Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado a Universidade Brasil, como complementação dos créditos necessários para obtenção do título de Bacharel em Direito, Prof. Dr. Ademir Gasques Sanches.
RESUMO: A pandemia da COVID-19 torna os indivíduos e a sociedade extremamente vulneráveis em todos os aspectos. Durante a atual pandemia da COVID-19, os governos nacionais estão tomando medidas excepcionais para retardar a propagação do vírus. Muitos países tiveram que adotar medidas de emergência com relação ao funcionamento de seus sistemas judiciais e permitir que seus tribunais continuassem operacionais, na medida do possível. O coronavírus continua sendo uma das principais preocupações. Governos federais, estaduais e locais estão tomando decisões que afetam a operação de seus sistemas de justiça criminal. Partindo dessa ideia o trabalho tem como escopo discorrer sobre sanções penais ocasionadas pelo coronavírus (COVID-19), para tanto realizou-se uma revisão de literatura, na qual foi apresentado o conceito de coronavírus, o conceito de sanção, relatou-se também sobre a relação do direito penal com COVID-19 e a possível responsabilização da China frente a responsabilidade pela disseminação e consequente normas internacionais aplicáveis a situação. Concluindo que como trata-se de uma pandemia, em que o mundo não se encontrava preparado e traz em seu conceito diversas dificuldades, vê-se que líderes políticos e legislativo estão em constante adaptação e trabalhando em muitos casos por analogia.
Palavras-chave: COVID-19, coronavírus, direito penal, sanção, pandemia.
ABSTRACT: The COVID-19 pandemic makes individuals and society extremely vulnerable in all aspects. During the current Covid-19 pandemic, national governments are taking exceptional measures to slow the spread of the virus. Many countries have had to take emergency measures regarding the functioning of their judiciais systems and allow their courts to remain operational, as far as possible. Coronavirus remains a major concern. Federal, state and local governments are making decisions that affect the operation of their criminal justice systems. Based on this idea, the work aims to discuss criminal sanctions caused by the coronavirus (COVID-19), for this purpose a literature review was carried out, in which the concept of coronavirus was presented, the concept of sanction, it was also reported on the relationship of criminal law with COVID-19 and China's possible accountability for responsibility for dissemination and consequent international standards applicable to the situation. Concluding that as it is a pandemic, in which the world was not prepared and brings in its concept several difficulties, we see that political and legislative leaders are constantly adapting and working in many cases by analogy.
Keywords: COVID-19, coronavirus, criminal law, sanction, pandemic.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. REVISÃO DE LITERATURA. 2.1. Conceito de sanção. 2.2. A relação do direito penal e a COVID-19. 2.3. A Covid-19 e o Direito Comparado. 2.4. A possível responsabilização da China frente a COVID-19. 2.5. Normas internacionais aplicáveis. 3. METODOLOGIA. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
A COVID-19 é uma doença infecciosa causada por um novo Corona vírus identificado pela primeira vez em dezembro de 2019. A coronavírus é uma família de vírus causadoras de infecções respiratórias. Ainda não existe uma vacina para prevenir a COVID-19 e não há tratamento específico para a doença, além de controlar seus sintomas (BRASIL, 2020a).
Em meados de março de 2020, mais de 150 países haviam relatado casos da COVID-19, e a Organização Mundial da Saúde (OMS), informou que havia mais de 200.000 infectados em todo o mundo. Mais de 7.000 pessoas morreram e os números continuaram a aumentar a um ritmo alarmante (BRASIL, 2020b).
Com essa pandemia apresentada de forma repentina, nossos líderes políticos, bem como, legisladores se viram mediante a necessidade de apresentar soluções para contenção da mesma, tanto na esfera civil, administrativa quanto penal. Essas derrogações às regras processuais geralmente aplicáveis em questões criminais foram tomadas principalmente por razões óbvias de saúde, a fim de reduzir contatos físicos, mas também para garantir o funcionamento contínuo do sistema de justiça público, um serviço público que, no contexto da serviço mínimo devido a todos os cidadãos, não pode se dar ao luxo de parar completamente (TOSCHI, 2020).
A Portaria Interministerial nº 5, de 17 de março de 2020, emitida pelos Ministérios da Saúde e da Justiça e Segurança Pública do Brasil, estabeleceu a natureza obrigatória das medidas previstas na Lei Federal nº 13.979, promulgada para enfrentar a atual emergência de saúde pública. Essa legislação, por sua vez, prevê medidas de combate à emergência de saúde pública causada pela COVID-19 e foi regulamentada pela Portaria nº 356/2020 do Ministério da Saúde (BRASIL, 2020c).
As citadas portarias associadas a Lei Federal nº 13.979 / 2020 não estabelecem quais penalidades estariam sujeitas àqueles que não cumprirem suas regras. Tais atos apenas estabelecem que os infratores serão responsáveis civil, administrativamente e criminalmente (LACERDA, 2020).
A crise da COVID-19 é um lembrete brutal da importância de garantir um progresso duradouro no que diz respeito ao gozo de direitos sociais, particularmente por meio do desenvolvimento de serviços universais de saúde pública. A pandemia mostra em termos práticos a indivisibilidade dos direitos humanos (ALMEIDA, 2020).
Ao usar os conceitos de direito penal para fazer cumprir o esquema regulatório, essas ofensas regulatórias estão sujeitas aos princípios legais de direito penal que descrevem, definem e limitam as sanções.
Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que um surto de doença por coronavírus (COVID-19), identificado pela primeira vez em dezembro de 2019 em Wuhan, China, havia atingido o nível de uma pandemia global. Citando sua preocupação com "os alarmantes níveis de disseminação e severidade", a OMS instou os governos a tomarem ações urgentes e vigorosas para impedir a propagação do vírus (AMORE e CARDOSO, 2020).
O novo coronavírus que surgiu em Wuhan, China, no final de 2019, síndrome respiratória aguda grave - coronavírus 2 (SARS-CoV-2), se espalhou rapidamente para todas as províncias chinesas e, em 1 de março de 2020, para 58 outros países. Esforços para conter o vírus estão em andamento; no entanto, dadas as muitas incertezas em relação à transmissibilidade e virulência de patógenos, a eficácia desses esforços é desconhecida (BRASIL, 2020a).
A fração de casos não documentados, mas infecciosos, é uma característica epidemiológica crítica que modula o potencial pandêmico de um vírus respiratório emergente. Essas infecções não documentadas muitas vezes passam despercebidas devido a sintomas leves, limitados ou inexistentes e, portanto, dependendo de sua contagiosidade e número, podem expor uma parcela muito maior da população ao vírus do que ocorreria de outra maneira (BRASIL, 2020b).
A lei internacional de direitos humanos garante que todos tenham o direito ao mais alto padrão de saúde possível e obriga os governos a tomar medidas para evitar ameaças à saúde pública e prestar assistência médica às pessoas necessitadas. Os padrões de direitos humanos também reconhecem que, no contexto de sérias ameaças à saúde pública e emergências públicas que põem em perigo a vida de uma nação, restrições a alguns direitos podem ser justificadas desde que tenham uma base legal, sejam estritamente necessárias, de acordo com as evidências científicas e não são arbitrárias ou discriminatórias em sua aplicação, têm duração limitada, respeitam a dignidade humana, estão sujeitas a revisão e são proporcionais para atingir seu objetivo (AMORE e CARDOSO, 2020).
A magnitude e severidade da pandemia da COVID-19 é claramente o nível de uma ameaça à saúde pública que poderia justificar restrições a certos direitos, como os resultantes da imposição de quarentena ou isolamento e que limitam a liberdade de movimento. Ao mesmo tempo, uma atenção cuidadosa aos direitos humanos, como não discriminação e princípios de direitos humanos, como transparência e respeito à dignidade humana, pode promover uma resposta eficaz em meio às turbulências e perturbações que inevitavelmente resultam em tempos de crise, bem como limitar os danos que possam advir da imposição de medidas gerais demais que não atendam aos critérios (LACERDA, 2020).
O trabalho fornece uma visão geral das preocupações de direitos humanos levantadas pelo surto de coronavírus, com base em exemplos de respostas do governo tomadas até o momento e recomenda maneiras pelas quais governos e outros atores podem respeitar os direitos humanos nessas respostas.
Uma sanção é chamada de penalidade estabelecida por uma lei ou regulamento para quem a violar ou violar. A palavra, como tal, vem do latim sanctĭo, sanctiōnis. Na lei, pode-se dizer que a sanção é consequência de uma conduta que constitui uma infração à norma legal. Dependendo do tipo de infração, pode haver penalidades criminais, civis ou administrativas (HASSEMER, 2018).
Da mesma forma, o ato formal e solene pelo qual o chefe de estado confirma uma lei ou estatuto é chamado de sanção. Portanto, como sanção, a aprovação ou autorização de qualquer ato legal também pode ser convocada (FALAVIGNO, 2020).
Por outro lado, no Direito Internacional, sanções são as medidas que um Estado toma perante outro unilateralmente e que podem ser econômicas, diplomáticas ou militares. Como tal, o objetivo deste tipo de sanções é pressionar ou coagir o outro Estado a cumprir certas obrigações ou ceder às negociações (JAKOBS e MELIÁ, 2017).
O termo tem raízes legais, podendo ser de diferentes calibres e referir-se a prisão, multas, desqualificações para determinadas performances de trabalho ou, no caso de instituições privadas, expulsão. As sanções nesse sentido fazem parte das sociedades a partir do momento em que são organizadas com algum tipo de norma, ou seja, existem entre nós desde os tempos antigos. No entanto, há outra variante em relação ao significado do termo. Na verdade, ele também pode se referir a um ato de uma natureza institucional pelo qual o poder executivo valida uma lei ditada pelo Legislativo (HASSEMER, 2018).
Entendido como um ato punitivo, pode-se dizer que eles já estavam previstos nos códigos legais das civilizações antigas. Por exemplo, uma frase referente a um número enorme de anos é a que afirma "olho por olho, dente por dente"; é a famosa lei do talião, uma das expressões mais remotas da justiça retributiva. Estabelece que a sanção aplicada contra uma pessoa deve ser igual ao dano que a mesma causou. Do ponto de vista contemporâneo, essa consideração pode parecer um excesso; de fato, nossos códigos geralmente não aplicam o mesmo dano que se destina a sancionar; os presos têm garantias de que podem invocarem qualquer momento. No entanto, a lei de Talion representa um grande avanço no que diz respeito à consideração da sanção; de fato, no passado, eles podiam até exceder em muito o dano causado, uma circunstância que os igualava mais à vingança do que à justiça (COSTA, 2017).
2.2. A relação do direito penal e a COVID-19
Essas novas disposições promulgadas à luz da pandemia da COVID-19 representam o poder coercitivo do Estado, previsto legalmente, para impor comportamentos positivos em sua população, a fim de proteger a saúde pública (LACERDA, 2020).
A criminalização da exposição e transmissão de doenças infecciosas suscita preocupação nos termos da lei penal e dos direitos humanos. Geralmente, não é eficaz nem necessário para avançar nas metas de saúde pública. Ao considerar essa criminalização no contexto da COVID-19, os Estados devem aprender lições de outra epidemia como a AIDS, por exemplo. Em vez de basear-se em evidências científicas e médicas, a criminalização da não divulgação, exposição e transmissão é motivada por medos e preconceitos sobre a doença. Essa criminalização aumenta o estigma relacionado e não é informada pelas mais recentes evidências científicas e médicas e prejudica os resultados de saúde pública (AMORE e CARDOSO, 2020).
Deve-se lembrar que, a partir de uma análise criminal, nenhuma empresa pode ser responsabilizada por um crime (exceto por crimes ambientais). Os indivíduos que representam a empresa, no entanto, podem ser responsabilizados criminalmente se for comprovado que eles tinham conhecimento e vontade de se envolver em conduta criminal ou, de alguma forma, causaram um crime. Portanto, a responsabilidade criminal no Brasil é individual, pessoal e intransferível (BRASIL, 2020b).
Portanto, se uma ordem médica, quarentena ou isolamento, for ignorada, o indivíduo que fracassou poderá ser responsabilizado pelos crimes de desprezo perante os funcionários (artigo nº 330 do Código Penal Brasileiro) ou violação de uma assistência médica preventiva medida (artigo 268 do Código Penal Brasileiro), a menos que a conduta constitua crime mais grave, como o caso de uma epidemia (artigo 267) (BRASIL, 2012).
No entanto, a prisão de indivíduos é uma medida excepcional e extrema e não ocorrerá para todos os crimes. Como os dois primeiros crimes mencionados acima são considerados menos graves pelo marco legal brasileiro (uma vez que a pena máxima de prisão é inferior a dois anos), aqueles que cometem tais crimes podem se submeter a medidas alternativas. No caso, a própria portaria já indica que tais medidas seriam: assinatura do compromisso de atender aos atos do processo e cumprir as medidas estabelecidas no artigo 3º da Lei nº 13.979 (isolamento, quarentena e execução de exames) (LACERDA, 2020).
O recurso atual às leis criminais, supostamente para sancionar a exposição e transmissão da COVID-19, ecoa assustadoramente de volta a essas preocupações. É provável que o uso do direito penal contribua para o medo da COVID-19, aumentando o estigma para pessoas com COVID-19 ou para aqueles que podem ter sintomas associados à doença. Por condenação, as possíveis penalidades associadas a esses crimes também parecem ser desproporcionalmente severas, à luz dos conselhos da OMS de que a grande maioria das pessoas (acima de 80%) se recuperará sem nenhum tratamento. Há também preocupações sobre a aplicação discriminatória dos delitos de exposição e transmissão da COVID-19. Por exemplo, a discriminação relacionada a COVID-19 já ocorreu, como visto através do aumento de ataques relacionados ao coronavírus contra asiáticos. Como a criminalização relacionada ao HIV, também é previsível que essas ofensas possam ser aplicadas de forma desproporcional contra indivíduos marginalizados, como pessoas que vivem em assentamentos informais ou pessoas afetadas por desabrigados (AMORE e CARDOSO, 2020).
As lacunas atuais no conhecimento e na ciência sobre a COVID-19 significam que processar pessoas pela exposição e transmissão da COVID-19 estaria repleto de dificuldades (CREMONEZE, 2020).
Primeiro, provar a "culpabilidade" parece ser extremamente difícil. Além disso, o 'ato' criminalizado para exposição ou transmissão a COVID-19 pode ser muito vago e excessivo para atender aos princípios fundamentais do direito penal. Existem muitas perguntas sobre a transmissão da COVID-19, incluindo a possibilidade e a taxa de transmissão assintomática (isto é, a transmissão do vírus por pessoas que têm a doença, mas sem sintomas). Mesmo com mais dados disponíveis, dado que o novo coronavírus é altamente contagioso e que a comunidade se espalha em muitos lugares, será difícil, se não impossível, provar que uma pessoa adquiriu definitivamente o vírus de outro indivíduo identificado (AMORE e CARDOSO, 2020).
Criticamente, a criminalização da exposição e transmissão da COVID-19 prejudica os resultados de saúde pública. Sanções criminais para pessoas com COVID-19, bem como, aumento do estigma como resultado da criminalização, podem impedir as pessoas de procurar exames e outros serviços de saúde. A criminalização relacionada a COVID-19 também aumenta muito o dano a indivíduos por meio de detenção e/ou encarceramento. Indivíduos em ambientes fechados correm maior risco de adquirir a COVID-19 devido à incapacidade de praticar medidas de distanciamento social e acesso limitado a bens e serviços médicos (ALMEIDA, 2020).
De fato, alguns Estados libertaram pessoas em locais fechados, incluindo prisioneiros. Outros atrasaram julgamentos criminais e outros, reconhecendo que os tribunais, como outros espaços públicos, podem contribuir para as transmissões da COVID-19. A criminalização da exposição e transmissão, portanto, enfraquece as respostas de saúde pública a COVID-19. Em conclusão, dadas as considerações sobre direitos humanos, direito penal substantivo e saúde pública, os países devem abster-se de criminalizar a exposição e transmissão da COVID-19 (SILVER, 2020).
O papel do direito penal na aplicação das medidas de saúde pública deve ser limitado, com base em evidências científicas e em conformidade com os direitos humanos. Uma área análoga a partir da qual tirar 'lições aprendidas' ao avaliar a adequação do uso da lei criminal para aplicar medidas de saúde pública na resposta a COVID-19 é a tuberculose (TB) (LACERDA, 2020).
Embora a tuberculose seja uma doença contagiosa, é curável com detecção e tratamento adequado. No entanto, pode haver uma necessidade de isolar uma pessoa com TB ativa para impedir uma transmissão adicional. Respostas efetivas à TB, como outras doenças contagiosas, dependem de tomadas de decisão voluntárias, autônomas e informadas para prevenção, tratamento e cuidados. Na maioria dos casos, pessoas com tuberculose ativa aderem voluntariamente ao tratamento prescrito. Mesmo para as pessoas que inicialmente relutam em concordar com o isolamento, o envolvimento do paciente, o aconselhamento e o apoio social geralmente resolverão a situação (MACIEL et al., 2020).
A saúde global e as normas internacionais de direitos humanos advertem que, na maioria das circunstâncias, o isolamento involuntário " viola os direitos de um indivíduo à liberdade de movimento, liberdade de associação e liberdade de detenção arbitrária ". No entanto, os padrões de saúde pública e direitos humanos atendem aos raros casos que requerem isolamento involuntário e tratamento de pessoas com TB. Como a OMS declarou, nos casos em que as pessoas com TB não aderem ao tratamento, 'ou não estão dispostas ou são incapazes de cumprir as medidas de controle de infecção, os interesses de outros membros da comunidade podem justificar esforços para isolar o paciente involuntariamente (MACIEL et al., 2020).
Mas, de acordo com as leis e normas internacionais de direitos humanos, conforme refletido nos Princípios de Siracusa, o recurso à privação de liberdade deve ser previsto e realizado de acordo com a lei; direcionado a um objetivo legítimo (levando em consideração as orientações da OMS quando a saúde pública for o objetivo legítimo a ser perseguido); estritamente necessário em uma sociedade democrática; os meios menos intrusivos e restritivos disponíveis; nem arbitrário nem discriminatório na aplicação; de duração limitada; e sujeito a revisão, inclusive perante um órgão judicial ou quase judicial. Esses mesmos padrões devem ser aplicados ao uso do direito penal para aplicar medidas de saúde pública relacionadas a COVID-19 (ABBOUD, 2020).
A OMS, bem como, outros especialistas e atores importantes em saúde pública, destacaram a importância de medidas voluntárias e não coercitivas no tratamento de doenças infecciosas. Atividades em nível comunitário, como medidas apropriadas de quarentena e distanciamento social, podem ser mais eficazes para o cumprimento de intervenções de saúde pública na resposta da COVID-19 do que a ameaça de sanções criminais. Comunicações de saúde pública claras, transparentes e consistentes podem ajudar a persuadir as pessoas a cumprir as medidas de saúde pública. A prestação de serviços de apoio, a satisfação de necessidades básicas (por exemplo, alimentos, água), bem como o apoio financeiro, social e psicossocial, também podem fortalecer a conformidade. Além disso, caso sejam necessárias sanções para lidar com as consequências do não cumprimento, os Estados podem impor multas administrativas ou civis, desde que sejam implementadas de maneira consistente com os direitos humanos (FERNANDES, 2020).
Quando os países usam o direito penal, como estão fazendo agora em suas respostas a COVID-19, estão usando a ferramenta mais coercitiva à sua disposição. A história mostra que, quando poderes extraordinários são introduzidos em conexão com situações qualificadas como 'emergências que ameaçam a vida da nação' (de boa ou má fé), eles têm uma maneira estranha de penetrar na estrutura legislativa e política comum. Por exemplo, em 2015, a França introduziu medidas extraordinárias em resposta aos ataques terroristas em Paris - essas medidas já chegaram ao le droit commun, legislação ordinária. Poderes extraordinários, portanto, são normalizados. Nos contextos de justiça criminal e saúde pública, o uso indevido e excessivamente amplo do direito penal em emergências de saúde pública cria um precedente preocupante de como o direito penal pode ser usado após o desaparecimento da crise (AMORE e CARDOSO, 2020).
De acordo com OPAS (2020), as respostas ao novo coronavírus aumentaram rapidamente, com os Estados usando uma variedade de intervenções de saúde pública, incluindo ferramentas políticas e legais, com o objetivo declarado de tentar controlar a COVID-19. Todos nos acostumamos a ouvir termos como 'quarentena', 'bloqueio', 'isolamento' e 'distanciamento social', às vezes, aparentemente de forma intercambiável - para se referir a algumas das medidas tomadas. Embora compartilhem o mesmo objetivo - retardar a transmissão da doença, essas são medidas distintas, embora inter-relacionadas:
a) Isolamento - separação de indivíduos doentes, com o objetivo de impedir ou limitar a transmissão subsequente.
b) Quarentena - restrição do movimento de pessoas saudáveis que podem ter sido expostas ao vírus, geralmente durante o período de incubação anterior aos sintomas ou um teste positivo para a doença (no momento em que seriam colocadas em isolamento).
c) Distanciamento social - uma série de atividades, do comportamento comunitário ao individual, para reduzir o contato entre as pessoas - inclui ações como fechar escolas, proibir grandes reuniões e incentivar as pessoas a aumentar a distância física entre si.
d) Bloqueio - termo coloquial sem definição específica de saúde pública, que foi usada para se referir a alguns ou a todos os termos anteriores, mas geralmente é entendida como um movimento severamente restritivo.
Desde que a China impôs sua quarentena da província de Hubei em janeiro de 2020, muitos outros Estados seguiram o exemplo, adotando algum tipo de quarentena e/ou medidas de distanciamento social. Essas ações vão desde a emissão de diretrizes, aconselhando as pessoas a limitar a interação social, até pedidos estritos e obrigatórios de confinamento em casa. Foram adotadas medidas tanto em grandes áreas geográficas (por exemplo, quarentena em massa da China de 57 milhões de pessoas na província de Hubei) quanto em menores (por exemplo, na 'zona de contenção' em New Rochelle, Nova York, EUA). Nos EUA, em 26 de março, pelo menos 200 milhões de pessoas em 21 estados, 47 condados e 14 cidades estavam sendo instadas a ficar em casa (OPAS, 2020).
Alguns Estados se voltaram para o direito penal para aplicar algumas dessas medidas de saúde pública em suas respostas a COVID-19. Notavelmente, a Itália - atualmente em quarentena nacional, supostamente cobrou mais de 40.000 indivíduos por violar suas regras de quarentena. A Noruega, que anunciou medidas parciais de quarentena para o país em 12 de março, confirmou que multas ou prisão serão aplicadas a indivíduos que violarem as regras de quarentena ou isolamento. Da mesma forma, a Argentina anunciou que qualquer pessoa que não siga as regras obrigatórias de isolamento ou quarentena poderá ser presa de seis meses a dois anos. Na Bulgária, os escritórios do Ministério Público (MP), do distrito estão levando adiante pelo menos sete casos de indivíduos acusados de violar as regras de quarentena - se condenados, podem ser forçados a pagar uma multa que varia de 10.000 a 50.000 leva (aproximadamente US$5500 a US$27.600) ou enfrentar até cinco anos de prisão. Nos Emirados Árabes Unidos, que impuseram uma quarentena de 14 dias a qualquer pessoa que entrasse no país, o procurador-geral observou que indivíduos que violam a exigência de quarentena cometem um 'crime punível' (PARENTE, 2020).
Em Israel, a polícia abriu 86 investigações criminais sobre violações de quarentena, no Canadá o Ministro da Saúde anunciou recentemente que o país usaria todos os seus poderes sob a Lei Federal de Quarentena para controlar a COVID-19, incluindo penalidades criminais. Desde que a quarentena comunitária aprimorada nas Filipinas foi anunciada em meados de março, a polícia prendeu centenas de pessoas sob várias acusações, incluindo violações de quarentena e medidas de distanciamento social (PARENTE, 2020).
2.3. A Covid-19 e o Direito Comparado
Embora a comparação sempre tenha existido, os termos direitos comparados ou direito comparativo, não foi usado até o final do século XVIII quando se despertou grande interesse no direito estrangeiro e sua comparação com o direito nacional. Esse interesse surgiu na Alemanha a partir do trabalho de Pablo Anselmo de Feuerbach, mais tarde, esse interesse encontrou eco na França, onde a cadeira começou a ser ensinada; Legislação Comparada em 1832 e em 1869, a Sociedade de Legislação Comparada. Em 1900, foi realizado o primeiro Congresso Mundial de Direito Comparado, a expressão Legislação Comparada foi substituída pelo Direito Comparado que tem um significado mais amplo (ALMEIDA, 2016).
O direito comparado é uma disciplina que confronta semelhanças e diferenças dos vários sistemas legais em vigor no mundo, a fim de entender e melhorar o sistema legal de um determinado país. O direito comparado se deve ao fato de o sistema jurídico diferir de um país para outro. Dessa forma, é necessário seu estudo para apreciar tanto as diferenças quanto as semelhanças defeitos e sucessos dessa ordem, a fim de melhorar as instituições de um país e, portanto, seu sistema legal (JESCHECK, 2016).
A descrição e análise de sistemas jurídicos estrangeiros, mesmo quando nenhuma comparação explícita é realizada. A importância do direito comparado aumentou enormemente na atual era do internacionalismo, globalização econômica e democratização (SERRANO, 2017).
As leis políticas e civis de cada nação devem ser adaptadas de tal maneira às pessoas para as quais são enquadradas, apresentando uma grande chance das nações se adequarem uma as outras. Especialistas jurídicos de Direito Público Comparado e Direito Internacional examinam o respaldo da Organização Mundial de Saúde (OMS) no combate à pandemia de coronavírus, sendo que a organização se tornou um ator internacional importante na crise de Corona.
Em um artigo recente sobre o papel do direito internacional no tratamento da pandemia de SARS-CoV-2, pesquisadores do Instituto Max Planck de Direito Público Comparado e Direito Internacional em Heidelberg examinam mais de perto a cada vez mais criticada autoridade de saúde das Nações Unidas. Os juristas de todo mundo questionam: Os regulamentos Internacionais de Saúde (RSI), como principal instrumento da OMS para conter a propagação global de doenças tem surtido efeito? (SERRANO, 2017).
Na luta contra a propagação do vírus SARS-CoV-2, causador da doença conhecida como COVID-19, bem como suas consequências econômicas, políticas e sociais, os estados-nação atualmente parecem ser os principais atores. Eles estão adotando medidas de longo alcance, que variam de proibições a eventos e regulamentos do direito trabalhista e comercial a toques de recolher e restrições de contato. Dada a natureza complexa e global da pandemia, no entanto, também vale a pena examinar as instituições e regulamentos em nível internacional que são diretamente relevantes na atual crise (SACCO, 2015).
As áreas relevantes do direito são tão multifacetadas quanto a pandemia e suas consequências: ao incluir o direito internacional da saúde, os direitos humanos, o direito internacional do comércio, o financiamento internacional para paz e segurança e desenvolvimento, salientando que os juristas de todo o mundo abordam vários regimes de direito internacional em seus estudos (ALMEIDA, 2016).
Tendo em vista sua relevância na crise do coronavírus, os autores examinam, entre outras coisas, várias áreas cobertas pelo Regulamento Sanitário Internacional (RSI). Dessa forma, eles fornecem uma visão geral da situação legal e mostram até que ponto os regulamentos se aplicam nas circunstâncias atuais. Ao fazer isso, eles também contextualizam recentes controvérsias políticas, como a entre os EUA e a China, desencadeada pelo presidente Donald Trump, que acusou o último país de não cumprir a obrigação consagrada no RSI de relatar imediatamente a nova doença à OMS (CASADO FILHO, 2020).
Com relação a esse caso específico, estudiosos apontam que o RSI fornece à OMS os meios para avaliar legalmente a precisão de tais alegações. Nesse caso, pode não apenas se referir a comunicações oficiais do governo, mas também levar em conta outras informações, como relatórios jornalísticos. Nessa situação específica, os autores argumentam que a OMS pode, por exemplo, comparar os dados fornecidos pelo governo com outros relatórios e, no caso de qualquer inconsistência, solicitar esclarecimentos ao governo chinês. Este e outros exemplos demonstram que as normas da OMS sobre notificação de doenças também desempenham um papel nos conflitos geopolíticos relacionados à saúde (SERRANO, 2017).
A OMS e seu RSI têm sido amplamente criticados por sua aparente ineficácia em meio à pandemia de coronavírus em andamento. Os juristas abordam alguns dos problemas das instituições: por exemplo, sem as informações fornecidas pelos Estados membros, a OMS é praticamente "cega" e carece de mecanismos de execução quando o RSI é violado. Apesar de todas as críticas, os pesquisadores enfatizam que a OMS oferece apoio técnico importante aos Estados membros, atuando como coordenador global da crise e fornecendo orientação por meio de recomendações. Eles também apontam o mérito do Regulamento Sanitário Internacional: segundo eles, o RSI é um conjunto abrangente de regras que cresceu através de exemplos de boas práticas e muitas décadas de experiência em surtos de doenças. Apesar do comportamento às vezes divergente dos Estados membros, o RSI continua a estabelecer o padrão de como os estados podem lidar com a disseminação de doenças além-fronteiras e refletir o consenso internacional sobre o controle de pandemia. Segundo os pesquisadores, essa não é de forma alguma uma contribuição insignificante na situação atual (CASADO FILHO, 2020).
Um exemplo a ser citado refere-se as primeiras análises comparativas da lei de migração e respostas políticas à pandemia do COVID-19. Em resposta à pandemia, os governos restabeleceram os controles fronteiriços na região de Schengen e qualquer 'viagem não essencial' para a UE foi suspensa. O governo dos EUA instituiu proibições de viagens a não-cidadãos de vários países. Os requerentes de asilo foram impedidos de entrar em violação da lei internacional dos refugiados, e os advogados entraram com ações judiciais exigindo a libertação de detidos de imigração em face dos riscos impostos pelo COVID-19. Outros estados receptores de migrantes, como Austrália e Israel, também responderam de maneiras semelhantes. Reunindo especialistas em leis de migração da Austrália, Europa, Israel e América do Norte e do Sul, os autores começarão a mapear a gama de respostas (ALMEIDA, 2020).
Entre na pandemia do COVID-19, que deu origem a preocupações reais de saúde pública sobre o movimento de pessoas, mesmo que internamente, e é facilmente usado como justificativa para renegar as obrigações legais internacionais em relação aos migrantes (ALMEIDA, 2020).
2.4. A possível responsabilização da China frente a COVID-19
Se queremos avançar na construção do direito internacional, não se pode dar como certo que comportamentos apresentados nessa situação devem sempre ficar impunes, simplesmente porque o responsável é grande e poderoso demais para responder. Seria o mesmo que concordar com o fato de que, na arena internacional, a lei não governa, mas a força, e que isso, além disso, está bem, é primordial saber o que é justo ou injusto, independentemente de sua consagração prática, coloca-nos em uma situação intelectual defensiva contra contos e propaganda circulados pelos poderosos.
Vírus como a COVID-19, não aparecem em humanos espontaneamente. São doenças animais (chamadas zoonoses) que saltam de um transportador de animais para o homem. O salto da SARS para seres humanos ocorrera nos mercados de animais selvagens da China. Existem muitos mercados em todo o país, onde animais capturados, vivos ou mortos, são vendidos para alimentos ou para outros fins, especialmente para a medicina tradicional chinesa. Esses dados sobre a origem animal de novas doenças humanas são conhecidos dos profissionais de saúde pública há muitos anos e das instalações de transmissão fornecidas pelos mercados de animais selvagens chineses. Quando o SARS apareceu nesses mercados em 2004, a China deveria ter tomado nota para fechá-los permanentemente, mas não, especialmente devido à pressão dos cidadãos contra ela (SPONCHIATO, 2020).
A tudo isso deve-se acrescentar seu atraso na reação, uma vez que se estabeleceu que esse vírus ou outro semelhante havia reaparecido. Isso já aconteceu com o SARS. A primeira reação é sempre a ocultação, censurando críticas e prendendo pessoas que ousam divulgar esses "rumores", nos primeiros dias da crise. Este silenciamento foi ainda mais eficaz desta vez, pois a China desenvolveu nos últimos anos os instrumentos de monitoramento e controle social com sofisticação sem precedentes. De qualquer forma, a inação durante o período inicial de desenvolvimento da doença foi impressionante. Embora existissem casos desde o início de dezembro, em 18 de janeiro, dois dias antes de Wuhan informar o planeta sobre a gravidade do surto, a cidade realizou um banquete comunitário. Contou com a presença de mais de 40.000 famílias, para que a cidade pudesse competir pelo recorde mundial de mais pratos servidos em um evento (BARIFOUSE, 2020).
O governo central apoiou as autoridades de Wuhan. Wang Guangfa, um dos principais especialistas do governo em doenças respiratórias, disse em 10 de janeiro ao canal estatal da China Central Television que a pneumonia de Wuhan estava "sob controle" e que era principalmente uma "condição leve". Wuhan é uma cidade de 11 milhões de habitantes, incluindo quase 1 milhão de estudantes universitários de todo o país. Quando a gravidade do surto foi revelada, a temporada de viagens de 40 dias do Ano Novo lunar já havia começado, na qual a população chinesa faz uma estimativa combinada de 3 bilhões de viagens (BARIFOUSE, 2020).
Passe-se agora à classificação legal desses eventos. Em princípio, eles se enquadram na categoria de responsabilidade extracontratual (os chineses não violaram nenhum contrato que tivessem conosco a esse respeito), mas também por omissão (não criaram o vírus em laboratório, mas sua inação é atribuída a eles). quando fechar os mercados de animais e contê-lo uma vez detectado). Bem, a responsabilidade por omissão, ao contrário da ação, precisa de certas qualificações para dar origem a responsabilidade legal (outra coisa é moral ou política), sob pena de incorrer em abuso ao determiná-la (PARENTE, 2020).
Isso é conhecido desde os tempos antigos e, para esclarecer, pode-se usar um exemplo levantado, com enorme sucesso subsequente, por vários autores do segundo escolasticismo (Antonio Pérez e Leonardo Lessius), que consiste em discutir se alguém é obrigado, em razão da justiça, a resgatar quem está se afogando (de tal maneira que não determinaria sua responsabilidade legal pela omissão). A chave para resolver o problema não é se o resgate exige muito ou pouco sacrifício (vamos deixar de lado o caso de resgate extremamente simples). A chave é se o potencial salvador está vinculado por um relacionamento legal com o potencial resgatado, como seria o caso se fosse uma autoridade (parental ou policial) ou se houvesse um contrato entre as partes (resgate (FERNANDES, 2020).
Entre outras coisas, porque a existência desse vínculo legal permite que o potencial resgatador imponha ao resgatado certos encargos preventivos de risco (o caso da autoridade que pode obrigar o uso de um colete ou não tomar banho em áreas limitadas) ou cuja ausência é assumida em virtude de um preço (caso do contrato). Se esse relacionamento não existe, não há outra obrigação senão a da caridade, que não é pouca coisa para quem a valoriza, é claro, mas é outra questão (ALMEIDA, 2020).
Ou seja, para que haja responsabilidade legal pela omissão, a pessoa deve ser especificamente chamada a intervir no caso, e isso sem dúvida ocorre no caso de funcionários públicos quando o ativo legal ameaçado lhes é diretamente confiado, como a saúde pública. Em suma, quando a autoridade pública tem o direito de exigir ou impor medidas preventivas, e não o faz (CUNHA, 2020).
Além disso, é necessário cumprir outros requisitos, comuns a ações e omissões. Em primeiro lugar, o que é chamado de falha no sentido jurídico deve ser cumprido, o que pode ser traduzido aqui como a existência de um risco razoavelmente previsível. Num duplo sentido. É necessário não apenas que o evento em si seja previsível, mas também a extensão do dano. Se algum desses requisitos estiver ausente, não seria razoável exigir responsabilidade, uma vez que ninguém pode ser exigido, por princípio e exceto em casos excepcionais - para prever o que, por definição, é imprevisível, nem reparar danos cuja quantia era inimaginável (FERNANDES, 2020).
Finalmente, deve haver uma relação causal entre a omissão e o dano produzido. Embora esse requisito, falando de omissões, seja tecnicamente complexo e discutível, deve pelo menos ficar claro que a ação omitida (no nosso caso, fechar o mercado de animais de Wuhan) teria evitado o dano. Bem, se aplicar esse esquema ao casa COVID-19, será observado que a China cumpre todos os requisitos para ser responsável pela omissão: relação de autoridade, competência e capacidade preventiva, risco previsível (o risco de uma pandemia derivada desse tipo de vírus) tem sido discutido em fóruns especializados há décadas), danos previsíveis (também se sabe o que implica uma pandemia global) e causalidade (CARDOSO, 2020).
Mas esse esquema é aplicável, obviamente, apenas se considerar o planeta Terra como uma comunidade universal governada pela lei (algo, aliás, típico do pensamento escolástico) segundo o qual, consequentemente, as autoridades chinesas têm o dever de agir para salvaguardar a saúde de todo o planeta. Se o considerar simplesmente como um conjunto de autarquias independentes, o Estado chinês não responde nem mesmo a seus próprios cidadãos, entre outras coisas, porque sua lei positiva consagra um regime ditatorial no qual não existem direitos subjetivos nem responsabilidade. Ainda menos diante dos cidadãos de outros países, como é lógico, dada a ausência de qualquer dever ou autoridade que possa exigir (ALMEIDA, 2020).
A China tem tradições culturais e pensou que poderia lidar com os riscos (pior é a ocultação, obviamente, mas é o que todas as ditaduras têm). Em nossa vida cotidiana, toma-se decisões semelhantes com a melhor intenção quase todos os dias, especialmente em nosso papel de pais ou empregadores (embora de importância muito menor, obviamente) (CARDOSO, 2020).
2.5. Normas internacionais aplicáveis
De acordo com o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotado pela maioria dos países, todas as pessoas têm direito ao "mais alto nível possível de saúde física e mental". Os governos são obrigados a tomar medidas efetivas para "prevenir e tratar doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras doenças e combatê-las" (CREMONEZE, 2020).
O Comitê das Nações Unidas para os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (CESCR), que monitora o cumprimento do pacto pelos Estados, declarou que o direito à saúde está intimamente ligado ao exercício de outros direitos humanos e depende desses direitos, declarados na Declaração Internacional de Direitos, em particular o direito à alimentação, moradia, trabalho, educação, à dignidade humana, à vida, à não discriminação, à igualdade, a não ser submetido a tortura, à vida privada, ao acesso à informação e à liberdade de associação, reunião e movimento. Esses e outros direitos e liberdades tratam dos componentes integrais do direito à saúde. O direito à saúde estabelece que os estabelecimentos, bens e serviços de saúde devem:
1) Seja suficiente em quantidade e disponibilidade.
2) Ser acessível e acessível a todos, sem qualquer discriminação, mesmo aos setores mais vulneráveis e marginalizados da população.
3) Seja adequado do ponto de vista científico e médico e seja de boa qualidade.
Os Princípios de Siracusa, adotados pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas em 1984, e as observações gerais do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas sobre estados de emergência e liberdade de movimento fornecem orientação autorizada sobre as respostas do governo que eles restringem os direitos humanos por razões de saúde pública ou emergência nacional. Qualquer medida tomada para proteger a população que limita os direitos e liberdades das pessoas deve ser legal, necessária e proporcional. Os estados de emergência devem ter duração limitada e qualquer redução de direitos deve levar em consideração o impacto desproporcional sobre populações específicas ou grupos marginalizados (ALMEIDA, 2020).
Em 16 de março de 2020, um grupo de especialistas em direitos humanos da ONU disse que “declarações de emergência baseadas no surto da COVID-19 não devem ser usadas como desculpa para atacar grupos, minorias ou indivíduos particulares. Eles não devem ser usados como cobertura para ações repressivas sob o pretexto de proteger a saúde (...) e não devem ser usados simplesmente para conter a dissidência” (ABBOUD, 2020).
Os Princípios de Siracusa afirmam especificamente que, no mínimo, as restrições devem:
a) Impor e aplicar de acordo com a lei.
b) Responder a um objetivo legítimo de interesse geral.
c) Seja estritamente necessário em uma sociedade democrática para atingir seu objetivo.
d) Seja o menos invasivo e restritivo possível para atingir seu objetivo.
e) Baseado em evidências científicas e não aplicado de maneira arbitrária ou discriminatória.
f) Tenha uma duração limitada, respeite a dignidade humana e esteja sujeito a revisão.
Para realizar o trabalho foi escolhido a revisão de literatura baseada em pesquisa bibliográfica, tratando-se, portanto, de um documento acadêmico, que visou contribuir com o conhecimento atual, incluindo achados substantivos, bem como contribuições teóricas e metodológicas sobre o assunto.
Após a escolha do tema, usou-se os seguintes indicadores textuais: coronavírus, covid-19, pandemia, direito penal, saúde pública, sanções. Na busca encontrou-se, artigos científicos e periódicos, todos de fonte confiável, o período foi o ano de 2020, ano da citada pandemia.
Após o levantamento do material necessário, passou-se a análise das informações e ao resumo das fontes, organizando assim todas as informações, partindo do princípio que o foco de uma revisão da literatura é resumir e sintetizar os argumentos e ideias de diversos autores. Em seguida discorreu-se sobre sanções penais ocasionadas pela COVID-19, as quais visam assegurar direitos humanos fundamentais.
Em suma, o documento de pesquisa é mais do que uma versão resumida do que outros disseram ou escreveram. Idealmente, o trabalho de pesquisa representou uma síntese das próprias percepções, atitudes, ideias e experiências apoiadas por informações obtidas de outras fontes.
A COVID-19 é uma emergência de saúde pública sem precedentes tanto na rápida disseminação da doença quanto devido à natureza abrangente de algumas das medidas adotadas pelos Estados em suas respostas a ela. Na urgência de responder a esta crise, no entanto, os governos não devem esquecer suas obrigações de direitos humanos.
À luz desses critérios, o uso do direito penal pelos Estados em suas respostas a COVID-19. Embora seja importante que os Estados reconheçam que o novo coronavírus é uma grave emergência de saúde pública, a criminalização relacionada a COVID-19 é uma tendência alarmante.
Questiona-se, em particular, a conveniência e eficácia das respostas atuais do direito penal em termos de saúde pública, com base em experiências passadas e duvidam seriamente de sua consistência com as leis e normas de direitos humanos. Embora os Estados possam estar usando o direito penal com o objetivo amplo de reduzir a transmissão da COVID-19, para os propósitos atuais, deve-se analisar duas maneiras distintas pelas quais os Estados estão recorrendo a essas medidas: criminalização da exposição e transmissão da COVID-19 (parte 1), e aplicação de medidas de saúde pública através de sanções penais (parte 2).
ABBOUD, G. Responsabilidade fiscal e COVID-19. Medidas de urgência em tempos de crise. Estado da Arte. Jornal O Estadão. On line, 2020. Disponível em: https://estadodaarte.estadao.com.br/responsabilidade-fiscal-covid-medidas-urgencia/. Acesso em abril de 2020.
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graduando no curso de Direito pela Universidade Brasil, campus Fernandópolis.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FREITAS, Welton Francisco da Silva de. Sanções penais ocasionadas pela Covid-19 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 ago 2020, 04:48. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55126/sanes-penais-ocasionadas-pela-covid-19. Acesso em: 25 nov 2024.
Por: Daniella de Pádua Walfrido Aguiar
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Por: Willian Douglas de Faria
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Por: IGOR DANIEL BORDINI MARTINENA
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