RESUMO: O presente estudo visa compreender a teoria da cegueira deliberada no Brasil, observando-se a sua aplicabilidade e sua incompatibilidade com o ordenamento jurídico no Brasil. A teoria da cegueira deliberada, busca solucionar os casos em que o agente, ignorando de forma deliberada dados penalmente relevantes á sua conduta provocando a realização de um resultado ilícito. A pesquisa é justificadamente relevante tanto para a sociedade quanto para os operadores do Direito, por se tratar de um instituto que vem ganhando força a cada ano que passa, mesmo diante de inúmeras críticas dos doutrinadores, que afirmam contundentemente que essa teoria não corrobora com um julgamento justo, sendo inviável sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro. Como metodologia adotou-se a pesquisa bibliográfica, possibilitando-nos reunir artigos científicos, monografias e livros, que discutem sobre a temática, a fim de cumprir o objetivo proposto. No item 1, buscou-se compreender o contexto histórico da Teoria da Cegueira Deliberada; no item 2 foi realizado uma análise sobre os conceitos da Teoria da Cegueira Deliberada; por fim, discutiu-se especificamente acerca da aplicação da Teoria da Deliberação Deliberada na Justiça Brasileiro, evidentemente, caminhando em consonância com a incompatibilidade.
Palavras-chave: Teoria da Cegueira Deliberada; Aplicabilidade; Incompatibilidade.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO - 2. CONTEXTO HISTÓRICO DA TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA - 3. CONCEITUAÇÃO DA TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA - 3.1 DA CEGUEIRA DELIBERADA EM SENTIDO ESTRITO. - 3.2 DA IGNORÂNCIA DELIBERADA. -4. DA APLICAÇÃO DA TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA NO ORDENAMENTO JURÍDICO-PENAL BRASILEIRO. 4.1. DO DOLO EVENTUAL. 4.2. DO ERRO DO TIPO. 4.3. DO DEVER DE CUIDADO. - 5 CONCLUSÃO - 6 REFERÊNCIAS
1 INTRODUÇÃO
A pesquisa em questão objetiva traçar uma análise técnica-jurídica sobre a Teoria da Cegueira Deliberada e sua aplicabilidade no ordenamento jurídico no Brasil, apresentando, nesse caso, o modo como sua utilização de forma desenfreada pode acarretar riscos aos casos concretos.
A pesquisa é justificadamente relevante tanto para a sociedade quanto para os operadores do Direito, por se tratar de um instituto que vem ganhando força a cada ano que passa, mesmo diante de inúmeras críticas dos doutrinadores, que afirmam contundentemente que essa teoria não corrobora com um julgamento justo, sendo inviável sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro.
Metodologicamente, utilizou-se a pesquisa bibliográfica para o desenvolvimento da pesquisa, possibilitando-nos reunir livros, artigos e monografias, com seus respectivos autores para que fosse realizado um debate inteligente, breve e incisivo sobre o tema. Além disso, como forma de enriquecer ainda mais, selecionou-se algumas jurisprudências para análise.
No item 1, buscou-se compreender o contexto histórico da Teoria da Cegueira Deliberada, arguindo acontecimentos relevantes com o passar dos anos.
No item 2, foi realizado uma análise sobre os conceitos da Teoria da Cegueira Deliberada, aludindo dois seguimentos, quais sejam, cegueira deliberada em sentido estrito e ignorância deliberada.
E por fim, no item 3, discutiu-se especificamente acerca da aplicação da Teoria da Deliberação Deliberada na Justiça Brasileiro, evidentemente, caminhando em consonância com a incompatibilidade.
Diante disso, surge o seguinte questionamento: seria viável, de acordo com o que estabelece o nosso ordenamento jurídico, a utilização da Teoria da Cegueira Deliberada, ou tal mecanismo serviria apenas como válvula de escape de um sistema acusatório incapaz de comprovar seguramente a prática criminosa de determinado indivíduo, fazendo-se necessário condená-lo por meras presunções?
2. CONTEXTO HISTÓRICO DA TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA
Tem sua origem na Inglaterra, porém foi nos Estados Unidos que popularizou-se, a Teoria da Cegueira Deliberada se define quanto o agente ver como possível e previsível a ocorrência do delito mesmo que minimamente, e por sua vontade espontânea nega e se cega com o objetivo claro de tirar proveito do fato, tendo por consequência, o recebimento de vantagens indevidas.
Foi no ano de 1861 que pela primeira vez foi adotada a teoria em questão, sendo conhecida como willful blindness. Julgamento a qual foi introduzida esta teoria, foi denominado em Regina v. Sleep, onde um agente embargou no seu navio um barril com parafusos de cobre, tendo nele, os símbolos do Estado, demonstrando-se daí, seu proprietário verdadeiro, ocasionando, portanto, em acusação de malversação pública.
Ocorre que, no fato supramencionado, o acusado afirmou que desconhecia que os objetivos eram de propriedade estatal, resultando-se, desse modo, em sua condenação, pelo argumento de que este esquivou-se de forma intencional, no sentido de ir atrás de informações sobre a origem dos objetivos, cegando-se voluntariamente.
Diante do fato discorrido acima, os tribunais da Inglaterra passaram a adotar a teoria com mais frequência, sendo entendida que o agente voluntariamente se abstém de ter informações mais precisas sobre a possível conduta ilícito, tornando-se tal atitude equivalente aos que têm totalmente conhecimento do fato.
No ano de 1899, os Estados Unidos começaram a utilizar tal teoria, tendo como primeiro caso, o julgamento Spurr v United States. Tal fato se deu em decorrência de um gerente de um banco no país americano, ter recebido vários cheques de um homem, sem verificar se havia fundo ou não na referida conta.
Juridicamente na América, à época do caso, para que fosse tida como crime a ação do gerente do banco, era primordial que este conhecesse o regulamento na emissão de cheque, e tivesse, obviamente, a intenção dolosa em violá-lo.
Assim, os jurados instruíram-se que, bastava propositalmente e de forma voluntária ter se colocado em posição de cegueira, que este gerente seria condenado de modo que possuísse verdadeiramente o conhecimento.
Dito isso, tanto o país inglês quanto o americano, entenderam que a Teoria da Cegueira Deliberada poderia ser tratada equivalentemente e semelhantemente como uma forma de conhecimento do fato ilícito, fazendo-se com que cumpra a lei diante das lacunas ora deixadas legislativamente.
Evidentemente que a compreensão se tornou mais fácil, pelo fato dos países em questão ter como sistema, o common law, onde o julgador diante dos fatos, pode de forma livre julgar o fato, sem se ater completamente aos preceitos jurídicos-positivado.
Em 2005, adotou-se a referida Teoria pela primeira vez, no caso que várias pessoas em Fortaleza/CE, compraram veículos luxuosos à vista e em dinheiro vivo. De início, não havia motivos para suspeitar, porém, pouco tempo antes da referida compra, houve o cometimento de um roubo no Banco Central, tendo sido subtraído um valor em dinheiro alto.
E diante da situação, colaboradores que trabalhavam na concessionária a qual foi realizada a venda, foram condenados pelo crime de lavagem de dinheiro em primeira instância com base na Teoria da Cegueira Deliberada, pelo fato de observaram o quão poderia ser visível a existência da ocorrência de um delito, mas preferiram não se importar ou enxergar a ilicitude, com o objetivo claro de beneficiar-se de toda a situação.
Por outro lado, na fase recursal, o Tribunal Regional Federal responsável pelo caso, fez o reconhecimento de que a condenação se deu com base teoria estrangeira em questão, a qual está atrelada a responsabilidade objetiva, onde o Direito Penal no Brasil combate fortemente, argumentando ainda em sua sustentação o não enquadramento do dolo eventual por parte dos funcionários, resultando-se, em suas absolvições.
Menciona-se que mesmo afastada no caso concreto apresentado, por conta da incompatibilidade com a legislação brasileira vigente, é interessante notar que cada vez a teoria em questão vem ganhando adeptos no Brasil, tendo presença predominante nos crimes de lavagem de dinheiro de capitais.
3. CONCEITUAÇÃO DA TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA
Há duas subdivisões para se compreender sistematicamente a teoria da cegueira deliberada, quais seja, a cegueira deliberada em sentido estrito e ignorância deliberada. De início, cumpre ressaltar que a cegueira deliberada está relacionada a imputação de modo subjetivo nos casos que voluntariamente se tem o desconhecimento.
Portanto, faz com que o agente escolha desconhecer o fato, mesmo sendo possível que haja o conhecimento, colocando-se nessa situação de cegueira, sem ter a responsabilidade de ter uma ação consequente, no sentido de adquirir vantagem de qualquer natureza.
A teoria torna-se relevante, pelo fato de que a alegação de não conhecimento desconstitui o elemento do tipo. Mirabete (2018) alude inteligentemente que,
Tendo-se em vista que o princípio da legalidade (em si e em seu subprincípio da taxatividade) exige a presença e representação de todos os elementos integradores da conduta prevista, o não conhecimento esvaziaria o conteúdo típico em certas situações. Isso porque a existência de elemento subjetivo (dolo, no caso) seria mandatória para a configuração do tipo, especialmente quando este não previu punição para a conduta culposa (MIRABETE, 2018).
Nas duas situações, o indivíduo mesmo se pondo no lugar de não conhecimento do ilícito, notadamente não espera que venha a sofrer as consequências ilícitas após o obscurecimento.
Diante das análises, abaixo seguir-se-á a distinção das duas acepções.
3.1 DA CEGUEIRA DELIBERADA EM SENTIDO ESTRITO.
O sentido estrito da cegueira deliberada é entendido como um fato em que o individuo voluntariamente desconhece o ilícito antes da concretização da conduta delituosa.
Desse modo, a partir do momento em que este coloca-se em situação de cegueira deliberada faz com que seja evitado o conhecimento, portanto, ao se concretizar o crime, alegará o desconhecimento de se tratava de uma conduta antijurídica, evitando-se, como consequência, a responsabilidade de responder criminalmente, mesmo adquirindo benefícios e vantagens.
Trazendo como exemplo de tal conceito, Oliveira (2018) depreende que ocorre quando “o indivíduo prevê que algum dia pode vir a virar réu em um processo pelas atividades que pratica e, antes que surja qualquer problema orienta o porteiro do prédio a nunca receber correspondências judiciais”.
3.2 DA IGNORÂNCIA DELIBERADA.
Já em relação a ignorância deliberada, está atrelado a um fato em que o agente pode ter informações mais detalhadas acerca do acontecimento, mas decide não tê-las, resultando-se daí, a incerteza.
Assim, inicialmente ressalte-se que as informações na prática devem estar aparentes, tendo-se minimamente um esforço pra se conheça de fato a conduta delituosa da situação, utilizando-se como base a possibilidade de um homem médio ter esse conhecimento.
Optando-se pela ignorância deliberada, o indíviduo acaba por evitar o entendimento sobre o fato e, evidentemente, o dever de agir junto a possível responsabilidade jurídica, conquistando ainda uma vantagem que pode ou não ser econômica.
Oportunamente, há de ressaltar que tal item, perpassa por mais dois seguimentos, quais sejam, ignorância voluntária e ignorância provocada. A primeira está adstrita ao individuo colocar-se em estadão de ignorância, para que possa daí, evitar que responda pelas consequências que pode sofrer a partir do conhecimento.
Já a segunda se trata realmente da ignorância pura, onde não há possibilidade de ter responsabilidade jurídica, visto o indíviduo de fato não sabe nada sobre o fato delituoso.
Nesse sentido Oliveira (2018) observa que
(...) o agente que se encontra em ignorância provocada não tem dúvidas acerca dos fatos, pois ele nem ao menos desconfia da existência de um ilícito. Esta falta de desconfiança pode advir de duas situações: a primeira em que existe um vínculo de confiança entre o colocado em ignorância e o que colocou; na segunda, a obtenção do conhecimento levaria a um esforço elevado que, por conseguinte acabaria por violar um direito. Em exemplos subsequentes temos: “[...] um amigo que pede para outro segurar um pacote momentaneamente enquanto ele vai ao banheiro; nesse pacote há drogas e a polícia as apreende durante a ausência do amigo” e o caso de transporte de cofre o qual encontra-se fechado, não sendo possível sua abertura sem que haja violação a direito.
De acordo com Neisser e Sydow (2017) para complementar o entendimento acerca a ignorância deliberada, é fundamental tecer alguns requisitos:
(1) deve se estar numa situação em que o agente não tem conhecimento suficiente da informação que compõe o elemento de um tipo penal em que está inserido; (2) tal informação, apesar de insuficiente, deve estar disponível ao agente para acessar imediatamente e com facilidade; (3) [...] ‘o agente deve se comportar com indiferença por não buscar conhecer a informação suspeita relacionada à situação em que está inserido’; (4) [...] ‘deve haver um dever de cuidado legal ou contratual do agente sobre tais informações’; (5) [...] ‘é necessário se identificar uma motivação egoística e ilícita que manteve o sujeito em situação de desconhecimento’; (6) [...] ‘ausência de garantia constitucional afastadora de deveres de cuidado’; (7) [...] ‘ausência de circunstância de isenção de responsabilidade advinda da natureza da relação instalada’; (8) [...] ‘ausência de circunstância de ação neutra’. (NEISSER e SYDOW, 2017)
Diante dos eixos alinhados concretamente acima acerca da conceituação da teoria estudada na pesquisa, abaixo denotar-se-á inteligentemente acerca da aplicação no ordenamento jurídico brasileiro.
4. DA APLICAÇÃO DA TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA NO ORDENAMENTO JURÍDICO-PENAL BRASILEIRO.
Neste item será discutido sobre a aplicação da teoria da cegueira deliberada, onde o direito brasileiro equipara com o dolo eventual. No entanto, abaixo demonstraremos que a utilização do instituto dolo eventual para que se justifique a utilização da teoria em questão é insustentável. Demonstrando-se ainda, sua incompatibilidade com o instituto do erro do tipo.
4.1. DO DOLO EVENTUAL.
O crime doloso está disposto no artigo 18 do Código Penal do Brasil, onde “diz-se o crime: I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;”.
Portanto, o individuo que quer o resultado conscientemente ou assume o risco de que seja produzido, está cometendo um crime doloso, tendo respectivamente a atribuição do dolo direito e indireto. O dolo indireto, no qual é assumido o risco, subdivide-se em dolo alternativo, onde o individuo independente do resultado se satisfaz; e, dolo eventual, onde o agente mesmo não desejando que o resultado aconteça, assume da mesma forma o risco de fazer com que aconteça, assumindo-o.
Portanto, entende-se que o dolo eventual é, de acordo com Oliveira (2018) “(...) a vontade do agente dirigida a um resultado determinado, porém vislumbrando a possibilidade de ocorrência de um segundo resultado, não desejado, mas admitido, unido ao primeiro”.
Então, percebe-se que o individuo no primeiro caso, busca determinadamente o resultado de modo direto, conquanto ao segundo, mesmo não querendo de fato que ocorra o resultado, fica indiferente ao que pode acontecer.
Nesse sentido, Mirabete ao dispor acerca do artigo 18, inciso I, do Código Penal:
Na segunda parte do inciso em estudo, a lei trata do dolo eventual. Nessa hipótese, a vontade do agente não está dirigida para a obtenção do resultado; o que ele quer é algo diverso, mas, prevendo que o evento possa ocorrer, assume assim mesmo o risco de causá-lo. Essa possibilidade de ocorrência do resultado não o detém e ele pratica a conduta, consentindo no resultado. Há dolo eventual, portanto, quando o autor tem seriamente como possível a realização do tipo legal se praticar a conduta e se conforma com isso (MIRABETE, 2018).
A partir da leitura do caso narrado acima, observa-se claramente que o individuo mesmo prevendo a ilicitude do ato, não toma as medidas para que diante de sua conduta não aconteça, decidindo-se por manter, consentindo, portanto, com o resultado, em virtude de ter assumido o risco de produzir.
Dito isso, mesmo conhecendo os riscos de sua conduta, não importa-se com as responsabilidades do seu ato, no momento em que não interrompe. Agindo, desse modo, imprudentemente, porém com a crença que nada irá ocorrer em decorrência de sua conduta.
Em casos específicos, há um entendimento jurisprudencial no Brasil a aplicação da cegueira deliberada, fazendo-se com que seja equiparado ao dolo eventual, como bem se demonstra na decisão abaixo da 15ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo:
[...]
Diante de todos os elementos colhidos nos autos, não restam dúvidas de que a insurgente realmente cometeu o crime contra a ordem tributária, consistente em fraudar a fiscalização tributária, omitindo operação em livro exigido pela lei fiscal, nos termos do artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90, não havendo que se falar em insuficiência probatória, tampouco em atipicidade da conduta. Ora, não parece minimamente crível que a apelante, que é técnica contábil, possuindo amplos poderes de gestão na empresa, desconhecesse uma fraude fiscal da ordem de mais de dois milhões de reais, montante este que a beneficiava diretamente. Em verdade, verifica-se que, no caso concreto, afigura-se perfeitamente aplicável a teoria da cegueira deliberada (willfull blindness doctrine), também conhecida como doutrina das instruções do avestruz (ostrich instructions), ou, ainda, doutrina da evitação da consciência (conscious avoidance doctrine), segundo a qual o agente, voluntariamente, se coloca em uma situação de desconhecimento para, com isto, tentar furtar-se de sua responsabilidade penal, optando, deliberadamente, por não enxergar determinada conduta, assentindo, porém, com o resultado desta, a evidenciar, assim, verdadeira modalidade de dolo eventual. Importante salientar que, para a aplicação da referida teoria, faz-se necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: a) o conhecimento, por parte do agente, da elevada probabilidade de que praticava ou participava de atividade ilícita; b) que tenha ele condições de aprofundar o seu conhecimento acerca da natureza de sua atividade; e c) que tenha agido deliberadamente de modo a permanecer indiferente a esse conhecimento.
[...]
Porém, cumpre ressaltar que equiparar o dolo eventual junto a cegueira delibera não é suficientemente justiçável que seja aplicado corretamente no ordenamento jurídico brasileiro, vez que há uma diferença clara entre ambas os itens.
Os conceitos de cegueira deliberada e dolo eventual são diferentes, conectando-se apenas no conhecimento efetivo, onde obviamente não há. No dolo eventual, se tem o conhecimento, mesmo que não seja diretamente do resultado e, claro, o risco de que seja produzido. Já quanto a cegueira deliberada, há uma potencial ocorrência de ilicitude, sem que haja por parte do individuo uma preocupação com o dever do cuidado em saber exatamente o que está efetivamente ocorrendo.
Nesse liame, Oliveira (2018) faz um destaque, afirmando que:
No dolo eventual a um prognóstico feito pelo agente que o prosseguimento da conduta atual poderá afetar um bem jurídico. Já na cegueira deliberada há uma possibilidade de ocorrer uma ofensa a um bem jurídico, porém esta possibilidade é incerta, tendo em vista que o agente não possui conhecimento efetivo, portanto, a conduta do agente é circundada de variáveis, assim, quem se coloca em desconhecimento não necessariamente atingira o resultado (OLIVEIRA, 2018).
Há de se ressaltar que a possibilidade de fazer com que tais institutos sejam equiparados, traz notadamente a possibilidade de utilizar-se como base no direito penal, mesmo sendo além do que é previsto pelo legislador.
No mais, fica nítido através das ponderações acima mencionadas que utilizar-se do dolo eventual para que se faça uma equiparação com a Teoria da Cegueira Deliberada é efetivamente insuficiente, visto que não se tem a abrangências de todos os requisitos.
4.2. DO ERRO DO TIPO.
Quanto ao erro e ignorância, Nucci traz os conceitos abaixo com destacamento:
O erro é a falsa representação da realidade ou o falso conhecimento de um objetivo (trata-se de um estado positivo); a ignorância é a falta de representação total do objeto (trata-se de um estado negativo). Erra o agente que pensa estar vendo, parado na esquina, seu amigo, quando na realidade é um estranho que ali se encontra; ignorância, por seu turno, é o estado do agente que não tem a menor ideia de quem está parado na esquina. (NUCCI, 2018)
Ressalte-se que a autora ainda verifica que no ordenamento jurídico penal brasileiro prevalece a teoria da unificação, ou seja, a unificação dos dois conceitos, o que leva às mesmas, consequências jurídicas iguais.
No entanto, a ignorância descrita acima refere-se à ignorância pura, que não deve ser confundida com ignorância provocada
No artigo 20 do Código Penal, está descrito o erro do tipo sendo, “o erro sobre o elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei”.
Denota-se que esse erro é um equívoco da realidade, portanto, quando um agente desenvolve um comportamento sem saber que está cometendo um crime. Exemplo típico desse fato, é o caçador que percebe uma movimentação estranha e, consequentemente atira, acertando seu companheiro, errando, portanto, o elemento constitutivo do tipo, tal qual matar alguém
O erro sobre o tipo possui dois seguimentos, quais sejam, o vencível ou invencível. O primeiro se refere quando um indíviduo tem possibilidade de fazer a averiguação da melhor forma, no sentido de não errar, excluindo-se, por consequência, o dolo, porém responde normalmente a título de culpa, quando evidentemente haver previsão legal.
Quando ao segundo, qualquer pessoa erraria estando na mesma situação, tornando-se o fato atípico, em virtude de excluir tanto o dolo quanto a culpa.
Por outro lado, quanto a cegueira deliberada denota-se que esta tem uma reprovabilidade de grau maior, visto que o indíviduo além de criar o risco, faz com que seja elevado através de sua desidiosa postura.
A sua diferença escancara-se quando observada a vencibilidade, pois na teoria em análise há a criação da situação de desconhecer o fato, demonstrando-se claramente estar de frente com algo que pode ser evitado.
Dito isso, mesmo que haja aparentemente uma certa semelhança, não se pode confundir.
4.3. DO DEVER DE CUIDADO.
Além disso, como base justificável para que seja aplicado a teoria em comento na Justiça Brasileira, juristas mencionam a obrigação do dever de cuidado. Assim, denota-se que, a questão reprovável decorre da situação que se há a expectativa de uma determinada ação.
No ordenamento jurídico no Brasil, se tem a duas formas de se aplicar a teoria o dever de cuidado. Sendo que a primeira forma, está previsto no artigo 12, parágrafo 2º do Código Penal, prevendo-se que “a omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado”.
Portanto, se percebe que se torna relevante no ato de se verificar e não de se investigar tal suspeita. Sendo daí, a omissão como chave para que seja obtido o resultado na teoria da cegueira deliberada em sentido amplo.
A outra forma, se dá em decorrência da culpa por negligência. Desse modo, quando deveria agir de outra forma, não o faz, acarretando a violação do dever de cuidado. Resumindo, quando não verifica mesmo tendo a suspeita sobre os fatos, viola o dever de cuidado.
Desse modo, Luchesi (2018) observa que,
[...] quando alguém está ciente de que a conduta que se está prestes a praticar poderia impor risco substancial e injustificável a outros, adquirir-se-ia o dever de investigar utilizando-se de meios razoáveis se tais riscos poderiam realmente se materializar (LUCCHESI, 2018).
No mais, fica nítido que a questão do dever de cuidado pode ser bem melhor aplicado através da ignorância deliberada.
5 CONCLUSÃO
No decorrer desta pesquisa acadêmica, descobrimos que a "teoria da cegueira deliberada" é a teoria mais recente em nosso sistema jurídico. Essa teoria tem sido aplicada recentemente em alguns casos em nossos tribunais, como o roubo do Banco Central, a Operação Lava Jato e o conhecido Processo Criminal 470 de Mensalão, ponto que o ministro do Supremo Tribunal Federal chegou a mencionar. Mas ainda existem grandes controvérsias sobre sua aplicação
Segundo relatos, o surgimento da teoria no direito estrangeiro é fruto do entendimento do direito inglês e é amplamente utilizado na ordem norte-americana, tendo sua origem no sistema de common law.
Tendo em vista a sua aplicação recente em nosso sistema, o debate sobre a possibilidade de aplicação da teoria da cegueira deliberada no âmbito do dolo eventual existe, causando muitas críticas e polêmicas, em virtude das características envolvendo o Erro de Tipo e responsabilidade criminal objetiva.
6 REFERÊNCIAS
ALMEIDA, A V. Teoria da cegueira deliberada no ordenamento juridico brasileiro. 2018. Disponível em: https://monografias.brasilescola.uol.com.br/direito/teoria-cegueira-deliberada-no-ordenamento-juridico-brasileiro.htm#indice_3. Acesso em: 01 de setembro de 2020
BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva. 2012.
BRASIL. Vade mecum. legislação: método / [organização equipe método]. - 9. ed. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2020.
LUCCHESI, Guilherme Brenner. Punindo a culpa como dolo: o uso da cegueira deliberada no brasil. -1. ed. - São Paulo: Marcial Pons, 2018.
MIRABETE, Julio Fabbrini, FABBRINI, Renato N. Manual de direito, volume 1: parte geral – arts. 1° A 120 do CP. 33. Ed. Rev. e atual. - São Paulo: Atlas, 2018.
NEISSER, F; SYDOW, S T. Cegueira deliberada só pode ser aplicada se preencher oito requisitos. 2017. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-jun-14/opiniao-aplicacao-cegueira-deliberada-requer-oito-requisitos. Acesso em: 01 de setembro de 2020
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 14. ed. rev., atual. e ampl. - [2.Reimpr.] - Rio de Janeiro: Forense, 2018.
OLIVEIRA, D S P. A teoria da cegueira deliberada e sua aplicabilidade no ordenamento juridico brasileiro. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/77267/a-teoria-da-cegueira-deliberada-e-suaaplicabilidade-no-ordenamento-juridico-penal-brasileir o. Acesso em: 01 de setembro de 2020.
Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus - CEULM/ULBRA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AMARAL, Raiane Oliveira do. A aplicação da teoria da cegueira deliberada no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 nov 2020, 04:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55501/a-aplicao-da-teoria-da-cegueira-deliberada-no-brasil. Acesso em: 22 nov 2024.
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