TATIANA MARA SOUSA DE CARVALHO [1]
(coautora)
SAMILA MARQUES LEÃO [2]
(orientadora)
RESUMO: Nos últimos anos o número de homicídios em massa no Brasil tem aumentado gradativamente e diversos são os fatores que podem estar relacionados a esta ação criminosa. Assim, surge a necessidade de realizar o presente estudo na tentativa de analisar e compreender os elementos (sociais, psicológicos e biológicos) que podem estar diretamente atrelados ao evento danoso, influenciando a mente das pessoas que cometem esse tipo de ilícito penal. O estudo desenvolveu-se por meio de leituras de livros, monografias e artigos científicos na busca de compreender os argumentos das produções científicas acerca dos fatores que podem contribuir para a formação de um homicida em massa, além de buscar esclarecer a diferença entre serial killer e homicida em massa, revisar a bibliografia sobre o tema e discutir casos relevantes de homicídios em massa ocorridos no Brasil nos últimos 10 anos. A pesquisa caminha para o entendimento de que não há como isolar um ou outro elemento (desestruturação familiar, depressão, psicopatologia, bullying, fenômeno copycat, mídias violentas, etc) na tentativa de apresentar a motivação para o evento fatídico. Demonstrar-se-á que não existe um protagonista, mas sim a associação de vários deles.
Palavras-chave: Homicidas em massa, Psicologia jurídica, Direito, Fatores biopsicossociais.
ABSTRACT: In recent years, the number of homicides in mass in Brazil has increased gradually and various deaths that may be related to this criminal act. Also, it arises from the need to carry out or present a study in an attempt to analyze and understand the elements (social, psychological and biological) that can be directly linked to a harmful event, influencing people who commit this type of criminal offense. Or I study developed by means of reading books, monographs and scientific articles in search of understanding the arguments of scientific productions about two factors that can contribute to the formation of a mass murderer, in addition to seeking to clarify the difference between serial killer and mass homicide, review the bibliography on the subject and discuss relevant cases of mass homicides that occurred in Brazil in the last 10 years. A search leads to or understanding that there is no way to isolate another element (family destruction, depression, psychopathology, bullying, copycat phenomenon, violent media, etc.) in an attempt to present motivation for the fateful event. Demonstrate-know that there is no protagonist, but rather an association of several of them.
Keywords: Homicides em mass, Juridic Psychology, Right, Biopsychosocial factors.
Sumário: 1. Introdução – 2. O estudo dos homicidas em massa e a importância de aliar Psicologia e Direito – 3. Desestruturação familiar e bullying no caso Realengo – 4. Psicopatologias e o caso da Creche Gente Inocente - 5. Depressão e o efeito copycat no caso do atirador da capital – 6. Jogos on line violentos e o caso Suzano – 7. Conclusão – 8. Referências
1 INTRODUÇÃO
Hodiernamente é comum assistir aos noticiários e aos programas policiais e deparar-se com a narração dos chamados homicídios em série ou em massa afrontando e alarmando os brasileiros. Esses homicídios equivalem ao ato de assassinar concomitantemente, em um curto lapso temporal (geralmente no mesmo episódio), um grande número de pessoas.
O número de assassinatos em série tem aumentado significativamente no Brasil, basta rememorar casos como o Massacre de Realengo (2011), o incêndio na Creche Gente Inocente (2017), o ataque na Catedral de Campinas (2018) e o Massacre de Suzano (2019), que serão revisitados no presente estudo.
Buscar-se-á realizar uma análise psicológica e jurídica dos chamados homicidas em massa em âmbito nacional, buscando discorrer sobre alguns dos crimes praticados por eles na tentativa de identificar que elementos os influenciaram e quais tiveram maior efeito sobre a prática criminosa.
Logo no inicio de seu livro Serial Killers: louco ou cruel?, Casoy (2014) questiona: “O que leva uma pessoa a praticar atos tão extremos como assassinatos em série? A questão é genética, psíquica ou psicológica?”. Outros renomados autores têm buscado resposta às mesmas perguntas. Para respondê-las é necessário compilar os estudos de Direito, Psicologia, Psiquiatria e Criminologia até encontrar um norte.
Bem se sabe que o estudo não é, nem de longe, simplório, basta verificarmos a complexidade da mente humana, a formação do caráter individual e a forma como cada um reage diante das adversidades impostas pela vida. Além disso, criou-se o hábito de confundir assassinos em massa com serial killers diante do ultraje público de ambos os tipos criminosos.
Casoy (2014) evidencia que serial killers são indivíduos que cometem uma série de homicídios durante algum período de tempo, com o chamado tempo de esfriamento entre um homicídio e outro e é justamente esse intervalo entre os crimes que os diferencia dos assassinos de massa que matam várias pessoas em questão de horas. Outras diferenças podem ser apontadas como a ausência de uma assinatura e de um modus operandi, além de outras que serão prontamente indicadas neste estudo.
Trata-se de um estudo realizado por meio de levantamento bibliográfico, tomando por base autores como Casoy (2014), Trindade (2011), Correia Jr. (2018) e outros. Também será realizado estudo de caso referente a alguns dos últimos homicídios em massa praticados no Brasil com grande repercussão, tendendo a uma análise crítica da forma como a mídia divulgou tais casos nos vários meios de comunicação de massa e buscando compreender que elementos foram mais relevantes no fazer assassino, visto que entre eles têm-se aqueles que são fruto de violência sexual, abandono afetivo e familiar, viciados em jogos e séries, vítimas de bullying, aqueles que simplesmente se inspiraram em outros massacres, usuários da deep web ou que buscavam ficar conhecidos na história como assassinos de renome.
Essa pesquisa não tem o propósito de esgotar o tema, mas mostrar que muitos crimes são fruto de uma sociedade doentia que apenas aponta o erro do outro quando na verdade deveria se preocupar a fundo com o indivíduo como ser dotado de dignidade que pode sofrer desvio de caráter diante dos vários desafios impostos diariamente.
Por fim, pretende-se mostrar a importância de estudar Direito e Psicologia de maneira colaborativa, entendendo que ambas têm papel fundamental na compreensão do comportamento humano. Trindade (2011) assegura que uma parte dos erros judiciais está associada ao desconhecimento de assuntos psicológicos essenciais e muitos conflitos jurídicos são decorrentes, motivados ou mantidos, por questões de natureza emocional e psicológica. Portanto, não pode se imaginar o Direito e principalmente os estudos criminológicos dissociados da Psicologia.
2 O ESTUDO DOS HOMICIDAS EM MASSA E A IMPORTÂNCIA DE ALIAR PSICOLOGIA E DIREITO
Ao fazer uma simples busca no dicionário Aurélio on line veremos que Homicídio é substantivo masculino que significa ato (voluntário ou involuntário) caracterizado pela destruição da vida de uma outra pessoa, é a ação de assassinar outro ser humano. A busca para o termo homicida retorna como substantivo feminino ou masculino que significa pessoa que mata outra, que comete homicídio ou assassinato. A palavra massa é vista, além de outros significados, como sinônimo de povo ou multidão. Diante dessa simples busca podemos entender sem precisar consultar outras fontes que homicidas em massa são pessoas que matam/assassinam várias pessoas, ou melhor, que assassinam um povo ou uma multidão.
A parte especial do Código Penal Brasileiro (Decreto Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940) inicia seu Titulo I tratando dos Crimes contra a Pessoa e o Capitulo I é intitulado Dos Crimes contra a vida. O primeiro crime tratado é justamente o crime de Homicídio simples, previsto no Artigo 121, determinando que matar alguém implica em pena de reclusão de seis a vinte anos.
Nélson Hungria citado por CUNHA (2018, pag. 49) assim define homicídio:
O homicídio é o tipo central de crimes contra a vida e é o ponto culminante na orografia dos crimes. É o crime por excelência. É o padrão da delinquência violenta ou sanguinária, que representa como que uma reversão atávica às eras primevas, em que a luta pela vida, presumivelmente, se operava com o uso normal dos meios brutais e animalescos. É a mais chocante violação do senso moral médio da humanidade civilizada.
Sabe-se que a personalidade é a aptidão do indivíduo para ser sujeito de direitos e para contrair obrigações, e preceitua o Código Civil em seu Art. 2º que a personalidade civil começa com o nascimento com vida, mas a lei resguarda desde a concepção os direitos do nascituro (ser já concebido ainda não nascido). Pois bem, a vida do ser humano garante a ele direitos e obrigações, todos os demais direitos partem do direito à vida, é ela a fonte da ordem pública, da paz social e da segurança. Logo, o respeito à vida deve ser e é imposto a todos os indivíduos, razão por que o crime de homicídio, como disse o autor citado, é “o ponto culminante na orografia dos crimes”, é “o tipo central de crimes contra a vida” e é “a mais chocante violação do senso moral da humanidade civilizada”.
Pois bem, o homicida é talvez um dos criminosos que provoca diversas reações emocionais negativas nas pessoas, como por exemplo, temor e repulsa. O homicida em massa então, por tirar a vida de várias pessoas em um único episódio, merece ainda mais a reprovação social. O crime em estudo é considerado hediondo, por força da Lei 8072 de 25 de julho de 1990, se doloso, ou seja, o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo, sendo praticado em atividade típica de grupo de extermínio ainda que cometido por apenas um agente, ou sendo qualificado. As hipóteses de homicídio qualificado são trazidas pelo Art. 121, §2º, do Código Penal, vejamos in verbis:
Homicídio qualificado
§ 2° Se o homicídio é cometido:
I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;
II - por motivo fútil;
III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;
V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:
Pena - reclusão, de doze a trinta anos.
Feminicídio
VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino;
VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição;
VIII - (VETADO):
Pena - reclusão, de doze a trinta anos.
Crimes hediondos são crimes de extrema gravidade e que causam grande revolta e repúdio na sociedade civil e nos órgãos julgadores. Por esse motivo, esses crimes recebem um tratamento diferenciado e mais rigoroso que a demais infrações penais. Os homicidas em massa cometem crimes hediondos, por estarem praticando atividade de extermínio e ainda por se enquadrarem em algum dos tipos de homicídio qualificado (citados acima). Veja-se o caso do vigia da Creche Gente Inocente que será analisado neste estudo: ele tentou exterminar um grupo de pessoas – crianças por meio do emprego de fogo - meio insidioso e cruel.
Mesmo diante de toda a exposição realizada até aqui, não é incomum os termos assassino em massa e serial killer confundirem-se em nossa mente e acabarmos achando que são estes o mesmo tipo de criminoso. De fato, apresentam traços bastante semelhantes, no entanto as diferenças entre os dois perfis criminosos podem ser percebidas sem necessidade de análise muito minuciosa. Vejamos:
O assassino em massa é definido como o indivíduo que mata quatro ou mais vítimas em apenas um local de crime, é aquele que pratica chacinas, massacres. Suas vítimas são a personificação dos inimigos que ele criou, geralmente cometem suicídio após a ação criminosa. Já o serial killer mata mais de duas vítimas com um período de resfriamento entre as mortes e envolve mais de um local ou cena do crime. Sobre estes tipos indaga Casoy (2014, p. 20):
O primeiro obstáculo na definição de um serial killer é que algumas pessoas precisam ser mortas para que ele possa ser definido assim. Alguns estudiosos acreditam que cometer dois assassinatos já faz do assassino um serial killer. Outros afirmam que o criminoso deve ter assassinado pelo menos quatro pessoas. Mas será que a diferença entre um serial killer e um assassino comum é só quantitativa?Óbvio que não.
Os serial Killers têm um modo específico de agir, geralmente ensaiam seus atos (modus operandi) e tem uma assinatura (recolhem algum pertence das vítimas, deixam o corpo das vitimas no mesmo estado, arrancam alguma parte do corpo das vítimas, etc). O motivo do crime ou a falta dele são importantes para definir uma pessoa como serial killer. As vítimas são escolhidas de forma aleatória e o desejo do serial killer é apenas demonstrar seu poder sobre ela.
Os assassinos em massa praticam os massacres impelidos por uma fúria irracional que pode ter encontrado fundamento em vários fatores associados que fazem o individuo querer exterminar aquele grupo de pessoas e os serial killers em sua maioria nem apresentam motivação aparente. Assim acentua Casoy (2014, p. 23):
As vítimas do serial killer são escolhidas ao acaso ou por algum estereótipo que tenha significado simbólico para ele. Diferentemente de outros homicídios, a ação da vítima não precipita a ação do assassino. Ele é sádico por natureza e procura prazeres perversos ao torturar suas presas, chegando até a ressuscitá-las para brincar um pouco mais. Tem necessidade de dominar, controlar e possuir a pessoa.
O homicida em massa não deseja demonstrar poder e autocontrole sobre as vítimas, por isso geralmente não as tortura. Seu desejo é apenas matar o maior número de pessoas possível e não teme ser descoberto por que age por impulso, não planeja seus atos e suicida-se ou entrega-se às autoridades policiais. Ao contrário dos serial killers que planejam seus atos minuciosamente e inclusive costumam passar anos sem ser descobertos.
Para matar o maior número de pessoas, os homicidas em massa costumam usar armas de fogo para atingir mais pessoas em menos tempo, enquanto os serial killers procuram utilizar meios mais demorados e mais torturadores no tratamento com as vítimas, pois assim aumentam o prazer propiciado pelo evento.
Do ponto de vista psicológico, o assassino em massa pratica um ato premeditado, resultado de uma vingança oriunda da necessidade de dar uma resposta ao desespero no qual o indivíduo se encontra, desespero este que ele imputa à sociedade ou a determinado grupo social. Não necessariamente esse indivíduo apresenta uma psicopatologia ou distúrbio psicológico. Já os Serial Killers em muitos casos agem como psicopatas, pois têm desvio de comportamento, impulsividade, agressividade, ausência de compaixão e superfiacialidade das relações sociais.
A Psicologia é a ciência que estuda o comportamento. O Direito é um conjunto de regras que busca regular o comportamento. É inegável que Psicologia e o Direito são áreas do conhecimento científico voltadas para a compreensão do comportamento humano, apesar de terem objetos de estudo diferentes: enquanto a primeira volta-se para o estudo do ser, buscando analisar os processos psíquicos conscientes e inconscientes, individuais e sociais que governam a conduta humana; o segundo, foca no mundo do dever ser, supondo a regulamentação e legislação de várias áreas.
Não é possível entender o mundo da lei sem os modelos psicológicos que o inspiram de forma direta ou indireta, assim como é impossível compreender o comportamento humano em qualquer de seus níveis (individual ou grupal) sem compreender como a lei pode interferir na construção da identidade social do indivíduo. Trindade (2011, p. 29) salienta que o homem é cidadão que pertence ao reino do ser e do dever-ser, simultaneamente.
O mesmo autor ensina que o comportamento humano é um objeto de estudo que pode ser analisado por vários saberes de forma simultânea sem, contudo ser esgotado, dada sua vasta complexidade. Por isso defende a Psicologia Jurídica como importante ao Direito e essencial à justiça que só pode ser alcançada com direito e psicologia compartilhando o mesmo objeto: o homem e seu bem-estar. A Psicologia jurídica ajuda o direito a atingir seu fim.
Estudar Psicologia aliada ao estudo do Direito mostra-se importante por vários fatores que podem ser observados no fazer dos operadores de Direito diariamente:
a) Grande parte dos erros judiciais cometidos tem ligação direta com o desconhecimento de assuntos psicológicos essenciais;
b) É necessário conhecer os mecanismos psicológicos do comportamento para aprimorar a Justiça;
c) Grande parte dos conflitos é causada, motivada e mantida por questões de natureza emocional;
d) Todo crime é resultado de alteração no comportamento humano e sempre devem ser analisados buscando suas motivações;
e) Quando afastado da sociedade o apenado precisa ser reintegrado e ressocializado. A Psicologia tem meios de ajudar o Direto nesse sentindo;
f) No direito de família: divórcio, alienação parental, guarda dos filhos é necessário a análise do comportamento e de controle das emoções. Talvez seja nesse campo a maior contribuição que a Psicologia possa dar.
Enfim, diversas são as possibilidades de contribuição da Psicologia no fazer do operador de Direito. Tanto que Trindade (2011, p.41) afirma: “Direito e Psicologia estão condenadas a dar as mãos”. A Psicologia tem a possibilidade de humanizar o Judiciário colaborando para uma das mais impossíveis demandas dos indivíduos: a construção do ideal de justiça.
O filósofo Platão já afirmava que a atividade humana é motivada por fatores psicológicos que coexistem a diverso, sociais e políticos. Esse entendimento fica claro quando analisamos os homicidas em massa, visto que os fatores determinantes na prática destes são vários e podem ocorrer de maneira simultânea. O fato é que para analisá-los é necessária a contribuição da Psicologia.
A Psicologia jurídica quando colocada a serviço dos fins do direito, contribui para tornar a justiça mais sensível, auxiliando-a a tornar-se mais ágil e eficaz, evitando a judicialização de fatos passíveis de serem resolvidos pela mediação, por exemplo. Desta feita, temos a Psicologia como uma disciplina imprescindível às relações jurídicas à medida que fornece aos estudantes de direito e aos juristas uma melhor compreensão do conflito e das possibilidades de resolução favorável entre as partes envolvidas. Cada conflito deve ser estudado individualmente (o tão escutado “caso concreto) a fim de usar uma abordagem psicojurídica adequada.
No próprio ano de 2020, em meio a uma pandemia (situação atípica), é notório a importância de conciliar essas duas áreas do conhecimento: todos tiveram que passar por um processo de readaptação (no trabalho, nas relações interpessoais, etc), a tecnologia passou a ser o principal aliado na realização das atividades profissionais (fornecendo os instrumentos necessários para acelerar os trabalhos dos juristas e dos tribunais) e no refreio das distâncias sociais. O problema é que essa proximidade inesperada e não planejada também trouxe à tona diversos problemas de relacionamento extra e intrafamiliares: aumento da violência doméstica, crescimento do número de pessoas acometidas por depressão, acréscimo dos períodos de ociosidade e outros que merecem e devem ser analisados com a sensibilidade da Psicologia e a exatidão do Direito.
3 A DESESTRUTURAÇÃO FAMILIAR E O BULLYING NO CASO REALENGO
Buscando bases psicológicas para conceituar família poderemos perceber que a família, tal qual conhecemos hoje, não pode ser concebida apenas como uma organização natural de pessoas com laços de parentesco, nem simplesmente como resultado da vontade divina. A família (do termo latino famulus) é mais que isso: é fruto de condições históricas e sociais, é sistema, é agrupamento humano com ligações biológicas, ancestrais e afetivas, em constante transformação e que tem como característica importante a influência recíproca, intensa e direta entre seus membros.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) assegura às pessoas humanas, em seu artigo 16, o direito de fundar uma família, sendo esta o núcleo natural e fundamental da sociedade e, portanto, merecedora da proteção desta e do Estado. Para Lobo (2015) esse dispositivo deixa claro que família não é só aquela constituída pelo casamento, o que garante o direito de proteção também às demais entidades familiares socialmente constituídas.
Neste mesmo sentido, se tomarmos por base o ordenamento jurídico pátrio, veremos no artigo 226 da Constituição Federal de 1988 que a família é a base da sociedade e deve ter especial proteção do Estado. Assim, o Direito destina parte do Código Civil para tratar especificamente sobre o Direito de Família, tutelando as relações familiares e discutindo as obrigações e direitos que surgem dessas relações.
O Direito traz princípios jurídicos que podem e devem ser aplicados ao direito de Família (dignidade da pessoa humana; convivência, solidariedade, igualdade e liberdade familiar; afetividade e o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente) que orientam os papéis que a instituição familiar deve desempenhar. É, portanto, função da família: proteger, socializar, amar, educar e resolver possíveis conflitos.
É sabido que o dever de assistir, criar e educar os filhos é dos pais (art. 229, CF/88). No entanto, a figura maternal acaba por ter responsabilização ainda maior, visto que os protege desde o ventre dando alimentação e, não somente por isso, a criança cria um apego mais forte que contribui para o seu bom desenvolvimento.
Quando a criança cresce numa família que apresenta dificuldades de garantir o seu desenvolvimento cognitivo, emocional e social saudável, num ambiente onde não há cuidado, afeto e em que presencia constantes brigas, violência física e psicológica, separações e situações de abandono, pode sofrer transtornos emocionais e psicológicos, o que provavelmente pode vir a desencadear aspectos formativos psicológicos de cunho negativo.
Veja-se que isto é perfeitamente compreensível no caso do jovem Wellington Menezes de Oliveira, responsável pelo trágico episódio que ficou conhecido como ‘O massacre de Realengo’, ocorrido no dia 7 de abril de 2011 por volta das 8h30min da manhã, na Escola Municipal Tasso da Silveira, localizada no bairro de Realengo, no município do Rio de Janeiro.
O jovem Wellington Menezes de Oliveira de 23 anos, ex aluno da escola, sacou uma arma e começou a alvejar os estudantes, matando doze adolescentes e deixando mais de treze feridos, além de atirar contra si próprio, cometendo suicídio. Ele tinha apenas 23 anos e era filho adotivo da Senhora Dicéa Menezes de Oliveira. Fora adotado quando ainda era bebê porque a mãe biológica sofria de problemas mentais e chegou a tentar suicídio.
A família relatou que Wellington sempre acompanhava a mãe, que era muito religiosa, nas reuniões das testemunhas de Jeová e que a morte da mesma agravou o estado mental de Wellington que fazia tratamento psiquiátrico, mas deixou de fazê-lo por volta dos 17 anos de idade.
No dia do massacre, Wellington chegou à escola por volta das 08 horas da manhã, bem vestido e apresentando-se como palestrante, razão pela qual o vigia autorizou sua entrada. Ao entrar, subiu ao primeiro andar e adentrou na sala da oitava série em que ocorria a aula de Língua Portuguesa, ministrada pela Professora Leila D’Angelo. Calmamente, Wellington sacou as duas armas de fogo que portava (um revólver de calibre 38 e outro de calibre 32) e um carregador do tipo speedloader (que otimiza os disparos, mas exige rigoroso treinamento para uso). Colocando um revólver em cada mão, iniciou vários disparos contra as pessoas que ali se encontravam.
Curioso foi o fato de que os tiros que atingiram os meninos foram deferidos contra seus braços e pernas e os que atingiram as vítimas de sexo feminino miravam diretamente a cabeça das mesmas no intuito de efetivamente matá-las. Outro fato curioso é, que segundo relatos das vitimas sobreviventes, durante os disparos fatais contra as vítimas meninas, Wellington proferia palavras de ódio e julgamento, chamando-as de "seres impuros".
Na ocasião, o jovem homicida efetuou mais de trinta disparos, ocasionando a morte de dez meninas e dois meninos com idades que variavam entre 13 e 16 anos. Pela quantidade de mortes em um único evento podemos considerá-lo como Homicida em massa.
Em carta escrita antes do massacre Wellington declarou que sofreu bullying na escola: "Muitas vezes aconteceu comigo de ser agredido por um grupo, e todos os que estavam por perto debochavam, se divertiam com as humilhações que eu sofria, sem se importar com meus sentimentos". Além de declarar que lia o Alcorão (livro sagrado do Islamismo) todos os dias e refletia sobre o atentado às torres gêmeas ocorrido em setembro de 2001, nos EUA.
Um ex-colega de classe de Wellington relatou: "Certa vez no colégio pegaram Wellington de cabeça para baixo, botaram dentro da privada e deram descarga". Disse ainda que a algumas pessoas instigavam as meninas a mexerem com Wellington e outras vezes elas mesmas sacaneavam ele, passavam a mão nele, brincavam, provocavam. Acredita-se que esse motivo levou Wellington a repudiar as figuras femininas a ponto de considerá-las impuras.
Óbvio que cada ser humano é único e possui habilidades e dificuldades específicas. Logo, cada um reage de maneira diferente frente às situações conflituosas. Diante do bullying sofrido, assevera Silva (2010, p. 76):
Encontramos, ainda, aqueles jovens que carregam consigo os traumas da vitimização para a vida adulta. Tornam-se adultos ansiosos, inseguros, depressivos ou mesmo agressivos. Eles tendem a reproduzir em seus relacionamentos profissionais e/ou familiares a violência que sofreram no ambiente escolar.
Essa tese pode ser confirmada nos relatos da vizinhança e de pessoas próximas ao jovem Wellington. Ele era considerado uma pessoa introspectiva, tímida e de poucos amigos, não participava da vida familiar, matinha relações com outras pessoas apenas pela internet, onde passava maior parte do tempo, fazendo pesquisas geralmente sobre armamentos.
Os irmãos de Wellington relataram que cerca de um ano e meio antes o jovem havia comprado dois revólveres e um carregador rápido e que ele havia assistido algumas aulas de tiro, o que comprova que ele planejava a ação já há algum tempo, com intenção clara de vingar-se daqueles que representavam o bullying sofrido na adolescência.
Após a divulgação de alguns vídeos encontrados no computador do homicida de Realengo, vários psicólogos e psiquiatras tentaram traçar um perfil psicológico do mesmo: para alguns, Wellington sofreria de esquizofrenia paranóide, para outros ele seria portador do chamado transtorno de personalidade anti-social. Nos vídeos o jovem assassino declara que o ocorrido iria servir de lição para que as autoridades escolares descruzassem os braços diante de tantos alunos indefesos que são ridicularizados e desrespeitados dentro da escola, além de afirmar que os impuros não poderiam tocá-los sem usar luvas.
Fica claro que um dos caminhos possíveis para o jovem excluído e vítima de bullying é a reação adoecedora: quando ele não recebe o apoio familiar, escolar ou o incentivo para desenvolver seus talentos, dificilmente consegue superar os obstáculos e provavelmente a internalização de sentimentos negativos se manifesta em adoecimentos psíquicos, cujas conseqüências podem ser uma vida adulta caótica, sofrível e violenta.
Nas palavras de Trindade (2011, p. 383):
Do ponto de vista psicológico, as vítimas de bullying devem receber atendimento psicoterapêutico para elaboração dos conflitos emocionais que decorrem do processo de vitimização ao qual estão submetidas com o intuito de superar a debilidade que a relação oprimido-opressor instaura.
Uma pena é que o jovem Wellington não buscou o tratamento adequado e cumpre reforçar que o episódio em questão é resultado da soma de alguns fatores negativos, porém percebe-se que a família desestruturada, a ausência da figura materna (biológica e adotiva), a negligência dos demais membros familiares, o isolamento do restante da família, a falta da afetividade familiar – todos problemas de cunho familiar – e o bullying sofrido desde a tenra infância, desempenharam papel singular na prática criminosa.
4 PSICOPATOLOGIA E O CASO DA CRECHE GENTE INOCENTE
O ocorrido na Creche Gente Inocente deixa claro que uma pessoa aparentemente sã, pode ser levada do isolamento à perversidade absurda. O episódio fez com que muitos questionassem: Damião era portador de algum distúrbio mental? E, sendo ele servidor público havia 8 anos (mesmo sem nada que manchasse seu currículo), questionou-se também: que critérios foram considerados pela prefeitura da cidade quando da contratação do vigia?
O massacre ocorreu no dia 5 de outubro de 2017, no bairro Rio Novo em uma creche municipal de Janaúba, no Estado de Minas Gerais. O vigia da creche Gente Inocente, Sr. Damião Soares dos Santos de 50 anos de idade ateou fogo em si mesmo, em uma professora e em várias crianças.
Naquela manhã, Damião foi até a creche dizendo que ia entregar um atestado médico. Uma funcionária abriu a porta e ele entrou ainda de capacete e com uma mochila nas costas. Damião foi até a cozinha e jogou álcool em uma das funcionárias e ateou fogo. A funcionária gritou por socorro.
Na sequência, ele invadiu uma sala de aula, onde dezenas de crianças entre 3 e 7 anos de idade estavam participando de atividades normais da escola, trancou a porta e lançou combustível sobre várias crianças, funcionários e logo em seguida pôs fogo em si próprio.
A tragédia de Janaúba deixou 14 mortos, incluindo o autor da chacina, e dezenas de pessoas feridas.
Damião era caçula entre os irmãos de uma família pobre de sete mulheres e quatro homens, era discreto e vendia picolés para criança feitos por ele mesmo. Sua irmã alegou que o vigia vinha apresentando problemas mentais que começaram depois que o pai morreu. Ele nunca se casou e nem teve filhos.
A casa onde morou nos últimos dois anos possuía apenas dois cômodos, era totalmente insalubre e inóspita. Lá foram encontradas anotações, com textos confusos e pouco concatenados, contendo referências ao Estatuto da Criança e do Adolescente, um CD com fotos de crianças brincando e tomando sorvete, além de alguns galões de álcool.
Segundo entrevista dada ao G1 o delegado responsável pelo caso, Bruno Fernandes Barbosa, disse: “Tenho plena convicção de que o crime foi premeditado, ele escolheu a data do dia 5 de outubro porque o pai dele morreu no dia 5 de outubro, há três anos".
A data escolhida para o crime e os achados na casa do homicida esvaziam a teoria de que ele teria tido um surto psiquiátrico, mas não podem negligenciar de que ele poderia, há algum tempo, vir sofrendo com algum tipo de transtorno psicótico ou uma psicopatologia qualquer como foi reconhecido em laudo psiquiátrico posterior ao episódio.
Damião havia dito a familiares que "essa semana iria morrer". Parentes disseram à polícia que, desde 2014, Damião já apresentava "sinais de loucura", costumava alegar que a mãe dele estava envenenando a água, e que isso estava trazendo problemas para ele. O vigia chegou inclusive procurar o Ministério Público de Minas Gerais pedindo ajuda contra a mãe.
Diante desta colocação, o laudo dos psiquiatras que atuaram na investigação do caso chegou à conclusão de que o vigia Damião sofria de disfunção de consciência e tinha delírios persecutórios, doença mental na qual a pessoa acredita que está sendo perseguida ou traída exageradamente e sem justificativa aparente.
Para Trindade (2011, p. 130), os indivíduos que sofrem com transtornos delirantes podem planejar comportamentos homicidas e é freqüente buscarem órgãos policiais e da Justiça apresentando queixa em relação aos prejuízos que julgam sofrer diante da ação dos perseguidores de quem se consideram vítimas, como fez o homicida Damião. Além disso, esse tipo de transtorno é considerado tardio, costuma incidir após os 25-28 anos de idade e muitos pacientes raramente buscam auxílio por conta própria, geralmente são encaminhados por juizados ou tribunais.
No caso, Damião foi orientado a buscar orientação psiquiátrica ainda em 2014 quando procurou o MP de Minas Gerais, porém não buscou a ajuda de psicólogo ou psiquiatra para acompanhamento.
Diante de tudo que foi exposto, fica evidente que o diagnóstico precoce e obviamente o tratamento psicológico ou psiquiátrico necessário ao caso poderiam ter evitado a ocorrência de tão triste episódio. Apesar de o laudo psiquiátrico ter demonstrado que no momento do ato criminosos, o homicida Damião, não estava sofrendo de nenhum tipo de delírio é provável que se o transtorno tivesse sido tratado ele não teria premeditado e muito menos praticado o massacre.
Ressalte-se ainda, que no caso de Damião, não houve punição jurídica para o feito, já que o autor do tipo criminal foi punido com o resultado morte, no entanto, o ocorrido nos deixa em dúvidas em relação ao diagnóstico e ao tratamento reservado a tantos outros apenados que sofrem de transtornos mentais, em que os mais comuns são os transtornos de personalidade e de comportamento.
5 DEPRESSÃO E O EFEITO COPYCAT NO CASO DO ATIRADOR DA CAPITAL
Em 11 de dezembro de 2018, Euler Fernando Grandolpho, de 49 anos, adentrou a Catedral de Nossa Senhora da Conceição, localizada no centro de Campinas em São Paulo, armado com uma pistola de 9 mm e um revólver calibre 38. O massacre ocasionou a morte de 05 pessoas, entre elas o próprio atirador que cometeu suicídio.
Euler Fernando nasceu em Campinas, mas vivia na cidade de Valinhos (SP). Segundo informações trabalhou como auxiliar de promotoria no Ministério Público de São Paulo e não tinha antecedentes criminais.
Segundo relatos o atirador morava com o pai, era bastante recluso, costumava ficar dentro do quarto, saía muito pouco de casa, não trabalhava desde 2015 e tinha poucos amigos inclusive em seu perfil no Facebook que só possuía duas postagens.
Em um canal no YouTube, Grandolpho publicou um vídeo em que aparece praticando Counter-Strike, jogo de tiro em que grupos terroristas e contra-terroristas batalham entre si. Até a data da publicação (outubro de 2017), o homicida da catedral já havia jogado cerca de 350 horas de jogo.
De acordo com relato de uma ex-namorada de Euler, ele externava o ódio pela igreja católica porque seu pai era cristão fervoroso e dedicava muito tempo aos trabalhos voluntários.
No dia do massacre, o atirador estava sentado entre os fieis em um banco ao fundo da igreja. Quando a missa terminou, ele se levantou e atirou em pelo menos três pessoas atrás dele. Uma delas se levantou e saiu cambaleando até a porta da igreja, atraindo a atenção de um grupo de pessoas que estava do lado oposto da igreja, contra quem o atirador começa a disparar vários tiros. Na sequência o atirador foi até o corredor e passou a atirar em direção à saída da igreja.
Segundo o comandante do 8º Batalhão da Polícia Militar, Euler só parou de atirar quando foi atingido por policiais que adentraram a Catedral após ouvir os disparos. Depois de ferido à altura do abdômen ele atirou contra a própria cabeça.
Familiares do atirador confirmaram que ele chegou a fazer tratamento contra a depressão e que temiam que ele cometesse suicídio. Enfermidade comum nos nossos dias, a depressão é uma doença psiquiátrica crônica que produz acentuadas alterações de humor, amargura, desencanto, baixa autoestima e forte sentimento de desesperança.
O inquérito policial foi concluído em 20 de fevereiro de 2019 e dá conta de que em bilhetes encontrados na casa do atirador ele revelava que estava sendo perseguido (da mesma forma que o vigia Damião Soares, da Creche gente Inocente) e que essas perseguições só acabariam com a ajuda de um profissional ou com um massacre, que ele precisaria fazer algo grande.
Essa idéia de perseguição constante pode estar relacionada com os episódios depressivos, visto que uma das variações da citada doença é conhecida por Transtorno depressivo Psicótico (que parece encaixa-se perfeitamente ao caso em tela) Esse transtorno faz com que os pacientes tenham delírios e/ou alucinações.
O inquérito policial descobriu também que Grandolpho já possuía a pistola de 9mm desde o ano anterior, que planejava o crime desde 2008 e que admirava outros massacres como o de Realengo e da Noruega ocorridos em 2011 e o do Ceará (chacina das Cajazeiras) ocorrido em Janeiro de 2018.
Essa inspiração em outros crimes que tiveram grande repercussão na mídia é conhecido como fenômeno Copycat (expressão em inglês que resulta da justaposição da palavra copy, que significa ‘cópia’, seguida da palavra cat, que quer dizer ‘gato’). Essa expressão origina-se no fato de que os filhotes de gatos tendem a imitar o comportamento da mãe.
Na esfera jurídica utilizamos a expressão modus operandi para descrever o modo de agir de um criminoso. No entanto, como mencionado, o criminoso pode simplesmente estar copiando o estilo de outro.
Assim, o ‘efeito copycat’ tem sido comumente aplicado na literatura criminológica toda vez que a ocorrência de determinado acontecimento projeta outros episódios similares. A mídia é bastante colaborativa nesse sentido, pois da divulgação desses fatos, inclusive com riqueza de detalhes, abre-se uma brecha para imitação.
Desta feita, o fenômeno típico, antijurídico e culpável (suicídios ou homicídios de grande repercussão social) associados à publicidade sensacionalista colaboram para que de forma sequenciada aconteçam outros episódios da mesma natureza.
No caso do atirador da Catedral, o inquérito policial foi concluído em cerca de três meses após o trágico episódio, levando em consideração alguns depoimentos e principalmente um ‘diário’ (caderneta de anotações) deixado por ele. O perfil traçado para o criminoso revela que ele sofria de grave transtorno psicológico com delírios persecutórios e desvio de personalidade acentuado e que, pelo que se sabe, não chegou a buscar tratamento apropriado.
Acreditou-se por alguns momentos que o fato criminoso teria sido ocasionado por algum sentimento de rancor que o atirador alimentava contra a Igreja Católica. No entanto, a hipótese de retaliação religiosa foi totalmente descartada.
Assim como nos demais casos analisados no presente estudo, é indubitável que não foi um fator isolado que culminou no trágico episódio na Catedral de Campinas. Porém, a motivação maior está relacionada sem dúvida ao adoecimento psicológico do atirador (Transtorno depressivo) cumulado com o desejo de chamar para si a atenção de muitos e imitar outros eventos trágicos.
Também não restam dúvidas de a mídia é um dos vilões dessa estória, já que para esse veículo de comunicação a morte é vista como fenômeno propulsor de audiência, em outras palavras a morte vende e vende muito. Muitas vezes, os fatos nem são apurados de fato e logo são publicados, pois na corrida pela audiência ganha quem consegue ‘espremer sangue’ primeiro, se a matéria sangra, ela lidera o ranking de audiência.
6 JOGOS ON LINE VIOLENTOS, DEEP WEB E O CASO SUZANO
Uma discussão relevante na atualidade é a relação do homicídio em massa com os jogos eletrônicos de caráter violento. Dados comprovam que o excesso de videogame pode levar ao isolamento e a agressividade dos usuários.
Hoje é comum crianças, adolescentes, jovens e adultos encontrarem-se cada vez mais viciados em jogos eletrônicos, presos em um ambiente on line privativo, alheios à realidade que os rodeia e o pior: afastados da convivência com a família e com outras pessoas próximas.
A própria crise pandêmica que o Brasil e o mundo vêm enfrentando tem mostrado que, em decorrência do isolamento social que nos foi imposto, ocorreu um aumento significativo de pessoas no ambiente virtual. Afastados do trabalho, da escola e de outras atividades antes realizadas e agora não mais possíveis, resta para alguns apenas a utilização de jogos on line como forma de passa-tempo. O problema é que esse passa-tempo tem deixado margem para o surgimento de pessoas viciadas nestes jogos, cada vez mais isoladas e involuntariamente mais agressivas, impacientes e facilmente estressadas, o que pode ocasionar mentes adoecidas numa sociedade que já está caótica.
Diante deste cenário alguns questionamentos nos chamam atenção: a) Que tipo de influência esses jogos on line podem causar na mente de seus gamers? b) Que tipos de conteúdos estão sendo veiculados paralelamente nesse ambiente de disputas on line? c) E o fator tempo? Que conseqüências a perda excessiva de tempo diante desses games podem trazer para seus praticantes?
A Associação Americana de Psicologia realizou e divulgou pesquisa tratando deste tema e concluiu que jogos eletrônicos violentos podem estimular comportamentos agressivos. A pesquisa girou em torno da análise de estudos publicados de 2005 a 2013 que mostram como os jogos eletrônicos podem afetar o comportamento infantil diminuindo inclusive sentimentos de empatia.
Para a Psicologia assim como os transtornos compulsivos, vícios em jogos eletrônicos podem levar a conseqüências negativas tais como: mudança no horário das refeições e no horário de dormir, má realização das atividades cotidianas, isolamento frequente, fadiga, enxaqueca, mudanças repentinas de humor, mudança de comportamento e até mesmo depressão.
Cumpre ressaltar que não são todas as pessoas que se tornam influenciáveis pelos jogos on line de natureza violenta, mas tem sido muito comum que alguns se baseiem nesses jogos para praticar atos criminosos, como foi (ao nosso ver) o caso do Massacre de Suzano em 2019. Na época a polícia encontrou, no carro dos criminosos, dois cadernos com anotações sobre games de tiros e táticas de jogo.
O referido massacre foi um homicídio em massa ocorrido em 13 de março de 2019 por volta das 09:30 horas da manhã, na Escola Estadual Professor Raul Brasil no município de Suzano, no estado de São Paulo. Os ex-alunos da escola, Guilherme Taucci Monteiro e Luiz Henrique de Castro, mataram cinco estudantes e duas funcionárias da mesma. Antes do ataque, mataram o tio de um deles para conseguir roubar um carro e após o massacre, um dos atiradores matou o comparsa e em seguida cometeu suicídio.
Os dois frequentavam uma lan house em Suzano onde participavam de jogos online de combate com armas e segundo funcionários, a dupla aparecia no local pelo menos três vezes na semana. Eram fechados e xingavam em voz alta durante as partidas de jogos on line.
Os assassinos eram amigos de infância e moravam a pouco mais de 1 quilômetro de distância do colégio. Guilherme tinha 17 anos de idade e havia sido criado pela avó. Luiz tinha 25 anos e vivia com os pais, um irmão mais velho e o avô, era jardineiro e trabalhava na Zona Leste de São Paulo.
Dados divulgados na época do massacre revelam que a chacina teria sido premeditada: os jovens assassinos fizeram várias pesquisas na internet acerca de como alguns atentados norte-americanos foram realizados. Revelou-se, também, que um dos episódios muito admirado pelos homicidas de Suzano foi o atentado ocorrido em Columbine em 1999 promovido pelos jovens Eric Harris (18 anos) e Dylan Klebold (17 anos), causando a morte de 12 colegas e uma professora e os próprios suicídios na escola em que estudavam.
A esse respeito, inclusive, o inquérito policial concluído 80 dias após o episódio fatídico revelou que além dos 2 jovens homicidas envolvidos havia ainda um outro menor de idade que foi mentor intelectual do crime que não participou da cena criminosa porque era desejo dos colegas homicidas imitar o mais próximo possível o já citado atentado de (exatamente o fenômeno copycat, já mencionado).
Some-se a isto outro fator que pode ter sido determinante: a dupla de assassinos freqüentava fóruns na deep web, uma internet considerada obscura na qual pessoas anônimas incitam crimes de ódio e intolerância. A investigação apontou que na internet obscura, os jovens homicidas de Suzano frequentavam o fórum Dogolachan (fórum extremista criado por Marcelo Valle Silveira Mello, preso desde 2018 e condenado a mais de 40 anos de prisão por associação criminosa, divulgação de imagens de pedofilia, racismo, coação, incitação ao cometimento de crimes e terrorismo) e nele vinham demonstrando os planos sobre o atentado. Através do fórum recebiam informações de onde conseguir armamentos e até dicas táticas de como cometer os assassinatos.
Tudo que foi divulgado na mídia televisiva, internet, jornais e em outros meios de comunicação dão margem a aceitação da tese de que nenhum dos jovens envolvidos no homicídio em massa de Suzano teria qualquer tipo de adoecimento mental. Nada foi mencionado a este respeito.
É lógico que o tempo reservado para os jogos online de natureza violenta também foi protagonista do episódio. Não há que se discutir que se todo o tempo empregado nesse fazer infundado tivesse sido utilizado para aprender coisas novas, estudar ou buscar de maneira mais proveitosa preencher o vazio comum na mente dos jovens, talvez não tivéssemos tido essa história marcada de sangue para contar.
É chocante depararmo-nos com tantos episódios trágicos e não encontrarmos respostas claras para justificar tais acontecimentos. Enxergar assassinos em massa como homicidas que agem movidos por algum tipo de delírio psicótico é mais facilmente aceitável que acreditar que essas pessoas podem simplesmente realizar atos tão extremos de violência partindo simplesmente do seu desejo de matar tendo para tanto premeditado suas ações. Talvez, atribuir esses ataques apenas a distúrbio neuropsicológicos é ser muito leviano ou romantizar demais o problema.
É comum ao ser humano buscar explicações para tudo, ainda que determinados acontecimentos pareçam não ter explicação de teor convincente. Este era o objetivo do presente estudo. Humildemente, não se buscou esgotar o tema em análise, o desejo que ensejou tal pesquisa foi simplesmente o de demonstrar que algumas atividades rotineiras que aparentemente são inofensivas no nosso convívio diário podem ensejar acontecimentos totalmente caóticos. Também se buscou demonstrar que na maior parte das vezes é a associação de fatores que culminam em tais eventos.
Nesse sentido, é comum em nossas casas ou bem próximo de nós uma criança, adolescente, jovem, adulto ou até mesmo idoso que tem se isolado do convívio com os demais, que tem ficado incontáveis horas diante do computador, celular ou tablet em ambientes virtuais e totalmente alheios à realidade que o cercam.
Do mesmo modo, é comum que esse indivíduo tenha sido tratado com algum tipo de preconceito diante de alguma característica física, psicológica ou comportamental sua, que tenha o obrigado a afastar-se de determinado grupo.
Além disso, são várias as pessoas que tem clamado por socorro diante de algumas dificuldades, em meio a quadros depressivos, sem receber de fato o apoio de quem quer que seja. Também é salutar falar de tantas outras que tem sido negligenciadas pelas instituições, que buscaram tratamento adequado, ajuda e simplesmente não foram atendidas.
Também não se pode deixar de mencionar a quantidade de problemas que adequando apoio familiar e o ambiente familiar saudável podem evitar. Nem tampouco se pode relativizar a influencia do fácil acesso às armas de fogo.
Infelizmente, nenhum dos homicidas em massa que protagonizaram os casos em estudo está vivo para responder ao questionamento: Que fatores biopsicossociais influenciaram sua prática criminosa? No entanto, o estudo realizado mostra que o ambiente familiar desestruturado associado ao bullying, as psicopatologias que não receberam tratamento eficiente e adequado, o desejo doentio de chamar atenção de todos e superar outros episódios trágicos (fenômeno copycat), a depressão associada ao tempo perdido em mídias que incitam a violência e tantos outros aspectos que não comportaram na presente investigação, cumpriram um papel de personagem principal nesses fatídicos eventos.
Conclui-se, portanto que não existe possibilidade de singularizar ou isolar elementos motivadores quando da prática de homicídios em massa e é cada vez mais necessário e imprescindível o trabalho conjunto do Psicólogo jurídico ou forense com o profissional da justiça e do direito (delegado, advogado, juiz, procurador) para buscar compreender esses fatores buscando elucidar esses eventos desastrosos na tentativa de trazer uma resposta à sociedade que tem se encontrado desmotivada, descrente e insatisfeita nesse sentido.
REFERÊNCIAS
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[1] Tatiana Mara de Sousa Carvalho, Bacharelanda em Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA). E-mail:tatimara23@hotmail.com
[2] Samila Marques Leão, mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E-mail: [email protected]
Bacharelanda em Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALAíDES DA SILVA OLIVEIRA DE ARAúJO, . Homicidas em massa: fatores biopsicossociais que influenciam na prática de crimes Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 nov 2020, 04:52. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55497/homicidas-em-massa-fatores-biopsicossociais-que-influenciam-na-prtica-de-crimes. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: LEONARDO DE SOUZA MARTINS
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