Resumo: O objetivo deste estudo é demonstrar que houve uma nítida evolução no que diz respeito aos critérios adotados pelos desembargadores das Turmas do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF/4) quanto à concessão da assistência judiciária gratuita (AJG), se comparadas decisões dos anos de 2016/2017 com decisões dos últimos meses. Propõe-se a demonstrar os abismos que havia entre decisões que analisavam situações semelhantes e que acabavam por deferir AJG a indivíduos com alto poder aquisitivo e indeferi-la a outros com rendimentos mensais baixos, e como tal anacronismo gerava enorme insegurança jurídica, já que o jurisdicionado não sabia por quais parâmetros deveria se pautar para pedir AJG, e como isso mudou com a atual composição das referidas Turmas, pois atualmente se verifica uma maior homogeneidade em tais decisões. Pretende, ainda, demonstrar que não é inédita a existência de balizas claras para a concessão da justiça gratuita, já que na legislação brasileira há diversos exemplos de normas que preveem objetivamente quem pode ser beneficiado por políticas públicas, além de demonstrar que outros órgãos do estado brasileiro também se guiam pelos valores de rendimentos da população como forma de eleger quais cidadãos poderão se utilizar dos seus serviços gratuitamente.
Palavras-chave: Assistência judiciária gratuita; Concessão; Falta de critérios; Evolução jurisprudencial; Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Sumário: 1. Introdução – 2. Conceito e abrangência da justiça gratuita – 2.1 Os beneficiários, os critérios legais para a concessão e o que pensa a doutrina a respeito – 3. Análise das decisões do TRF da 4ª Região: quais são os critérios norteadores para a concessão do benefício da AJG? – 3.1 A evolução das decisões do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: a busca por critérios claros – 4. A adoção de critérios de renda por outros órgãos e em outras leis brasileiras – 5. Considerações finais – 6. Referências.
1.Introdução
Sabe-se que grande parte dos cidadãos que ingressam na justiça a fim de buscar o direito que entendem violado pedem o benefício da gratuidade judiciária. Com ele, pretendem livrar-se das custas processuais ordinárias, bem como de eventual condenação sucumbencial, em caso de ser julgada improcedente a demanda que iniciaram.
Na Justiça Federal de Porto Alegre/RS, estado dos mais litigantes da República[1], não é diferente. Sobre esse ponto, chama a atenção a evolução nos critérios utilizados nas decisões que tratam do tema, já que, até poucos anos atrás, não era tarefa fácil identificar-se um norte balizador para esses posicionamentos judiciais.
Como se verá no decorrer deste estudo, tanto para conceder como para negar a assistência judiciária gratuita (AJG), havia decisões de segundo graus que se pautavam pelos mais diferentes argumentos, dos mais rigorosos aos mais flexíveis, gerando uma verdadeira roleta-russa no momento de o demandante prever se seu pleito seria deferido, e mais que isso, saber se deveria ou não pedir o benefício.
Outro enfoque tratado será a forma como a legislação brasileira disciplina o tema, a fim de conferir se essa inexistência de parâmetros dos julgadores era reflexo da maneira como as próprias leis em vigor tratavam a matéria, bem como se havia precedentes nas leis nacionais para a adoção de parâmetros objetivos de verificação de renda para a concessão de benefícios outros à população, sem que isso trouxesse custos. Será discutido brevemente como outros órgãos públicos auferem a capacidade financeira da população que pretende usar dos seus serviços, como as Defensorias Públicas, que prestam assistência jurídica a pessoas que não possuem condição financeira de custear a contratação de advogados.
A forma como a doutrina processualista civil mais moderna se posiciona também será abordada, em especial, após o advento do Novo Código de Processo Civil.
2.Conceito e abrangência da justiça gratuita
Conforme ensina Fredie Didier Jr. (DIDIER, 2016), o benefício da justiça gratuita “consiste na dispensa do adiantamento de despesas processuais (em sentido amplo)”.
A Constituição Federal de 1988, no seu art. 5º, LXXIV, traz que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Assim, a fim de resguardar o direito de acesso à Justiça, o legislador permitiu que aqueles que não possuem recursos financeiros pleiteiem a isenção das despesas processuais.
Antes dela, porém, a lei 1.060/1950 já disciplinava o tema, sendo superada em muitos pontos pelo Novo Código de Processo Civil (CPC/2015), que de forma inédita trouxe uma seção inteira destinada ao instituto (Seção IV, Capítulo II, Livro II – artigos 98 a 102), além de tratar do tema de modo difuso em outros artigos.
No art. 98, § 1º, do CPC/2015, o legislador trouxe o rol das despesas que o beneficiário da AJG estará isento do pagamento, in verbis:
Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.
§ 1o A gratuidade da justiça compreende:
I - as taxas ou as custas judiciais;
III - as despesas com publicação na imprensa oficial, dispensando-se a publicação em outros meios;
IV - a indenização devida à testemunha que, quando empregada, receberá do empregador salário integral, como se em serviço estivesse;
V - as despesas com a realização de exame de código genético - DNA e de outros exames considerados essenciais;
VI - os honorários do advogado e do perito e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira;
VII - o custo com a elaboração de memória de cálculo, quando exigida para instauração da execução;
VIII - os depósitos previstos em lei para interposição de recurso, para propositura de ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório;
IX - os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido.
Tal listagem é exemplificativa, podendo o benefício isentar o autor de outras despesas processuais não elencadas no referido artigo, e que eventualmente surjam no decorrer do processo, tornando bastante extenso o alcance da benesse (DIDIER, 2016).
2.1 Os beneficiários, os critérios legais para a concessão e o que pensa a doutrina a respeito
Pela leitura do caput do art. 98 do CPC 2015 transcrito acima, podem ser beneficiários “a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira”, e o principal critério legal é que os beneficiários não tenham recursos suficientes “para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios”.
Já os §§ 2º e 3º do artigo 99 do CPC 2015, aduzem, respectivamente, que, o juiz só pode indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferi-lo, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos, e “Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.”.
Ou seja, pela leitura da lei, basta a declaração de pobreza para que o benefício seja deferido, além disso, o julgador só pode indeferir o pleito se houver nos autos comprovação de que, na verdade, o autor não necessita da benesse, devendo ser oportunizado ao requerente possibilidade de comprovar sua hipossuficiência econômica, antes da decisão judicial.
De fato, parece boa a intenção do legislador, ao permitir que o julgador analise o caso concreto e averígue se o autor faz jus à AJG. Mas, sob quais critérios será feita essa análise? Partindo de qual premissa, o juiz, ao se deparar com o pedido de gratuidade judiciária, deverá decidir se aquele demandante tem recursos suficientes para custear a tramitação processual?
A fim de uniformizar o tema, o Conselho Nacional de Justiça foi interpelado por um bacharel em direito, em 2012, para analisar as regras objetivas criadas pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro para a concessão da AJG, conforme noticiou o site jurídico Conjur[2]:
O Conselho Nacional de Justiça analisa um processo que poderá culminar na definição de regras objetivas para a concessão do benefício da Justiça gratuita em todo país. Procedimento impetrado contra o Judiciário fluminense protesta contra a exigência feita por uma juíza que exigiu apresentação de Declaração de Imposto de Renda e contracheques de toda a sua família como forma de comprovar a necessidade de gratuidade. Especialistas e juízes apontam julgados que mostram que a questão é controversa em todo o país.
Contudo, um ano mais tarde, entendeu, o CNJ, que basta a declaração de pobreza para que o benefício seja deferido, anulando as regras da Corte carioca, e não regulando o tema, por entender suficiente a interpretação literal da legislação aplicável[3].
A doutrina, por sua vez, costuma apenas traduzir o que a legislação prevê, pouco adentrando no mérito da falta de critérios claros.
O autor José Augusto Garcia de Sousa (SOUSA, 2015), entende que, embora tenha havido a revogação do parágrafo único do art. 2º da lei 1.060/1950, que definia como necessitado todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família, tal critério ainda deve ser levado em consideração pelos julgadores, “por representar uma tentativa mínima de especificar o conceito de necessitado para fins de concessão da gratuidade”, sem olvidar, também, que “a análise do caso concreto tem, logicamente, bastante importância”.
Segundo o entendimento de Luiz Guilherme Marinoni (MARINONI, 2016), não se exige que a parte seja pobre ou necessitada para que possa beneficiar-se da gratuidade da justiça, bastando não ter recursos suficientes para pagar as custas, as despesas e os honorários do processo, numa clara compreensão de que a pretensão do legislador é de que a análise deve ficar mesmo a cargo do julgador, já que varia muito o conceito pessoal do que é não ter “recursos suficientes para pagar custas, despesas e os honorários do processo”.
Para Didier Jr. (DIDIER, 2016) “A lei não fala em números, não estabelece parâmetros. O sujeito que ganha boa renda mensal pode ser tão merecedor do benefício quanto aquele que sobrevive à custa de programas de complementação de renda.”.
Exceção à gama de doutrinadores que não adentram na discussão quanto à criação de critérios objetivos, Nagib Slaibi Filho (SLAIBI FILHO, 2015) posiciona-se em franca objeção à adoção de parâmetros que norteiem a concessão do benefício, dizendo:
Ainda hoje, desgraçadamente, há quem aplique pretensos critérios objetivos para a concessão da gratuidade de Justiça, geralmente de forma impeditiva do exercício da garantia fundamental, como, por exemplo, estabelecer que a ela não tem direito quem ganha mais de dois salários mínimos, ou quem reside em local considerado nobre da cidade, ou, até mesmo, porque comprou a prazo um veículo que pretende usar nas atividades profissionais.
Contudo, como se verá a seguir, esse amplo poder analítico conferido aos julgadores e defendido pela doutrina processualista, em muitos casos, acaba por gerar decisões bastante contraditórias em um mesmo Fórum, na mesma Turma Julgadora, e, às vezes, para o mesmo julgador, o que, ao fim e ao cabo, gera enorme insegurança jurídica aos próprios litigantes e permite decisões bastantes divergentes entre si.
3.Análise das decisões do TRF da 4ª Região: quais são os critérios norteadores para a concessão do benefício da AJG?
Adentrando-se mais a fundo no tema central deste artigo, necessária a verificação de como a Corte Federal da Região Sul lida com o ponto, em especial, no julgamento de agravos de instrumento interpostos pelos autores de demandas insatisfeitos com as decisões de primeiro grau que lhes foram desfavoráveis.
Pela pesquisa realizada, constatou-se, em decisões dos anos de 2016 e 2017, diversos parâmetros utilizados pelos desembargadores para decidirem pela concessão ou não da AJG, havendo, algumas vezes, mais de um critério utilizado pelo mesmo julgador quando da análise de situações semelhantes, e com pequeno espaço de tempo entre elas.
Para facilitar a visualização e compreensão das decisões, seguem abaixo várias ementas/decisões de julgados, com a identificação do critério utilizado e algumas observações relevantes sobre o caso concreto, senão vejamos.
Tabela 1
Itens |
Ementas / decisões (grifei) |
Critérios |
Comentários |
1 |
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. CEF. AJG. PESSOA FÍSICA. CONCESSÃO. POSSIBILIDADE. Para a concessão da assistência judiciária gratuita, basta a declaração de não possuir condições de arcar com as despesas do processo sem prejuízo do próprio sustento ou de sua família, cabendo à parte contrária o ônus de elidir a presunção de veracidade daí surgida - art. 4º da Lei nº 1060/50. (TRF4, AG 5014078-66.2017.404.0000, TERCEIRA TURMA, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 14/06/2017). |
Basta a declaração do autor de que necessita do benefício |
Nesse caso concreto, a AJG foi indeferida em primeiro grau, pois o autor recebia R$ 6.720,00 mensais e reformada pelo Tribunal. |
2 |
DECISÃO: (...) Entendo que deve ser eleito o critério de salários mínimos para a concessão da AJG. Partilho do entendimento de que merece litigar ao abrigo do benefício da justiça gratuita todo aquele que percebe remuneração líquida mensal não superior a dez salários mínimos. Aliás, as Turmas que compõe a Segunda Seção desta Corte há muito consagraram a tese de que faz jus ao benefício quem afirma a sua necessidade e percebe valor líquido inferior a 10 (dez) salários mínimos. (...) No caso dos autos, a parte agravante juntou documentos (evento 01 deste agravo) que comprovam rendimento líquido inferior a dez salários mínimos (R$ 5.414,38 - fevereiro 2017). Ante o exposto, defiro o benefício de AJG. (...) (TRF4, AG 5029777-97.2017.404.0000, PRIMEIRA TURMA, Relator JORGE ANTONIO MAURIQUE, juntado aos autos em 14/06/2017). |
Renda mensal superior a 10 salários mínimos líquidos |
Nesse caso concreto, a AJG foi indeferida em primeiro grau, pois o autor recebia R$ 5.414,38 mensais e reformada pelo Tribunal. |
3 |
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. ARTIGO 4º DA LEI N. 1.060/50. 1. Para a concessão da assistência judiciária gratuita basta que a parte declare não possuir condições de arcar com as despesas do processo sem prejuízo do próprio sustento ou de sua família, cabendo à parte contrária o ônus de elidir a presunção de veracidade daí surgida - art. 4º da Lei nº 1060/50. 2. Incumbe à parte contrária, por meio de impugnação, a prova de que a parte autora não se encontra na condição assegurada na lei. 3. Descabem critérios outros (como isenção do imposto de renda ou renda líquida inferior a 10 salários mínimos) para infirmar presunção legal de pobreza, em desfavor do cidadão. Precedente da Corte Especial deste Tribunal e desta Turma (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5009566-45.2014.404.0000, 6ª TURMA, Des. Federal CELSO KIPPER, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 26/06/2014) - (TRF4, AG 5051840-87.2015.4.04.0000, SEXTA TURMA, Relator HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR, juntado aos autos em 25/02/2016). |
Basta a declaração do autor de que necessita do benefício |
Nesse caso concreto, a AJG foi indeferida em primeiro grau, pois o autor recebia mais de R$ 22.500,00 mensais e reformada pelo Tribunal. |
4 |
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. REQUISITOS COMPROVADOS. BENEFÍCIO DEFERIDO. Demonstrado nos autos que os rendimentos do requerente estão abaixo do teto dos benefícios da Previdência Social, deve ser deferida a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita. (TRF4, AG 5008252-59.2017.404.0000, SEXTA TURMA, Relator (AUXÍLIO VÂNIA) HERMES S DA CONCEIÇÃO JR, juntado aos autos em 07/06/2017). |
Renda mensal não superior ao valor do teto dos benefícios pagos pelo INSS |
Nesse caso concreto, a AJG foi indeferida em primeiro grau, pois o autor recebia cerca de R$ 5.000,00 mensais e reformada pelo Tribunal. |
5 |
EMENTA: AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO PROVIDO. PEDIDO DE GRATUIDADE DA JUSTIÇA. TETO DO INSS EM 2016. INDEFERIMENTO. (...) No caso concreto, entretanto, tenho que a comprovação (Cadastro Nacional De Informações Sociais 9 - Evento 01, dos autos originários) da existência de renda em valor superior ao teto máximo do INSS em 2016 (R$ 5.189,82), me parece suficiente para ensejar o indeferimento da Assistência Judiciária Gratuita. (TRF4 5004150-91.2017.404.0000, SEXTA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 05/06/2017). |
Renda mensal não superior ao valor do teto dos benefícios pagos pelo INSS |
Nesse caso concreto, a AJG foi indeferida em primeiro grau, pois o autor recebia mais de R$ 5.800,00 mensais e mantida pelo Tribunal. |
6 |
DECISÃO: (...) Assim, passo a adequar meu entendimento à decisão proferida pela Corte Especial deste Regional no sentido de que, para o deferimento dos benefícios da assistência judiciária gratuita basta a declaração da parte requerente no sentido de que não possui condições de arcar com os ônus processuais - descabendo outros critérios para infirmar a presunção legal de pobreza - mas, restando à contraparte a comprovação em sentido contrário. ANTE O EXPOSTO, revogo a decisão liminar e voto por dar provimento ao agravo de instrumento para conceder o benefício da justiça gratuita à parte autora. (TRF4, AG 5002431-79.2014.404.0000, SEXTA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 30/07/2014. |
Basta a declaração do autor de que necessita do benefício |
Nesse caso concreto, a AJG foi indeferida em primeiro grau, pois o autor recebia cerca de R$ 19.000,00 mensais e reformada pelo Tribunal. |
7 |
DECISÃO: (...) Com base na renda comprovada e na ausência de outros elementos que a infirmar a presunção de necessidade de corrente da declaração feita pelo autor, reputo demonstrada, até o momento, a verosimilhança da pretensão à concessão da AJG. Ademais, ao se decidir sobre a concessão da assistência judiciária não se pode deixar considerar as possíveis consequências da lide em todo o seu dimensionamento, projetando-se, o tanto quanto possível, o impacto de eventual sucumbência no orçamento do requerente. Ante o exposto, defiro a antecipação da tutela recursal para conceder a Assistência Judiciária Gratuita. Vista ao Agravado para se manifestar. Intimem-se. (TRF4, AG 5027563-36.2017.404.0000, QUINTA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 06/06/2017). |
Discricionariedade do julgador |
Nesse caso concreto, a AJG foi indeferida em primeiro grau, pois o autor recebia mais de R$ 7.000,00 mensais e reformada pelo Tribunal. |
8 |
DECISÃO: (...) Assim, pode-se concluir que a renda mensal não supera em muito o que se exige minimamente para uma sobrevivência digna, quiçá o valor tomado em consideração por este Tribunal para a concessão, ou não, do benefício da AJG (o limite teto dos benefícios da Previdência Social). Assim, não reconheço a presença de indícios de riqueza aptos a afastar a presunção de pobreza decorrente da declaração acostada pelo recorrente. Portanto, defiro o pedido de efeito suspensivo. Comunique-se ao juízo a quo. Intime-se, sendo o agravado para os fins do art. 1019, II, do NCPC. Publique-se. (TRF4, AG 5026580-37.2017.404.0000, QUINTA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 06/06/2017). |
Renda mensal não superior ao valor do teto dos benefícios pagos pelo INSS |
Nesse caso, o Juiz de primeiro grau (competência delegada – Justiça Estadual) indeferiu a AJG sob o argumento que a autora não comprovou sua renda, e como recolhia para a Previdência como contribuinte individual, poderia pagar as custas. Decisão reformada pelo Tribunal. |
9 |
DECISÃO: (...) Em que pese a revogação do art. 4º da Lei nº 1.060/50 pelo Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15), não houve alteração do entendimento acima exarado, visto que, conforme dispõe o art. 99, § 3º, do CPC/15, há presunção de veracidade na alegação de insuficiência deduzida por pessoa natural. No caso, considerando que o agravante declarou no recurso a sua hipossuficiência, defiro o pedido de AJG. Ante o exposto, defiro o pedido de efeito suspensivo. À parte agravada para contrarrazões. Após, inclua-se o feito em pauta. (TRF4, AG 5026781-29.2017.404.0000, SEGUNDA TURMA, Relatora LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH, juntado aos autos em 01/06/2017). |
Basta a declaração do autor de que necessita do benefício |
Nesse caso concreto, a AJG foi indeferida em primeiro grau, pois o autor recebia mais de R$ 7.000,00 mensais e reformada pelo Tribunal. |
Analisadas as ementas e decisões acima trazidas, verifica-se que os critérios são distintos entre as Turmas, às vezes dentro das Turmas (vide itens 7 e 8 da tabela 1) e outras vezes para o mesmo julgador (vide itens 3 e 4; 5 e 6 da tabela 1).
Numa mesma Turma, chegou-se ao absurdo de se conceder o benefício da justiça gratuita a um autor que auferia renda mensal de R$ 22.500,00 (vide item 3 da tabela 1), e negar-se a benesse a outro que recebia R$ 5.800,00 mensais (vide item 5 da tabela 1).
É longa a lista dos julgados do TRF/4 que, reformando decisões de primeiro grau, concederam a gratuidade judiciária a autores que perfaziam rendam mensal muito acima da média da população brasileira, em muitos casos possuidores de bens e aplicações financeiras e residentes em bairros de alto padrão da capital gaúcha (vide, por exemplo, as decisões dos processos nº 50383350620144047100 (renda superior a R$ 14.000,00), 50332986120154047100 (renda mensal superior a R$ 19.000,00), 50369230620154047100 (renda mensal superior a R$ 14.000,00), 50239147420154047100 (renda mensal superior a R$ 14.000,00), 50065439720154047100 (renda mensal superior a R$ 17.000,00), 50903270620144047100 (renda superior a R$ 18.000,00), 50532099320144047100 (renda superior a R$ 13.000,00), 50738726320144047100 (renda superior a R$ 11.000,00), 50934259620144047100 (renda superior a R$ 13.000,00), 50371430420154047100 (renda superior a R$ 11.000,00), 50343612420154047100 (renda superior a R$ 12.000,00), 50587377420154047100 (renda superior a R$ 12.000,00), 50575356220154047100 (renda superior a R$ 13.000,00), 50564088920154047100 (renda superior a R$ 12.000,00), 50631997420154047100 (renda superior a R$ 12.000,00)).
Em quase a totalidade dos casos, o critério do Tribunal era o de que bastava a declaração do autor acerca da necessidade do benefício para que lhe fosse concedido, conforme disciplinava a Lei nº 1.060/1950 e, agora mais recentemente, como disciplina o CPC 2015. Ou seja, por mais que os Juízes de primeiro grau analisassem a situação fática da condição financeira do demandante, o TRF/4 somente avaliava se o autor havia feito um simples pedido de concessão de AJG, numa interpretação literal do § 3º do art. 99 do CPC 2015.
3.1 A evolução das decisões do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: a busca por critérios claros
Apesar as incongruências apontadas anteriormente, pesquisa por decisões mais atuais da referida Corte, demonstram uma maior coesão dos acórdãos, no que se refere a critérios mais claros para a análise da gratuidade judiciária.
É isso que se denota da análise de recentes decisões do TRF/4, conforme tabela 2 abaixo.
Tabela 2
Itens |
Ementas (grifei) |
Critérios |
Comentários |
1 |
DECISÃO: O Juiz GUILHERME MAINES CAON indeferiu a gratuidade (§ 5º do artigo 85 do CPC): "passo a adotar o parâmetro do art. 790, §3º da CLT como regra geral para a aferição do direito à assistência judiciária gratuita, de modo que, em sendo o rendimento líquido superior a 40% do teto dos benefícios do RGPS (atualmente, R$ 2.440,42), não há, como regra, direito à justiça gratuita". A Turma tem decidido reiteradamente que, "[demonstrado] nos autos que os rendimentos do requerente estão abaixo do teto dos benefícios da Previdência Social, deve ser deferida a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita (5004412-41.2017.404.0000 - ARTUR CÉSAR DE SOUZA). Conforme foi provado na origem, o agravante recebe renda bruta mensal em torno de R$ 3.008,05. Portanto, há evidência da "probabilidade do direito" e está provado "o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo", nos termos do artigo 300 do CPC, visto que o segurado já está intimado para o recolhimento das custas, "sob pena de cancelamento da distribuição". Defiro o pedido de antecipação da pretensão recursal e determino a suspensão da decisão. Comunique-se ao Juízo de origem. Intimem-se o segurado desta decisão e o INSS para os fins do inciso II do artigo 1.019. Após o prazo para a resposta, inclua-se na próxima pauta disponível. (TRF4, AG 5034812-33.2020.4.04.0000, SEXTA TURMA, Relator JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, juntado aos autos em 27/07/2020) |
Renda mensal não superior ao valor do teto dos benefícios pagos pelo INSS |
Nesse caso concreto, a AJG foi indeferida em primeiro grau sob o critério de rendimento líquido superior a 40% do teto dos benefícios do RGPS. Reformada pelo Tribunal. |
2 |
Decisão: (...) Todavia, refletindo sobre a concessão do benefício de assistência judiciária gratuita, no que se refere ao critério objetivo, renda mensal, entendo razoável presumir e reconhecer a hipossuficiência do jurisdicionado, quando a renda do requerente, apesar de superar a média de rendimentos dos cidadãos brasileiros em geral, ou o limite de isenção do imposto de renda, não for superior ao teto dos benefícios da Previdência Social, atualmente fixado em R$ 6.101,06 (seis mil, cento e um reais e seis centavos). Oportuno esclarecer que, além do critério objetivo, há questões peculiares em cada caso concreto submetido a apreciação deste juízo que não passam despercebidas na análise do requerimento de assistência judiciária, como, por exemplo, descontos legais e outros regulares e comprovados. Acresço: em síntese, cabe o deferimento dos benefícios da assistência judiciária gratuita quando demonstrado que os rendimentos da parte requerente estão abaixo do teto dos benefícios da Previdência Social ou, além do critério objetivo, assim se imponha em face de questões peculiares em cada caso concreto Nestas condições, defiro o pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal. Comunique-se ao Juízo de origem. Intime-se a parte agravada. Após, voltem conclusos. (TRF4, AG 5033556-55.2020.4.04.0000, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 23/07/2020) |
Renda mensal não superior ao valor do teto dos benefícios pagos pelo INSS |
Nesse caso concreto, a AJG foi indeferida em primeiro grau, pois o autor não comprovou a alegada hipossuficiência econômica, sendo reformada pelo Tribunal. |
3 |
Decisão: (...) Com efeito, analisando a cópia da declaração IRPF, exercício 2019 (originário, evento 6, DECL 2), onde consta que o Agravante possui (casa, lote de terreno, participação em empresas, renda fixa BB em conjunto com a cônjuge e ações) bens e direitos que totalizaram valor acima de R$600.000,00 (seiscentos mil reais), mesmo que declare renda abaixo do teto do RGPS, tenho que a sua condição econômico/financeira está bem acima da média daqueles que rotineiramente pugnam pela gratuidade judiciária, o que desautoriza a reforma da decisão recorrida. Pelo exposto, indefiro o pedido de antecipação da tutela. Comunique-se. Intimem-se, sendo a parte agravada para fins do art. 1019, II, do CPC. (TRF4, AG 5033135-65.2020.4.04.0000, QUINTA TURMA, Relator ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO, juntado aos autos em 22/07/2020) |
Levou-se em consideração a condição econômica geral do autor |
Nesse caso concreto, a AJG foi indeferida em primeiro grau, pois o autor recebia mais de R$ 22.500,00 mensais e reformada pelo Tribunal. |
4 |
Decisão: (...) Registro que, não obstante seja possível a utilização de balizadores para deferimento da gratuidade judiciária, alguns deles bem razoáveis como, por exemplo, o valor da renda média do trabalhador brasileiro ou o valor teto para aposentadoria pelo RGPS, a meu juízo, é imperativo que se analisem as condições gerais do caso em concreto. (...) No caso, não há elemento apto a afastar a afirmação da parte no sentido da impossibilidade de suportar as despesas do processo. A requerente comprovou que percebe salário mensal no valor bruto de R$ 5.420,35, competência março/2020 (evento 1 - CHEQ2), referente ao labor como enfermeira do trabalho, que exerce na empresa AGRODANIELI INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA. Considerando que não há indícios de suficiência econômica, deve ser deferido o benefício. Pelo exposto, defiro a antecipação da tutela recursal. Intimado, o agravado não apresentou contrarrazões. Nada havendo a acrescentar à decisão inicial, mantenho-a e dou provimento ao agravo de instrumento, nos termos do artigo 932, V, "b", do CPC. Intimem-se, após o trânsito em julgado dê-se baixa. (TRF4, AG 5015085-88.2020.4.04.0000, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 01/07/2020) |
Levou-se em consideração a condição econômica geral do autor |
Nesse caso concreto, a AJG foi indeferida em primeiro grau, pois o autor recebia cerca de R$ 5.000,00 mensais e reformada pelo Tribunal. |
5 |
Decisão: (...) No caso em apreço, consta da decisão recorrida que o agravante percebe mensalmente os valores de R$ 16.177,64 (IPREVILLE), R$ 1.344,00 (UNIMED Joinville/SC) e de R$ 6.491,83 (Ministério da Saúde), verbis: (...) Intimado para que comprove a satisfação dos requisitos necessários para o deferimento da AJG, nos termos da decisão do evento 23, veio aos autos para juntar novos documentos (evento 36), dos quais extrai-se que de proventos do IPREVILLE percebe em torno de R$ 16.177,64 (competências out. e nov./2019), da UNIMED Joinville/SC recebe fundo de assistência ao cooperado no valor de líquido R$ 1.344,00 e de proventos do Ministério da Saúde o aufere renda no valor de R$ 6.491,83. Do extrato bancário apresentado, muito embora o saldo esteja zerado, de sua análise, constata-se elevadas aplicações em fundo, operação 51, sendo sua conta caracterizada como remunerada, ou seja, embora conste como saldo zerado, a medida que se contabilizam débitos, há resgate automático no fundo 51, a importar, portanto, o saldo disponível ao cliente (R$ 29.128,00 C, em 12/2019), não o saldo de sua conta corrente (R$ 0,00 C, em 12/2019) - 36-EXTR_BANC5. (...) Diante desse contexto, tenho, em exame perfunctório, que não se sustenta a presunção de hipossuficiência econômica decorrente da declaração de pobreza prestada nos autos principais. Ante o exposto, indefiro o pedido de liminar recursal. Intimem-se, sendo a parte agravada também para as contrarrazões. Após, inclua-se o feito em pauta de julgamento. (TRF4, AG 5034998-56.2020.4.04.0000, PRIMEIRA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 28/07/2020) |
Levou-se em consideração a condição econômica geral do autor |
Nesse caso, a AJG foi indeferida em primeiro grau, sendo tal decisão mantida pelo TRF, em razão de a renda da parte autora ser superior a 10 salários mínimos. |
6 |
EMENTA: ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. RENDA MENSAL ACIMA DO TETO DO RGPS. DESPROVIMENTO. 1. Mostra-se razoável presumir a hipossuficiência da parte quando sua renda mensal não superar o teto dos benefícios da Previdência Social, atualmente fixado em R$6.101,06 (seis mil, cento e um reais e seis centavos). 2. É entendimento desta Terceira Turma que devem ser apurados, para o fim de concessão da AJG, os rendimentos líquidos da parte interessada, e considerados, para tal fim, apenas, os descontos obrigatórios/legais (tais como Importo de Renda, Contribuição Previdenciária e pensão) e, excepcionalmente, gastos com saúde (apurada a gravidade da doença no caso concreto e os gastos respectivos, ainda que não descontados em folha de pagamento). Esclareça-se que gastos voluntários, como empréstimos descontados em folha, não poderão ser descontados do total de vencimentos para o fim de apuração da renda líquida do requerente. 3. No caso concreto, conforme documentos anexados aos autos de n° 50736762020194047100, o agravante percebe rendimentos líquidos superiores ao teto de rendimentos do RGPS (R$ 6.386,04), já considerados os descontos legais obrigatórios e somados os empréstimos voluntários. (TRF4, AG 5017327-20.2020.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 29/07/2020) |
Renda mensal não superior ao valor do teto dos benefícios pagos pelo INSS |
Nesse caso, a AJG foi indeferida em primeiro grau, decisão mantida pelo Triubnal, pois os rendimentos da parte autora superavam o teto dos benefícios previdenciários. |
Tais ementas e decisões acima elencadas demonstram que os critérios estão mais homogêneos: atualmente, em regra, as Turmas se pautam ora pelo teto dos benefícios pagos pelo INSS (itens 1, 2 e 6 da tabela 2), ora por uma análise mais atenta à condição financeira geral do autor (itens 3, 4 e 5 da tabela 2).
Note-se que, na tabela 2, foram trazidas decisões das Primeira, Terceira, Quinta e Sexta Turmas do Tribunal, e de desembargadores diferentes, o que demonstra, de fato, que as decisões quanto à gratuidade judiciária estão mais lineares.
4.A adoção de critérios de renda por outros órgãos e em outras leis brasileiras
Não é inédito na esfera pública brasileira que sejam estipulados pelo Poder Judiciário critérios objetivos para identificação daqueles que podem gozar do benefício da gratuidade judiciária.
Isso porque ao analisar-se como outros órgãos tratam da questão financeira dos cidadãos interessados em utilizarem dos seus serviços, vê-se que sempre há alguma objetividade que serve de ponto de partida para a averiguação da real necessidade do indivíduo se valer do benefício estatal.
Na Defensoria Pública da União (DPU), por exemplo, o critério adotado para que uma pessoa possa se valer do atendimento do referido órgão, que presta assistência jurídica gratuita, é o da renda familiar mensal não superior a R$ 2.000,00[4]. Esta aferição não está dissociada, por óbvio, da análise do caso concreto, que pode permitir o deferimento do atendimento àqueles que possuam renda que supere o limite estabelecido, tudo a depender da condição global do assistido, mas tal valor já dá o norte de onde deve partir o defensor público.
É isso que diz o § 6º da Resolução nº 133/2016 do Conselho Superior da DPU, in verbis:
Os critérios estabelecidos neste artigo não excluem a aferição pelo Defensor Público da vulnerabilidade no caso concreto, por meio de decisão devidamente fundamentada, quer quanto ao deferimento, quer quanto ao indeferimento da assistência jurídica integral e gratuita.
O mesmo ocorre com a Defensoria Pública do estado do Rio Grande do Sul (DPE/RS), que estabeleceu como parâmetro a renda mensal líquida familiar igual ou menor que três salários mínimos[5].
Da mesma forma, a DPE/RS autoriza a flexibilização desse limite, desde que existam razões fundamentadas para tanto, conforme aduz o art. 4º da Ordem de Serviço nº 11/1997 da DPE/RS: “O limite previsto no art. 2º poderá ser ampliado, através da justificativa específica, considerando-se a excepcionalidade do pedido e o prejuízo que o procedimento em discussão poderá acarretar à parte, face à gravidade e urgência da matéria discutida.”.
Vê-se, assim, que nas duas instituições citadas, e que prestam atendimento a hipossuficientes econômicos, há critérios objetivos que parametrizam a averiguação da situação financeira dos cidadãos, a fim de conferir se podem ou não se valerem dos serviços prestados pelos órgãos.
Na legislação brasileira, também, há exemplos da adoção de critérios objetivos de renda quando se trata de concessão de benefícios aos cidadãos.
É o caso do da Lei nº 10.836/2004, que criou o Bolsa Família, que prevê em seu artigo 2º:
Art. 2º Constituem benefícios financeiros do Programa, observado o disposto em regulamento: (...)
IV - o benefício para superação da extrema pobreza, no limite de um por família, destinado às unidades familiares beneficiárias do Programa Bolsa Família e que, cumulativamente:
a) tenham em sua composição crianças e adolescentes de 0 (zero) a 15 (quinze) anos de idade; e
b) apresentem soma da renda familiar mensal e dos benefícios financeiros previstos nos incisos I a III igual ou inferior a R$ 70,00 (setenta reais) per capita. (grifei)
Mesmo raciocínio pode ser usado em relação à Lei nº 10.219/2001, que criou o Bolsa Escola. A redação do seu artigo 2º é a seguinte:
Art. 2o A partir do exercício de 2001, a União apoiará programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas, que preencham, cumulativamente, os seguintes requisitos: (...)
II - tenham como beneficiárias as famílias residentes no Município, com renda familiar per capita inferior ao valor fixado nacionalmente em ato do Poder Executivo para cada exercício e que possuam sob sua responsabilidade crianças com idade entre seis e quinze anos, matriculadas em estabelecimentos de ensino fundamental regular, com frequência escolar igual ou superior a oitenta e cinco por cento; (grifei)
Portanto, fica claro que não há ineditismo nem para o arcabouço jurídico nacional, tampouco em relação às práticas adotadas por outros órgãos que sejam criadas regras objetivas que pautem a análise da condição de hipossuficiência econômica para fins de concessão da AJG.
5.Considerações finais
Pela pesquisa jurisprudencial feita neste estudo, identificou-se, nos julgados de 2016 e 2017, a falta de critérios uníssonos nas decisões proferidas pelo Tribunal Regional da 4ª Região quando posta sob julgamento a concessão da gratuidade judiciária.
Tal forma de conduzir os processos acabava por gerar grave insegurança jurídica, na medida em que não se sabia o que esperar acerca do pleito de AJG, tampouco ficava claro para os litigantes a qual limite deveriam se pautar para fazerem o pedido do benefício.
A falta de critérios claros e únicos para a análise resultava no deferimento da benesse para cidadãos que, sem dúvida, não foram o objeto dessa previsão legal, que veio para possibilitar o acesso à justiça, e que a busca por parâmetros mais simples e objetivos traz maior segurança a todos, além de distribuir melhor a justiça.
Identifica-se estar ultrapassado o argumento da impossibilidade de estipular um limite inicial para a análise, já que há precedentes legais sobre o tema, bem como há regramentos internos de outros órgãos que disciplinam a forma como a abrangência da lei deverá ser tratada, a fim de conferir o acesso a políticas públicas e benefícios legais a quem realmente precisa. Tanto é que, passados 4 anos, nota-se uma maior coerência e transparência nas decisões do TRF da 4ª Região.
Com a crescente redução do orçamento do Poder Judiciário[6], face às crises econômica e política que atravessamos, aliada à necessidade de se efetivar o entendimento constitucional de que os recursos públicos devem ser usados com parcimônia e responsabilidade, não se pode mais admitir que autores com nítida condição financeira não condizente com a pobreza alegada nos processos continuem gozando de benefícios como a assistência judiciária gratuita, sob o argumento judicial de que basta a declaração de pobreza para que o benefício seja deferido, o qual, a depender da vontade dos julgadores, poderia ser facilmente combatido e mitigado.
É louvável a busca dos julgadores por decisões mais lineares – o que, de forma alguma, engessa o poder de decidir dos julgadores – com a adoção de parâmetros claros e padronizados na análise dos pedidos de concessão da AJG, à semelhança de outras normas e procedimentos legais, a garantir maior segurança jurídica aos jurisdicionados.
6. Referências
ACESSO À JUSTIÇA gratuita poderá ter novos critérios. Câmara notícias. Brasília, 18/11/2016. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/noticias/502782-ACESSO-A-JUSTICA-GRATUITA-PODERA-TER-NOVOS-CRITERIOS>. Acesso em: 30 jul. 2020.
ANUÁRIO da Justiça Federal – 2017. São Paulo: Consultor Jurídico, 2017.
CNJ anula ato do TJRJ que burocratizava o benefício da gratuidade na Justiça. Agência CNJ de Notícias. Brasília, 2013. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/quentes/189085/cnj-anula-ato-do-tj-rj-que-burocratizava-o-beneficio-da-gratuidade-na-justica>. Acesso em: 30 jul. 2020.
CNJ poderá regular concessão de Justiça gratuita. Consultor Jurídico. São Paulo, 08/05/2012. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2012-mai-08/cnj-determinar-regras-objetivas-concessao-justica-gratuita>. Acesso em: 30 jul. 2020.
DELLORE, Luiz. Justiça gratuita no novo CPC: Lado A. Disponível em: <http://jota.info/colunas/novo-cpc/justica-gratuita-novo-cpc-lado-09032015>. Acesso em: 30 jul. 2020.
DELLORE, Luiz. Novo CPC: o Lado B da Justiça Gratuita (aquilo que não gostaríamos de ouvir). Disponível em: <http://genjuridico.com.br/2015/10/13/novo-cpc-o-lado-b-da-justica-gratuita-aquilo-que-nao-gostariamos-de-ouvir/>. Acesso em: 30 jul. 2020.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 18ª ed. V. 1. Salvador: JusPodivm, 2016.
DIDIER JR., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Benefício da justiça gratuita. 6ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016.
DONIZETE, Elpídio. Assistência judiciária: concessão dos benefícios, procedimento, impugnação e recursos. Disponível em: <http://genjuridico.com.br/2016/05/04/assistencia-judiciaria-concessao-dos-beneficios-procedimento-impugnacao-e-recursos/>. Acesso em: 30 jul. 2020.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
MAGALHÃES, Arnaldo Pereira; PEREIRA, Efigênia. Manual Prático de Metodologia com ênfase em Trabalho de Conclusão de Curso – TCC: Monografias e Artigos Científicos. 2ª ed. Rio de Janeiro, Leon Denis, 2015.
Marinoni, Luiz Guilherme; Arenhart, Sérgio Cruz; Mitidiero, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. 2ª ed. São Paulo: RT, 2016.
O uso da Justiça e o litígio no Brasil - Estudo realizado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Brasília, 2015. Disponível em: <https://d2f17dr7ourrh3.cloudfront.net/wp-content/uploads/2015/08/O-uso-da-Justi%C3%A7a-e-o-lit%C3%ADgio-no-Brasil.pdf>. Acesso em: 30 jul. 2020.
SLAIBI FILHO, Nagib. A Constituição e a Gratuidade da Justiça no CPC 2015. José Augusto Garcia de Sousa (coord.). Salvador: JusPodivm, 2015.
SOUSA, José Augusto Garcia de. Comentários ao novo Código de Processo Civil. Antonio do Passo Cabral e Ronaldo Cramer (coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2015.
STJ julga se novo CPC exige prova de necessidade de gratuidade de Justiça. Consultor Jurídico. São Paulo, 28/04/2016. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2016-abr-28/stj-julga-cpc-exige-prova-necessidade-justica-gratuita>. Acesso em: 30 jul. 2020.
[1] O uso da Justiça e o litígio no Brasil - Estudo realizado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), e publicado em 2015 (link para acesso - https://d2f17dr7ourrh3.cloudfront.net/wp-content/uploads/2015/08/O-uso-da-Justi%C3%A7a-e-o-lit%C3%ADgio-no-Brasil.pdf).
[2] Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-mai-08/cnj-determinar-regras-objetivas-concessao-justica-gratuita>. Acesso em: 30 jul. 2020.
[3] Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/quentes/189085/cnj-anula-ato-do-tj-rj-que-burocratizava-o-beneficio-da-gratuidade-na-justica>. Acesso em: 30 jul. 2020.
[4] O art. 2º da Resolução nº 133/2016 e o art. 1º da Resolução nº 134/2016 do CONSELHO SUPERIOR DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO prevêem que, in verbis: Art. 2º. Presume-se economicamente necessitada a pessoa natural integrante de núcleo familiar cuja renda mensal bruta não ultrapasse valor fixado pelo Conselho Superior da Defensoria Pública da União para atuação do órgão. Art. 1º. O valor de presunção de necessidade econômica para fim de assistência jurídica integral e gratuita, na forma do art. 2º da Resolução CSDPU 133/2016, será de R$ 2.000,00 (dois mil reais).
[5] O art. 2º da Ordem de Serviço nº 11/1997 da DPE/RS traz que “Será considerado hipossuficiente de recursos aquele que comprovar renda mensal líquida familiar igual ou menor a três salários mínimos.”
.[6] Links para notícias: https://intra2.trf4.jus.br/clipping/planejamento-de-cjf-para-proximos-cinco-anos-foca-na-reducao-de-gastos/
https://intra2.trf4.jus.br/aviso/trf4-mantem-economia-de-energia-eletrica-em-47/
https://intra2.trf4.jus.br/clipping/%C2%93orcamento-restrito%C2%94-e-o-maior-problema-da-justica-federal/
Mestra em direitos humanos pelo Centro Universitário Ritter dos Reis - Rede Laureate International Universities (UniRitter), Defensora Pública Federal desde 2009, atualmente lotada na Defensoria Pública da União em Salvador/BA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SETENTA, MARIA DO CARMO GOULART MARTINS. Gratuidade judiciária: a evolução na adoção de critérios mais sólidos para a concessão da benesse legal pelo TRF da 4ª Região Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 ago 2020, 04:39. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54995/gratuidade-judiciria-a-evoluo-na-adoo-de-critrios-mais-slidos-para-a-concesso-da-benesse-legal-pelo-trf-da-4-regio. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
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