RESUMO: O presente artigo pretende demostrar uma análise a questão da maioridade penal em seu processo evolutivo, para a substancia do aspecto socioeconômico e posições doutrinarias acerca do tema proposto. Bem como expor a análise em um contexto global, no qual, visam demonstrar que práticas de redução da maioridade penal mostram eficiência quando aplicada em conjunto com políticas de ressocialização e, não obstante, se fazendo necessário observar a sua ineficácia quando constatado a falta de tais políticas. Tendo assim, a possibilidade de confirmar a capacidade (ou incapacidade) do atual Estado brasileiro em consubstanciar a redução da maioridade penal, uma vez que no Brasil o percentual de atos infracionais vem tomando proporções que tornam necessário essa discussão, portanto, traz o hipótese de avaliar a redução da maioridade penal como forma de redução da criminalidade infanto juvenil e discutir políticas de inclusão social visando a recusa de práticas criminosas e, posterirormente, visto ineficaz a recusa de tais práticas, a ressocialização, pois, intentar o êxito na recusa de práticas delituosas junto as aplicações de diretrizes dadas pelo Estatuto da Criança e Adolescente, tornaria desnecessário a discursão da redução da maioridade penal e uma vez que a fiscalização de sua aplicabilidade pelas autoridades públicas não é efetiva, torna-se necessário a abordagem da redução da maioridade penal.
Palavras-chave: Adolescentes. Medida Socioeducativa. Maioridade Penal.
Abstract: This article intends to demonstrate an analysis of the question of the age of criminal responsibility in its evolutionary process, for the substance of the socioeconomic aspect and doctrinal positions on the proposed theme. As well as exposing the analysis in a global context, in which, they aim to demonstrate that practices of reducing the age of criminal responsibility show efficiency when applied in conjunction with re-socialization policies and, nevertheless, it is necessary to observe its ineffectiveness when it is found the lack of such policies. Thus, the possibility of confirming the capacity (or incapacity) of the current Brazilian State to substantiate the reduction of the age of criminal responsibility, since in Brazil the percentage of offenses has been taking proportions that make this discussion necessary, therefore, brings the hypothesis of evaluate the reduction of the age of criminal responsibility as a way of reducing child and juvenile crime and discuss social inclusion policies aiming at the refusal of criminal practices and, subsequently, since the refusal of such practices is ineffective, the resocialization, therefore, intent the success in the refusal of practices offenses with the application of guidelines given by the Statute of the Child and Adolescent, it would make the discussion of reducing the age of criminal responsibility unnecessary and since the inspection of its applicability by public authorities is not effective, it becomes necessary to approach the reduction of the age of criminal responsibility.
Keywords: Adolescents. Socio-educational measure. Age of criminal responsibility.
1 INTRODUÇÃO
O Brasil tem grande visibilidade quanto à legislação sobre a infância e a juventude. Não obstante, após sua aprovação, em 1990, houve uma intensa campanha visando expor a ineficácia do Estatuto da Criança e do Adolescente, tendo, assim, como centro, a discussão sobre a redução da maioridade penal. Caracterizada como tema recorrente e estando à altura de retratar esta realidade, no qual, bastando a prática de um ato infracional para que, estando presentes as mediações e a implicações das medidas socioeducativas e logo a alta probabilidade na ineficácia, se chegue ao debate sobre a redução. Vindo, portanto, passar a ter por fundamentos tal ineficiência das aplicações, bem como a falta de gerenciamento de medidas socioeducativas; fazendo com que se fomente ainda mais a discussão sobre o tema.
Atualmente, a Carta Magna de 1988 considera as crianças (até 12 anos incompletos) e adolescentes (dos 12 aos 18 anos) como titulares de direitos e deveres, sendo os jovens incluídos nesse rol com o advento da Emenda Constitucional 65/2010, passando o Artigo 227 a ter a seguinte redação:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Cunha Júnior; Novelino, 2013, p. 808, grifo nosso).
Quanto ao Artigo 228, expressa o texto constitucional que “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial” (Cunha Júnior; Novelino, 2013, p. 809). Assim, não é possível que a legislação ordinária impute responsabilidade penal aos menores de 18 anos.
De forma que, para o atual ordenamento jurídico brasileiro a maioridade penal ocorre aos 18 anos de idade, sendo também este o limite estabelecido pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código Penal Brasileiro.
A maioridade penal, atualmente, é tema contemporâneo e bastante polêmico entre os legisladores, juristas e sociedade em geral, havendo assim, diversos opiniões acerca deste tema.
O aumento da criminalidade no país e a participação cada vez mais significativa de menores fomentam esta discussão, onde, atualmente existem diversos projetos de lei apresentando proposta de modificação do Artigo 228 da CRFB/88 tendo em vista os indivíduos a partir de 16 anos já possam ser considerados penalmente imputáveis.
O debate acerca da punibilidade do menor infrator ganha notoriedade, pois devido ao crescente número de atos infracionais cometidos e a incapacidade do Estado em gerir medidas socioeducativas e políticas de ressocialização eficazes, expõe um desequilíbrio favorável a redução da maioridade penal.
2 A EVOLUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL NO BRASIL
As práticas voltadas para a infância, no Brasil, foram iniciadas pelas instituições religiosas. De uma maneira geral, a assistência ao pobre era de domínio absoluto da esfera da religiosidade ou eclesiástica, já que a atitude caritativa – de piedade e compaixão – era considerada como condição primordial para a garantia da salvação da alma (Rizzini, 2008). A caridade estava envolvida fortemente nisso, da qual era uma das principais marcas no que diz respeito à assistência à infância.
Nas palavras de Coimbra e Nascimento (2005, p. 342):
[...] esta questão científica está convencida de uma missão social cristã na construção de uma Nação moderna e suas propostas baseiam-se em medidas que devem promover o saneamento moral do país. A degradação moral é especialmente associada à pobreza e percebida como uma epidemia que se deve evitar. Portanto, para erigir uma Nação, os higienistas afirmam que toda a sociedade deve participar dessa cruzada saneadora e civilizatória contra o mal que se encontra no seio da pobreza.
Visto que a maioridade penal define a idade de um indivíduo possuir capacidade jurídica de responder integralmente e penalmente pelos seus atos criminosos, sendo, no Brasil, atingida aos 18 anos.
Apontam estudos que no início do século XIX, de acordo com as Ordenações Filipinas, a inimputabilidade penal se encerrava aos 7 anos de idade. Este menor não estava sujeito à pena de morte. Enquanto o sistema era aplicado para os jovens que tinham entre 17 e 21 anos, podendo vim a ser condenado à morte, ou, dependendo das circunstâncias, poderia ter a diminuição da sua pena. A maioridade penal absoluta era alcançada aos 21 anos e se via sujeita a aplicação da pena de morte.
A maioridade penal foi instaurada no Brasil pelo primeiro Código Criminal do Império (1830) e era alcançada aos 14 anos, conforme previsto no Artigo 10 do seu texto. O critério psicológico do discernimento era aceito e caso estivesse presente no ato praticado pelo menor, este deveria ser encaminhado às chamadas casas de correção, obedecendo ao Artigo 13. O tempo a ser cumprido nestas casas seria determinado pelo magistrado, mas não deveria ultrapassar a data em que o menor completaria 17 anos de idade. A condenação à prisão perpétua era prevista.
Segundo Carvalho (1977, p. 312):
O nosso Código Criminal de 1830 distinguia os menores em quatro classes, quanto a responsabilidade criminal: a) os menores de 14 anos seriam presumidamente irresponsáveis, salvo se se provasse terem agido com discernimento; b) os menores de 14 anos que tivessem agido com discernimento seriam recolhidos a casas de correção pelo tempo que o juiz parecesse, contanto que o recolhimento não excedesse a idade de 17 anos; c) os maiores de 14 anos e menores de 17 anos estariam sujeitos às penas de cumplicidade (isto é, caberia dois terços da que caberia ao adulto) e se ao juiz parecesse justo; d) o maior de 17 anos e menor de 21 anos gozaria da atenuante da menoridade.
O Código Penal de 1890, chamado de Código Republicano trouxe algumas alterações quanto a legislação anterior, buscando zelar pelos menores de nove anos de idade, quando proibia expressamente, em seu Artigo 27, § 1º, a caracterização dos mesmos como imputáveis. Além disso, inovou ao criar instalações disciplinares industriais, para os quais os maiores de nove anos e menores de quatorze anos, que praticassem ilícitos com discernimento de sua conduta, eram encaminhados. A verificação da presença deste discernimento era de extrema dificuldade para o juiz, que acabava decidindo pela ausência deste critério.
Após esta análise, caso observada a presença de compreensão do ato praticado, os infratores deveriam ser dirigidos às chamadas instalações disciplinares industriais, não podendo lá permanecer após atingirem 17 anos de idade.
Assim, a inimputabilidade penal se encerrava aos quatorze anos. No entanto, dependendo do discernimento do infrator, este limite mínimo poderia ser reduzido, atingindo os agentes com nove anos de idade.
Ainda segundo Aníbal Bruno:
[…] nos fins do século XIX outra ordem de motivos veio a influir na matéria – motivos de natureza criminológica e de política criminal, segundo os novos conhecimentos sobre a gênese da criminalidade e a ideia da defesa social, que impunha deter os menores na carreira do crime. Daí nasceu o impulso que iria transformar radicalmente a maneira de considerar a tratar a criminalidade infantil e juvenil, conduzindo-a a um ponto de vista educativo e reformador. (BRUNO, A., 2005, p. 543).
A Lei 4.242, de 5 de janeiro de 1921, em seu Artigo 3º, revogou o dispositivo do Código de 1890, que tratava da inimputabilidade e trouxe, em seu Artigo 20 a seguinte previsão:
O menor de 14 anos, indigitado autor ou cúmplice de crime ou contravenção, não será submetido a processo de espécie alguma e que o menor de 14 a 18 anos, indigitado autor ou cúmplice de crime ou contravenção será submetido a processo especial.
Esta lei possibilitou, também, a criação de um serviço que proporcionasse assistência e fornecesse proteção à infância desamparada e delinquente, resultando na construção de abrigos e tantas outras providências objetivando o auxílio ao menor.
Em 1927, surge o primeiro Código de Menores brasileiro, no qual a criança merecedora de tutela do Estado era o “menor em situação irregular”. Silveira (1984) afirma haver a presença de uma dicotomia entre menor abandonado e menor delinquente, objetivando, assim, ampliar e melhor explicar as situações que dependiam da intervenção do Estado. O Juizado de Menores e todas as suas instituições auxiliares são criadas e regulamentadas pelo Poder Judiciário. Nota-se o Estado atuando como instrumento de proteção e vigilância da infância e adolescência, vítima da omissão e transgressão da família.
De acordo com o Código de Menores, estes eram classificados de três maneiras:
A primeira tratava dos menores de 14 (quatorze) anos, que não estavam sujeitos a nenhum processo. A segunda classificação tratava dos maiores de 14 (quatorze) e menores de 18 (dezoito) anos. Importante aqui ressaltar que estes jovens estavam sujeitos a um processo especial e não ao processo penal ao qual estavam sujeitos os maiores de 16 (dezesseis) e menores de 18 (dezoito) anos, que serão tratados logo adiante quando falarmos da terceira classificação. A aqueles indivíduos era imposta medida de internação, com duração a ser determinada pelo magistrado, e que deveria ter prazo maior entre três e sete anos.
Por último, temos os maiores de 16 e menores de 18 anos. Estes deveriam ser encaminhados a uma instalação para condenados de menoridade caso praticassem crime grave ou se fossem tidos como indivíduos perigosos. Era previsto também, na falta destes estabelecimentos, a possibilidade de o magistrado remetê-los à prisão comum, devendo ficar separados dos adultos.
Em se tratando de menores abandonados, a previsão determinava a colocação destes em um lar, sendo este o dos próprios pais, tutores ou guardiões. No entanto, no caso de o menor ter menos de 2 anos de idade, ele deveria ser criado “fora da casa dos pais”.
No Código Penal de 1940, que vigora até os dias de hoje, o limite da inimputabilidade penal foi fixado aos menores de 18 anos. Porém, a prática de um ilícito, ocasiona a submissão a procedimentos educacionais previstos em legislação especial (Estatuto da Criança e do Adolescente).
Em 1969 observamos uma tentativa de atualização, quando o Código Penal, em seu Artigo 33, traz novamente o critério do discernimento. Se via possível a aplicação da pena ao maior de 16 e menor de 18 anos, com a pena reduzida de 1/3 a metade, desde que presente o entendimento do ato pratico por parte do infrator. Temos, assim, uma presunção de inimputabilidade relativa.
A redação do artigo supracitado dizia:
Artigo 33. O menor de dezoito anos é inimputável, salvo se, já tendo completado dezesseis anos, revela suficiente desenvolvimento psíquico para entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com este entendimento. Neste caso, a pena aplicável é diminuída de um terço até a metade.
No entanto, esse Código foi revogado, não entrando em vigor, e a maioridade penal continuou sendo a fixada pelo código de 1940, ou seja, os menores de 18 anos não podem ser considerados imputáveis (Artigo 228, da Constituição Federal).
Importante ressaltar aqui, também, o Código Penal Militar, que afirmava ser imputável os maiores de 18 anos, mas possibilitava essa caracterização aos menores com 16 anos caso fosse revelado discernimento. Este artigo também não se viu recepcionado pela norma constitucional. (CÓDIGO PENAL, 1940).
O Estado não conseguiu concluir nenhuma política pública emergencial para que este cenário se modifique, apesar do grande avanço na proteção dos menores com o Estatuto da Criança e do Adolescente – E.C.A. (Lei nº 8.069/90).
Atualmente, o adolescente infrator não se ressocializa de maneira adequada nas instituições de recuperação, pois, não existe nenhuma iniciativa correta por parte do Estado para aniquilar esta recidiva.
O que se nota é a recaída destes menores em outros atos, ou nos mesmos atos infracionais que o levaram à internação, em um grau cada vez mais violento, ou seja, não basta só as medidas socioeducativas ou os períodos de internações em instituições próprias sem uma política de ressocialização adequada para que voltem a ser peças atuantes e frutíferas da sociedade.
Abordado estes desenvolvimentos, desde o Código de Menores do Brasil (Decreto nº 17.943 de 1927 que foi revogado em 1979 pela Lei nº 6.697 de 1979) até chegar no Estatuto da Criança e do Adolescente apontando a proteção e a punibilidade do menor de idade, fez-se necessário um breve balanço do desenvolvimento histórico do Código Penal Brasileiro, passando desde o primeiro Código datado de 1830 até o atual.
Em seguida sendo possível demonstrar se é Constitucional ou Inconstitucional os Projeto de Emenda Constitucional que buscam votação pelo Senado Nacional, principalmente se isso vai de encontro com os Tratados Internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Analisando, assim, as políticas públicas para evidenciar estes atos lógicos em que o Estado está propondo para ressocializar estes menores.
3 A JUSTIÇA JUVENIL E AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS
Na Justiça Juvenil não são aplicadas as penas de detenção ou reclusão, mas sim medidas socioeducativas para crianças e adolescentes com idades entre 12 a 18 anos, conforme exposto no Estatuto da Criança e do Adolescente. Tendo também por definição, considerar a criança a pessoa com 12 anos incompletos e adolescente a pessoa entre 12 anos completo e 18 anos incompletos.
Após constatado o ato infracional, são aplicadas as medidas de proteção às crianças e medidas socioeducativas aos adolescentes. A ocorrência de ato infracional, que é a conduta descrita como crime ou contravenção, enseja a aplicação prioritária da aludida legislação especial atribuindo-se a competência ao Juízo da infância e juventude. Ao ficar comprovado, após processo judicial, a prática de ato infracional, as medidas socioeducativas são aplicadas conforme dispõe o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). As medidas socioeducativas têm como objetivo reintegrar socialmente o adolescente e evitar a reincidência do ato praticado.
As medidas aplicadas aos adolescentes devem levar em conta as circunstâncias e gravidade da infração, possibilidade de cumprimento. Os adolescentes portadores de doenças ou deficiências mentais deverão receber tratamento especializado e em local que atenda às necessidades deles.
De acordo com o capítulo IV do Estatuto, a internação é umas das 12 medidas que o Poder Judiciário pode aplicar aos adolescentes em conflito com a lei. A restrição de liberdade poderá ter o tempo máximo de 3 anos de duração e a cada 6 meses é feita a manutenção da internação. Obrigatoriamente, após completar 21 anos de idade, todos os internados deverão ser liberados.
A justiça voltada a criança e ao adolescente tem se caracterizado no Brasil com avanços, mas também bastante resistência por parte de quem trabalha, de quem estuda, de quem milita e também com muitos questionamentos, visto, desde já, por estar em falta em pautas no congresso nacional acerca deste tema. Deste qual seria necessário fomentar a discussão sobre o sistema da justiça juvenil pensando nos autores junto as medidas socioeducativas, visando, também, o âmbito acadêmico e professional.
Aprofundar a reflexão sobre o adolescente, sobre ato infracional, sobre a intervenção do Estado na vida desse adolescente e na vida de suas famílias; com perspectivas no desafio de toda essa intersecção que se tem que tratar, visto que, sendo diferente do sistema penal, o sistema socioeducativo se diferencia quanto a questão voltada a lidar com um conjunto da vida do adolescente infrator.
Decorrido certo desenvolvimento da justiça juvenil no mundo, tendo, assim, observações a justiça especializada no Brasil com o objetivo e verificar os procedimentos e diretrizes que hoje existentes, bem como dilemas, perspectivas, projetos de redução da maioridade penal e aumento de tempo de internação observado a questão de marcadores sócias tais com o gênero, a sexualidade, a filtragem racial e, sendo um dos pontos extremamente importantes, a saúde mental.
Segundo pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça, a maioria dos adolescentes privados de liberdade no Brasil tem idade entre 15 e 17 anos (47,5%); são negros (mais de 60%); não frequentavam a escola antes de ingressar na unidade (57%); não trabalhavam (49%); e foram criados apenas pela mãe (43%). Em média, os adolescentes que declararam ter parado de estudar entre oito e 16 anos interromperam seus estudos aos 14 anos; faziam uso de drogas ilícitas (75%); e os atos infracionais correspondentes a crimes contra o patrimônio foram os mais praticados, sendo que o roubo obteve os mais altos percentuais. Ou seja, o sistema de justiça juvenil tem sido implacável com um perfil de adolescentes que, no contexto da prática do ato infracional, conviviam com uma série de vulnerabilidades, como defasagem escolar, falta de referências familiares, uso de drogas, pobreza extrema etc.
Vem também ser ponto de observações as execuções de medidas socioeducativas em meio fechado e meio aberto, a medicalização dentro das unidades, vindo a restringir ainda mais o direito do adolescente infrator.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) tem sido confrontado por questionamentos em frentes que buscam um ponto mais securitário e com alegações de haver apenas uma forma de lidar com os atos infracionais (reduzindo a maioridade penal), dando, assim, insegurança na aplicação de medidas socioeducativas e ao sistema de justiça juvenil.
Quanto ao sistema de execução da medida socioeducativa, ao contrário de se propor uma articulação entre sanção, tal como a reprovação do ato infracional com as atividades socioeducativas, elas muitas vezes acabam por priorizar procedimentos de segurança, vigilância e controle.
O qual geram desrespeito as medias de brevidade e excepcionalidade da medida socioeducativa de internação, já que a regra seria a aplicação das medidas socioeducativas em meio aberto.
Também pode-se observar a rigorosa falta de separação por critérios de idade, compleição física e gravidade de infração. O que é originaria aplicabilidade voltada apenas para a dimensão securitária, deixando de lado a assistência a sócio educação e a posterior ressocialização, todas essas sendo de dimensões emancipatórias vindas em segundo lugar.
Sem condições adequadas, a aplicação, em regra, tem sido as de procedimentos de segurança.
4 A INVULNERABILIDADE ECONÔMICA E A DESIGUALDADE SOCIAL
A infração juvenil pode ocorrer em meio a dificuldades socioeconômica e cultural que precede o adolescente a infração em que o próprio adjetivo infracional com o qual se passou a qualificar determinados atos, convertendo-lhes em objeto do sistema de justiça.
Para o adolescente autor de ato infracional, infringir a lei não detém outros significados, diversos dos que têm para os infratores adultos, no entanto, sendo parte dos movimentos de crise e reconstrução que demarcam as transições de identidade, o processo que pode ser mais difícil para alguns subgrupos de adolescentes, aos quais as condições materiais de desenvolvimento os alijam do consumo e das oportunidades de participação social cidadã.
Não obstante, a infração como ato de autoria subjetiva, mantém ao mesmo tempo, uma linha de continuidade com outros movimentos de ruptura, necessários à nova configuração pessoal do adolescente em meio às mudanças com desenvolvimentos em curso, tais como os comportamentos de oposição, agressivo, de risco, transgressivo. Portanto, não é um fenômeno divorciado, nem exclusivo das minorias econômicas, mas uma passagem ao ato superlativa, exibindo o exagero próprio do movimento de subjetivação do adolescente
Desse modo, o conflito com a lei não representa um elo na cadeia de exclusão, violência e negação da alteridade. Como efeito, a garantia da voz e a participação política comunitária, quando se asseguram formas legítimas de promoção da consciência, da autonomia, e do protagonismo, tornam-se passos importantes para o enfrentamento da infração juvenil.
E, esses meios de enfretamento da infração abrangem especialistas de diversas áreas, desde profissionais do Direito até engajados na área social e Direitos Humanos, que argumentam a favor e contra essa alteração, levando em conta, além dos aspectos criminais, as condições sociais que envolvem o perfil do jovem que comete ato infracional (COLOMBAROLLI et al, 2014).
A desigualdade econômica e social brasileira dificulta o pleno crescimento e desenvolvimento de milhões de adolescentes, que se veem aprisionados a comunidades expropriadas, moradia inadequada, restrições severas ao consumo de bens e serviços, estigmas e preconceitos, falta de qualidade no ensino, relações familiares e interpessoais fragilizadas e violência em todas as esferas de convivência. A violência é uma realidade no Brasil. É exposto, diariamente, delitos praticados, muitos deles por adolescentes, tendo como fonte da crescente propagação da criminalidade, fazendo com que os cidadãos se sintam cada vez mais inseguros. Determinada questão tem sido objeto de vastos debates entre políticos, juristas, sociólogos e formadores de opinião, que promovem discussões, sobretudo, referentes ao cumprimento de medidas socioeducativas e redução da maioridade penal.
A sociedade é exposta a violência de forma constante e não existem avanços nas soluções. De modo geral, a violência envolvendo crianças e adolescentes esgota-se como um caso de polícia. [...] a maioria dos jornais apresenta o fato violento com crianças e adolescentes restrito à descrição do delito, desfocado da conflitualidade que o engendrou. Raramente é cobrada a presença do Poder Público e denunciada a ausência de políticas públicas. (SALES, 2007, p. 226).
Moura (2016) assevera que é recorrente nos discursos que defendem a redução da maioridade penal o argumento de que o adolescente de dezesseis anos já possui maturidade, considerando o desenvolvimento intelectual e o acesso médio à informação, é evidente que qualquer jovem atualmente, é capaz de compreender a natureza ilícita de determinados atos. Também é comumente afirmado o direito de voto garantido pela Constituição Federal de 1988, mesmo que facultativo e concessão de emancipação aos dezesseis anos, o que confere ao adolescente possibilidades como a de se casar, constituir família, possuir estabelecimento empresarial, entre outras, sem, contudo, torná-lo penalmente responsável.
As alegações contrárias à redução da idade penal enfatizam os problemas da inclusão de adolescentes no sistema prisional, que já possui a sua capacidade e comprometida.
Fonseca (2006) menciona que a diminuição da idade penal causaria o recrutamento de crianças com menor idade por maiores que se valem da lei para a prática de crimes, introduzindo-as no crime ainda mais cedo.
Mirabete (2007, p. 217) aponta que:
A redução da maioridade penal não é a solução para os problemas derivados da criminalidade infantil, visto que o cerne do problema da criminalidade se reluz em decorrência das condições socialmente degradantes e economicamente opressivas que expõe enorme contingente de crianças e adolescentes, em nosso país, à situação de injusta marginalidade social.
Tal autora aponta ainda que:
A redução do limite de idade no direito penal comum representaria um retrocesso na política penal e penitenciário brasileiro e criaria a promiscuidade dos jovens com delinquentes contumazes. O ECA prevê̂, aliás, instrumentos eficazes para impedir a pratica reiterada de atos ilícitos por pessoas com menos de 18 anos, sem os inconvenientes mencionados (MIRABETE, 2007, p. 220).
A redução da idade da imputabilidade penal não necessariamente significaria um retrocesso, pois, uma redução acompanhada de efetivas políticas públicas socioeducativas e de ressocialização, trariam baixas na criminalidade juvenil; no qual, podendo também ser combatida em sua origem, na miséria e na educação de má qualidade. Não obstante seria uma maneira muito simplista de enxergar a realidade pensar que o problema da violência entre os jovens se resolverá com uma emenda constitucional que reduza a maioridade penal (MOURA, 2016).
O autor defende que o que se deve haver é aperfeiçoamento na aplicação das medidas socioeducativas, ou seja, melhoria nas instituições de internação dos adolescentes, qualificar os profissionais para que possam orientar de maneira adequada os menores, capacitando-os e educando-os, para que se regenerem e votem a viver em harmonia com a sociedade (MOURA, 2016).
Nas palavras de Coimbra e Nascimento (2005, p. 351):
O estatuto da Criança e do Adolescente, que nasce no Brasil no bojo dos novos movimentos sociais, afirma a criança e o jovem de qualquer segmento social como sujeitos de direitos, preconizando a lógica da “proteção integral”, retirando o princípio da “situação irregular”, desfazendo a separação entre “menor” e criança e recusando a prática da internação como primeiro e principal recurso das medidas chamadas de assistência à infância e à adolescência.
O ECA, no seu Artigo 3º, afirma:
A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata essa Lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Justiça juvenil: teoria e prática no sistema socioeducativo.
Para a ONU BR (2015), a redução da maioridade penal vai em sentido contrário à normativa internacional e às medidas necessárias para o fortalecimento das trajetórias de adolescentes e jovens, representando um retrocesso aos direitos humanos, à justiça social e ao desenvolvimento socioeconômico do país. Destaca ainda, que se as infrações cometidas por adolescentes e jovens forem tratadas exclusivamente como uma questão de segurança pública e não como um indicador de restrição de acesso a direitos fundamentais, o problema da violência no Brasil poderá ser agravado, com graves consequências no presente e futuro.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O adolescente deve ser alvo de um conjunto de ações socioeducativas que contribua na sua formação, de modo que venha a ser um cidadão autônomo e solidário, capaz de se relacionar melhor consigo mesmo, com os outros e com tudo que integra a sua circunstância e sem reincidir na pratica de atos infracionais. Ele deve desenvolver a capacidade de tomar decisões fundamentadas, com critérios para avaliar situações relacionadas ao interesse próprio e ao bem-comum, aprendendo com a experiência acumulada individual e social, potencializando sua competência pessoal, relacional, cognitiva e produtiva. (CONANDA, 2006, p. 46).
Especificamente no que diz respeito à maioridade penal, Soares (2007) afirma que a maior parte do debate é baseada em pontos que não refletem a realidade destes adolescentes junto a sociedade, bem como o impacto que trazem os atos infracionais praticado. Na ausência de dados, o que sobra para informar a elaboração de políticas públicas como elementos como ideologia e emoções. O efeito disso é que a produção das políticas públicas acaba sendo guiada por critérios não técnicos, violando a tendência contemporânea de política baseada em evidências. Ou seja, a necessidade de seguir estudos científicos robustos no processo de elaboração e implementação das ações governamentais (Stol, 2009; Solesbury, 2001).
É possível concluir que as propostas de emenda constitucional que objetivam estabelecer a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, não fere acordos de direitos humanos e compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, porém se não poderem ser acompanhado de eficiência nas medidas socioeducativas e de ressocialização, de fato, não poderia ser visto como solução para a diminuição da violência. Nas discussões, prevalece a proposição de ineficácia social da redução da maioridade penal no Brasil sob a hipótese de que aprisionar adolescentes implica torná-los mais vulneráveis às estratégias do crime organizado. Não obstante, o acompanhamento e políticas de ressocialização efetivas podem trazer o fim desta problemática.
Em consonância com os marcos de direitos humanos, adolescentes que tenham infringido a lei penal devem ser responsabilizados por seus atos no âmbito de um sistema especializado de justiça, mas, ao mesmo tempo, é essencial que se continue investindo e aprimorando na implementação dos programas de atendimento socioeducativos para adolescentes em conflito com a lei, oferecendo um tratamento que promova sua reintegração, cidadania e um desenvolvimento social inclusivo que os afaste, de fato, da criminalidade.
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Graduando em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus - CEULM/ULBRA. Assistente Jurídico.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CASTRO, Rayfran E. A redução da maioridade penal: ineficácia das medidas socioeducativas e a falta de políticas de ressocialização Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 nov 2020, 04:54. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55669/a-reduo-da-maioridade-penal-ineficcia-das-medidas-socioeducativas-e-a-falta-de-polticas-de-ressocializao. Acesso em: 22 nov 2024.
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