Em contexto de pandemia ocasionada pelo COVID-19, sessões de julgamento nos tribunais pátrios por videoconferência, por meio de aplicativos como o Cisco/Webex, Hangouts, Teams, Meets ou WhatsApp, se tornaram uma realidade no Poder Judiciário, assim como o teletrabalho. Há notícias também de realização de audiências de conciliação com sucesso.
Não há como negar que as ferramentas tecnológicas tiveram um aumento acentuado na produtividade dos processos, principalmente, os eletrônicos e já apresentando resultados positivos no início da pandemia pelo coronavírus.
Contudo, será que é possível garantir a lisura de uma audiência de instrução, isto é, será possível garantir a efetiva prestação jurisdicional de forma idônea, sem a interferência ou má-fé processual de uma das partes visando apenas lograr êxito no desfecho da lide?
Sobre o tema, convém lembrar que o Novo Código de Processo Civil, instituído pela Lei n°13.105, de 16 de março de 2015, prevê normas fundamentais que devem ser observadas, dentre as quais se destacam:
Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.
Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.
Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.
Apesar de parecer algo óbvio, o legislador fez questão de inserir no início da nova Lei de Ritos, como norma fundamental, que “Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”.
Naturalmente, o magistrado condutor da audiência de instrução – e seus servidores assistentes ou auxiliares – buscam se cercar e assegurar às partes a paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais.
Entretanto, as partes que possuírem melhores estruturas tecnológicas podem obter sensível vantagem sobre as partes hipossuficientes o que comprometerá a paridade de armas, por exemplos, melhor qualidade de internet para a transmissão de vídeo e áudio, a dificuldade de usuários (partes e advogados) de utilizarem os aplicativos de videoconferência, a possibilidade de acompanhamento de mais um advogado da mesma parte a possibilitar a elaboração de perguntas para as testemunhas - e até mesmo orientá-las por outros meios -, a impossibilidade do magistrado de observar linguagem corporal das partes e testemunhas e/ou garantir que não haja qualquer interferência extrajudicial – e até mesmo evitar a ouvida de depoimentos anteriores –, entre outras situações.
Vale ressaltar que, sobre a produção de prova testemunhal, o CPC/2015 também previu a possibilidade da ouvida de testemunha por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão e recepção de sons e imagens em tempo real, nos seguintes termos:
Art. 453. As testemunhas depõem, na audiência de instrução e julgamento, perante o juiz da causa, exceto:
I - as que prestam depoimento antecipadamente;
II - as que são inquiridas por carta.
§ 1º A oitiva de testemunha que residir em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o processo poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão e recepção de sons e imagens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a audiência de instrução e julgamento.
§ 2º Os juízos deverão manter equipamento para a transmissão e recepção de sons e imagens a que se refere o § 1º.
Consoante se pode inferir do art. 453, §1°, do CPC/2015, a ouvida da testemunha por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico se dá no Juízo onde residir e não em qualquer lugar que seja.
Logo, a ouvida de testemunha em Juízo diverso de onde tramita o processo contribui para que seja garantida a paridade de armas, mediante a fiscalização por algum servidor ou magistrado que acompanhará o depoimento dela presencialmente.
Além disso, outra questão que merece ponderação é o fato da possibilidade de interrupção – intencional, ou não – durante os depoimentos pessoais das partes ou a ouvida de testemunha, quando, exemplificativamente, o direito pleiteado está sendo comprometido pela fala, atribuindo-se a falha da internet ou queda de energia ou esgotamento da bateria dos equipamentos tecnológicos, etc.
Assim, não há como o magistrado conferir, em tempo real, a veracidade das informações eventualmente invocadas o que poderá, como exposto acima, haver violação aos princípios fundamentais consagrados do contraditório e da ampla defesa.
Por outro lado, é preciso enaltecer a adoção da prática das sustentações orais e, até mesmo, as audiências de conciliação, mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos com grande aceitação e sem maiores dificuldades, de modo que vieram para ficar.
Portanto, não se pretende por meio deste artigo dizer que não se devem realizar as audiências de instrução por meio de videoconferências ou outros meios tecnológicos, mas fomentar o debate e trazer reflexões de forma que seja garantida a paridade de armas entre os litigantes.
Precisa estar logado para fazer comentários.