ANDREA LUIZA ESCARABELO SOTERO
(orientadora)
Resumo: O trabalho tem como objetivo disseminar a evolução das mulheres desde os primórdios da civilização, com ênfase em direitos que foram conquistados durante vários anos de luta e de inferiorização, buscando entender a subjetivação desse fenômeno, para que consigamos compreender a violência doméstica no âmbito familiar e a qualificadora do feminicídio (Lei 13.104/15), onde há discussões em relação aos crimes abranger e incluir pessoas transgêneras no rol do polo passivo, por meio da análise dos termos “mulher” e “condição de sexo feminino” constantes na redação da aludida lei, esclarecendo diversos conceitos relacionados a esta população, da qual fazem parte transexuais e travestis, sob a perspectiva da garantia constitucional da dignidade da pessoa humana.
Palavra-chave: Violência contra a mulher; Violência doméstica; Feminicídio; Lei Maria da Penha; Violência de gênero; transgênero; gênero feminino.
Abstract: The work aims to disseminate the evolution of women since the dawn of civilization, with an emphasis on rights that were conquered during several years of struggle and inferiority, seeking to understand the subjectivity of this phenomenon, so that we can understand domestic violence in the family and the qualifier of femicide (Law 13.104 / 15), where there are discussions regarding crimes to include and include transgender people in the role of the passive pole, through the analysis of the terms “woman” and “condition of female sex” in the wording of the aforementioned law, clarifying various concepts related to this population, of which transsexuals and transvestites are part, from the perspective of the constitutional guarantee of the dignity of the human person.
Keyword: Violence against women; Domestic violence; Femicide; Maria da Penha Law; Gender-based violence; Transgender; Feminine gender.
1.INTRODUÇÃO
Em que pese às inúmeras conquistas das mulheres ao longo dos anos, que deixaram de ser apenas aquela responsável pelo lar e afazeres domésticos, subordinadas aos maridos e se tornaram independentes e participativas nas diversas esferas sociais, conquistando direitos e se igualando aos homens, ganhando cada vez mais voz e reconhecimento.
O objetivo geral deste estudo é verificar a evolução histórica da mulher até os dias atuais. Nesse contexto, inicialmente, serão abordados gradativamente os direitos adquiridos pelas mulheres. Em seguida, conceituaremos a violência doméstica e as várias denominações recebidas.
Posteriormente, explanaremos acerca da criação da Lei 13.104/2015, por meio da qual os assassinatos de mulheres por questões de gênero passaram a ser considerados feminicídios e/ou femicídios, discutindo conceitos e características de crimes de gênero perpetrados contra mulheres. Adentrando as divergências de opiniões e discussões da Lei abranger e proteger pessoas trangêneras.
A violência contra a mulher consiste em qualquer ato violento baseado no gênero, que resulte, ou tenha probabilidade de resultar, em dano físico, sexual, psicológico ou sofrimento para a mulher, incluindo a ameaça de praticar tais atos, a coerção ou privação arbitrária da liberdade em ambiente público ou privado. A violência sofrida pelas mulheres também pode ser denominada violência doméstica ou violência de gênero e consiste em um fenômeno extremamente complexo, que atinge mulheres em todas as partes do mundo e tem suas raízes na inter-relação de fatores biológicos, econômicos, culturais, políticos e sociais.
O estudo acerca deste tema é de grande relevância no cenário atual, já que é notório o crescente aumento deste fenômeno entre a população brasileira, evidenciando-se um problema social e de saúde pública, que afeta a integridade física e psíquica da mulher, além de constituir uma flagrante violação aos direitos humanos. Ainda, coube ressaltar, que o crime de feminicídio abraça a ideia de ser crime hediondo.
A violência doméstica contra a mulher ainda faz parte de uma realidade que assombra o público feminino, violando os seus direitos em diferentes cantos do planeta, nas mais variadas idades, etnias e estratos sociais. Por fim, explicaremos a Lei Maria da Penha e os benefícios causados pela criação da lei e a proteção e segurança jurídica às mulheres, onde há o objetivo de prevenir ameaças, agressões físicas ou morais e futuros assassinatos.
2.Evolução da mulher
Desde muito tempo, as mulheres sempre foram desprezadas, discriminadas, coisificadas e objetivadas por conta do gênero. Por séculos, as mulheres foram subsidiarias e submissas por toda sociedade, sendo no âmbito familiar por seu pai e por seus irmãos homens, e após o casamento eram sujeitas a reter a inferiorização aos seus maridos.
No texto de Emanuel Araújo (citado por Del Priore, 2001), no Brasil colonial, abafar a sexualidade feminina seria o objetivo de Leis do Estado, da Igreja, e o desejo dos pais, visto que ao arrebentar as amarras (...) a sexualidade feminina (...) ameaçava o equilíbrio doméstico, a segurança social e a própria ordem das instituições civis e eclesiásticas. (p.46).
No século XIX, a sociedade burguesa inicia a discussão sobre os gêneros. O sexo definiu as diferenças entre macho e fêmea, já o conceito de gênero refere-se à construção cultural das características masculinas e femininas, fazendo-nos homens e mulheres. O gênero é a definição cultural da conduta entendida como apropriada aos sexos numa sociedade dada e numa época especifica. (...) É um disfarce, uma máscara, uma camisa de força na qual homens e mulheres dançam a sua desigual dança. (Lerner, 1990, p. 339 citado por Pereiro, 2004/2005).
A evolução da condição jurídica da mulher foi bastante lenta e no Brasil teve marcos básicos, dentre os quais podemos citar o Estatuto da Mulher Casada, que alterou o Código Civil; a Consolidação das Leis do Trabalho; a Consolidação das Leis da Previdência Social e as anteriores Cartas Magnas culminando com a atual Constituição Federal.
Na década de 60, a luta pelo reconhecimento dos direitos da mulher já mostrava a força da bancada feminina no Parlamento brasileiro. Foi no ano de 1962 que o País ganhou o Estatuto da Mulher Casada. A lei, de autoria da paulista Carlota Pereira de Queiroz, a primeira deputada federal do País, eleita em 1933, trazia inovações como o direito ao pátrio poder também para a mulher. Até então, a mulher não tinha vontade própria e era submetida às decisões do marido e o Estatuto acabou com essa dominação legal.
Quarenta e dois anos depois, uma nova proposta sobre os direitos femininos tramita na Câmara. O projeto, do deputado Renato Cozzolino, do PSC do Rio de Janeiro, cria o Estatuto da Mulher com o objetivo de regularizar direitos especiais e estabelecer como dever do Estado a formulação de políticas sociais. A proposta trata do direito à saúde, à profissionalização, educação, assistência previdenciária e jurídica e lazer, entre outros.
Mas mesmo com tais conquistas, o número de assassinados contra mulheres aumentou e cresceu absurdamente e seguiu crescendo durante vários anos, e por conta disso, em 1985, no dia 06 de agosto foi inaugurado durante o governo Franco Montoro a primeira Delegacia da Mulher no estado de São Paulo, com o principio e o alicerce da mulher poder denunciar a violência causada e por meio desta, ter o apoio necessário feito diretamente, a fim de assegurar o combate ao crime e reprimir o acusado no âmbito jurídico.
Podemos dizer que a partir da Constituição de 1967 começou a firmar-se a igualdade jurídica entre homens e mulheres. Por fim, a Magna Carta de 1988 igualou, definitivamente, homens e mulheres em direitos e obrigações. A boa hermenêutica recomenda que qualquer norma que contrarie esta igualdade deva ser declarada inconstitucional.
E em 2018 foram eleitas pela primeira vez no Brasil mulheres representantes transexuais eleitas nas assembleias legislativa do país. São elas Robeyoncé de Lima, deputada estadual eleita pela chapa coletiva Juntas, em Pernambuco. Erika Hilton, do mandato estadual coletivo da Bancada Ativista, em São Paulo e Erica Malunguinho, deputada estadual pelo Psol, Também em São Paulo.
3.Violência Doméstica
Em 17 de junho de 2004 foi decretada no governo Luiz Inácio Lula da Silva a Lei 10.886 onde acrescenta parágrafos ao art. 129 do Decreto-Lei n 2.848, de 7 de dezembro de 1940-Código Penal ,criando o tipo especial denominado Violência Doméstica. A palavra violência vem do termo latino vis, que significa força. Assim, violência é o abuso da força, usar a violência contra alguém ou fazê-lo agir contra sua vontade (Veronese;Costa,2006).
De acordo com a Declaração das Nações Unidas, de 1949, sobre a Violência Contra a Mulher, aprovada pela Conferência de Viena em 1993, a violência se constitui em “[...] todo e qualquer ato embasado em uma situação de gênero, na vida pública ou privado, que tenha como resultado dano de natureza física, sexual ou psicológica, incluindo ameaças, coerção ou a privação arbitrária da liberdade.” (ADEODATO, 2006, p.2).
A violência doméstica contra a mulher recebe esta denominação por ocorrer dentro do lar, e o agressor ser, geralmente, alguém que já manteve, ou ainda mantém, uma relação íntima com a vítima. Pode se caracterizar de diversos modos, desde marcas visíveis no corpo, caracterizando a violência física, até formas mais sutis, porém não menos importantes, como a violência psicológica, que traz danos significativos à estrutura emocional da mulher.
O art. 7 º difere quais são as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher:
I- a violência física: Ocorre quando uma pessoa, que está em relação de poder em relação à outra, causa ou tenta causar dano não acidental, por meio do uso da força física ou de algum tipo de arma que pode provocar ou não lesões externas, internas ou ambas. (BRASIL, 2002, P. 15).
II- a violência psicológica: É toda ação ou omissão que causa ou visa causar dano á autoestima, à identidade ou ao desenvolvimento da pessoa. Inclui ameaças, humilhações, chantagem, cobranças de comportamento, discriminação, exploração, crítica pelo desempenho sexual, não deixar a pessoa sair de casa, provocando o isolamento de amigos e familiares, ou impedir que ela utilize o seu próprio dinheiro. Dentre as modalidades de violência, é a mais difícil de ser identificada. Apesar de ser bastante frequente, ela pode levar a pessoa a se sentir desvalorizada, sofrer de ansiedade e adoecer com facilidade, situações que se arrastam durante muito tempo e, se agravadas, podem levar a pessoa a provocar suicídio (BRASIL, 2002).
III- a violência sexual: A violência sexual é cometida na maioria das vezes por autores conhecidos das mulheres envolvendo o vínculo conjugal (esposo e companheiro) no espaço doméstico, o que contribui para sua invisibilidade. Esse tipo de violência acontece nas várias classes sociais e nas diferentes culturas. (OMS, 2002).
IV- a violência patrimonial: A violência patrimonial se define como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. (MULHER, SITE TJSE).
V- “a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injuria.”
Joana Sueli de Lazari, no que lhe confere, afirma que: “a violência não deve ser vista como transgressão de normas, leis, mas principalmente, como transformação de uma assimetria e de uma diferença, numa relação de desigualdade marcada pela hierarquia, tendo em vista a dominação, exploração e opressão, pelo lado mais forte. Isto condiz para a consideração do ser humano como uma coisa e não como um sujeito, estando ausentes, portanto, a atividade e a fala. Convém lembrar que na pura relação de força e finalidade e a destruição de uma das partes, destruindo-se também enquanto relação. Por outro lado, a violência pretende manter a relação através da justiça mediatizada pela vontade de uma das panes que consente na submissão a outra”. (DE LAZARI,1991,P.75).
A violência doméstica geralmente possui motivação fútil. Alcoolismo, drogadição e questões financeiras são fatores exacerbadores, mas é o machismo revelado no sentimento cotidiano de posse que determina a maioria absoluta de casis do tipo. “Ela estava de saía curta, chegou em casa fora do horário combinado ou não havia feito a comida na hora certa. Estas são principais afirmações dos agressores que vêem as mulheres como objetos de sua propriedade, e ainda tentam culpá-las pelo ocorrido.
Em fevereiro de 2010, a Terceira Seção do STJ foi palco do julgamento paradigmático sobre a necessidade de representação da vítima para o processamento da ação penal contra o autor. A posição não foi unânime, mas passou a ser aplicada por todos os julgadores do STJ: é imprescindível a representação da vítima para o Ministério Público propor ação penal nos casos de lesões corporais leves decorrentes de violência doméstica (REsp 1.097.042).
As mulheres que denunciam a violência doméstica na delegacia da mulher são encaminhadas ao instituto médico legal, principalmente no caso de lesão corporal, para a realização do exame de corpo de delito. Portanto, a escolha da referida instituição como o local de coleta de dados justifica-se, por ser o local em que se depara com mulheres com perfil proativo, o que pode revelar a ação frente ao problema e também revelar movimentos anteriores de passividade.
O Brasil não é o único país do mundo a contar com uma lei específica de combate à violência doméstica. Alguns países também são precursores na aprovação de legislação antiviolência domésticos como, por exemplo, Porto Rico, no continente americano (1989); Ucrânia, na Europa (2001) e Malásia, na Ásia (1994). Embora o Brasil não tenha integrado o time das primeiras regulações sobre o tema, o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM) – hoje ONU Mulheres –, reconheceu a Lei 11.340, inicialmente, em 07 de agosto de 2006, quando foi sancionada a Lei Maria da Penha como um dos modelos mais avançados de legislação para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
4.A Lei do Feminicídio
A Lei do Feminicídio foi um avanço no âmbito jurídico para todas as mulheres, onde há uma maior segurança jurídica, a fim de prevenir e proteger mulheres de violência domestica no âmbito familiar de serem assassinadas. Em solenidade no Palácio do Planalto, a ex-presidente Dilma Rousseff sanciona a Lei do Feminicídio.
A palavra feminicídio vem do termo femicídio, cunhado pela socióloga sul-africana Diana Russell em 1976 em um simpósio chamado Tribunal Internacional de Crimes contra Mulheres, em Bruxelas, na Bélgica. Vinha da ideia de que a palavra homicídio tem um conceito geral e que seria preciso criar uma definição específica para mulheres a partir da palavra "fêmea". Homicídio de fêmeas virou, então, femicídio. Diana explicou que optou pela palavra fêmea e não mulher uma vez que o femicídio é cometido também contra crianças e idosas. A análise tinha um viés sociológico e, naquela época, ainda não havia atingido o âmbito da lei.
Segundo Modelli (2016), a primeira pessoa na América Latina a usar o termo “feminicídio” para designar os assassinatos de Juarez, foi a antropóloga e deputada federal mexicana Marcela Lagarde y de Los Rios, com o objetivo de chamar atenção para esses casos e acentuar que não se tratam de homicídios simples, mas de um crime de ódio especificamente contra as mulheres. Lagarde foi a percussora na criação da Lei do Feminicídio no México (vigente desde junho de 2012), que influenciou diversos países latinos como Guatemala, Argentina e Brasil.
Feminicídio é crime previsto no Código Penal Brasileiro, inciso VII, § 2º do Art 121: "matar cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição". O inciso VI, § 2º do Art 121 (Matar alguém) também define feminicídio como "matar mulher por razões da condição de sexo feminino". Muitas vezes popularmente ainda chamado de "crime passional" ("crime passional" não existe no Código Penal, não é um tipo de crime, o crime tipificado no direito é feminicídio).
Como afirma Wânia Pasinato, socióloga, pesquisadora e consultora sobre acesso à justiça da ONU Mulheres no Brasil, é preciso entender definitivamente que, quando há violência contra uma mulher nas relações conjugais não se trata de ‘crime passional’. “É uma expressão que temos que afastar do nosso vocabulário, porque essa morte não decorre da paixão ou de um conflito entre casais. Ela tem uma raiz estrutural e tem a ver com a desigualdade de gênero”, conclui a especialista.
Segundo a socióloga Eleonora Menicucci, professora titular de Saúde Coletiva da Universidade Federal de São Paulo e ministra das Políticas para as Mulheres entre 2012 e 2015, feminicídio é um crime de ódio e seu conceito surgiu na década de 1970 para reconhecer e dar visibilidade à morte violenta de mulheres resultante da discriminação, opressão, desigualdade e violência sistemática. ‘’Essa forma de assassinato não constitui um evento isolado e nem repentino ou inesperado. Ao contrário: faz parte de um processo contínuo de violências, cujas raízes misóginas caracterizam-se pelo uso de violência extrema. Inclui uma vasta gama de abusos, desde verbais, físicos e sexuais, como o estupro, e diversas formas de mutilação e de barbárie”, ressalta.
A lei foi estabelecida a partir de uma recomendação da CPMI que investigou a violência contra as mulheres nos Estados brasileiros, de março de 2012 a julho de 2013, sendo alterado o Código Penal Brasileiro e incluída a Lei 13.104, que tipifica o feminicídio como homicídio, reconhecendo o assassinato de uma mulher em função do gênero, ou seja, pelo simples fato de serem mulheres. A Lei que foi publicada em 9 de março de 2015, desde sua decretação, sofreu varias modificações e aprimoramentos. (RELATORIO FINAL, CPI-VCM, 2013).
Na busca de melhorar o texto legal, o legislador editou a lei 13.771/18, que entrou em vigor em 19 de dezembro de 2018. Determina que a pena deva ser aumentada em 1/3, caso o crime seja praticado contra: “Pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental; na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima; em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 22 da lei 11.340, de 7 de agosto de 2006. Nesse casos a pena deve ser aumentada”.
A Lei 13.104/2015 institui a figura do feminicídio, que nada mais é do que homicídio qualificado, quando se trata de vítima mulher. Portanto acrescentou-se o inciso VI ao artigo 121, parágrafo 2, do Código Penal, afirmando ser qualificado o crime quando praticado o crime “contra mulher por razões da condição do sexo feminino”. (Nucci;Guilherme.2015). Ao incluir o feminicidio como circunstância qualificadora do homicídio, o crime foi adicionado ao rol dos crimes hediondos (Lei n 8.072/1990), tal qual o estupro, genocídio e latrocínio, entre outros.
Devemos ter em mente que a lei somente aplica-se nos casos descritos a seguir:
Violência doméstica ou familiar: quando o crime resulta da violência doméstica ou é praticado junto a ela, ou seja, quando o homicida é um familiar da vítima ou já manteve algum tipo de laço afetivo com ela. Esse tipo de feminicídio é o mais comum no Brasil, ao contrário de outros países da América Latina, em que a violência contra a mulher é praticada, comumente, por desconhecidos, geralmente com a presença de violência sexual.
Menosprezo ou discriminação contra a condição da mulher: quando o crime resulta da discriminação de gênero, manifestada pela misoginia da mulher.
Na sociedade ocidental patriarcal em que vivemos, estruturada hierarquicamente por relações sociais de sexo, os homens são educados para dominar e para submeter tudo e todos aos seus desejos, ignorando completamente os ritmos e desejos à sua volta: seja da mulher, da criança ou mesmo dos fluxos da natureza, sendo esse um fator predominante para a motivação dos assassinatos contra a mulher.
Reconhecendo que o conceito de femícidio/feminicídio ainda carece de melhor formulação, algumas autoras têm empregado uma tipologia que teria sido elaborada por Ana Carcedo em sua pesquisa sobre os femicídios na Costa Rica, procurando assim demonstrar que, embora essas mortes sejam todas provocadas por uma discriminação baseada no gênero, existem características que refletem as diferentes experiências de violência na vida das mulheres e tornam esse conjunto de mortes heterogêneo e complexo. Essa tipologia é composta por 3 (três) grupos, sendo eles:
Íntimo - “O feminicídio íntimo é um contínuo de violência. Antes de ser assassinada a mulher já passou por todo o ciclo de violência, na maior parte das vezes, e já vinha sofrendo muito tempo antes. A maioria dos crimes ocorre quando a mulher quer deixar o relacionamento e o homem não aceita a sua não subserviência. Este é um problema muito sério.” Adriana Ramos de Mello, juíza titular do 1º Juizado de Violência Doméstica contra a Mulher do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Não íntimo - Morte de uma mulher cometida por um homem desconhecido, com quem a vítima não tinha nenhum tipo de relação, como uma agressão sexual que culmina no assassinato de uma mulher por um estranho. Considera-se, também, o caso do vizinho que mata sua vizinha sem que existisse, entre ambos, algum tipo de relação ou vínculo.
Por conexão - São aqueles em que as mulheres foram assassinadas porque se encontravam na "linha de fogo" de um homem que tentava matar outra mulher, ou seja, são casos em que as mulheres adultas ou meninas tentam intervir para impedir a prática de um crime contra outra mulher e acabam morrendo. Independem do tipo de vínculo entre a vítima e o agressor, que podem inclusive ser desconhecidos.
5.A Lei Maria da Penha
222O Brasil, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) é o país ocupante da quinta colocação dos países onde mais se matam mulheres no mundo, só perdendo para El Salvador, Colômbia, Guatemala, e Rússia em número de casos de assassinato de mulheres, um levantamento preocupante, haja vista o números de países registrados pela ONU, onde existem cerca de 193. A Lei Maria da Penha
A Lei Maria da Penha foi criada em 7 de agosto de 2006 a fim de combater com mais veemência a violência contra a mulher. Somente depois de muita luta de grupos feministas na busca por igualdade e um lugar na sociedade, ou seja, na vida pública, foi que esse tema ganhou força e começou a ser debatido pelas autoridades.
O advento da lei Maria da Penha colocou o nosso país em agosto de 2006 como o 18º país da América Latina a aperfeiçoar sua legislação sobre a proteção da mulher (JESUS, 2010, p.52).
A Lei Federal 11.340/2006 de Combate à Violência Doméstica e Familiar tem origem na história dolorosa de vida da farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes. Ela foi vítima de violência domestica durante seus 23 anos de casamento, era casada com um professor universitário e economista. Em 1983, seu marido tentou assassina-la, simulando um assalto fazendo uso de uma espingarda, como resultado ficou paraplégica. Pouco tempo depois em uma nova tentativa de assassiná-la, buscou eletrocutá-la com uma descarga elétrica durante o banho.
No livro de Maria Berenice Dias, A Lei Maria da Penha informa ''Quando da apresentação do projeto de Lei, a relatora, Deputada Jandira Feghali, trouxe dados impressionantes: nos dez anos de atuação dos Juizados Especiais, os resultados reforçavam a impunidade, dando margem à reincidência e ao agravamento do ato violento: 90% dos casos eram arquivados ou levados à transação penal. Apenas 2% dos acusados por violência doméstica contra a mulher eram condenados. “De cada cem brasileiras assassinadas, setenta eram vítimas no âmbito de suas relações domésticas, evidenciando que, ao contrário dos homens, as mulheres perdiam suas vidas no espaço privado”.
Por anos, a sociedade e o Estado permaneciam inertes quando viam a violência acontecer, por acreditar que o ambiente familiar era sagrado, e os problemas ocorridos no interior dos lares não diziam respeito a outros senão aos integrantes da família, ainda que se tratasse de crimes. Fato é que até o advento da Lei nº 11.340/2006 a mulher não contava com um diploma legal específico, que objetivasse a proteção contra a violência praticada no âmbito doméstico.
A Lei se tornou referencia mundial, considerada uma das três melhores leis do mundo pelo Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher. E algumas novidades trazidas por ela foram a prisão do suspeito de agressão; a violência doméstica passar a ser um agravante para aumentar a pena; não ser possível mais substituir a pena por doação de cesta básica ou multas; ordem de afastamento do agressor à vítima e seus parentes; assistência econômica no caso da vítima ser dependente do agressor.
6.Números e estatísticas sobre Violência doméstica e feminicídio.
O Brasil expõe um quadro alarmante e preocupante em relação a população feminina. O País se encontra péssimo no ranking internacional de assassinatos de mulheres, com uma taxa de 4,8% assassinatos em 100 mil mulheres, ficando na quinta posição do total de 83 países (FLACSO/OPAS-OMS/ONU MULHERES/SPM, 2015).
Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) 15 mulheres são assassinadas por dia, em média, e os agressores, em sua grande maioria, são os seus próprios parceiros, familiares ou pessoas de convívio. A pena para o crime é de 12 a 30 anos de prisão, sem direito a pagamento de fiança.
Foram registrados 1.206 casos de feminicídio no Brasil em 2018, um crescimento de 11% com relação a 2017. Desse total, 61% das mulheres eram negras (soma de pretas e pardas, de acordo com classificação do IBGE), e em 88,8% dos casos o autor, foi companheiro ou ex- companheiro, pesquisa realizada pelo 13 Anuário Brasileiro de Segurança Pública (FBSP,2019).
No ano de 2018, 1,6 milhões de mulheres foram espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento no Brasil, enquanto 22 milhões de brasileiras passaram por algum tipo de assédio. Dentro de casa, a situação não foi necessariamente melhor. Entre os casos de violência, 42% ocorreram no ambiente doméstico. Após sofrer uma violência, mais da metade das mulheres (52%) não denunciaram o agressor ou procurou a justiça. Os dados são de um levantamento feito em fevereiro de 2019 pela ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) para avaliar o impacto da violência contra as mulheres no Brasil.
Segundo os dados apresentados pelo Atlas da Violência 2019, as mulheres correm mais riscos de vida dentro de suas casas, no anseio de sua família do que nas ruas, isso porque a morte violenta internacional de mulheres no ambiente familiar cresceu durante 17% em cinco anos, enquanto o assassinado de mulheres nas ruas diminuiu 3% no mesmo período.
Nesse período, os relatos de violência chegaram a 79.661, sendo o maior quantitativo relacionado à violência física (37.396) e psicológica (26.527). No total, em 2018 foram registradas 92.323 denúncias. Sendo que os principais tipos de agressões em 2018 foram:
· violência física 30.918;
· violência psicológica 23.937;
· violência doméstica e familiar 15.803;
· tentativa de feminicídio 7.036;
· violência sexual 4.491;
· violência moral 3.960.
Em 2018, o Acre foi o estado com a maior taxa de feminicídio do país. Foram 3,2 assassinatos para cada 100 mil mulheres. É o que aponta um levantamento do Monitor da Violência, uma parceria do Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
7. Lei do feminicídio para travestis e transexuais
No Congresso Nacional Brasileiro o termo “Razões de gênero” foi trocado por Razões da condição do sexo feminino, ficando definido no inciso VI do artigo de homicídio. Durante os debates na Câmara, inicialmente o projeto de lei era para que fosse descrito como: se o homicídio é praticado “contra a mulher por razões de gênero”, porém uma das bancadas de parlamentares, a denominada bancada evangélica, foi contra essa expressão, pressionaram para que a palavra “gênero” fosse trocada por “sexo feminino”, essa mesma bancada objetivava distanciar a possibilidade de transexuais serem abarcados pela lei.
O debate sobre o tema “transgênero” se faz importante pelo fato de que, segundo um levantamento da Rede Trans Brasil, de 2016, o Brasil é um dos países que mais mata pessoas transexuais no mundo e um dos grandes motivos dessa intolerância é a ignorância sobre o assunto, por vezes tratado como tabu na sociedade.
Um levantamento feito pela ONG Transgender Europe (TGEu) em 2016 mostra que o Brasil matou ao menos 868 travestis e transexuais nos últimos oito anos (2008-2016). Segundo o relatório da TGEu, o país registra, em números absolutos, mais que o triplo de assassinatos do segundo colocado, o México, onde foram contabilizadas 256 mortes entre janeiro de 2008 e julho de 2016. Em números relativos, quando se olha o total de assassinatos de trans para cada milhão de habitantes, o Brasil fica em quarto lugar, atrás apenas de Honduras, Guiana e El Salvador.
Assim, neste momento, antes de adentrar no mérito do assunto, faz-se necessário conceituar a transexualidade. Inicialmente considerada um transtorno, os indivíduos que não apresentavam adequação de sexo/gênero eram considerados doentes pela Associação Americana de Psiquiatria e pela Organização Mundial da Saúde, estando a transexualidade diagnosticada em seus instrumentos avaliativos, DSM e CID, desde 1980. Avaliada assim como distúrbio, precisava constar nesta Classificação Estatística Internacional de Doenças, e ser apresentada mediante um código que tipificasse como doença diagnosticada, para que tivesse validade legal (BENTO,2012).
Com fundamento na própria Constituição Federal onde em seu artigo primeiro, define a proteção integral à dignidade humana e no art. 5º completando com os seguintes dizeres, inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas.
Em 1990 houve modificação na jurisprudência para que houvesse mudança de prenome no registro somente após cirurgia, essa ideia foi impulsionada pela Resolução nº 1.482/97, do Conselho Federal de Medicina, que possibilitou a cirurgia de transgenitalização, neocolpovulvoplastia e neofaloplastia. O entendimento mudou e a alteração do prenome independe da cirurgia de transgenitalização já a alteração de sexo no registro apenas posterior a cirurgia (LACERDA, 2016).
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, “o transexual não pode ser confundido com o homossexual, bissexual, intersexual (também conhecido como hermafrodita) ou mesmo com o travesti. O transexual é aquele que sofre uma dicotomia físico-psíquica, possuindo um sexo físico, distinto de sua conformação sexual psicológica. Nesse quadro, a cirurgia de mudança de sexo pode se apresentar como um modo necessário para a conformação do seu estado físico e psíquico”.
Transexuais são todos os indivíduos cuja identidade de gênero não corresponde ao seu sexo biológico. De maneira geral, essas pessoas sentem um grande desconforto com seu corpo por não se identificar com seu sexo biológico. Já os travestis são pessoas que não se identificam com o gênero biológico, se vestem e se comportam como pessoas de outro sexo. É um homem que se veste de mulher, se comporta como mulher e se sente mulher, ou ao contrário, uma mulher que se veste. Por isso tem a necessidade de adotar roupas características do gênero com o qual se identificam, se submetem a terapia com hormônios e realizam procedimentos para a modificação corporal.(Leite,Hellen).
Rogério Greco, explica: ''Se existe alguma dúvida sobre a possibilidade de o legislador transformar um homem em mulher, isso não acontece quando estamos diante de uma decisão transitada em julgado. Se o Poder Judiciário, depois de cumprido o devido processo legal, determinar a modificação da condição sexual de alguém, tal fato deverá repercutir em todos os âmbitos de sua vida, inclusive o penal.
Nesse sentido, decidiu o TJ/Mg, aplicando as Leis Maria da Penha não apenas para a mulher, mas também transexuais e travestis, o que acabou gerando enormes proporções entre a população e uma divisão entre opiniões nas redes sociais, alguns apoiaram a iniciativa de inclusão, defendendo o posicionamento do judiciário. O outro posicionamento, em contra partida, defende a tese biológica, atribuindo o genes masculino nos transexuais e travestis, e que mesmo possuindo aparência feminina, não deixa de sere homem, sendo tal posicionamento ineficaz, haja vista os posicionamentos tomados pelos tribunais.
A justiça brasileira vem tratando de diversas questões das pessoas que são transexuais, tema que vem gerando grandes polêmicas e discussões. Mesmo frente a limitações e até algumas restrições legais, a justiça brasileira tem decidido favoravelmente sobre a alteração do nome da pessoa transexual, bem como a do sexo no registro civil, por exemplo.
Percebe-se que, na condição de alteração do registro civil de homem para mulher, o homem passa a ser considerado, no mundo jurídico, como uma mulher, de modo que, in casu, se torna juridicamente possível que o transexual seja tido como sujeito passivo de quaisquer das condutas descritas na Lei Maria da Penha em estudo, bem como vítima do feminicídio previsto no art. 121, § 2.º, VI, do CP.
Vários critérios poderão ser utilizados para uma possível definição, com razoável aceitação, de quem pode ser considerada mulher para efeitos da presente qualificadora. Assim, por exemplo, pelo critério de natureza psicológica, isto é, alguém mesmo sendo do sexo masculino acredita pertencer ao sexo feminino, ou, em outros termos, mesmo tendo nascido biologicamente como homem, acredita, psicologicamente, ser do sexo feminino, como, sabidamente, acontece com os denominados transexuais. Há, na realidade, uma espécie de negação ao sexo de origem, levando o indivíduo a perseguir uma reversão genital, para assumir o gênero desejado.
Rogério Sanches Cunha diz que “a mulher de que trata a qualificadora é aquela assim reconhecida juridicamente. No caso de transexual que formalmente obtém o direito de ser identificado civilmente como mulher, não há como negar a incidência da lei penal porque, para todos os demais efeitos, esta pessoa será considerada mulher”.
Seguindo essa mesma linha de raciocínio, Celso Delmanto, afirma que o transexual que mantém o psiquismo voltado para o gênero feminino e que tenha realizado tanto a cirurgia de mudança de órgãos genitais, quanto a alteração em seu registro civil para fazer constar mulher, poderá ser abrangido pela proteção especial do feminicídio.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvimento do presente estudo possibilitou uma análise sobre violência de gênero, desconstruindo o pensamento que somente mulheres nascidas biologicamente no sexo feminino são abrangidas por leis protetivas, tais como Lei Maria da Penha e Lei do Feminicidio.
O conteúdo analisado neste trabalho resultou primeiramente em uma reflexão acerca da evolução dos direitos das mulheres, que aos longos dos anos foram abrangendo seus espaços e garantias, e com muita luta conquistando e ocupando tudo aquilo que alvejavam, mesmo que houve e que ainda haja muita resiliência por homens machistas existentes na sociedade.
Nesse sentido, a luta das mulheres cis e mulheres trans para a melhoria nas condições de igualdade de direitos se faz necessária. Também há necessidade de uma mudança de paradigma nos conceitos do Estado e da sociedade, já que há ainda muita inferiorização e discriminação que influi diretamente no contexto social em que vivemos.
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