RESUMO: O presente artigo compromete-se em analisar o método da castração química como forma de tratamento para reincidentes em crime contra a liberdade sexual proposto pelo Projeto de Lei Nº 3.127, de 2019. Tem como objetivo questionar sua constitucionalidade, tomando-se como parâmetro o Princípio da Dignidade Humana, bem como os seus corolários; identificar as causas que influem no cometimento do delito de estupro; discutir a eficácia penal; e questionar sua (in)eficácia na proteção do bem jurídico tutelado. Para sanar tais questionamentos, foi utilizado o método de pesquisas bibliográficas, com base em estudos de artigos, leis, doutrinas, entre outros meios pertinentes. Quanto aos resultados, constatou-se que o método da castração não se apresentou eficaz, tendo em vista que o estupro não está relacionado exclusivamente à desejos sexuais. Nesse sentido, restou claro que aplicar a castração como forma de inibição dos desejos sexuais não vai impedir o estupro, pois há diversas formas de consumação do mesmo. Ademais, vale dizer também que o método viola a dignidade humana e que sua aplicação traz efeitos colaterais ofensivos à integridade do condenado, e até mesmo irreversíveis, deixando claro sua inconstitucionalidade.
Palavras-chave: Castração Química. Estupro. Dignidade da Pessoa Humana. Inconstitucionalidade. Ineficácia.
ABSTRACT: This article undertakes to analyze the method of chemical castration as a form of treatment for repeat offenders in a crime against sexual freedom proposed by Bill No. 3,127, 2019. It aims to question its constitutionality, taking the Principle as a parameter. Human Dignity, as well as its corollaries; identify the causes that influence the commission of the crime of rape; discuss penal effectiveness; and question its (in) effectiveness in protecting the protected legal good. To address these questions, the bibliographic research method was used, based on studies of articles, laws, doctrines, among other pertinent means. As for the results, it was found that the castration method was not effective, considering that rape is not exclusively related to sexual desires. In this sense, it was clear that applying castration as a way of inhibiting sexual desires will not prevent rape, as there are several ways to consume it. In addition, it is worth saying that the method violates human dignity and that its application has side effects that are offensive to the convict's integrity, and even irreversible, making its unconstitutionality clear.
Keywords: Chemical castration. Rape. Dignity of human person. Unconstitutionality. Ineffectiveness.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2 APONTAMENTOS SOBRE A CASTRAÇÃO QUÍMICA E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: 2.1 ANÁLISE DO PROJETO DE LEI N° 3.127 DE 2019; 2.2 O MÉTODO DA CASTRAÇÃO CONTRA REINCIDENTES EM CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL. 3. ASPECTOS SOCIOCULTURAIS DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL. 4. EFICÁCIA PENAL DO PROJETO DE LEI N° 3.127 DE 2019. 5. A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO PROJETO DE LEI N° 3.127 DE 2019 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
1 INTRODUÇÃO
No Brasil, a dignidade da pessoa humana pode ser vista como princípio base de toda estrutura democrática, configurando verdadeira baliza norteadora de direitos, estando prevista expressamente no art. 1°, inciso III, da Constituição brasileira como “fundamento da República” (BRASIL, 1988). Para Silva (1998, p. 92) o princípio é visto como o “valor supremo da democracia”, demonstrado, assim, o seu caráter intrínseco com o nosso Estado de Direito. A dignidade da pessoa humana é vista, portanto, como princípio base e norteador de direitos.
Contudo, apesar do tamanho de sua importância, tem sido denegado na vida cotidiana de legiões de pessoas, especialmente dos marginalizados. Os nossos legisladores ordinários, a quem incumbe o papel de elaboração de leis penais, muitas vezes se abstém de uma produção com enfoque na Constituição da República e acabam por legislar de forma a atender a ira da população em momentos de alta demanda por mais penas, aplicando, assim, a chamada função simbólica do Direito Penal.
Consequentemente, devido ao grande índice de crimes contra a liberdade sexual, em 2019 foi proposto no Senado o Projeto de Lei Nº 3.127, com autoria do Senador Styvenson Valentim do Podemos (PODEM/RN), que tem por objetivo disciplinar o tratamento químico hormonal e a intervenção cirúrgica de efeitos permanentes voltados para a contenção da libido e da atividade sexual para condenados reincidentes nos crimes de estupro, violação sexual mediante fraude e estupro de vulnerável (pedofilia).
O condenado que aceitar os termos propostos pode optar por duas vias de tratamento. O tratamento químico hormonal, que consiste no método de uso de medicamentos hormonais e tem como objetivo a redução da libido, inibindo a espermatogênese e reduzindo o volume da ejaculação, sendo seus efeitos reversíveis, ou seja, cessam logo após sua interrupção. O condenado, ao adotar esse método usufruirá do livramento condicional da pena. Já o outro método de castração, a intervenção cirúrgica, consiste na retirada dos órgãos genitais e seus efeitos são permanentes. No mundo jurídico gera, ao condenado, a extinção da punibilidade da pena.
Sendo assim, o presente artigo tem por objeto de estudo a proposta de alteração na legislação penal contida no Projeto de Lei Nº 3.127 de 2019, que delimita novas sanções para os crimes contra a dignidade sexual, inserindo como opção ao condenado, optar pelo tratamento da castração química em suas duas modalidades, estabelecendo diálogos entre os princípios que regem a pena, bem como com aqueles contidos na nossa Carta Magna, em especial o princípio da dignidade humana, e nos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos incorporados pelo ordenamento jurídico brasileiro.
A partir dessas considerações, elaborou-se os seguintes questionamentos: o Projeto de Lei nº 3.127 de 2019 é constitucional? Este não fere o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana? O Projeto de Lei nº 3.127 de 2019 teria eficácia na diminuição da violência sexual?
Considerando a temática discutida, o objetivo geral do artigo é analisar a (in)constitucionalidade Projeto de Lei nº 3.127 de 2019 frente ao princípio da Dignidade da Pessoa Humana, bem como aos parâmetros estabelecidos pela lei formal. E tem como objetivos específicos identificar as causas que influem no cometimento do delito de estupro; discutir a eficácia penal, sob o viés social e retributivo; e questionar sua (in)eficácia na proteção do bem jurídico tutelado.
Diante do exposto, cumpre salientar que a escolha do tema surgiu a partir do relevante número de casos de estupros que vem repercutindo nos últimos anos no nosso país. Essa repercussão em todos os tipos de mídias sociais despertou em mim um grande interesse em estudar a mente do estuprador e analisar se os motivos que os levam à prática de tais crimes são devidos, sobretudo, a um simples desejo sexual ou, como muitos asseveram, devidos à própria cultura do estupro.
Em pesquisa jurisprudencial e legislativa sobre a atuação estatal no referido delito, encontrei um projeto de lei que objetivava a legalização da castração para reincidentes em crimes contra a liberdade sexual, e como debatedora dos nossos direitos atribuídos pela nossa Constituição da República, veio questionamentos a respeito de sua constitucionalidade e eficácia.
Deste modo, após tantas dúvidas sobre a temática, interesse no efetivo cumprimento da pena e, principalmente no respeito ao que dispõe o texto da nossa Carta Magna, concluiu-se a escolha pelo título Castração Química para Reincidentes em Crimes Contra A Liberdade Sexual: inconstitucionalidade e ineficácia da aplicação do projeto de lei nº 3.127, de 2019.
No que diz respeito à relevância, o presente artigo propõe uma análise da pena proposta sob o aspecto humanitário e social, gerando para a sociedade um olhar crítico ao ius puniendi estatal, uma vez que visa uma reflexão da pena em seus dois pilares democráticos: retribuição e ressocialização.
Dessa forma, para obter os resultados e respostas acerca da problematização apresentada neste trabalho, será feita uma análise através de pesquisas bibliográficas, com base em estudos de artigos, leis, doutrinas, entre outros meios pertinentes. Para tanto, o artigo abordará como método a revisão sistemática, reunindo materiais semelhantes de vários autores e realizando uma análise estatística.
Isto posto, os resultados deste estudo serão apresentados em 6 itens a saber: Apontamentos sobre a Castração Química e o Princípio da Dignidade humana; Análise do Projeto de Lei N° 3.127 De 2019; O Método da Castração Contra Reincidentes; Aspectos Socioculturais dos Crimes Contra A Liberdade Sexual; Eficácia Penal do Projeto De Lei N° 3.127 de 2019; A (In) Constitucionalidade do Projeto De Lei N° 3.127 De 2019.
2 APONTAMENTOS SOBRE A CASTRAÇÃO QUÍMICA E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A dignidade figura em praticamente todas as declarações e tratados internacionais sobre direitos humanos, e está consagrada em nada menos que 157 constituições nacionais, das 202 que hoje estão em vigor (CONSTITUTE PROJECT, 2020). Embora, conforme pontua Rocha (2001), a normatização do princípio da dignidade da pessoa humana por si só não tenha o condão de assegurar o devido respeito à dignidade.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 (CF) inovou ao inserir a dignidade da pessoa humana no elenco dos fundamentos do Estado Democrático de Direito brasileiro (art. 1.º, III), dando status de princípio fundamental e estruturante da República Federativa (BRASIL, 1988). “Isso significa que não há Estado Democrático de Direito sem respeito à dignidade do ser humano” (SILVA, 2020, p. 106). Na visão do Supremo Tribunal Federal (STF), a dignidade da pessoa humana constitui:
[...] verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo (BRASIL, 2005).
Para Prado (2019, p. 98), tal princípio figura “Como viga mestra, fundamental e peculiar ao Estado democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana há de plasmar todo o ordenamento jurídico positivo”. É certo que esse princípio é o vetor de força do Estado de Direito nas diversas nações do mundo, dimensionando o nível de respeito aos direitos e garantias fundamentais de um Estado para com o seu povo.
No âmbito da pena, podemos citar a sua presença de forma objetiva com o princípio da humanidade, exigindo-se que a pena tenha racionalidade e proporcionalidade. Segundo Batista (2007, p. 100), a “[..] racionalidade da pena implica tenha ela um sentido compatível com o humano e suas cambiantes aspirações”. Assim, não deve a pena ser um fim em si mesmo, devendo o Estado refletir sempre sobre os ganhos e as perdas em sua cominação, aplicação e execução.
Barroso (2018, p.153), advoga no sentido de que o referido princípio “[...] está na origem de uma série de direitos fundamentais”, embasando a tese de que a dignidade da pessoa humana norteia toda uma complexidade de princípios e regras.
A ideia da dignidade da pessoa humana, em uma de suas vertentes, é a evolução no conceito da humanização, pressupondo que o tempo seja uma constante progressiva no campo da pena, principalmente para o Estado, que detém o ius puniendi. Nesse sentido, Prado (2019, p. 293) pontua que “[...] das penas de morte e corporais, passa-se, de modo progressivo, às penas privativas de liberdade e destas às penas alternativas”. Ora, nesse viés, tornar-se-ia incabível que uma sociedade tão evoluída regredisse ao ponto de punir seu infrator com uma pena corpórea. Veja-se, apesar de tentar disfarçar a crueldade da pena com o aspecto da voluntariedade, observa-se que a simples inclusão no nosso ordenamento pátrio de um tratamento cruel, fere todas as diretrizes estipuladas pelos nossos constituintes originários.
Nesse sentido, o artigo 7° do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966), incorporado pelo ordenamento pátrio através o Decreto Legislativo número 226, de 12 de dezembro de 1991 “Ninguém será submetido à tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Será proibido, sobretudo, submeter uma pessoa, sem seu livre consentimento, a experiências médicas ou científicas” (ONU, 1966).
O direito penal rege pela máxima da ultima ratio, então seria justo e razoável que englobássemos essa perspectiva no âmbito da pena. Sendo assim, o legislador ao pontuar o seu caráter retributivo deve seguir uma linha em consonância com a ultima ratio, devendo a sanção mais cerceadora de direitos ser aplicada em grau de máxima violação à lei penal. Como bem pontua Silva (2020, p. 104) “[...] daí a humanidade da pena ser um elemento constitutivo do próprio Direito Penal, já que sem ela este carece de racionalidade limitadora e se transforma em mera vingança pública”.
Ao adotar a castração como uma forma de sanção aos crimes contra a dignidade sexual em questão, os legisladores, além de ferir a diretriz garantidora da ordem material e restritiva da lei penal, buscam tão somente aplicar a teoria absoluta da retribuição da pena. Para os que adotam essa teoria, a retribuição da pena consiste no único efeito que deve ser visado ao aplicar a sanção, vez que não visam um fim socialmente útil. O fim da pena seria independente e sem vínculos com qualquer efeito social que possa ter. Nas palavras de Ferrajoli (2002, p. 204):
São teorias absolutas todas aquelas doutrinas que concebem a pena como um fim em si própria, ou seja, como ‘castigo’, ‘reparação’ ou, ainda, ‘retribuição’ do crime, justificada por seu intrínseco valor axiológico, vale dizer, não um meio, e tampouco um custo, mas, sim, um dever ser metajurídico que possuí em si seu próprio fundamento.
Atualmente, utiliza-se a pena sob o aspecto conjugado: retribuição, prevenção social e ressocialização. Dessa forma, a pena não se torna um fim em si mesmo, mas uma prevenção com foco na ressocialização. Nesse aspecto, o projeto lei, ao conceder um “prêmio” para aquele condenado que se contentar apenas com o efeito retributivo, acaba gerando uma falsa ideia de punibilidade estatal e ressocialização do indivíduo. Entretanto, ao analisarmos o contexto da carga sobreposta na pessoa do condenado, veremos que essa pena não se encerra em curto prazo, mas sim de forma perpétua, e ainda mais, seus efeitos impedem uma ressocialização humanizada e digna. É o que poderemos observar no tópico pertinente aos efeitos colaterais da castração.
2.1 Análise do Projeto de Lei n° 3.127 de 2019
Trata-se de um Projeto de Lei Ordinária de número 3.127, 2019, com autoria do Senador Styvenson Valentim Mendes, pertencente ao partido PODEMOS (PODE/RN), que dispõe sobre a castração química voluntária de reincidente em crime contra a liberdade sexual (BRASIL, 2019).
O projeto de lei supracitado, dentre outras disposições, visa a legalização do método da castração química hormonal ou de intervenção cirúrgica com efeitos permanentes, com o intuído de conter a libido e a atividade sexual de condenados reincidentes nos crimes de estupro, violação sexual mediante fraude e estupro de vulnerável, concedendo, para tal, benefícios na execução penal (BRASIL, 2019).
Em sua justificação, o autor da proposta do projeto de lei, utiliza-se do argumento de que vários países como, Estados Unidos, Canadá, Coreia do Sul, Áustria, Rússia e Dinamarca, adotaram a medida como um meio de prevenir tais crimes, visando, assim sua legitimação. Relata, ainda, tomando por base a constituição alemã, que a proporcionalidade da pena é atingida em seus três pilares: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito (BRASIL, 2019).
Quanto ao critério da adequação, analisando se os meios eram apropriados aos fins pretendidos, citou o medicamento medroxiprogesterona (Depo-Provera), usado nos Estados Unidos, que atua na redução da libido, como fator preponderante na redução da reincidência dos condenados submetidos ao tratamento, concluindo que a medida atende ao referido critério. No que concerne à necessidade da medida, advogou no sentido de que não há uma alternativa sancionatória igualmente eficaz, reconhecendo, assim, que a castração atende ao pilar necessidade (BRASIL, 2019).
Quanto ao ponto da proporcionalidade em sentido estrito, analisando os efeitos da pena na pessoa do condenado e o interesse punitivo estatal, embora reconheça os efeitos degradantes da castração na saúde do apenado, advogou no sentido de que esse requisito é atendido, tendo em vista o ônus maior suportado pela vítima da agressão sexual (BRASIL, 2019).
Por fim, alega que respeitado esses três subprincípios, a medida restritiva imposta é, portanto, constitucional. Isto posto, passamos à análise dos artigos do projeto de lei em comento (BRASIL, 2019).
Em seu artigo primeiro, o legislador explicita as duas formas de tratamento, um químico hormonal e a outra de intervenção cirúrgica. Salienta-se que, ao tratar da intervenção cirúrgica, menciona-se os seus efeitos permanentes, induzindo o seu caráter perpétuo (BRASIL, 2019).
Ao tratar do artigo segundo, estabelece alguns requisitos para o tratamento químico hormonal, indicando que o agente deve ser reincidente nos crimes previstos nos arts. 213, 215 e 217-A do Código Penal. Além do mais, deixa claro que o tratamento será submetido de forma voluntária, sem prejuízo da pena aplicada (BRASIL, 2019).
No parágrafo único do artigo comentado, o legislador trata do benefício do livramento condicional imposto aos aceitantes, estabelecendo que o seu prazo não poderá ser inferior ao do tratamento (BRASIL, 2019).
A castração através da intervenção cirúrgica é disciplinada no artigo 3°, determinando que o condenado que optar por esta via de tratamento poderá, a critério do juiz, ter extinta a sua punibilidade, ou seja, o Estado se abstém de aplicar o seu poder punitivo (BRASIL, 2019).
No que concerne à duração do tratamento e sua forma, o legislador, em seu artigo 4°, deixou a cargo da Comissão Técnica de Classificação prevista na Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), detalhar e estabelecer o respectivo prazo, bem como, se necessário, efetuar mudança de tratamento (BRASIL, 2019; BRASIL, 1984).
Ressalta-se que o referido projeto se encontra na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e em recente parecer, sob relatoria do Senador Angelo Coronel (PSD/BA), houve decisão favorável à aprovação do projeto, advogando pela sua constitucionalidade e eficácia (BRASIL, 2020).
2.2 O método da castração contra reincidentes em crimes contra a liberdade sexual
Antes de discorrermos a respeito do método, cumpre destacar que a castração se tornou um anseio da sociedade devido ao grande índice de casos de violência sexual. Hoje, não só no Brasil, como no mundo, é cada vez mais comum vermos matérias relacionadas ao tema, ora sobre estupro coletivo, ora sobre estupro de vulnerável, ou até mesmo sobre estupro praticado no âmbito familiar, de modo a causar revolta da população, acabando por exigir dos legisladores penas mais eficazes.
Essa medida como forma de punição é adota por vários países como “Estados Unidos, Canadá, Coreia do Sul, Áustria, Rússia, Suécia e Dinamarca e está sendo hoje discutido na França” Brasil (2019, p. 3). Aqui no Brasil, o tema já tinha sido objeto de discussão, através do Projeto de Lei nº 5.398 de 2013, proposto pelo então Deputado Jair Bolsonaro, atualmente Presidente da República. Entretanto, o projeto de lei não foi apreciado devido ao encerramento da legislatura do então deputado, ocasionando, assim, o seu arquivamento (BRASIL, 2013).
Não obstante, os legisladores não descartaram o método e propuseram um novo projeto de lei, objeto de estudo do presente artigo, visando a castração como requisito para a obtenção, pelo condenado, dos benefícios do livramento condicional e da extinção da punibilidade.
Como já explanado, o Projeto de Lei nº 3.127 de 2019 propõe duas formas de castração: a químico hormonal e a de intervenção cirúrgica (BRASIL, 2019). A castração química hormonal, nas palavras de Ponteli e Sanches Jr (2010, p. 2) consiste em uma “[...] injeção de substâncias químicas visando um maior e definitivo controle dos impulsos sexuais e da libido”, objetivando evitar a continuidade delitiva através da redução do nível de testosterona no organismo. Ressalta-se que não há a remoção dos testículos e seus efeitos são reversíveis com a interrupção do tratamento, ou seja, os níveis de libido retornam-se aos anteriores ao tratamento (BRASIL, 2019).
Nos países que adotaram o método, o tratamento é a base de acetato de cyproterona (denominado comercialmente de Androcur) e acetato de medroxiprogesterona (comumente conhecido como Depro-Provera), que atuam nos organismos modificando os neurotransmissores, criando mecanismos de obstrução da libido (TRINDADE, 2010).
Quanto aos efeitos colaterais, cumpre destacar que o uso desses medicamentos traz à tona uma série de complicações. Vieira e Santos (2008, p. 19) alertam que:
[...] a aplicação do acetato de medroxiprogesterona (MPA) em homens pode deixar sequelas como a falha na irrigação do pênis e na ereção, frustrando o orgasmo, acarretando, também, perda óssea, aumento de peso, hipertensão, mal-estar, trombolismo, fadiga, hipoglicemia, ginecomastia e depressão.
Dessa forma, Ponteli e Sanches Jr (2010, p. 2) pontuam também que “[...] a lista de efeitos colaterais da Depo-Provera é extensa e pode levar o condenado à morte”. Diante disso, verifica-se que os medicamentos apresentam sérios riscos à vida do apenado, demonstrando a desproporcionalidade da medida punitiva.
Ademais, vale ressaltar que o problema do uso desse tratamento é que o condenado deverá se apresentar continuamente ao médico para tomar as injeções, pois o uso incorreto desses medicamentos pode gerar efeitos contrários ao pretendido. Dessa forma, ao invés da causar a diminuição da testosterona, os testículos poderão aumentar sua produção acima dos níveis anteriores e promover uma produção na libido ainda mais intensa que a original (BRASIL, 2019).
Destarte, e mister destacar que nesses países, o uso dessa substância reduziu expressivamente a reincidência dos condenados submetidos ao tratamento, embora não reduza por completo o desejo sexual. Contudo “[...] a única resposta que seria totalmente eficaz e irreversível seria a remoção cirúrgica dos testículos” (BRASIL, 2019, p.4).
O outro método, a intervenção cirúrgica, denominada orquiectomia, que consiste na retirada do testículo, ocasionando uma redução dos níveis de testosterona. No entanto, quanto aos seus efeitos, ressalta-se os danos psicológicos causados no homem, dado que gera um ataque brutal e deformador em seu corpo (FROTA E PEDROSA, 2017).
Diante do exposto, conclui-se que é fato que o método da castração química impede, consideravelmente, o apetite sexual, mas não significa que os pensamentos violentos e criminosos vão cessar. Portanto, pode-se dizer que esse método não seria capaz de banir o estupro, pois este crime não é causado, exclusivamente, por desejos sexuais. Dessa forma, punir o condenado com uma pena que fere princípios constitucionais e os direitos humanos, com um método claramente ineficaz, seria um tanto desastroso, a meu ver.
3 ASPECTOS SOCIOCULTURAIS DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL
O número de estupros ocorridos no Brasil aumenta a cada ano, mesmo sem levar em conta as subnotificações. Para se ter uma ideia, em 2018, o 13º Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) registou recorde de violência sexual, foram mais de 66.041 casos de estupro no Brasil. Destes, as mulheres representam 81,8% das vítimas, sendo que maioria (53,8) foram meninas de até 13 anos, e que 50, 9% das mulheres eram negras e 48,5% brancas. Ocorreram, em média, cerca de 180 estupros por dia. Segundo o Fórum, 4 meninas de até 13 anos são estupradas por hora no país. Esse índice diz respeito aos crimes de violência sexual em geral (FSBP, 2019).
Consubstanciando os dados, verifica-se que os delitos contra a liberdade sexual, apesar de tão repudiados, são significativos e recorrentes em nossa sociedade, levando-nos, portanto, a questionar os fatos e suas motivações. Para tanto, faz-se necessário uma análise sociocultural da prática dos crimes contra a liberdade sexual, objetivando desmistificar a tese de que a pena, por si só, seria a solução mais viável para erradicação destas condutas.
Preambularmente, é mister destacar que nossa sociedade se caracteriza por ser machista e misógina, o que acaba por influenciar a afirmativa de que o estupro é algo cultural. Nessa linha de pensamento, para enfatizar o aspecto cultural, é imprescindível a conceituação do que é cultura. Isto posto, cultura, para Chauí (2020, p.373) “[...] é a relação dos humanos com o tempo e no tempo”, ou seja, trata-se de uma análise do que é habitual nas relações estabelecidas entre humanos, bem como entre o ser humano e a natureza.
De fato, apesar do estupro não ter como vítima somente a mulher, a cultura do estupro perpassa pela análise do homem algoz e mulher vítima, bem como pelo machismo e regras de comportamento social e corporal imposta às mulheres. Com efeito, historicamente, o poder sexual se concentra na figura do homem, sendo ele influenciado, desde criança, a ter instintos de posse para com o sexo feminino.
Como se vê, o estupro não é só sobre satisfação do desejo sexual, é sobre violência de gênero e, se existe cultura do estupro, existem estupradores em potencial com ou sem o órgão sexual ativo, dado que o sexo, neste contexto, não se relaciona com satisfação da lascívia ou obtenção de prazer, mas sim como “ [...] um meio pela qual a violência ocorre” (LARA et al., 2016, p. 175). Dessa forma, necessita-se de uma conjugação entre o biológico e o sociocultural para que possamos ter a completa noção do crime em estudo.
Então, não basta tratar algo social como se científico fosse. Em termos, utilizar-se de sanção punitiva por meio de tratamento hormonal, abstendo-se do enfoque sociocultural é adotar a punição por mera punição, sem nenhuma objetividade quanto à minimização do estupro. Portanto, conclui-se que o projeto de lei não protege as vítimas de estupro, pois defender é combater uma cultura que oprime, inferioriza, objetifica e violenta a figura da mulher.
4 EFICÁCIA PENAL DO PROJETO DE LEI N° 3.127 DE 2019
O crime nasce com a realização no mundo de uma conduta tipificada no plano jurídico como tal. A partir da realização do fato como crime, surge o ius puniendi estatal, que nas palavras de Jesus (2020, p. 49) “[...] é o direito que tem o Estado de atuar sobre os delinquentes na defesa da sociedade contra o crime”.
Como se nota, o Estado é o único detentor do direito de punir, até mesmo nas ações penais de caráter privado. Entretanto, esse poder não é absoluto, encontrando limitações no ordenamento pátrio, principalmente na Constituição da República.
Como já mencionado, a pena não é um fim em si mesmo. Não cabe ao Estado punir por simples retribuição ao caráter delitivo do agente. Inclusive, deve-se atentar, basicamente, a três finalidades da pena: a retribuição, prevenção e ressocialização. O artigo 59 do Código Penal, ao dispor sobre os fins da pena dispõe o seguinte:
Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:
I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;
II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;
III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;
IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível (BRASIL, 1940).
Diante do exposto, depreende-se que o código penal pátrio visa que a pena deve ser um fim à reprovação e prevenção do crime, deixando de lado a conjugação do aspecto ressocializador. Afinal, o Estado que pune por punir não é democrático, mas sim absolutista. Adotando a importância do caráter ressocializador temos o artigo 10, caput, da Lei de Execução Penal que dispõe que “A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade” (BRASIL, 1984).
Nesse diapasão, encontra-se o debate quanto à adoção da castração como sanção aos delitos contra a dignidade sexual e os fins democráticos da pena. Como fundamento para a sua eficácia, a doutrina pátria costuma apontar duas teorias como ponto de partida para as finalidades da sanção penal, a teoria absoluta e a teoria relativa.
A primeira teoria tem como aspecto fundante a retribuição estatal ao mal injusto cometido pelo agente, não se preocupando com a readaptação do criminoso. Inexiste, portanto, fins práticos na aplicação da pena, vez que visa tão somente castiga-lo. Como bem pontua Ferrajoli (1995, p. 253), apud Bittencourt (2020, p. 311):
A característica essencial das teorias absolutas consiste em conceber a pena como um mal, um castigo, como retribuição ao mal causado através do delito, de modo que sua imposição estaria justificada, não como meio para o alcance de fins futuros, mas pelo valor axiológico intrínseco de punir o fato passado: quia peccatum.
A segunda teoria, inaugurada com a magistral obra de Cesare Bonesanna, o Marquês de Beccaria, intitulada Dos delitos e das penas (1764), visa evitar a prática de novas infrações penais, adotando um caráter totalmente oposto a teoria absoluta. A pena, para os relativistas, tem sua finalidade voltada para o aspecto futuro, ou seja, é um meio de evitar futuras ações delitivas. A doutrina costuma apontar um aspecto dúplice da teoria relativa: geral e especial (NUCCI, 2019).
Para Prado (2019, p. 1242), “[..] a concepção preventiva geral da pena busca sua justificação na produção de efeitos inibitórios à realização de condutas delituosas”. Registra-se que tal teoria pode ser negativa ou positiva. A prevenção geral negativa correlaciona com o poder intimidativo, enquanto o seu aspecto positivo visa o império da lei, a eficiência do direito penal.
Quanto ao caráter especial, a seu turno, também pode ser analisada em seus dois aspectos. Para Jesus (2020, p. 652) “Na prevenção especial a pena visa o autor do delito, retirando-o do meio social, impedindo-o de delinquir e procurando corrigi-lo”.
A prevenção especial negativa é a pena intimidatória ao autor, recolhendo-o ao cárcere. De outro modo, a prevenção especial positiva é a manifesta satisfação social do direito de punir, trazendo a proposta ressocializadora, objetivando que o apenado possa retornar ao convívio social. Trata-se da legitimação da pena, vez que “[...] a pena é legitima somente quando é capaz de promover a ressocialização do criminoso” (HASSEMER, 2007, p. 104).
Isto posto, levando-se em consideração os dois métodos de castração adotados no projeto de lei, resta-nos analisar, tomando por parâmetro a pena no sentido democrático e ressocializador, se seus fins são práticos ou irrelevantes para o alcance do interesse público.
Reitera-se que os efeitos da utilização do tratamento químico hormonal para inibir os desejos sexuais do apenado são temporários, sendo possível, posteriormente, após a cessação do tratamento, a reversão da produção de testosterona aos níveis normais, conduzindo-o à reincidência. Então, a não ser que o tratamento se perpetue por toda a vida do apenado, o que é vedado pela Constituição Federal em seu artigo 5° XLVII, “b”, a sua eficácia será ilusória (BRASIL, 1988).
Quanto ao método da intervenção cirúrgica, vale dizer que de nada valerá no impedimento da prática do crime, pois como já abordado anteriormente, sua conduta se dá de diversas formas. Ou seja, embora o condenado esteja com seu órgão genital inativo, o mesmo poderá cometer o crime de diversas outras maneiras.
Além do mais, diante do contexto estrutural do estupro e dos aspectos socioculturais e biológicos, demostra-se totalmente ineficaz o combate ao crime pelo método em estudo, pois não basta ter o enfoque na redução da libido do apenado, vez que estupro não está ligado somente à prática sexual.
Diante de tais considerações, constata-se que a utilização de tais métodos objetiva simplesmente a retribuição ao ilícito cometido pelo agente, aproximando-se das penas adotadas por Estados absolutistas e se distanciando da pena democrática, ressocializadora, que consagra uma justiça mais justa e humana.
5 A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO PROJETO DE LEI N° 3.127 DE 2019
A lei proposta, se aprovada, não deve resistir à análise da inconstitucionalidade. A violação ao texto constitucional é flagrante e se inicia no art. 1°, III da lei máxima, quando declara como direito fundamental “a dignidade da pessoa humana”, perpassando pelo seu artigo 5°, inciso III “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; inciso XLVII alíneas “b” e “e” “ não haverá penas: de caráter perpétuo e cruéis”; e inciso XLIX “ é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”, bem como nos tratados internacionais de Proteção de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil (BRASIL, 1988).
A problemática constitucional se insere no âmbito de proteção aos Direitos Fundamentais, principalmente no que se refere ao direito à vida e à integridade física. Analisa-se a conduta estatal de impor, mesmo que travestida de voluntariedade, a sanção, àqueles condenados reincidentes nos crimes previstos nos arts. 213, 215 e 217-A do Código Penal, de castração química ou de intervenção cirúrgica.
A dignidade da pessoa humana é baliza mestra da análise constitucional e, quando examinada, deve ser anterior ao juízo valorativo feito por nossos legisladores, vinculando de forma absoluta sua atividade normativa, principalmente na seara penal. Como bem explica Novelino (2016, p. 252), tal princípio “[...] não é um direito concedido pelo ordenamento jurídico, mas um atributo inerente a todos os seres humanos, independentemente de sua origem, raça, sexo, cor ou quaisquer outros requisitos”.
Deve-se, assim, considerar até o maior dos criminosos como pessoa humana, digna de proteção a qualquer ato de força autoritária do Estado, detentor do ius puniendi, contra seus direitos reconhecidos tanto no âmbito interno como externo, principalmente no que concerne aos escudos impeditivos de atos de cunho desumano ou degradante à pessoa. Assim, pode-se afirmar que “[...] se o Direito não quiser ser mera força, mero terror, se quiser obrigar a todos os cidadãos em sua consciência, há de respeitar a condição do homem como pessoa, como ser responsável” (CEREZO MIR, 2004, p. 20).
Ora, a Constituição Federal, em seu artigo 5°, inciso III, estabelece, ao limitar o direito-dever punitivo do Estado, que três comportamentos devem ser rechaçados pelo legislador: a prática da tortura, submissão a tratamento desumano e submissão a tratamento degradante. Então, fica claro que todo e qualquer comportamento atentatório à dignidade da pessoa humana estão proibidos de serem adotados pelo Brasil (BRASIL,1988).
Observa-se, ainda, que o artigo 5°, XLVII, ao disciplinar expressamente o princípio da humanidade, veda o tratamento de penas degradantes e cruéis no nosso ordenamento jurídico. Além do mais, o artigo 5°, XLIX, faz clara referência à integridade física e moral do preso, inscrito como norma constitucional no Brasil desde 1967 (BRASIL, 1988). Nesse sentido, Moraes (2006, p. 338) explicita sobre a caracterização das penas cruéis:
[...] dentro da noção de penas cruéis deve estar compreendido o conceito de tortura ou de tratamentos desumanos ou degradantes, que são, em seu significado jurídico, noções graduadas de uma mesma escala que, em todos os seus ramos, acarretam padecimentos físicos ou psíquicos ilícitos e infligidos de modo vexatório para quem os sofre.
Quanto à voluntariedade na adoção da castração, não basta retirar o poder imperativo do Estado e adotar o termo da espontaneidade na castração, pois toda lei que viola a dignidade da pessoa humana deve ser reputada como inconstitucional. Com mais razão ao perceber que no Direito Constitucional o consentimento não serve para justificar intervenções, violações ilegítimas, do poder público frente aos seus cidadãos. A vedação contida no art. 5°, III, protege, por óbvio, o direito à vida e à integridade física, sendo estes irrenunciáveis (BRASIL, 1988).
Em sentido contrário, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que teve por relator o Senador Angelo Mário Coronel de Azevedo Martins, assim decidiu no que concerne à voluntariedade da castração química no mencionado projeto de lei:
O primeiro diz respeito à voluntariedade do tratamento. Obrigar o condenado a se submeter a um procedimento médico que apresenta uma série de efeitos colaterais (tais como impotência sexual masculina, atrofia testicular, redução da massa muscular, rarefação de pelo, dentre outros) desnivelaria de forma expressiva a balança da proporcionalidade entre interesse público e interesse privado. O PL, por outro lado, se funda sobre a voluntariedade. Valoriza-se a autonomia da vontade e é oferecido incentivo para que o condenado decida na direção do interesse público, qual seja: livramento condicional ou extinção da punibilidade e consequente redução da probabilidade de reincidência criminosa (BRASIL, 2020, p 3).
Percebe-se, portanto, que a Comissão de Constituição e Justiça prioriza a autonomia da vontade frente ao princípio da dignidade da pessoa humana e seus corolários. Um contrassenso ao que foi proposto pelo constituinte originário e uma clara minimização dos Direitos Fundamentais.
Repise-se, não cabe ao Estado, mesmo que a escolha do apenado, executar uma sanção compadecida do mínimo constitucional, sob pena de afronta ao Estado de Direito.
Conclui-se, portanto, que a castração viola o direito fundamental à dignidade da pessoa humana, à integridade física e psíquica da pessoa, resultando num tratamento desumano e cruel, vez que é incompatível com o ordenamento jurídico pátrio, devendo, se aprovada pelo congresso nacional, ser considerada uma lei natimorta, ou seja, inconstitucional.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa foi baseada sob uma análise democrática da pena, principalmente, no que concerne o respeito à Dignidade da Pessoa Humana e seus corolários, perpassando pela discussão sociocultural dos delitos contra a dignidade sexual, bem como da eficácia da sanção penal e se desdobrando sob os aspectos científicos do método da castração.
Diante disso, constata-se que é inoportuna a atuação legislativa que visa a castração como sanção aos crimes contra a dignidade sexual, tendo em vista tratar-se de um mecanismo de tratamento desumano e cruel, sobretudo, por conta de sua incompatibilidade com o ordenamento jurídico brasileiro, logo, uma vez aprovada a referida lei, provavelmente poderá ser declarada inconstitucional.
Com efeito, evidencia-se sua inconstitucionalidade flagrante, visto que fere princípios fundamentais, ofendendo, assim, a diretriz garantidora da ordem material e restritiva da lei penal. No que diz respeito à eficácia da pena, constatou-se que o legislador busca, com a sanção imposta, tão somente a retribuição ao ilícito cometido pelo condenado, abstendo-se do enfoque ressocializador. Ademais, quanto ao método, tornou-se claro sua ineficiência, visto que não é algo a ser tratado somente no campo científico, mas sim em conjugação com os aspectos socioculturais.
Conclui-se, portanto, que a atuação legislativa na seara penal deve ser baseada na ordem constitucional, observando as limitações constitucionais ao direito de punir, abstendo-se de qualquer medida de clamor social, visando a maximização do Direito Penal e minimização da proporcionalidade da sanção, sob pena de clara aplicação da função simbólica da pena. Por fim, é essencial analisar o crime e seu contexto histórico, para que assim possa ser atingido o objetivo essencial do ius puniendi estatal: punir o seu transgressor com vistas a garantir a sua ressocialização, bem como a prevenção do delito.
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Bacharelanda no curso de Direito pelo Centro Universitário – UNINOVAFAPI
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CASTRO, Aryella Rocha. Castração química para reincidentes em crimes contra a liberdade sexual: inconstitucionalidade e ineficácia da aplicação do projeto de lei nº 3.127, de 2019 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 nov 2020, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55658/castrao-qumica-para-reincidentes-em-crimes-contra-a-liberdade-sexual-inconstitucionalidade-e-ineficcia-da-aplicao-do-projeto-de-lei-n-3-127-de-2019. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: LEONARDO DE SOUZA MARTINS
Por: Willian Douglas de Faria
Por: BRUNA RAPOSO JORGE
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