminalizam a prática do racismo e abominam qualquer tipo de discriminação. Logo, um ano após a promulgação da Constituição, surge a lei 7.716/89, trazendo em seu corpo medidas para combater o preconceito e discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, sendo essa uma alteração dada pela lei 9.459/1997. Porém nada se fala sobre discriminação de pessoas com orientação sexual homoafetiva e de gênero (ALMEIDA e CASTRO, 2017).
A Constituição Federal/88 assegura em seu art. 5º, inciso XLII, que: “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”, nesses termos garante não só a discriminação em virtude da raça, mas também, como cabe a obrigação ao Congresso Nacional incriminar os atos atentatórios provenientes de preconceitos em face da orientação sexual ou identidade de gênero (BRASIL, 2019).
É evidente que o art. 5º, e seus incisos, trata no seu título II, os “Direitos Fundamentais” - conceituado por Pinho (2019) - como os indispensáveis ao ser humano, que asseguram a todos uma existência digna, livre e igual. Dessa forma, o Estado tem o dever de concretizá-los e aplicá-los ao cotidiano dos cidadãos.
Entende-se, assim, que os direitos fundamentais se referem a direito subjetivo, e que, por sua vez, são de aplicação imediata, conforme o art. 5º, § 1º, da Constituição Federal, Martins (2014), pontua que os brasileiros e estrangeiros têm o direito de ver a concretização do texto da Constituição. Quando estes vierem a sofrer racismo, exigindo a garantia da legislação penal que pune todos os que praticarem tais atos discriminatórios.
Silva (1967), explica que as normas constitucionais se dividem em self-executing provisions e not-executing provisions, respectivamente, significando autoaplicáveis e não autoaplicáveis. As self-executing são referentes às normas de plena eficácia jurídica, ou seja, não há necessidade de normas infraconstitucionais. Já as not-executing, são as normas que dependem de complemento de leis ordinárias. De forma que a norma abordada no inciso XLII do art. 5º da CF/88 é uma norma não auto executável. Logo, quando o constituinte cria a norma para que tipifiquem o crime de racismo, o cumprimento passa a ser responsabilidade do legislador ordinário (BRASIL, 1988).
Nesse sentido, a fim de fazer jus à determinação da Carta Magna, o legislador ordinário proferiu, a Lei 7.716/89, que tipifica os crimes em decorrência de preconceito de raça ou cor. Analisando-se que à época tipificaram apenas, como mostra seu artigo 1º, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Sendo válido ressaltar que nada referente a crimes de orientação sexual ou identidade de gênero, apesar de inúmeros acontecimentos de homofobia e transfobia no Brasil (CABRAL, 2019).
Conforme a premissa de Pinho (2016), a separação de poderes surgiu para contrariar o Absolutismo, visando evitar a concentração do poder nas mãos de uma pessoa só. Com isso, foram atribuídas funções governamentais para cada órgão independente e especializado, ficando então distribuídas como Legislativo, Executivo e Judiciário. Contando que o Legislativo tem como função típica elaborar leis e o Judiciário, a responsabilidade para distribuir justiça e aplicar leis aos casos concretos, em litígios. Dessa forma, é necessário o exame da atuação do STF (Poder Judiciário) e se agiu conforme o seu papel diante da ausência do Poder Legislativo.
O STF é o órgão de cúpula do Poder Judiciário e a ele compete, precipuamente, a guarda da Constituição, conforme definido no art. 102 da Constituição da República (1988). Entre suas principais atribuições está a de julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, a arguição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da própria Constituição e a extradição solicitada por Estado estrangeiro (BRASIL, 2019).
Segundo Barroso (2019), a principal função e objetivo dos Tribunais Constitucionais ou Supremas Cortes é cumprir a Constituição, protegendo-a de todas as ameaças e omissões, independente se vindo de particulares ou de outros poderes. O controle de constitucionalidade é utilizado para impedir que uma lei criada pelo Poder Legislativo (preferência dada à sua função típica), venha a confrontar princípios ou artigos do texto constitucional ou em casos de inércia na produção de normas expressas na Constituição.
Em princípio, o Brasil e alguns outros países da Europa têm uma postura diferente da judicial review, dos Estados Unidos, que se limitam a declarar uma lei constitucional. No Estado brasileiro, a jurisdição constitucional desempenha algumas funções a mais do que somente analisar leis vindas do poder legislativo. Dentre elas estão:
A aplicação direta da Constituição a determinadas situações, com atribuição de sentido a determinada cláusula constitucional; a interpretação conforme a Constituição e a criação temporária de normas para sanar hipóteses conhecidas como de inconstitucionalidade por omissão, que ocorrem quando determinada norma constitucional depende de regulamentação por lei, mas o Legislativo se queda inerte, deixando de editá-la (BARROSO, 2019, p. 470).
A atuação do Supremo Tribunal Federal também pode ser definida como o fenômeno chamado de Ativismo Judicial, que consiste em o poder judiciário assumir responsabilidades além de sua competência observando assim uma atuação excessiva do judiciário. Para muitos estudiosos, como o jurista Streck (2013) apud Gonçalves; Caldas e Portilho (2020) o ativismo judicial pode ser uma ameaça à democracia e ao princípio da separação de poderes, de forma que, esse fenômeno deriva dos entendimentos pessoais dos juízes e dos tribunais.
A princípio o STF estabeleceu que sendo procedente a declaração da omissão de inconstitucionalidade o órgão competente seria informado para tomar as providências necessárias a fim de sanar a omissão. Porém de acordo com o ministro Gilmar Mendes (2014) apud Gonçalves; Caldas e Portilho (2020) devido à demora para corrigir a inconstitucionalidade, a decisão proferida pode adotar medidas para regularizar a matéria omissa, mas desde que tenha um prazo certo ou até que o Poder Legislativo edite a lacuna existente. Assim entende-se que o Tribunal não tem como finalidade ser legislador positivo, mas sim de garantir o cumprimento das premissas da Constituição Federal por força de decisão judicial.
4.2 O princípio da legalidade e princípio da reserva legal diante do julgado da ADO nº 26
Ao longo dos anos, os órgãos do Poder Judiciário, em especial o STF, este abarrotado de demandas, vem sendo o pacificador de diversas matérias, legisladas ou não, que aparentemente não estão em comunhão com a Carta Magna ou simplesmente nunca existiram. Os diferentes litígios e a busca pela efetividade dos direitos levaram a Corte Suprema a comportar-se como legislador positivo e, assim, o fazendo por diversas vezes em ações diretas de inconstitucionalidade por omissão ou por mandados de injunção, usurpando de forma clara a função do Poder Legislativo, ferindo o princípio da separação dos poderes e da legalidade, elencados pelo constituinte originário (SILVA, 2016).
Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 26, que trata da criminalização da homofobia chegou ao STF para que ele analisasse os pedidos de (1) reconhecimento da omissão legislativa; (2) aplicação da lei de racismo e (3) ordem para o poder legislativo editar tal norma.
O STF, em seu controle concentrado, verificando a mora legislativa na (ADO 26) tem o papel de informar ao poder competente que ele crie uma legislação indicada pela lei maior como um poder-dever, para que seja garantido o direito de não discriminação considerado essencial à vida humana; não podendo acatar o pedido de aplicação da lei de racismo, pelo fato de, o ato de criar uma tipificação penal sobre identidade de gênero e sexual dos indivíduos, viola a reserva legal que é exclusiva do poder legislativo e fazendo analogia a um malam partem proibido por norma legal (CABRAL, 2019).
Na Constituição Federal/88, art. 5º, XXXIX, prevê que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, assim se encontra o princípio da legalidade de forma, que só se considera crime alguma conduta, caso esta esteja prevista em lei (BRASIL, 1988). Conforme Bitencourt (2017), as normas penais são de função exclusiva de lei, de forma que não pode aplicar nenhuma pena sem que antes exista uma lei definindo-o como crime.
Ainda explica que o princípio da reserva legal significa que a estruturação de algumas matérias deve ser realizada, precisamente, por intermédio de lei formal, conforme o previsto na Constituição Federal. Com isso, assegura que compete, privativamente, à União legislar sobre matéria de Direito Penal, com base no art. 22, I, CF/88.
O doutrinador Nucci (2019) diz que a legalidade faz o poder do Estado Absoluto ser conduzido pela vontade do povo, por meio de seus representantes, para poder criar delitos e penas; e que a tripartição dos Poderes ainda complementa para o Estado, permitindo que o legislativo seja o responsável pela criação da lei penal, sendo função do Judiciário aplicá-la, na prática, com apoio do Executivo, que garante a polícia e o aparato estatal repressivo, quando necessário.
Dessa forma, percebe-se que o princípio da legalidade tem como finalidade impedir e acabar com a persecução penal do responsável por cometer, em determinado período, uma conduta não tipificada em lei penal, que depois venha a ter sido prevista. Seguindo a premissa da Carta Magna de que não há lei sem prévia determinação legal (CABRAL, 2019).
Segundo Greco (2019), existe uma diferença entre o princípio da legalidade e o da reserva legal, sendo o princípio da legalidade uma premissa que permite a aplicação de todos os instrumentos dispostos no art. 59 da Constituição Federal, como: leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos, resoluções; de maneira oposta ao princípio da reserva legal, que se limita à criação legislativa, no caso de matéria penal, permitindo somente as leis ordinárias e as complementares. Sendo assim, não é de competência do STF reconhecer ou criar uma lei que criminalize a homofobia.
4.3 Análise do voto ministro relator Celso de Mello
No dia 08 de junho de 2019, o STF veio a decidir por 8 (oito) votos a 3 (três) a criminalização da homofobia equiparada ao crime de racismo. Neste dia a corte atendeu parcialmente aos pedidos realizados pelo Partido Popular Socialista (PPS) e a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT). No decorrer deste capítulo será analisado o voto do ministro relator Celso de Mello, no julgamento da ADO nº 26 (BRASIL, 2019), o qual, a princípio, faz um apanhado da inicial do PPS e esclarece termos como identidade de gênero e orientação sexual, que são muito importantes para entender a extensão da personalidade humana.
A atuação do STF no julgamento da ADO nº 26 age em conflito com o Princípio da Separação de Poderes e o próprio ministro Celso de Mello aponta em seu voto que o Poder Judiciário não dispõe de função legislativa e passaria a desempenhar atribuição diversa da que lhe é devida, dentro de um sistema que adota os poderes limitados, contrariando, assim, o princípio constitucional da separação de poderes. Em vista disso, é função do Congresso Nacional legitimar os direitos fundamentais da população, vindo a ser um dos pedidos do PPS a solicitação de fixação de prazo para que o mesmo aprovasse lei referente à matéria, o que não aconteceu.
Mas, por outro lado, o ministro também alega que caso o STF não resguardasse os princípios constitucionais, sanando a falha do legislativo, agiria de forma omissa, já que a necessidade de proteção nos atos da vida civil são normas supralegais conservadas pela Carta Magna. Nesse aspecto o ministro motiva a inclusão da homofobia na lei de racismo da seguinte maneira:
Condutas contrárias à liberdade de orientação sexual possuem nítido caráter discriminatório e violador da dignidade do ser humano, em patente confronto com esse conjunto de normas constitucionais. A homofobia decorre da mesma intolerância que suscitou outros tipos de discriminação, como aqueles em razão de cor, procedência nacional, religião, etnia, classe e gênero (BRASIL, 2019, p. 70).
Dessa forma, o racismo, a homofobia e a transfobia são atos discriminatórios que têm em comum o objetivo de inferiorização do ser humano, tendo a lei 7.716/89 o fundamento de criminalizar tais atos. Mas cabe salientar que o grupo LGBT, por ser constituído de minorias e grande número de vítimas de preconceito e violência, carece de uma proteção maior do Estado. Diz ainda o ministro:
Se o Congresso Nacional, no entanto, a despeito de cientificado por esta Corte de sua omissão, deixar de adotar as providências cabíveis no prazo estipulado, legitimar-se-á, segundo jurisprudência firmada por esta Corte, a possibilidade do Supremo Tribunal Federal formular solução jurisdicional que viabilize, enquanto não sobrevier a legislação reclamada, a aplicação da norma constitucional impregnada de eficácia limitada (BRASIL, 2019, p. 68).
Em seu discurso, o ministro relator, traz a ideia de que o STF é o guardião da Constituição Federal deliberado pela própria Assembleia Nacional Constituinte, e que dessa forma, cabe-lhe assegurar a proteção e o respeito ao “texto sagrado da Constituição Democrática do Brasil”. Portanto, compete à Suprema Corte zelar pela integridade dos direitos fundamentais de todos e repudiar condutas governamentais abusivas.
Em suma, é indubitável a existência de diversos grupos e indivíduos e ao contrário do que declara o ministro relator, existem uns mais superiores que outros e a ausência de tutela judicial ao grupo minoria LGBTQ+ evidencia a proteção insuficiente do bem jurídico a ser tutelado que fere o sistema constitucional.
4.4 Análise do voto do Ministro Ricardo Lewandowski
O ministro Lewandowski, por outro lado, tem sua análise voltada para a igualdade, sendo a luta pelo reconhecimento um dos maiores motivos de contestação pelos direitos humanos dos grupos minoritários. De modo que assimilar a outras normas já existentes ou culturas não se trataria de um gesto de igualdade.
É necessário evidenciar a importância do reconhecimento, que são imprescindíveis para a autorrealização, a felicidade e a autoconfiança, que já foram até matéria jurisprudencial em que se discute a respeito da busca pela felicidade que é o “verdadeiro postulado constitucional implícito e expressão de uma ideia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana”. Com isso, compreende-se a necessidade de uma legislação criminal específica, para suprir a carência de tutela jurisdicional para o grupo LGBTQ+ (BRASIL, 2011).
Ademais, grupos estes minoritários, grandes vítimas de preconceito e violência, necessitam de uma proteção especial do Estado. Diante do texto da Constituição (1988), em seu art. 5º, XLI, “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”, ressalta a importância e obrigatoriedade da criminalização desses atos discriminatórios (BRASIL, 2019). Destaca-se os seguintes achados da fala do ministro a respeito da omissão legislativa:
A omissão parlamentar em cumprir o mandado de criminalização, nos casos de que ora se trata, pode ser compreendida como um fenômeno que, mais do que jurídico, é político: como explica Ran Hirschl, com a ascensão do conceito de supremacia constitucional em todo o mundo, os tribunais tornaram-se instituições sensíveis aos reclamos de grupos sistematicamente excluídos da esfera política, contando com o apoio – explícito ou implícito – dos atores políticos, os quais, ao transferir sua responsabilidade para as instituições judiciais, evitam sua responsabilização política por decisões impopulares (BRASIL, 2019, p. 9).
O referido ministro trata de pontos importantes, como um comparativo com os crimes tipificados pela violência contra mulher, pelo fato de que morrem mais homens do que mulheres, em virtude de violência. No entanto, as mulheres morrem de uma forma que apenas elas são vítimas, em virtude do menosprezo ou pelo simples fato de serem mulheres Diniz, Gumieri (2018) apud Lewandoswski (2019). A tipificação de crimes como o feminicídio e Lei Maria da Penha, são vistos como uma vitória para esse grupo que tanto carecia de reconhecimento e proteção devido à violência de gênero e denegação histórica, o que demonstra necessidade de uma criminalização para esses grupos minoritários e o reconhecimento da mora legislativa.
A partir dos dados anual do disk 100 de 2018, fornecidos pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), as denúncias de violações de direitos humanos contra a comunidade LGBTQI+ somaram 1.685 casos resultando em 2.879 violações reportados. Todavia, é sabido que a realidade desses números é bem maior- tanto quanto as queixas não registradas, quanto os crimes que nunca chegaram a essa estatística. Destas, 70,56% são referentes à discriminação, seguida por violência psicológica – que consiste em xingamentos, injúria, hostilização, humilhação, entre (BRASIL, 2019).
Dessa maneira, a criação de uma norma de eficácia, com especificidade, acarretaria em uma mudança cultural. E a demonstração de repúdio para tais atos de violências contra esses grupos, tornar-se-iam legalmente protegidos e reconhecidos.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Levando-se em consideração todos esses aspectos que foram apresentados, faz-se necessário relembrar o objetivo geral do presente estudo: Na criminalização da homofobia equiparada ao racismo, o STF não extrapola sua competência?
Diante das pesquisas apresentadas, constata-se que o Brasil é um país com grande número de casos de homofobia comparado ao mundo, em virtude de questões de sexualidade e gênero, fato que acarretou a luta durante muitos anos do grupo LGTBQI+ em busca de reconhecimento.
Com isso, é evidente a inércia do Legislativo na criação de leis para combater a prática de homofobia, afastando-se da sua função típica de legislar, deixando assim de garantir um dos objetivos da Constituição Federal, de 1988, o qual seja promover o bem de todos sem qualquer preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Por conseguinte, isso levou a atuação do STF no julgamento da ADO nº 26, a qual criminalizou a homofobia e se fez perceber a inaplicabilidade efetiva dos princípios da separação dos poderes, legalidade e, principalmente, da reserva legal, que garante privativamente ao Direito Penal a criação de leis incriminadoras, sendo esta matéria exclusiva do Legislativo.
É notório que para o ministro Celso de Mello, o grupo LGBTQI+ busca os mesmos objetivos de proteção que são amparados pela lei do racismo, isto posto, diante da omissão do legislativo, o STF como guardião da Constituição, considerou-se no dever de resguardar os direitos que lhe são assegurados, reconhecendo assim a homofobia como crime de racismo. Contudo é explícito que diante das pesquisas apresentadas, essa função não cabe ao judiciário o que ocasiona a violação do princípio da separação de poderes.
À vista disto, chegamos à conclusão que a criminalização da homofobia pelo STF não foi a melhor saída, pois sua função era apenas de reconhecer a omissão e encaminhar ao Legislativo, como foi apontado pelo ministro Lewandowski, para aquele sanar a lacuna existente, de forma que o grupo LGBTQI+ lutou por volta de 13 anos em busca do reconhecimento do poder público, para a criação de uma legislação específica a fim de dar visibilidade à discriminação, opressão, desigualdade e violência sofridas por essa comunidade. Logo, com essa atuação do STF tornaram-se alvos de entendimentos pessoais dos juízes, e não da premissa assegurada pela Carta Magna.
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Bacharelanda no curso de Direito pelo Centro Universitário – UNINOVAFAPI
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARRUDA, Janaina Moreira Maciel. A criminalização da homofobia: equiparação ao crime de racismo sob a ótica do Supremo Tribunal Federal—Análise da ADO nº 26 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 jul 2020, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54895/a-criminalizao-da-homofobia-equiparao-ao-crime-de-racismo-sob-a-tica-do-supremo-tribunal-federal-anlise-da-ado-n-26. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: LEONARDO DE SOUZA MARTINS
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