ADEMIR GASQUES SANCHES (Orientador Temático) [i] JANAINA GUIMARÃES MANSILIA (Orientador Metodológico)[ii]
RESUMO: Este trabalho tem por objetivo analisar, através de pesquisa bibliográfica, o acordo de não persecução penal, previsto inicialmente na Resolução nº 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público e recentemente incluído formalmente no ordenamento jurídico através do Pacote Anticrime (Lei 13.964/19). Ressalta-se a importância do acordo como relevante instrumento de política criminal, haja vista ser novo método de resolução consensual de lides, sem prejuízo de outras medidas despenalizadoras já existentes, as quais se fará distinção. Diante do acúmulo de processos e da falta de credibilidade do sistema penal, o Estado se vê forçado a buscar métodos alternativos de justiça negociada, mais céleres e efetivos. Por outro lado, é atribuído ao Ministério Público a titularidade exclusiva da ação penal pública, com base nos princípios da obrigatoriedade da ação penal e da indisponibilidade. Nesse interim, analisando as peculiaridades do instituto em questão, reflete-se acerca da evidente mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal proporcionada pelo acordo à luz do não exercício da ação penal pelo parquet. Ainda, será discutida a questão acerca da imparcialidade objetiva do magistrado, quando da realização do controle jurisdicional para homologação e arquivamento do acordo. Finalmente, será feita analise sob o prisma do direito comparado.
Palavras-chave: Acordo de não persecução penal; Justiça criminal consensual; Medidas despenalizadoras; Princípio da obrigatoriedade da ação penal; Justiça negociada.
ABSTRACT: This work aims to analyze, through bibliographic research, the non-criminal prosecution agreement, initially foreseen in Resolution nº 181/2017 of the National Council of the Public Ministry and recently formally included in the legal system through the Anticrime Package (Law 13.964 / 19). It emphasizes the importance of the agreement as a relevant criminal policy instrument, given that it is a new method of consensual resolution of disputes, without prejudice to other existing penalizing measures, which will be distinguished. In view of the accumulation of lawsuits and the lack of credibility in the penal system, the State is forced to seek alternative methods of negotiated justice, which are faster and more effective. On the other hand, the Public Prosecution Service is granted exclusive ownership of public criminal action, based on the principles of mandatory criminal action and unavailability. In the meantime, analyzing the peculiarities of the institute in question, we reflect on the evident mitigation of the principle of mandatory criminal action provided by the agreement in light of the non-exercise of criminal action by the parquet. Also, the question about the magistrate's objective impartiality will be discussed, when the judicial control is carried out to ratify and close the agreement. Finally, an analysis will be made from the perspective of comparative law.
Keywords: Non-criminal prosecution agreement; Consensual criminal justice; Decriminalizing measures; Principle of mandatory criminal action; Negotiated justice.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Sistema acusatório de justiça criminal: 2.1 Ministério Público. 3 Justiça criminal consensual brasileira: 3.1 Lei 9.099/95; 3.2 Resolução 181/2017 CNMP. 4. Lei 13.964/2019: Pacote anticrime e o acordo de não persecução penal: 4.1 1 Da mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal; 4.2 Imparcialidade objetiva do magistrado. 5. Direito comparado: justiça consensual nos Estados Unidos. 6. Considerações finais. 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Esta pesquisa tem como delimitação temática o acordo de não-persecução penal, dentro da perspectiva do Direito Penal Negocial. Considerando o contexto atual de insatisfação com a precariedade e morosidade jurisdicional, o Estado busca desafogar o Judiciário com medidas alternativas, inclusive com respaldo na experiência da justiça penal negociada feita nos Estados Unidos, a fim de sanar tais questões e diminuir a sensação de impunidade gerada na sociedade.
O objetivo geral do trabalho é expor o modelo de justiça não punitivista, sua introdução no ordenamento jurídico e os instrumentos pelos quais tal modelo se concretiza. Isto posto, o objetivo específico é versar sobre o mais recente destes instrumentos, o acordo de não persecução penal, refletindo acerca de suas peculiaridades, inclusive à vista do direito comparado.
A pesquisa deste instituto justifica-se por ser importante instrumento redutor do poder punitivo, com a finalidade de redução do acúmulo de processos, surgindo a reflexão acerca do seu papel de afastamento da pena privativa de liberdade dentro do sistema acusatório.
A metodologia é baseada em pesquisa bibliográfica de livros doutrinários, artigos, revistas especializadas, monografias, bem como na análise dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais relativos à temática em discussão. Além disso, terá como suporte as decisões consolidadas dos tribunais superiores pátrios, e análise do direito comparado.
O primeiro capítulo dedica-se à análise do sistema de justiça criminal adotado pelo ordenamento pátrio, o modelo acusatório, e sua constitucionalidade dentro do sistema penal brasileiro. Além disso, faz-se necessário delinear a função constitucional atribuída ao Ministério Público, assim como de extrema importância a apreciação dos princípios que regem a função do parquet.
O segundo capítulo versa sobre o exame dos mecanismos de justiça criminal consensual existentes, em especial os introduzidos pela Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Lei nº 9.099/95), apontando-se a grande inovação das medidas despenalizadoras.
O terceiro capítulo aborda o objeto da pesquisa em si, qual seja, o acordo de não persecução penal, pormenorizando o instituto, detalhando a natureza jurídica, requisitos, aspectos formais e procedimentais, entre outros aspectos relevantes.
Por conseguinte, partindo da premissa que o Ministério Público é “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (art. 127, CF/88), levanta-se o debate sobre a mitigação do princípio da obrigatoriedade com a realização do acordo de não persecução penal. Em seguida, a pesquisa recai sobre a compatibilidade do referido acordo com a questão da imparcialidade objetiva do magistrado no momento de homologação e arquivamento.
Por fim, no último capítulo, será feito exame da justiça criminal consensual no direito comparado, dando enfoque ao instituto plea bargain dos Estados Unidos.
2. SISTEMA ACUSATÓRIO DE JUSTIÇA CRIMINAL
Próprio dos regimes democráticos, o sistema acusatório caracteriza-se pela distinção absoluta entre as funções de acusar, defender e julgar, que deverão ficar a cargo de pessoas distintas. Denomina-se acusatório porque, à luz desse sistema, ninguém poderá ser chamado a juízo sem que haja uma acusação, por meio da qual o fato imputado seja narrado com todas as suas circunstâncias. O processo caracteriza-se, assim, como legítimo actum trium personarum. A prevalência de um sistema acusatório necessita da imparcialidade absoluta do magistrado, da capacitação técnico-normativa, da independência, vinculação à lei, juiz natural, entre outros (FERRAJOLI, 2000).
Acerca das singularidades do sistema acusatório, pode-se afirmar que:
A imparcialidade é garantida pelo modelo acusatório e sacrificada no sistema inquisitório, de modo que somente haverá condições de possibilidade da imparcialidade quando existir, além da separação inicial das funções de acusar e julgar, um afastamento do juiz da atividade investigatória/instrutória (LOPES JR, 2016, p. 29).
Há garantia de isonomia processual, no sentido de que a acusação e defesa devem estar em posição de equilíbrio no processo, sendo-lhes asseguradas idênticas oportunidades de intervenção e igual possibilidade de acesso aos meios pelos quais poderão demonstrar a veracidade de suas alegações. Nesse sistema, são assegurados o contraditório e ampla defesa. A tramitação da ação penal ocorrerá em estrita observância do modelo legal consagrado em lei. Como regra, serão públicos os atos processuais, exceto nas hipóteses expressamente ressalvadas.
Historicamente, o processo acusatório tem como suas características a oralidade e a publicidade, nele se aplicando o princípio da presunção da inocência. O sistema acusatório vigorou durante quase toda a antiguidade grega e romana, bem como na idade média, nos domínios do direito germano. A partir do século XIII entra em declínio, passando a ter prevalência o sistema inquisitivo. Atualmente, o processo penal inglês é aquele que mais se aproxima de um sistema acusatório puro.
Insta salientar que o sistema acusatório implantado pela Constituição Cidadã, somente agora foi plenamente contemplado com a entrada em vigor do Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019), por vários fatores, a exemplo do artigo 3-A, CPP: “O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação”. Ademais, fortalece a separação de funções de investigar, acusar e julgar das partes processuais e valoriza a atuação da vítima, tal como a instituição do acordo de não persecução penal, como será detalhado posteriormente neste trabalho.
Nesse modelo processual, de forte matriz democrática, o magistrado é
encarado como um terceiro imparcial, sem qualquer poder probatório que possibilite qualquer mácula a essa característica, tendo como principal função garantir os direitos e garantias assegurados pela Constituição.
Da mesma forma que a função de dirimir os conflitos sociais foi trazida para o Estado, que se desincumbe desse mister por exercício da jurisdição, a necessidade de se impedir a vingança privada também fez com que a formulação da acusação ficasse a cargo do poder público, porém, nas mãos de órgão diverso do Poder Judiciário, o Ministério Público.
2.1 Ministério Público
Surge então a figura do parquet, cuja origem, segundo a atual configuração, remonta ao século XVIII, na França, como órgão do Estado sobre o qual recai a atribuição de promover a persecução penal, exercendo papel fundamental no modelo acusatório.
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu como função institucional do Ministério Publico promover, privativamente, a ação penal pública (art. 129, I, CF), excluindo qualquer outra autoridade pública. A real dimensão dessa titularidade é que, a partir de então, somente o Ministério Público é legitimado para examinar e analisar os pressupostos fáticos e jurídicos para promover, ou não promover, a ação penal pública.
O órgão de acusação atua como órgão fiscal da lei. Não se trata simplesmente de um órgão acusatório, mas, sim, de uma instituição destinada ao bom cumprimento dos preceitos normativos constitucionais, o que muitas vezes revela a necessidade de evitar acusações temerárias. Sendo assim, Thums (2006, p. 254) “não pode o Ministério Público ser transformado em acusador sistemático, desconhecendo todo complexo de direitos e garantias que formam o modelo garantista nos Estados Democráticos de Direito”.
A propositura da ação penal, diante de um fato típico, ilícito e culpável, não se trata de uma mera faculdade, mas um verdadeiro poder-dever estatal, cujo exercício é atribuído ao Ministério Público para restauração da ordem jurídica violada. Tal preceito é consubstanciado em um dos princípios que regem a propositura da ação penal pública pelo parquet, qual seja, o princípio da obrigatoriedade da ação penal:
Significa não ter o órgão acusatório, nem tampouco o encarregado da investigação, a faculdade de investigar e buscar a punição do autor da infração penal, mas o dever de fazê-lo. 'Assim, ocorrida a infração penal, ensejadora de ação penal pública incondicionada, deve a autoridade policial investigá-la e, em seguida, havendo elementos, é obrigatório que o promotor apresente denúncia. (NUCCI, 2015, p. 47)
Destarte, tal princípio manifesta-se no sentido de que o órgão ministerial, caso presentes os pressupostos da ação, tem o dever de oferecer a denúncia. O órgão do Ministério Público, na ação penal pública, está submetido ao princípio da obrigatoriedade (ou legalidade ou necessidade) da ação penal, não ficando ao seu arbítrio ou discricionariedade mover ou não a ação penal (MIRABETE, 2012). Observa-se que o referido princípio está diretamente relacionado ao princípio da legalidade, considerando o impacto vinculante que impõe em relação à atuação do Ministério Público.
O princípio da indisponibilidade atua como um desdobramento do princípio da obrigatoriedade, tendo em vista que seria incoerente obrigar que o órgão ministerial iniciasse o processo e sem justificativa o abandonasse. Sendo assim, além do órgão ministerial ser obrigado a oferecer a denúncia – caso estejam presentes pressupostos da ação - é obrigado, além disso, a continuar atuando no processo:
Basta a simples notitia criminis para que a autoridade policial mande instaurar o investigatório. Chegando o inquérito ao Ministério Público, este oferecerá a denúncia, pedirá o arquivamento ou requisitará diligências. Em relação a esse tipo de ação penal, vige o princípio da obrigatoriedade e o da indisponibilidade (AQUINO e NALINI, 2009, p. 128)
Outrossim, o princípio da obrigatoriedade pode ser observado na fase pré-processual, ou seja, antes de iniciada a ação em si, já o princípio da indisponibilidade é vislumbrado na fase processual, uma vez que, após iniciada a ação o Ministério Público, não poderá dispor ou desistir do processo.
3. JUSTIÇA CRIMINAL CONSENSUAL BRASILEIRA
A aplicação hipertrofiada das penas privativas de liberdade resulta em sua banalização e em consequência acabaram se tornando incapazes de cumprir a finalidade para qual foram feitas.
Dentro do sistema processual tradicional não havia espaço para conciliação, tendo em vista o predomínio da cultura do litígio. Anteriormente à Constituição Cidadã, foram instituídos através da Lei 7.244/84 os Juizados Especiais de Pequenas Causas, com o escopo de agilizar e simplificar a prestação jurisdicional. A despeito de ser uma proposta de inovação e de desburocratização de demandas judiciais, a referida lei somente versava sobre questões cíveis, deixando de lado solução consensual de lides na esfera criminal.
Com o propósito de sanar omissões e prestigiar alternativas de conflitos cíveis e penais, a Constituição Federal, promulgada em 1988, prevê em seu artigo 98, I, a criação de juizados especiais com a finalidade de julgamento de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo.
Neste contexto, surge a Lei nº 9.099/95, que revogou a Lei 7.244/84, enfatizando a justiça consensual e conferindo ao sistema maior efetividade.
3.1 Lei 9.099/95
A Lei 9.099 afastou o modelo processual antigo que buscava uma sentença a todo custo, apresentando uma mudança de postura das partes envolvidas na lide, ou seja, da solução através da conciliação. A vítima passa a ter um papel ativo e dinâmico, objetivando sua justa satisfação e melhorando as suas atitudes em relação ao infrator e ao sistema legal (GOMES, 1999). Trata-se, em verdade, de revigorar a figura da vítima, diversas vezes deixada em segundo plano na esfera criminal.
Sendo assim, o intuito é o consenso para resgatar a ordem jurídica e a pacificação social, sem necessidade de instauração de processo, ou, quando inevitável, ao menos impedir a aplicação de pena mediante sentença condenatória.
O artigo 2º da Lei 9.099/95 dispõe que, visando a conciliação ou transação, o processo será orientado pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade. Em cumprimento aos princípios do contraditório e ampla defesa, as garantias enumeradas neste diploma legal favorecem a viabilização do amplo acesso à justiça e efetiva conciliação entre as partes.
A celeridade em questão não diz respeito à pressa inconsequente de uma justiça imediatista e falha, mas na rapidez necessária e eficiente, dentro dos prazos razoáveis.
Relativamente à competência dos Juizados Especiais Criminais, o artigo 60 estabelece que, compostos por juízes togados ou togados e leigos, são competentes para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações de menor potencial ofensivo, que compreendem as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa, consideradas as disposições sobre conexão e continência.
Ressalta-se que a Lei 9.099/95 instituiu medidas despenalizadoras, conceituadas como “medidas penais ou processuais alternativas que empenham-se em obstar a pena de prisão” (Grinover, 2005, p. 46), marcando um novo paradigma no sistema consensual criminal. São elas: composição civil, transação penal, exigência de representação nos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas e suspensão condicional do processo.
Durante a fase preliminar, o artigo 72 prevê a realização de audiência preliminar para tentativa de conciliação, com a presença do parquet, o autor do fato e a vítima, e, se possível, o responsável civil, assistidos por seus procuradores. Nesse cenário, é possível que haja a composição dos danos, correspondendo ao acordo firmado entre autor e vítima, podendo tal compromisso indenizatório abarcar danos materiais e até mesmo morais.
Nos casos de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo ocasiona a renúncia ao direito de queixa ou representação. Em verdade, tal renúncia representa causa extintiva da punibilidade.
A composição civil será reduzida a termo e homologada pelo magistrado, por meio de sentença irrecorrível, tendo força de título executivo, passível de execução no juízo cível competente, segundo artigo 74, Lei 9.099/95.
Entende-se por transação penal o acordo oferecido pelo parquet em audiência preliminar. Havendo representação ou sendo hipótese de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, constitui-se na aplicabilidade imediata de pena restritiva de direitos ou multa, detalhado na proposta. Nesse contexto, dispensa-se a instauração da ação penal, desde que preenchidos os requisitos legais, visando simplificar a justiça penal por meio de medida despenalizadora participativa e resolutiva.
A transação penal não é admitida, de acordo com o artigo 76, §2º:
I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;
II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;
III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.
Aceita a proposta pelo autor do delito e seu defensor, o magistrado a apreciará. O acordo firmado não implica reincidência, sendo registrado tão somente para impossibilitar nova transação penal no prazo de cinco anos.
No que concerne à exigência de representação da vítima nos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas, está prevista no artigo 88 da referida Lei. Sendo assim, tais infrações serão processadas mediante ação penal pública condicionada à representação, incumbindo à vítima o início da persecução penal, viabilizando que ocorra, por conseguinte, renúncia ou decadência do direito de queixa.
Em se tratando da suspensão condicional do processo, também denominado sursis processual, é instituto de política criminal favorável ao acusado. Possibilita a suspensão do curso processual após o recebimento da denúncia, contanto que o delito atribuído ao acusado não tenha pena mínima superior a um ano, por intermédio de cumprimento de certas condições legais, com a finalidade de obtenção da extinção da punibilidade, sendo desnecessário o julgamento do mérito propriamente dito.
São condições para oferecimento do sursis processual as previstas pelo artigo 89, §1º, Lei 9.099/95:
§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:
I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;
II - proibição de frequentar determinados lugares;
III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;
IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.
Ademais, o §2º do mesmo artigo assevera que o magistrado poderá especificar outras disposições a que fica submetida a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado. Na hipótese de o autor do fato descumprir alguma das exigências fixadas, a suspensão será revogada.
Com as citadas medidas despenalizadoras, premissas clássicas da ultrapassada Justiça Conflitiva, como as da inderrogabilidade do processo e da pena (nulla poena sine judicio), e da indisponibilidade e obrigatoriedade da ação penal, foram colocadas em segundo lugar, dando espaço a um novo modelo processual penal, que enaltece a oportunidade, discricionariedade regrada, disponibilidade e a busca do consenso (LIMA, 2017).
Após a criação dos institutos consensuais previstos na Lei 9.099/95, surgiram outros no mesmo sentido, refletindo a busca do caráter consensual na legislação brasileira, tal como a lei 12.850/13, através do acordo de colaboração premiada.
3.2 Resolução 181/2017 CNMP
O Conselho Nacional do Ministério Público editou a Resolução 181/2017, instituindo o acordo de não persecução penal, intencionando o aprimoramento das investigações criminais levadas a cabo pelo Ministério Público. Ainda, levou em consideração o volume desumano de processos que se aglomeram nas varas criminais, e celeridade na resposta às infrações menos graves, priorizando os recursos financeiros e humanos do Ministério Público e do Poder Judiciário.
O artigo 18 da resolução previa que, não sendo o caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor ao investigado acordo de não persecução penal quando, cominada pena mínima inferior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça a pessoa, o investigado tiver confessado formal e circunstanciadamente a sua prática, além de assumir o compromisso de: reparar o dano à vítima, pagar prestação pecuniária, cumprir prestação de serviço ou cumprir outra condição estipulada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal aparentemente praticada.
Nesse contexto, a Resolução sofreu críticas pois parte da doutrina entendia que era formalmente inconstitucional, devido tratar de matérias que demandam lei oriunda da União, nos termos do artigo 22, I, CF/88. Foi questionada pela Associação dos Magistrados Brasileiros, AMB, por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5790), alegando que a norma questionada invadia a competência legislativa. Outrossim, foi interposta ADI 5793 pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB sob o argumento de extrapolação de seu poder regulamentar, que visava quebrar a paridade entre o Ministério Público e a advocacia. Em decorrência das referidas ADIs, o CNMP editou a Resolução 183/2018, com intuito de corrigir pontos da resolução anterior.
Apesar de o acordo de não persecução penal instituído pela Resolução 181/2017 e editado pela Resolução 183/2018 do CNMP se mostrasse como um instrumento de política criminal apto para dar maior celeridade e efetividade no julgamento de determinadas infrações penais, provocando efeitos positivos no âmbito jurídico e social, se apresentava eivado de aparente inconstitucionalidade formal, não podendo tal fato ser ignorado.
Destarte, com a promulgação da Lei n. 13.964, de 24 de dezembro de 2019 (Pacote Anticrime), foi regulamentado o acordo de não persecução penal no artigo 28-A do Código de Processo Penal, adequando o ato normativo às normas constitucionais, dirimindo as discussões neste sentido.
4. LEI 13.964/2019: PACOTE ANTICRIME E O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
O acordo de não persecução penal, previsto no artigo 28-A do CPP, ao ingressar de forma regular no sistema processual penal, pela via legislativa adequada, abre novas portas para a aplicação de justiça não punitivista no processo penal brasileiro.
Por oportuno, destaca-se:
Compreende-se o acordo de não persecução penal como sendo o ajuste obrigacional celebrado entre o órgão de acusação e o investigado, devidamente homologado pelo juiz, no qual o investigado assume sua responsabilidade, aceitando cumprir, desde logo, condições menos severas do que a sanção penal aplicável ao fato a ele apontado. (SANCHES, 2020, p. 127)
De acordo com o caput, são requisitos cumulativos para a realização do acordo: não deve ser hipótese de arquivamento, devendo haver os pressupostos de admissibilidade da acusação (viabilidade acusatória); confissão formal e circunstancial da prática de infração penal, feita na investigação ou mesmo quando da realização do acordo; infração penal com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, sem violência ou grave ameaça; o trato firmado e suas circunstâncias devem ser suficientes para reprovação e prevenção do crime, ou seja, adequação e necessidade (proporcionalidade).
Além disso, se extrai do artigo 28-A, §2º, que são causas impeditivas do acordo, de natureza alternativa: não ser cabível transação penal; as circunstâncias pessoais do imputado não recomendarem, por ser ele reincidente ou existirem elementos probatórios suficientes de que se trata de conduta criminosa habitual, reiterada ou profissional, salvo quando as infrações penais anteriores forem insignificantes; o imputado não poder ter sido beneficiado, nos últimos 5 anos anteriores ao crime, de acordo de não persecução, transação penal ou suspensão condicional do processo; que a pena mínima seja inferior a 4 anos, não cabendo o acordo quando se tratar de crime de violência doméstica ou familiar (Lei n. 11.340/2006) ou relacionado à violência de gênero (praticado contra mulher em razão da condição de sexo feminino, em favor do agressor).
Salienta-se que são premissas a serem ajustadas, cumulativa e alternativamente: reparação do dano ou devolução do objeto à vítima, exceto impossibilidade; renúncia voluntária de bens e direitos que sejam instrumentos, produto direto ou obtidos através dos frutos do delito, a serem indicados pelo parquet; prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública, pelo tempo correspondente ao da pena mínima cominada à infração, que será reduzida de um a dois terços conforme negociação entre o parquet e o investigado; pagamento de prestação pecuniária, que será revertido, de preferência, à entidade pública ou de interesse social que tenha como incumbência de tutela de bens jurídicos iguais ou semelhantes aos impactados pela infração; por fim, que o imputado cumpra, por prazo a ser transacionado, outro requisito apontado pelo MP, desde que proporcional e compatível com o crime imputado.
Será firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor, e formalizado por escrito. O acordo de não persecução deverá ser proposto anteriormente ao recebimento da denúncia, sendo homologado pelo juiz das garantias, podendo ser proposto na audiência de custódia, quando for caso de sua realização e a especificidade do caso permitir (LOPES JR, 2020).
Firmado o acordo, será submetido à homologação judicial, na mesma audiência em que se realizou ou em audiência específica para esse fim (caso o acordo tenha se dado apenas por escrito entre as partes), ocasião em que o magistrado deverá proceder a oitiva do acusado na presença de seu defensor para avaliar a voluntariedade do acordo e sua legalidade. Com a homologação deste ato bilateral, o magistrado remeterá o acordo ao Ministério Público para que dê início a sua execução perante o juízo de execução penal.
Uma vez formalizado o acordo e cumpridas as condições estabelecidas, será extinta a punibilidade, não gerando reincidência ou maus antecedentes, registrando-se apenas para o fim de impedir um novo acordo no prazo de cinco anos.
Observa-se que a vítima não participa do acordo, mas é intimada da homologação, ainda que não possa se opor a ele, e de eventual descumprimento.
Em caso de descumprimento do acordo homologado, o parquet comunicará o magistrado para rescindir o convencionado e oferecerá denúncia. Assevera o §11º do referido artigo que a inobservância do pacto pelo investigado poderá ser empregada pelo Ministério Público como justificativa para o eventual não oferecimento de suspensão condicional do processo.
Após o descumprimento do acordo:
Deverá o juiz designar audiência oral e pública para exercício do contraditório, momento em que deverá ouvir o imputado sobre a veracidade e eventuais motivos que justifiquem o descumprimento na presença do seu defensor. Também deverá ser analisada a proporcionalidade do descumprimento em relação às consequências (LOPES JR, 2020, p. 320).
Caso o juiz repute inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo, remeterá os autos ao parquet para que seja reestruturada a proposta, com consentimento do investigado e seu defensor, consoante disposto no §5º, artigo 28-A.
O magistrado não poderá intervir na redação final da proposta, definindo os termos do acordo, o que, sem dúvidas, violaria o sistema acusatório e a própria imparcialidade objetiva do julgador (LIMA, 2020).
Ainda, estabelece o artigo 28-A, §7º, que o juiz poderá recusar a homologação à proposta que não estiver de acordo com as imposições previstas na lei ou quando não for efetuada a adequação a que se refere o §5º do mesmo artigo.
A seguir, o §8º fixa que recusada a homologação, o juiz devolverá os autos ao parquet para avaliação da necessidade de aprimoramento das investigações ou oferecimento da denúncia.
Por derradeiro, caso o Ministério Público se recuse a propor o referido instituto, o investigado poderá pleitear a remessa dos autos para a instância de revisão ministerial, na forma do artigo 28, Código Penal.
Nota-se que o acordo de não-persecução penal se enquadra como Direito Penal de Segunda Velocidade, dentro da teoria elaborada por Jesus-Maria Silva Sánchez, no que diz respeito a flexibilização do Direito Penal, marcada pela substituição de pena de prisão por penas alternativas.
4.1 Da mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal
Pelo princípio da obrigatoriedade da ação penal, estando presentes os requisitos legais para o exercício da ação penal, deverá o Ministério Público oferecer a denúncia. Apesar disso, a mitigação deste princípio, iniciada pelas medidas despenalizadoras instituídas pela Lei 9.099/95, é fortalecida ainda mais pelo acordo de não persecução penal.
Em verdade, a mitigação em questão traduz-se na possibilidade do membro do Ministério Público, mesmo diante dos preenchimentos das condições da ação, dispor-se do oferecimento da denúncia para propor ao infrator imediata aplicação de pena não privativa de liberdade, sem a necessidade do processo penal (AVENA, 2017). Deste modo, mesmo quando o parquet propõe medida de justiça consensual, obedecendo ao princípio da legalidade, não há omissão ou desídia, mas sim mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal.
Também por este prisma é o entendimento de Barros e Romaniuc (2018, p. 77), ao disporem que “não há qualquer obrigação jurídica do parquet ser a obrigado a dar prosseguimento a persecução judicial, uma vez que lhe é outorgada a conveniência fundamentada na sua livre apreciação do interesse público”.
Sendo assim, a mitigação não possibilita que o Ministério Público possa atuar em irrestrita discricionariedade e à margem da Carta Magna e do ordenamento jurídico. Diante do caso concreto, a flexibilização oportuniza maior abrangência de atuação ao parquet, que poderá, considerando o princípio da motivação das decisões, proceder em conformidade com a legislação pátria, com conveniência, oportunidade e até mesmo com base nas diretrizes de política criminal.
4.2 Imparcialidade objetiva do magistrado
Como já ressaltado, se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições, devolverá os autos para o MP para que reformule as propostas. Se não realizada essa adequação ou não forem atendidos os requisitos legais, o juiz poderá recusar a homologação. Essa postura intervencionista do juiz se justifica apenas quando houver ilegalidade nas condições ou for gravemente abusiva para o imputado (LOPES JR, 2020).
Não homologado o acordo, o juiz devolverá os autos para o MP, para que ofereça denúncia, faça uma adequação no acordo, ou complemente as investigações e faça uma nova proposta. Lopes Jr. (2020, p. 319) entende que “essa previsão é problemática, na medida em que pode representar uma inquisitória atuação judicial em uma esfera de negociação exclusiva das partes”. Nessa hipótese, a atribuição do juiz na devolução para reformulação exige prudência e parcimônia, para não ofender sua imparcialidade, a fim de não intervir como parte do negócio jurídico, algo que não o é.
A decisão proferida pelo magistrado é ato judicial de natureza declaratória, cujo conteúdo analisará apenas a voluntariedade e a legalidade do ajuste, não cabendo ao magistrado proceder juízo de mérito/conteúdo do acordo, sob pena de afronta ao princípio da imparcialidade, atributo que lhe é indispensável no sistema acusatório.
O dever do magistrado ao apreciar o acordo de não persecução penal se consubstancia em garantia dos direitos do investigado e análise da legalidade do acordo, e tal incumbência deve ser realizada com cautela, para que não assuma papel de protagonista, vulnerando sua imparcialidade (CABRAL, 2020).
Lopes Jr (2020, p. 319) ressalta que “essa postura intervencionista do juiz (de recusar o acordo) se justifica apenas quando houver ilegalidade nas condições ou for gravemente abusiva para o imputado”.
Acerca da postura do magistrado:
O juiz jamais poderá decidir sobre a conveniência na formatação das cláusulas obrigacionais do acordo, inclusive no que diz respeito ao quantum de prestação de serviços e de prestação pecuniária, desde que estejam dentro dos limites estabelecidos em lei. Essa avaliação político-criminal cabe exclusivamente ao MP e que o próprio juízo de adequação, a que se refere aludido dispositivo, deve limitar-se à verificação se o acordo transbordou ou não, em extensão, os limites estabelecidos em lei para o ANPP (CABRAL, 2020, p. 158).
O magistrado não pode se tornar protagonista do acordo, intervindo diretamente na estipulação das condições do instituto, e sua intervenção só é permitida em casos de evidente inadequação, insuficiência ou abusividade, recusando a homologação do acordo.
Devem ser considerados todos os preceitos da relação entre o sistema acusatório e os postulados do princípio da imparcialidade, haja vista que só este sistema processual proporciona condições de eficácia da garantia da imparcialidade.
5. DIREITO COMPARADO: JUSTIÇA CONSENSUAL NOS ESTADOS UNIDOS
O modelo de justiça penal negociada adotado nos Estados Unidos é o “plea bargain”. Com base nisso:
Chama-se “plea bargain” ou “plea bargaining” ou, ainda, “plea bargain agreement”, porque permite e incentiva o acordo, a negociação, entre o acusado de um crime e o Ministério Público (promotor ou procurador). [...] Em suma, “plea bargain” é a possibilidade de negociação no campo criminal que tem por objeto recíprocas concessões a partir da confissão do acusado (“guilty plea”) (GOMES, 2019)
Em seguida, o supra citado autor assevera que “o instituto pleabargain é norteado pelo princípio da autonomia da vontade”. Apesar disso, ressalta-se que com a confissão da culpa, o acusado está abrindo mão de todos os direitos garantidos em caso de julgamento, sendo que o reconhecimento da culpa implica, nesse sentido, em renúncia de direitos (CAMPOS, 2012).
Lopes Jr. (2020, p. 1241) afirma que: “no modelo de plea bargaining americano, cerca de 90% dos casos penais são resolvidos através de acordo entre acusação e defesa”.
O Pacote Anticrime (Lei n. 13.964, de 24 de dezembro de 2019), originalmente, fazia previsão da modalidade do plea bargain, utilizado nos EUA, entretanto, este instituto não foi aprovado.
Aceitar o plea bargain seria permitir a restrição de direitos, além do não exame de provas, pelo menos não da forma como determina o direito nacional vigente, pautado nas garantias do acusado (ALENCAR; TÁVORA; 2019).
Acerca da possível implementação do instituto da justiça norte-americana no ordenamento jurídico pátrio:
Em um sistema onde a maioria dos réus são pobres e contam com o patrocínio de advogados dativos, os quais nem sequer têm tempo e energia para preparar uma defesa adequada, colocá-los a negociar sua liberdade, com a condição de confessar, perante um órgão acusador, sob a ameaça de futura condenação a uma pena superior à ofertada, cria todas as condições para que um inocente confesse sua culpa e permaneça preso (CAPELA, 2019).
A exigência do reconhecimento de culpa é a maior semelhança existente entre o acordo de não persecução penal e o plea bargain americano). A ideia é que a confissão ocorra em ambiente que considere os direitos e garantias fundamentais do indivíduo, sob os olhares do magistrado, sem a forte pressão ocorrida no momento da realização do acordo nos Estados Unidos.
Embora os mecanismos de justiça criminal consensual brasileiros tenham sido influenciados pela estrutura norte americana, o plea bargain estadunidense se funda na ideia de funcionalismo do sistema penal, com relativa abdicação de direitos e garantias do acusado, oposto ao garantismo penal adotado pelo ordenamento pátrio.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para alicerçar a explanação, foi necessário demonstrar os pilares do sistema acusatório, modelo adotado pelo ordenamento jurídico, enfatizando a separação de poderes, a fim de coibir excessos praticados pelo Estado e garantir os direitos dos cidadãos.
Na busca por alternativas céleres de prestação jurisdicional, a justiça negociada está atrelada à ideia de eficiência, à resposta rápida à sociedade e ao rompimento com a mentalidade de solução de lides apenas com a pena privativa de liberdade.
A flexibilização do processo, visando otimizar a tutela jurisdicional e eliminar a sobrecarga do Judiciário, iniciou-se com o avento da Lei 9.099/95, com a implementação dos Juizados Especiais Criminais.
A partir daí, criou-se campo fértil no cenário jurídico penal para a Justiça Restaurativa, caracterizada como uma nova perspectiva de solução de conflito instaurado pela violação da norma penal. A vítima passa a ter novo papel dentro dessa nova concepção de solução de conflitos.
Nesse contexto, o Acordo de Não Persecução Penal revela-se importante mecanismo de justiça criminal, pois visa a responsabilização do agente sem necessidade de processo, o que viabiliza melhor desempenho da atividade jurisdicional na esfera criminal.
Especificamente no que tange ao acordo de não persecução penal, esse instrumento requer uma postura diferenciada por parte dos atores judiciários, tendo em vista sua natureza de instituto negocial, pois não deve representar a negação da jurisdição, do sistema acusatório e das garantias processuais constitucionais.
Basta ver que este novo benefício penal tem como um de seus requisitos a aplicação em infrações cuja pena mínima seja inferior a 04 anos, incluindo, consequentemente, vários delitos, priorizando a justiça negociada e também as penas alternativas.
A ampliação dos espaços de consenso e a implementação da negociação no processo penal é uma tendência imparável, que poderá ter como consequência a adoção do instituto plea bargain americano, desde que adequado a realidade brasileira e suas peculiaridades.
Ao Ministério Público, continua sendo vedada a desistência pura e simples da ação penal de iniciativa pública, como consagração da mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal, estando sempre sujeita ao controle judicial. Ao magistrado, apenas caberá intervir nos casos expressos na legislação, sob pena de ofensa à imparcialidade.
O processo penal como um todo deve ser visto como ferramenta de política criminal, tendo sua eficácia alcançada quando a sociedade nota credibilidade no sistema, e não apenas encarceramento em massa, com aplicação irrestrita de penas privativas de liberdade. A realização de acordos de não persecução se revela como alternativa promissora de política criminal, proporcionando celeridade na resolução de casos criminais menos graves.
O acordo de não persecução penal, assim, acabou abrindo novas portas para que houvesse uma certa punição antes mesmo de haver um devido processo penal, sob a roupagem de uma nova forma alternativa de resolução de conflitos.
REFERÊNCIAS
ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Comentários ao anteprojeto de lei anticrime. Salvador: JusPodivm, 2019.
AQUINO, José Carlos Gonçalves Xavier; NALINI, José Renato. Manual de Processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
AVENA, Norberto. Processo Penal. 9. ed. São Paulo: Método, 2017.
BARROS, Francisco Dirceu; ROMANIUC, Jefson. Constitucionalidade do Acordo de Não Persecução Penal. In: CUNHA, Rogério Sanches (Coord.). Salvador: Juspodivm, 2018.
CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. Manual do acordo de não persecução penal. Salvador: JusPodivm, 2020.
CAMPOS, Gabriel Silveira de Queirós. Plea bargaining e justiça criminal consensual: entre os ideais de funcionalidade e garantismo. Custos Legis. Revista eletrônica do Ministério Público Federal. Disponível em: <http://www.prrj.mpf.mp.br/custoslegis/revista/2012_Penal_Processo_Penal_Campos_Plea_Bargaining.pdf>. Acesso em: 12 jun. 2020.
CAPELA, Fábio. Plea bargaining: o projeto de “negociata penal” de Sérgio Moro. Justificando, 29 maio 2019. Disponível em: http://www.justificando.com/2019/05/29/plea-bargainingoprojeto-de-negociata-penal-de-sergio-moro/. Acesso em: 13 jun. 2020
CUNHA, Rogério Sanches. Pacote anticrime: Lei 13.964/2019 – Comentários às alterações no CP, CPP e LEP. Salvador: JusPodivm, 2020.
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GOMES, Luiz Flávio. Penas e Medidas Alternativas à prisão. São Paulo: RT, 1999.
GOMES, Luiz Flávio. Moro sugere “plea bargain” no Brasil. Que é isso? É possível? Seria uma revolução? Disponível em: <https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2019/01/18/moro-sugere-plea-bargain-no-brasil-que-e-isso-e-possivel-seria-uma-revolucao/>. Acesso em: 10 jun. 2020.
GRINOVER, Ada Pellegrini. Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099/95. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
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LOPES JR, Aury Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2020.
MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Código Penal interpretado. São Paulo: Atlas, 2012.
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THUMS, Gilberto. Sistemas Processuais Penais. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
[i] Graduado em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba; Especialista em Direito Processual pelo Centro Integrado de Pós-Graduação Toledo; Especialista em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade Camilo Castelo Branco. E-mail: [email protected]
[ii] Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Araçatuba; Pós-graduada em Didática e Metodologia do Ensino Superior pela FIPAR; Especialista em Direito Processual pela FAMA; Mestrado em Direito pela UNIVEM. E-mail: [email protected]
Bacharelando do curso de Direito / Profissão: Escrevente Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALVES, ADRIANO REIS. Acordo de não persecução penal: novo instituto de Justiça Criminal Consensual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 ago 2020, 04:48. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55115/acordo-de-no-persecuo-penal-novo-instituto-de-justia-criminal-consensual. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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