Resumo: Este estudo tem o intuito de conhecer a aplicação do Direito Penal sobre a doença mental, a inimputabilidade em decorrência dessa doença, os liames que cercam este tema como também as leis e portarias. É necessário buscar uma melhor compreensão acerca dessa doença para respeitar a dignidade da pessoa humana. A metodologia a ser utilizada será a pesquisa bibliográfica, procurando explicar o problema a partir de referências teóricas publicadas, analisando as contribuições culturais ou científicas existentes sobre o assunto. As jurisprudências e os doutrinadores têm adotado a manutenção da medida de segurança em face a periculosidade ou vulnerabilidade do doente, para possibilitar uma inserção na sociedade. As decisões de magistrados, têm determinado tratamento devido e em unidade adequada conforme descrito no Código Penal, porém com difícil aplicabilidade por necessitar de implementações concretas com maior número de vagas em hospitais de custódia e em unidades terapêuticas. Se por um lado há doentes mentais no convívio social, causando riscos à sociedade, por outro, ainda há doentes mentais, que não tiveram seus sofrimentos mentais diagnosticados, mantidos em presídios, em contado com outros presos, causando um agravamento da doença, bem como deixando de garantir sua dignidade.
Palavras-chave: doentes mentais. Imputabilidade. Sociedade.
Abstract: This study aims to learn about the application of Criminal Law on mental illness, the non-accountability as a result of that illness, the links that surround this theme as well as the laws and ordinances. It is necessary to seek a better understanding of this disease to respect the dignity of the human person. The methodology to be used will be bibliographic research, seeking to explain the problem from published theoretical references, analyzing the existing cultural or scientific contributions on the subject. Jurisprudence and indoctrinators have adopted the maintenance of the safety measure in view of the dangerousness or vulnerability of the patient, in order to enable an insertion in society. The decisions of magistrates, have determined due treatment and in an appropriate unit as described in the Penal Code, but with difficult applicability because it needs concrete implementations with a greater number of places in custody hospitals and in therapeutic units. If, on the one hand, there are mental patients in social life, causing risks to society, on the other, there are still mental patients, who have not had their mental suffering diagnosed, kept in prisons, in contact with other prisoners, causing an aggravation of the disease, as well as failing to guarantee their dignity.
Keywords: mentally ill. Imputability. Society.
Sumário: Introdução. 1. Doenças mentais e suas peculiaridades - Conceito. 1.1 Das doenças previstas no código penal. 1.2 Meios de tratamento legal. 2. Julgamento dos doentes mentais: Culpabilidade e imputabilidade penal. 2.1 Medidas de segurança e seus pressupostos. 2.2 Entendimentos Jurisprudenciais. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O presente Artigo versa sobre a Doença Mental e o Direito Penal, e consiste na análise jurídica da penalização do doente mental, que no nosso atual Código penal, prevê tratamento específico para aqueles que se enquadram nesta situação.
O Código Penal em seu Artigo 26, dispõe sobre a doença mental, que exclui em determinados casos, a imputabilidade, como no caso da doença mental, uma vez que engloba as patologias mentais consideradas graves, ou seja, são as deficiências mentais que causam intensa perturbação da consciência, devendo ser interpretada no seu sentido mais amplo.
Será abordada a doença mental e suas peculiaridades, trazendo consigo o conceito de doença mental e aquelas que estão presentes no Código Penal, bem como será abordado sobre os meios de tratamento legais para os infratores das leis penais nas condições de doentes mentais.
Visa em explanar, também, nesta pesquisa a respeito do julgamento dos doentes mentais, trazendo informações de como decorre a inimputabilidade e a culpabilidade penal. É proposto esclarecer sobre as medidas de segurança como meio de penalização àqueles que cometem crimes e se enquadram nesta modalidade. Diante disso, será abordada a complexidade da reinserção dos doentes mentais em sociedade e a proteção do ser humano, que deve ser garantida em toda e em qualquer situação, respeitando os preceitos descritos pela Carta Magna:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes[...] III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;”
Deixar livre, um infrator, das leis penais é um ato de extrema responsabilidade, pois esse infrator em convívio social, poderá cometer novos crimes. Por outro lado, esses infratores estão sendo tratados como presos comuns, sem terem seus sofrimentos mentais sequer diagnosticados. É necessário alertar sobre o problema e conscientizar da situação, para que os doentes mentais não fiquem invisíveis aos olhos da sociedade, sendo vistos ou percebidos somente quando cometem crimes bárbaros.
Para realização deste trabalho, a metodologia utilizada foi, basicamente, a coleta de informações a respeito do tema, sendo realizadas pesquisas bibliográficas, permitindo maior conhecimento de fatos e materiais relevantes, com intuito de delinear uma abordagem, chegando assim a conclusões que possam servir de embasamento para esse trabalho, para pesquisas futuras.
1. Doenças mentais e suas peculiaridades - Conceito
Existem diversos termos para tratar sobre as psicopatologias e pessoas que sofrem algum tipo de adoecimento da mente. O termo doença mental foi trazido pela psiquiatria no século XVIII, como sendo algo para justificar alguma questão natural, ou seja, que a doença mental é questão de ordem biológica. A partir disso, começou a ser estudada de forma mais aprofundada, as ramificações das doenças mentais. Naquele período o médico psiquiatra era denominado de alienista, por cuidar e tratar de doentes alienados, por terem perdido a razão, que não condiziam com a normalidade aos olhos da sociedade.
As deficiências mentais causam intensa perturbação da consciência, devendo ser interpretadas no seu sentido mais amplo, e segundo a psicóloga Cláudia Faria pode afetar qualquer pessoa e em qualquer idade.
“Transtornos mentais são disfunções no funcionamento da mente, que podem afetar qualquer pessoa e em qualquer idade e, geralmente, são provocados por complexas alterações do sistema nervoso central. Existem diversos tipos de transtornos mentais, que são classificados em tipo, e alguns dos mais comuns incluem aqueles relacionados à ansiedade, depressão, alimentação, personalidade ou movimentos” (FARIA, 2007)
Em 13 de dezembro de 2006, a Assembleia Geral da ONU adotou resolução que estabeleceu a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, e no Brasil, em 25 de agosto de 2009, foi promulgado o Decreto nº 6.949, que trata-se da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, no dia 30 de março de 2007. A partir de então, o Direito Civil brasileiro adota essa Convenção e trata o doente mental de uma forma diferenciada até os dias atuais, sendo estes doentes não mais encarados como absolutamente incapazes, reconhecimentos estes trazidos no Artigo 12 da referida convenção, tais como, gozar de capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas em todos os aspectos da vida, ter assegurado que todas as medidas relativas ao exercício da capacidade legal incluam salvaguardas apropriadas e efetivas para prevenir abusos, em conformidade com o direito internacional dos direitos humanos.
Há uma variedade enorme de doenças mentais, tais como ansiedade, depressão, esquizofrenia, transtornos alimentares, estresse pós traumáticos, somatização, transtorno bipolar, entre outras, cada transtorno com suas peculiaridades e definições próprias. Grande parte das doenças mentais são tratáveis e algumas até curáveis, além do que as pessoas portadoras de algum tipo dessa doença conseguem viver na sociedade, com algumas limitações, mas conseguem ter uma vida social.
1.1 Das doenças previstas no Código Penal
As doenças mentais interferem diretamente na vida social e jurídica de uma sociedade, e o direito brasileiro traz uma abordagem de tratamento diferenciada para as pessoas que possuem algum tipo dessa doença.
A pessoa portadora de um transtorno mental apresenta alterações de comportamento, na cognição e emocionais, onde os transtorno são divididos em quatro grupos, quais sejam, os neuróticos que se tratam daqueles que não possuem alucinações, mas apresentam fobias, diferente dos psicóticos que possuem alucinações, ouvem vozes e tem visões, assim como a esquizofrenia. Há também os transtornos orgânicos, em que doenças orgânicas como alterações cerebrais podem surgir em decorrência de predisposição genética, chamados de gatilhos em que ao serem expostos a uma situação de estresse ou hormonal, dentre outros fatores podem fazer a doença mental se manifestar, uma vez que um fator isolado não é suficiente para que essa doença se manifeste, trata-se de diversos gatilhos e fatores predisponentes que a pessoa tem internamente. Há também os transtornos orgânicos, que são aqueles que não têm a causa identificada.
No decorrer do Código Penal brasileiro há citações de algumas doenças mentais que inibem a culpabilidade do agente, tais como as psicoses, neuroses, esquizofrenia, psicopatia, oligofrenia e a perturbação da saúde mental, que no caso, a pessoa não tem a capacidade de analisar a ação como infração, não distingue que aquele ato é infracional. Acerca dessas doenças, trataremos sobre alguns conceitos e sua relação com a vida direta do indivíduo, todas com suas particularidades e descrições.
Psicose: Consiste em uma desordem psíquica no que diz respeito à perda de contato com a realidade, e na maioria dos casos apresenta um comportamento antissocial. As doenças que apresentam essas espécies de características têm possibilidade de tratamento. A psicose também pode ser subdividida em três classes, como as psicoses resultantes de uma condição mental, as psicoses resultantes de uma norma sanitária médica geral e as psicoses resultantes do uso abusivo de drogas e álcool. Essa doença tem o poder de transformar o comportamento do indivíduo, fazendo com que este doente mental se transforme em uma pessoa antissocial por perder o contato com a realidade, a pessoa sofre com delírios e alucinações e não tem ciência do que pratica
Vale esclarecer que Freud explica acerca da constatação do transtorno neural da psicose e da neurose:
“Na psicose à fuga inicial segue uma fase ativa de reconstrução; na neurose, a obediência inicial é seguida por uma posterior (nachträglich) tentativa de fuga a neurose não desmente a realidade, se limita a não querer saber nada dela; a psicose a desmente e procura substituí-la, assim para ambas não conta apenas o problema da perda da realidade, senão o substituto da realidade.(FREUD, 1924/1988, pp. 195-197).”
Neurose: A partir da concepção de Freud foi possível definir que a neurose se trata de um distúrbio psíquico, causado por uma espécie de recalque imperfeito de desejos que foram censurados, aprisionados no inconsciente, e procuram meios de se manifestar que acabam sendo os sintomas neuróticos. A neurose ocorre devido à incapacidade de o ego lidar com os desejos reprimidos sem sofrer, e fragmentos destes desejos conseguem driblar o recalque e voltar à consciência, necessitando ser mascarados, que são denominados de sistemas neuróticos.
Com isso, inicialmente Freud percebeu que os desejos reprimidos de alguns de seus pacientes neuróticos, sempre traziam à tona lembranças de abusos sofridos na infância, em específico, abusos sexuais. conforme explicado por Freud:
“Ele [o analista] sabe que não há apenas miséria neurótica no mundo, mas também sofrimento real (real Leiden), irremovível, e que a necessidade pode exigir que uma pessoa sacrifique sua saúde; e aprende-se que um sacrifício dessa espécie, feito por alguém gera incomensurável infelicidade para muitos outros. Portanto, se podemos dizer que sempre que um neurótico enfrenta um conflito ele empreende uma fuga para a doença, assim mesmo devemos admitir que, em determinados casos, tal fuga se justifica plenamente, e um médico que tenha reconhecido a maneira como se configura a situação, haverá́ de se retirar, silencioso e apreensivo. (FREUD, 1917/1988, p. 446)
Cabe ressaltar que na psicanálise, o termo sexualidade não refere apenas ao ato sexual, mas também ao universo dos afetos, logo os desejos sexuais incluem além do prazer genital, o desejo de ser amado ser reconhecido, e o amor fraternal.
O doente mental psicopata, trata-se de uma pessoa que possui entendimento do que pratica, porém possui um transtorno de personalidade, insanidade moral, sem senso do bem e do mal. Em síntese, o neurótico é aquele que de alguma maneira inventou um jeito de ser, modo de estar, estilo de funcionamento a partir de sua constituição, de situações primitivas trazidas da infância.
“Pequenas infrações sociais são neles comuns (a mentira, o perjúrio, a calúnia, a fraude, denúncias. Cartas anônimas, despudor) mas que, por sua natureza, pelo pouco dano que causam, não chegam aos tribunais. Dir-se-ia antes que tais infrações são próprias de indivíduos tímidos, inseguros, não combativos e que revelam em tais ações, mais por sua formação caracterológica do que seu estado enfermiço” (GARCIA, 1979, p. 255).
O trauma, que é criado no sistema nervoso do indivíduo que possui a neurose, é extremamente perturbador para o doente, e devido a essas perturbações, muitas vezes não há possibilidade do indivíduo obter um entendimento do caráter ilícito de uma ação.
Esquizofrenia: Advindo da língua grega arcaica, significa o termo esquizo “dividir” e o termo frenia seria algo próximo de “mente”, onde há uma dedução literal da doença, que faz com que o indivíduo tenha a realidade distorcida, e o surto trata-se de uma realidade advinda de alucinações e delírios.
A esquizofrenia apresenta-se na maioria dos casos em jovens de 18 a 30 anos de idade, com forma diferenciada de manifestação, podendo aguardar cerca de sete anos para apresentação dos sintomas, que segundo André Biernath são:
“Do nada, surge uma sensação de que algo está errado e alguém prejudica a sua vida. O passo seguinte é a transformação dessa inquietação nas fantasias sensoriais e nas teorias da conspiração. São as alucinações e os delírios que mencionamos antes.
Fique atento a estes sinais:
- Dificuldades no aprendizado desde a infância
- Apatia
- Pouca vontade de trabalhar, estudar ou interagir com os outros
- Não reagir diante de situações felizes ou tristes
- Vozes que surgem na cabeça e outras alterações nos órgãos dos sentidos
- Mania de perseguição inexplicável.” (BIERNATH, 2018)
Também é cercada de mistérios, a esquizofrenia mesmo sendo uma problemática enfrentada a várias décadas, uma real cura ainda não foi desenvolvida.
Psicopatia: é uma anomalia psíquica de transtorno de personalidade, onde o psicopata não possui os medos que dariam a este indivíduo o senso do bem e do mal, agindo de forma fria e calculista, pensando sempre na realização dos seus desejos, ignorando qualquer impeditivo. Trata-se então de uma insanidade moral, sendo uma perturbação grave do senso moral e dos comportamentos sociais sem prejuízo da inteligência e do raciocínio do indivíduo.
O psicólogo Hervey Cleckley (1941), foi o primeiro a consagrar o termo psicopata após analisar quinze pacientes que apresentavam o que ele chamou de demência semântica, que seria um déficit na compreensão dos sentimentos em profundidade, embora quanto aos comportamentos, essas pessoas parecessem compreendê-lo parcialmente. Com isso, por meio da análise destes pacientes, Hervey Cleckley apud Almeida (2007), definiu as principais características de um psicopata, conforme elencado em seu livro As máscaras da Sanidade (1941):
“1) Carisma superficial e boa “inteligência”;
2) Ausência de delírios e outros sinais de pensamento irracional;
3) Ausência de manifestações psiconeuróticas;
7) Comportamento anti-social sem motivo adequado;
8) Juízo pobre, dificuldade em aprender com a experiência;
9) Egocentrismo patológico e incapacidade de amar;
10) Pobreza generalizada em reações afetivas maiores;
11) Déficit específico deinsight;
12) Irresponsabilidade generalizada em relações interpessoais;
13) Comportamento fantasioso e desagradável sob o efeito de álcool (às vezes sem);
14) Rara ocorrência de suicídio;
15) Vida sexual superficial, trivial e fracamente integrada;
16) Fracasso em seguir um projeto de vida.”
(CLECKLEY, 1941/1988, p.338-339).
O psicopata possui um excesso de razão e por consequência ausência de emoção, ou seja, não possui empatia ou capacidade de se colocar no lugar do outro, não existindo em sua visão arrependimento, diante do ato por ele praticado. Dentre os sintomas mais frequentes nos psicopatas está a tendência de encantar e manipular outras pessoas, através de mentiras sistemáticas e ausência de moralidade e afeto.
Oligofrenia: A palavra Oligofrenia advém do grego, onde “oligo” significa pequeno, pouco ou reduzido, e frenia que vem de “frenos” que significa cabeça, mente ou cérebro, se resumindo no conceito de cérebro reduzido ou pouca inteligência.
O retardo mental é uma dificuldade intelectual do aprendizado e compreensão das coisas do cotidiano, ou seja, uma pessoa com retardo mental enfrenta uma dificuldade perante os outros, de entender, compreender e ser inteligente, possuindo também dificuldade de criatividade.
Existem basicamente algumas maneiras de se avaliar e qualificar os pacientes portadores de retardo mental, que pode ser dividido em quatro níveis, quais sejam, o retardo mental leve, moderado, grave e profundo. Inicialmente os oligofrênicos eram denominados e divididos em quatro tipos chamados como: idiota, imbecil, débil mental e retardo, porém essas denominações deixaram de ser utilizados por serem considerados discriminatórios e degradantes.
Perturbação da saúde mental: As perturbações mentais são todas aquelas doenças que, estão diretamente ligadas ao sistema nervoso, e que apresentam um quadro de deficiência ou mal funcionamento no cérebro. Todas as doenças já citadas e explicadas acima são consideradas perturbações mentais, isto se dá pelo fato de estarem conectadas com o sistema nervoso, desviando o caráter de personalidade, na tomada de decisões e no censo de realidade dos indivíduos portadores dessas doenças.
No entanto, essas não são as únicas perturbações mentais que estão presentes na vida da sociedade. Outras doenças que são considerados como perturbação mental e que contêm sérios sintomas são: Síndrome de Cotard, Síndrome de Capgras, Megalomania, Cleptomania, Hipocondria, Tricotilomania e a Piromania.
A Síndrome de Cotard descoberta pelo neurologista Jules Cotard, consiste na falsa sensação que o indivíduo possui em que se encontra morto, em processo de decomposição ou até mesmo não existe.
Descoberta pelo psiquiatra francês Joseph Capgras, a síndrome de Capgras consiste na ideologia que o indivíduo tem de que uma pessoa próxima a ele foi trocado por um falso impostor, esta doença causa uma alteração nas áreas de reconhecimento das faces e realizam uma confusão com áreas relacionadas ao estado emocional do indivíduo.
Com relação à megalomania ou nome genérico de narcisismo, consiste na criação de uma sobreposição da imagem do indivíduo às outras pessoas, indivíduos com esta síndrome sentem a necessidade da aprovação das outras pessoas.
Acerca da cleptomania, esta síndrome faz com que o sujeito tenha uma compulsão e prazer por roubar objetos, mesmo que tenham condições de comprá-los.
A hipocondria, por sua vez, contém uma especificação peculiar, onde os pacientes portadores dessa doença se sentem medo de obterem uma doença grave.
A tricotilomania consiste no indivíduo que possua este distúrbio arrancar o seu próprio cabelo para satisfação interna. E por fim a piromania consiste no indivíduo não conseguir controlar a vontade de provocar incêndios.
O site portal da saúde mental apresenta a formação do sistema psíquico, e é possível observar que as doenças mentais podem se instaurar em qualquer fase da vida de um indivíduo.
“O psíquico é sempre composto por dois níveis: uma dimensão estrutural e outra organizacional. A estrutura diz respeito ao que se passa no mais profundo da nossa atividade mental. A organização a um processo mais adaptativo e funcional, de arranjos, mais ou menos temporários e superficiais, que permitem uma determinada estrutura se adequar aos contextos e contingências existenciais.”
De acordo com as palavras dos doutrinadores e também por estar previamente descrito no Código Penal, em seu Artigo 26, os indivíduos portadores de doença mental são inimputáveis. O promotor de justiça, ao oferecer denúncia ao investigado portador de doença mental, descreve relatando que o réu em questão possui um dos requisitos previstos no Código Penal para ser considerado inimputável, solicitando ao juiz, que diante da comprovação do fato típico e ilícito, este réu seja condenado às medidas de segurança como explica Greco (2007, p.402). Assegurando assim, aos doentes mentais seus direitos previstos em lei e fazendo com que este réu tenha um tratamento com que faça a reabilitação deste infrator possibilitando o convívio em sociedade.
1.2 Meios de tratamento legal
As pessoas portadoras de doença mental que cometeram crimes, devem cumprir medidas de segurança em hospitais de custódia, para receberem tratamento adequado, mas o número de hospitais com essa especialidade não é suficiente para tratar tais pessoas, tendo em vista o alto índice de doentes mentais que acabam sendo mantidos em presídios por falta de vagas em local próprio com tratamento correto de acordo com sua condição psíquica.
Os Centros de Atenção psicossocial, conhecidos como CAPS, estão inseridos no Sistema Único de Saúde, como centros substitutivos dos manicômios judiciais, com objetivo de evitar a exclusão social e oferecer atendimento humanizado aos portadores de sofrimento psíquico e de seus familiares, conforme descrevem Ramminger e Brito (2012) acerca da função e objetivo do CAPS;
“[..] um serviço aberto e comunitário do Sistema Único de Saúde, que tem como objetivo acolher as pessoas que sofrem com transtornos mentais severos e persistentes em um dado território oferecendo cuidados clínicos e de reabilitação psicossocial evitando as internações e favorecendo o exercício da cidadania e da inclusão social dos usuários e de suas famílias.”
A partir da implementação da Constituição de 1988, bem como pela criação da Lei 8.080/1990, conhecida como Lei do SUS, foi realizada uma análise acerca da saúde, construindo dispositivos de atenção à saúde de vários formatos, e no ano de 2001 foi sancionada a Lei nº 10.216, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Foi então criada a Política Nacional de Saúde Mental, tratando sobre os direitos e a proteção dessas pessoas portadoras de doenças mentais, possibilitando melhor compreensão sobre a saúde mental no Brasil.
Os Centros de Atenção Psicossocial-CAPS, motivaram a redução progressiva de leitos psiquiátricos, sendo o principal serviço substitutivo dos hospitais psiquiátricos. Nesse sentido, o CAPS é uma estratégia da Rede de Atenção Psicossocial que tem por objetivo oferecer apoio às pessoas com transtornos mentais, fazendo parte de uma política que surgiu após a Reforma Psiquiátrica brasileira e que busca prestar assistência a partir da inserção social e não da reclusão.
Existem ao todo cinco tipos diferentes de CAPS, quais sejam: CAPS I, CAPS II, CAPS ad. Álcool e drogas, CAPS i e CAPS ad. III Álcool e drogas, todos eles atendem pessoas de todas as faixas etárias diagnosticadas e acompanhadas com transtornos mentais graves e persistentes, incluindo as que fazem uso de sustâncias psicoativas. Nas propostas I e II, o que muda é o tamanho da população da cidade ou área atendida, também existem CAPS i, que oferece atendimento especializado para crianças e adolescentes, e o CAPS ad. Álcool e drogas, com atendimento especializado em transtornos pelo uso dessas substâncias. Nas modalidades mais complexas, que são a III e a ad. III Álcool e drogas, oferecem vagas de acolhimento noturno, sendo que nessa última modalidade, o funcionamento é de 24 horas.
Embora o CAPS trata-se de importante conquista e é um grande avanço da saúde pública brasileira, tendo em vista que, a partir desta estratégia, foi possível oferecer acompanhamento integrado à saúde e respeito à dignidade de pessoas que ao longo da história tiveram os direitos humanos mais básicos negados, mas ainda possui um auto índice de doentes mentais que são submetidos à condições degradantes, e que não possuem tratamento adequado, seja medicamentoso ou psicoterápico.
2. Julgamento dos doentes mentais - Da Culpabilidade e imputabilidade penal
Ao falar de culpabilidade ou imputabilidade, é mister conceituar crime, que no sentido material, trata-se do comportamento ou conduta do ser humano que causa lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico.
No Direito Penal, segundo a teoria do crime, somente se configura uma infração penal quando se observa três condutas imprescindíveis, e que, na falta de uma dessas ações não se qualifica como infração, são elas: as condutas típicas, ilícitas e culpáveis. Para o tratamento do caso concreto, observa-se todo o contexto do ato para então qualificar o crime cometido e a pena a ser aplicada. De acordo com a teoria tripartite, a culpabilidade é o terceiro elemento integrante do crime, e requisito imprescindível ao delito, elemento fundamental do crime conjuntamente com a tipicidade e a antijuridicidade.
O Direito Penal atual não traz consigo o conceito de culpabilidade, e com isso, é um dos temas mais discutidos na teoria do delito, que tem sido fruto de inúmeros estudos. Nas palavras do professor Luiz Regis Prado (2008,)
“A culpabilidade é a reprovabilidade pessoal pela realização de uma ação ou omissão típica e ilícita. Assim, não há culpabilidade sem tipicidade e ilicitude, embora possa existir ação típica e ilícita inculpável. Devem ser levados em consideração, além de todos os elementos objetivos e subjetivos da conduta típica e ilícita realizada, também, suas circunstâncias e aspectos relativos à autoria.”(PRADO,2008)
A culpabilidade é o atributo que tem que ter a pessoa para ser responsabilizada pelo que cometeu, onde há quem cometa atos típicos e antijurídicos, mas não possa ser punido pessoalmente por elas, devendo possuir culpabilidade, como afirma Greco (2017) em sua obra “Culpabilidade é o juízo de reprovação pessoal que se realiza sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente.”
Para a configuração da culpabilidade exige-se que o agente possua três características, sendo elas, a imputabilidade, potencial conhecimento da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa.
A imputabilidade, ou seja, capacidade de entendimento do que é praticado, é o primeiro requisito para alguém ser culpável, ser responsabilizado pela conduta praticada, conforme mencionado por Welzel (2003, p. 235).
“Capacidade de culpa (capacidade de imputação) é, portanto, a capacidade do autor: a) de compreender o injusto do fato, e b) de determinar sua vontade, de acordo com essa compreensão. A capacidade de culpa tem, portanto, um elemento adequado ao conhecimento (intelectual) e outro adequado à vontade (voluntário); os dois juntos constituem a capacidade de culpa.”
Considerando que o delito tem três elementos indispensáveis à sua configuração, quais sejam, fato típico, antijurídico e culpável, o fundamento da imputabilidade prega que há uma necessidade de enquadrar o agente da ação ao fato típico e ilícito.
A culpabilidade pode ser excluída em três situações, sendo elas a menoridade (Art. 27, CP), doença mental (Art. 26, CP) e a embriaguez (Art. 28, CP), que se resumem na falta de discernimento ou capacidade de autocontrole, tornando o indivíduo inimputável.
Conforme explica Mirabete (2000, p. 210), a inimputabilidade quando se trata dos menores de 18 anos, justifica por considerar que esta parcela da população não tem entendimento suficiente para compreender a lei vigente, a antijuridicidade do fato e também de adequar essa conduta a sua consciência, e dessa forma fica excluída a culpabilidade, e aplicada a imputabilidade.
É de extrema necessidade enfatizar que, não entender o caráter criminoso do fato, não inibe a exigência de que o agente tenha consciência de que a conduta se encontra descrita em lei como infração.
No entanto, mesmo com a inimputabilidade garantida no caso dos menores de 18 anos, os agentes são penalizados com as medidas diferenciadas, descritas no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que estão previstas no Artigo 112 deste texto, tais como advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade, internação em estabelecimento educacional, entre outras, e no parágrafo 3º do mesmo Artigo, dispõe: “Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.”
A medida socioeducativa é uma alternativa sensata de reabilitação dos agentes delinquentes que praticam atos infracionais, e são mais apropriadas que a prisão destes jovens em um ambiente que não tem qualidade de reabilitação e inserção deste indivíduo na sociedade.
Quanto a inimputabilidade referente ao doente mental, vale lembrar o que Madeira (1999, p. 86) apud Greco (2017, p. 521), fala acerca do dolo ou culpa:
“É que um doente mental jamais poderá agir com dolo ou culpa, porque, sem a capacidade psíquica para a compreensão do ilícito, não há nenhuma relação psíquica relevante para o Direito Penal, entre o agente e o fato. Sem a imputabilidade, não se perfaz a relação subjetiva entre a conduta e o resultado. Não se pode falar em dolo e culpa de um doente mental. O dolo e culpa como formas de exteriorização da culpabilidade em direção à causação do resultado, pressupõem a imputabilidade do agente”(MADEIRA, 1999, p. 86).
Assim como a inimputabilidade dos menores de 18 anos, os doentes mentais também têm assegurado este direito dentro do Código Penal, entretanto os deficientes mentais, para serem inimputáveis, devem apresentar duas características essenciais, que estão definidas por Malcher (2008):
“Exige-se, primeiramente, a existência do elemento biológico, de natureza patológica, que é a enfermidade mental. O segundo elemento é o cronológico/temporal, ou seja, o autor, no momento do crime, em razão da doença da qual é portador, precisa apresentar um estado de anormalidade psíquica que o torne incapaz de entender o sentido ético-jurídico de sua conduta ou, caso tenha esse entendimento, ter a doença e seu estado de perturbação psíquica eliminado a sua capacidade volitiva. Em suma, é necessário que a anormalidade cause o vício de entendimento e de vontade.”
Para aferir a imputabilidade penal de um indivíduo, o sistema adotado é o biopsicológico ou misto, pois tem critérios biológicos que, por exemplo, é quando o sujeito é portador da perturbação mental, e critérios psicológicos por se preocupar com o efeito, ou seja, quando a doença se manifesta no momento do crime. Conforme Artigo 26 do Código penal, verifica-se primeiramente se o agente tem desenvolvimento mental incompleto ou retardado ou se o agente é doente mental, e caso positivo, será considerado inimputável. Caso negativo, será averiguado se o agente era capaz de entender o caráter ilícito do seu ato, e se era capaz, será finalmente verificado se ele tinha condições de determinar-se de acordo com este entendimento, para então ser considerado imputável.
Os doentes mentais também sofrem sanções diferenciadas, que no caso, são chamadas de medidas de segurança, tratam-se de penalidades as quais o Estado impõe ao agente infrator, e estão descritas claramente no Artigo 96 do Código penal:
“I - Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado;
II - sujeição a tratamento ambulatorial.”
Nestes termos pode-se observar que há previsão legal para a penalização dos agentes, entretanto há um tratamento diferenciado ou específico.
A embriaguez, conforme descrita no Artigo 28, inciso II § 1º e 2º do Código Penal, também pode apresentar como excludente de culpabilidade, tendo em vista que a mesma ocorreu por caso fortuito, não tendo caráter ilícito. A embriaguez fortuita ocorre quando o agente no momento do crime, não tinha capacidade de entendimento do que estava ocorrendo, podendo o juiz com base no Artigo 28, no caso de embriaguez completa, isentar de pena ou reduzir a pena de um a dois terços, em se tratando de embriaguez incompleta.
A embriaguez é uma intoxicação resultante do uso do álcool ou substâncias que impossibilitem a capacidade motora do condutor, podendo ser classificada:
Preordenada: é aquela em que o agente se embriaga de forma voluntária, e está descrita no Artigo 61,inciso II, alínea L do Código Penal, tida como circunstância agravante.
Culposa: ocorre quando o agente sem perceber, ou sem ter a pretensão, se embriaga de forma imprudente, é um descuido, sem a intenção de embriagar-se. Conforme o Artigo 28, inciso II do Código Penal, não se exclui a imputabilidade penal, tendo em vista que o agente é responsabilizado pela conduta que pratica.
Fortuita ou acidental: é aquela em que o agente ingere a bebida por força maior, ocorrendo quando em casos fortuitos o agente se vê obrigado a se embriagar, sendo afastada a culpabilidade, conforme previsto no §1º, inciso II do Artigo 28 do Código Penal.
Para se caracterizar embriaguez completa é necessário que não seja possível a comprovação dos elementos vontade e consciência, para ser considerado responsabilidade objetiva sem culpa, entretanto, segundo alguns doutrinadores não se pode eximir a responsabilidade penal, mesmo que o agente tenha resíduos de consciência e vontade não podendo ser desconsiderada a imputabilidade, tendo como base a teoria Actio libera in causa, que significa imputabilidade penal por parte do agente, tendo ele responsabilidade pelo ato praticado mesmo que de forma culposa, voluntária, completa ou incompleta.
Com base no trecho jurisprudencial do Supremo Tribunal de Justiça - STJ pode-se observar com mais nitidez e concretude a teoria Actio libera in causa:
“Sabe-se que a embriaguez – seja voluntária, culposa, completa ou incompleta – não afasta a imputabilidade, pois no momento em que ingerida a substância, o agente era livre para decidir se devia ou não fazê-lo, ou seja, a conduta de beber resultou de um ato livre (teoria da actio libera in causa). Desse modo, ainda que o paciente tenha praticado o crime após a ingestão de álcool, deve ser responsabilizado na medida de sua culpabilidade.” STJ, 6ª Turma, HC 180.978/MT, Rel. Min. Celso Limongi, 09 fev. 2011.
Visto tais apresentações entende-se que a inimputabilidade penal dá-se somente nestas três hipóteses: menoridade, doença mental e a embriaguez. É como confirma Greco “a imputabilidade é a regra; a inimputabilidade, a exceção”.
2.1. Medidas de segurança e seus pressupostos
Praticada uma infração penal nasce para o Estado o direito de punir o agente, que após o devido processo legal, poderá receber uma pena ou medida de segurança. A pena é uma espécie de sanção penal, tendo uma natureza retributiva-preventiva, ou seja, serve como um castigo ao infrator penal de forma a prevenir outros cometimentos de infração agindo de forma impositiva a sociedade, causando um certo temor por saber que da prática delituosa ocasionará uma pena correspondente prevista.
Neste sentido, a pena também se baseia na culpabilidade do agente, sendo avaliado se na conduta prática houve imputabilidade do agente, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade da conduta adversa.
A lei estabelece um prazo mínimo e máximo e o juiz ao fazer a dosimetria da pena, estabelecerá em concreto o período de tempo para cumprimento da pena aplicada ao agente.
Contudo, diferente da pena que é aplicada aos imputáveis e semi-imputáveis, a medida de segurança é um instituto criado no Direito Penal, uma espécie de sanção penal aplicada aos inimputáveis por doença mental ou desenvolvimento mental retardado e eventualmente aos semi-imputáveis. Essa medida tem como objetivo e natureza a prevenção, tendo em vista que busca agir de forma preventiva, curativa e terapêutica, evitando que o sujeito perigoso conviva com a sociedade sem o devido tratamento podendo incorrer em novas práticas de infrações penais, onde a medida de segurança se baseia na periculosidade do agente, que trata de um juízo de probabilidade deste voltar a praticar infrações penais.
Com isso, a medida de segurança descrita no Artigo 96 do Código Penal, se baseia na periculosidade, tendo em vista que se aplica para os inimputáveis que não possuem capacidade de entendimento e determinação, trazendo consigo duas espécies de medida de segurança, sendo elas a internação em hospital de custódia, que na falta deste poderá ser cumprido em estabelecimento adequado com a mesma finalidade, que em primeiro plano se trata de um hospital que faça parte do sistema penal, tratando-se de uma medida detentiva. Como segunda espécie de medida de segurança existe o tratamento ambulatorial como medida restritiva, conforme Andrade (2004, p.7):
“As medidas de segurança, resumidamente, diferem das penas nos seguintes pontos:
1.as medidas de segurança são preventivas; as penas tem natureza retributiva preventiva; 2. as medidas de segurança fundamentam-se na periculosidade do sujeito; as penas são proporcionais à gravidade da infração; 3. as medidas de segurança ligam-se pelo juízo de periculosidade; as penas ligam-se ao sujeito pelo juízo de culpabilidade; 4. as medidas de segurança são indeterminadas, cessando com o desaparecimento da periculosidade do sujeito; as penas são fixas; 5. as medidas de segurança não podem ser aplicadas aos imputáveis; as penas são aplicáveis aos imputáveis e aos semiresponsáveis”
Nesse sentido, com base no Artigo 97 do Código Penal, em regra, se o agente for inimputável, o juiz determinará a sua internação, porém caso o juiz ao analisar o seu laudo pericial, e o fato cometido for punível com detenção poderá submeter o agente a tratamento ambulatorial.
O indivíduo que não possui culpabilidade por não apresentar sanidade, será considerado inimputável por decorrência da insanidade, que é verificada através de laudo pericial. A instauração de incidente de sanidade mental é um ato processual, para fins de aferir a integridade mental do acusado, que pode ser realizado no momento da prática ou durante o curso do inquérito policial ou da ação penal, para que se tenha nos autos a plena certeza, que o investigado no momento da prática de crime possuía a capacidade e entendimento mental.
Alguns princípios regem a medida de segurança, tais como os princípios da legalidade, anterioridade e jurisdicionariedade, onde o princípio da legalidade dispõe que somente a lei poderá criar medida de segurança, complementado pelo princípio da anterioridade que afirma que tal lei deve ser anterior a prática do fato imputado ao agente como ilícito penal. Já o princípio da jurisdicionariedade determina que apenas o poder judiciário como incumbência do poder jurisdicional poderá aplicar medida de segurança.
A instauração de incidente de sanidade mental, prevista nos Artigos 149 a 154 do Código de Processo Penal, é um ato processual feito em autos apartados, quando no caso de dúvida sobre a saúde mental da pessoa, é feita a verificação da integridade mental, com objetivo de certificar nos autos se o investigado, no momento da prática do crime, possuía ou não capacidade e entendimento mental. A doença mental também poderá acometer o réu durante o curso da ação penal, caso haja nesse momento dúvida sobre a sua integridade mental, o juiz deverá determinar a realização do exame médio legal para fins de averiguação se a doença sobreveio durante o curso do processo, a qual acarretará a suspensão do processo até que o réu tenha sua capacidade mental reestabelecida. Vale lembrar que a instauração da insanidade mental não suspende o prazo prescricional, apenas será suspenso o processo até que o réu se encontre reestabelecido.
A Lei 7.210/1994 denominada Lei de execução penal, conforme previsto em seu Artigo 184, determina que se durante o cumprimento da pena privativa de liberdade o condenado apresentar perturbação da saúde mental ou doença mental, o juiz poderá substituir a pena por medida de segurança.
O sistema que rege as medidas de segurança é chamado de vicariante ou unitário, tendo como objetivo a aplicação de apenas uma sanção penal, que só pode ser aplicada diante dos requisitos necessários que caracterizam o agente como doente mental, que se dá pela prática de fato descrito como crime ou infração penal, e o juiz deverá se convencer que o agente possui periculosidade social devido a condição de inimputável, bem como não ter tido sua punibilidade extinta.
Cabe ressaltar que a sentença que determinará o cumprimento da sanção penal de medida de segurança é chamada de sentença absolutória imprópria, devido à ausência de imputabilidade. Em casos específicos, caberá medida de internação provisória de acordo com o Artigo 319, Inciso VII, do Código de Processo Penal.
2.2 Entendimentos Jurisprudenciais
Foi realizada pesquisa de algumas decisões e jurisprudências referentes aos inimputáveis, e que foram decididas após a realização de um exame pericial próprio. De acordo com a conduta praticada, e se tratando de doentes mentais é realizado um exame de sanidade mental, o qual é avaliado por um perito especializado que responderá os quesitos apresentados em regra pelo Ministério Público e defensor.
Segundo a súmula 527 do STJ, publicada em 18/05/2015 a duração da medida de segurança não pode exceder ao limite máximo da pena abstrata cominada.
De acordo com o entendimento do Habeas Corpus nº 39648/SP do Relator Ministro Raul Araújo, julgado em 27/06/2017 e publicado em 01/8/2017, o Supremo Tribunal Federal manifestou e reconheceu a manutenção temporária do paciente perante a unidade hospitalar de custódia, enquanto aguarda vaga apropriada para tratamento ambulatorial no Sistema Único de Saúde.
Nessa mesma perspectiva nota-se que os julgadores do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, também seguem a mesma ótica das decisões de outros julgadores, conforme se observa o relator James Eduardo Oliveira, que negou provimento ao recurso determinando que o apelado seja mantido em Unidade de Residência Terapêutica, pra que ele receba o devido amparo e cuidado, tendo em vista não possuir suporte social e familiar para sua inserção em sociedade. Data de Julgamento: 04/12/2019, publicado no PJe em13/01/2020.
Outra decisão encontrada foi um Agravo de Instrumento perante o Tribunal de Justiça de Minas Gerias, no qual teve negado o provimento por parte do relator, por entender que diante da alta periculosidade do paciente e para que seja resguardada a sua segurança e da sociedade, e com objetivo de propiciar a ele um tratamento adequado devido ao transtorno mental sofrido:
“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – SAÚDE – INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA – TRANSTORNOS MENTAIS E COMPORTAMENTAIS DEIDO AO USO DE SUBSTANCIAS PSICOATIVAS – RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. Quando a saúde de um indivíduo está se deteriorando a ponto de pôr em risco a sua vida, não pode aguardar a excessiva burocracia administrativa para realização da intervenção médica necessária para curar o mal psíquico. A internação compulsória do paciente que sofre de transtorno mental, a par de obrigação do Estado de prover a saúde de seus cidadãos (Art. 196 “caput” da CRFB) e também ônus daquele enquanto agente provedor de segurança pública, máxime quando o paciente apresenta perigo em potencial à família ou sociedade. (TJ-MG – AI: 10000190852988001 MG, Relator: Belizário de Lacerda, Data de Julgamento: 29/10/2019, Data de Publicação: 05/11/2019).”
Diante do estudo realizado foi verificado que para se obter um resultado satisfatório quanto a reinserção do doente mental na sociedade, após cumprimento de medida de segurança, é preciso que haja melhores condições e implementações para aplicabilidade da lei.
Como foi visto no decorrer desse estudo, a medida de segurança é aplicada devido ao grau de periculosidade do agente, procurando resguardá-lo e à sociedade como um todo, uma vez que comprovada a sua vulnerabilidade quanto ao convívio social se poderá, pelo mais adequado de acordo com caso concreto, aplicar em casos de alta gravidade, a medida de segurança de internação em hospitais de custódia, e caso após a devida avaliação médica, o paciente e segurado, poderá ser integrado a um tratamento ambulatorial, quando inexistindo a periculosidade.
Com os movimentos antimanicomiais, foi fechado uma infinidade de hospitais e a desinternação de muitos pacientes, o Estado que deveria ter trabalhado para criar unidades adequadas de atendimento, possibilitando a humanização dos tratamentos, não o fez. Essa negligência tem como consequência a falta de leitos psiquiátricos, com uma grande ocupação por alcoolistas, sem conseguir atender a demanda de forma digna. Grande parte dos pacientes não se adaptam ao convívio com seus familiares e vice-versa, e acabam se tornando moradores de rua. “A esquizofrenia está presente em 10% dos sem-teto e 90% deles são alcoolistas”, diz Wagner Gattaz, professor titular e presidente do conselho diretor do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Muitas vezes a família, por diversos motivos, como preconceito ou ignorância, não leva seu ente doente a tratamento, e ele acaba sendo isolado pela sociedade, sem que o Estado tome qualquer ação. Quando esses doentes mentais, negligenciados pela família e pelo Estado, praticam atos de violência, o preconceito aumenta, pois o doente e a sua doença ficam vinculados ao crime.
Os Centros de Apoio Psicossocial-CAPS, em meio a um grande número de complexos problemas, funcionam somente como ambulatórios, porém, diante de uma crise de esquizofrenia, o doente precisaria de internação, para sua proteção e da sociedade.
Os direitos fundamentais constitucionais estão à disposição do doente mental, entre eles, o princípio da dignidade da pessoa humana, que é fundamental até para o patamar mínimo de civilização. Cabe ao Estado a proteção a garantia desses direitos, e adoção de políticas públicas que objetive a inserção desse doente na sociedade.
CONCLUSÃO
De acordo com a pesquisa feita foi possível verificar acerca das doenças mentais e suas peculiaridades, bem como o conceito, os tipos de doenças mencionadas e discutidas no âmbito do Direito Penal e para finalizar, foi abordado sobre os meios de tratamento dos doentes mentais infratores. Já na segunda parte, foi falado sobre a culpabilidade e inimputabilidade penal, as medidas de segurança e seus pressupostos e ainda uma pesquisa sobre os entendimentos jurisprudenciais e dos tribunais.
Contudo verificou-se que os doentes mentais, com a criação da lei 10.216 de 2001, passaram a possuir mais garantias e meios de tratamento como o CAPS e unidades psicoterapêuticas com o intuito de auxiliar o indivíduo, que vive em conflito consigo mesmo, a se sentir amparado, acolhido em sociedade e com possibilidade de melhora.
A respeito do tema, concluiu-se que nos casos de doentes mentais infratores, deve ser realizada perícia, e caracterizando a inimputabilidade por parte do agente que tenha praticado ato ilícito sem possuir conhecimento e entendimento acerca do fato, será aplicado a ele, por meio de sentença absolutória imprópria, uma sanção penal denominada medida de segurança, prevista no Artigo 386, parágrafo único, inciso III do Código de Processo Penal. Diante da periculosidade do agente, deverá ser encaminhado e internado em um hospital de custódia, ou na falta desse, poderá ser encaminhado a um estabelecimento adequado que possua a mesma finalidade, ou seja, possibilitar tratamento ao indivíduo, e por se tratar de doente mental, perder a característica de investigado comum e passar a ser paciente.
O Artigo 5º, inciso III da Constituição Federal de 1988, dispõe que ninguém poderá ser submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, devendo ser cumprida a pena em estabelecimentos distintos de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado, devendo ser respeitada a sua integridade física, mental e moral, o que se torna prioridade a partir da criação da Lei Orgânica do Sus nº 8080/90, uma vez que cuidar da saúde mental é essencial e para todos.
Nesse mesmo Artigo, dispõe também que “todos são iguais perante a Lei”. No sentido material, a igualdade é o tratamento igual aos iguais, e desigual aos desiguais, na medida das desigualdades, conforme Lopes (2006,p.11)
“[...] devendo a igualdade ser interpretada não a partir da sua restrita e irreal acepção oriunda do liberalismo, que apenas considerava a igualdade no sentido formal – no texto da forma – mas devendo ser interpretada com uma igualdade material – igualdade no texto e na aplicação na norma – impondo tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais.”
O doente mental que comete crime, devido sua periculosidade, deve ser retirado da sociedade. Mas também não pode permanecer entre presos comuns, ignorando sua condição de paciente e passando a ser tratado como um preso criminoso, desrespeitando dessa forma sua dignidade humana. Como paciente, ele deve receber tratamento adequado em um manicômio judiciário que funcione efetivamente e proporcione melhora e possível convívio em sociedade. O doente mental não pode ficar invisível aos olhos da sociedade, e percebidos somente diante do cometimento de crimes que chocam.
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Servidora do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado - GAECO - Ministério Público de Minas Gerais. Bacharel e licenciada em Geografia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Pós-graduada em Português pelas Faculdades Integradas de Jacarepaguá. Pós-graduada em Direito Penal pela Faculdade Internacional Signorelli. Pós-graduada em Direito Constitucional pela Faculdade Internacional Signorelli.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARMO, Virgínia Paula Rodrigues do. A doença mental e o Direito Penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 set 2020, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55184/a-doena-mental-e-o-direito-penal. Acesso em: 22 nov 2024.
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