IGOR DE ANDRADE BARBOSA[1]
(orientador)
RESUMO: O filicídio é um ato de violência cometido por pais contra seus filhos. A vida é o bem jurídico mais importante, devendo ser tratada como tal. É visado estudar as opiniões sobre um crime que é tão abominável socialmente. O contexto jurídico em relação a este delito é brevemente apresentado, assim como uma visão geral da literatura. É destacada a necessidade da pesquisa visto que a opinião geral das pessoas pode afetar negativamente o Direito Penal, deixando a justiça vulnerável neste sentido. A mídia tem um papel fundamental ao noticiar, já que é um meio que forma opiniões. O veredito final deve ser afastado de todo e qualquer julgamento baseado no senso comum.
Palavras-chaves: filicídio, violência, homicídio, mídias, vereditos.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. ANÁLISE DE CASO. 2. O PERFIL FILICIDA. 3.MENSURANDO A INFLUÊNCIA MIDIÁTICA. 3. RESULTADOS E DISCUSSÕES. 4. CONTEXTO JURÍDICO. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
ABSTRACT: Filicide is an act of violence committed by parents against their children. Life is the most important legal asset and should be treated as such. It is aimed at studying opinions about a crime that is so socially abhorrent. The legal context in relation to this offense is briefly presented, as well as an overview of the literature. The need for research is highlighted, since the general opinion of people can negatively affect Criminal Law, leaving justice vulnerable in this regard. The media has a key role in reporting, as it is a medium that forms opinions. The final verdict must be removed from any judgment based on common sense.
INTRODUÇÃO
O castigo físico de crianças foi introduzido no Brasil Colonial pelos jesuítas, punir para ter como efeito a correção na visão deles era uma ação vista como forma de amar, com o passar do tempo os fenômenos de violência se disseminaram por todas as categorias sociais. Agressões por muitas vezes se tornam homicídios. Entre os homicídios, existe o filicídio. Este crime pode ser enquadrado em dois artigos do Código Penal Brasileiro, sendo estes, o artigo 123 e 121. Filicídio é um delito que questiona a natureza humana, o amor dos pais pelos filhos, e a representação de que pais são “portos seguros”. O crime é consumado quando um pai ou uma mãe, ou os dois, chegam a matar o próprio filho.
A notícia de um crime como este causa muita repercussão e comoção social, logo consequentemente a mídia possui uma contribuição enorme pelo dialeto que utiliza, trazendo consequências para o Direito Penal, frente a esse contexto, levanta-se um questionamento: de que parâmetros de apresentação a mídia utiliza para transmitir os casos de filicídio?
A pesquisa objetiva estudar o universo do filicídio, como ele é retratado nos discursos da mídia e assim definir como ela a influencia sobre a população quando são noticiados os casos, e por fim que efeito isso causa para os veredictos através de uma pesquisa de campo feita online com 100 pessoas e qual a opinião das mesmas.
A elaboração deste projeto deve-se, as inquietações perante alguns questionamentos quanto à forma de estudar e ver como a comunicação influência como um todo, e principalmente no Direito. O projeto visa ser um trabalho objetivo, claro e que sane alguns desses questionamentos, e que também proporcione uma nova leitura.
1. ANÁLISE DE CASO
Um dos maiores casos de repercussão no Brasil de filicídio, coberto pela imprensa, ocorreu no dia 29 de março de 2008, em que Alexandre Alves Nardoni cometeu o crime juntamente com sua companheira Ana Carolina Jatobá, que era madrasta da criança. Alexandre tinha uma vida financeira na família decadente quando era mais novo, mas com o passar dos anos tiveram uma estabilidade muito melhor.
Alguns traços da personalidade encontrados em Alexandre foram destacados a partir de análise feita sobre a sua história, pois além do caso ser noticiado por toda a imprensa nacional, foram escritos livros sobre, dentre eles: “Caso Isabella: verdade nova”, escrito por Paulo Papandreu, “A morte de Isabella Nardoni - Erros e Contradições Periciais”, de George Sanguinetti, e “O pior dos crimes: A história do assassinato de Isabella Nardoni", escrito por Rogério Pagnan, entre outros diversos artigos.
Alexandre desde pequeno sofreu bullying na escola, tinha ciúmes da irmã mais nova, era mimado pelo pai, birrento, não era um bom aluno, e era possível notar também que visivelmente possuía forte desejo de ser pai, até que um dia pensou ter conseguido este feito com sua namorada da época que se chamava Patrícia, mas ao longo do tempo devido desconfianças de seu pai descobriu que geneticamente não era seu filho.
Em dezembro de 1999, Alexandre com 21 anos conheceu Ana Carolina da Cunha de Oliveira mais conhecida como Carol e tinha 15 anos de idade, e então eles começaram a namorar. No começo do relacionamento os pais de Ana Carolina não aprovaram, visto que Alexandre era mais velho, ainda sustentado pelos pais e não estudava. Outro traço destacado fortemente nele era que possuía uma baixa autoestima, não era muito estudado, não tinha o vocabulário muito bom e utilizava-se de várias gírias para se comunicar, e também costumava diminuir Carol. No ano 2001, o relacionamento dos dois terminaram, e Carol passou a ficar muito doente, que fez com que acabassem voltando, e depois de dois meses ela ficou grávida com 17 anos.
Isabella de Oliveira Nardoni a vítima do presente caso nasceu no dia 18 de abril de 2002. O relacionamento de seus pais era bem conturbado por ciúmes e raiva. Logo depois Alexandre começou a fazer faculdade de Direito, o que deixou Carol muito feliz, pois a falta de estudo era uma das causas de seus pais não gostarem dele. Terminaram o relacionamento novamente, devido desconfiança de Carol de ter sido traída. No segundo período da faculdade Alexandre conheceu Anna Carolina Jatobá.
Anna Carolina Jatobá tinha condições financeiras boas, e acabou ficando com Alexandre em novembro de 2002, ainda quando ele namorava a mãe de Isabella. Começaram a namorar publicamente em março de 2003, coincidentemente no mesmo dia que havia terminado o outro namoro. Com apenas quatro meses de namoro, Anna Carolina Jatobá enfrentou problemas com seus pais sobre o seu namoro já que ela não respeitava regras da família, e acabou indo morar com Alexandre e a família dele.
Surgiram problemas dos pais de Alexandre com Carol, e alguns desses problemas era sobre a guarda da criança, pensão, o fato de que a mãe e a madrasta não tinham um bom relacionamento, pois a atual tinha ciúmes da antiga namorada, entre outros. Isabella de quinze em quinze dias passava um final de semana com o pai e o restante ela passava com a mãe.
Em agosto de 2004, o casal Nardoni (Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá) se mudaram para um apartamento que era bancado pelo pai de Alexandre, e começaram a enfrentar problemas relacionados a manutenção da casa, e os dois não sabiam lidar com isso. Em setembro desse mesmo ano, Anna Carolina descobre estar grávida, e como não era algo planejado acabou afetando seu bem estar, causando problemas de saúde e por fim fez com que ela voltasse a morar com os pais.
O irmão de Isabella nasceu em 25 de fevereiro de 2005 e se chama Pietro. Quando Pietro completou dois meses, Anna Carolina voltou a morar com Alexandre, e largou seus estudos para cuidar da criança e da casa. O relacionamento de Anna Carolina com seu pai não era bom, viviam brigando, chegando já até ter feito boletim de ocorrência contra ele.
Depois de voltar estudar, enfrentou problemas e até que em julho de 2006 descobriu estar grávida novamente e a outra criança nasceu em 17 de abril de 2007. Anna Carolina passou a ter problemas emocionais, médicos receitavam até antidepressivos, mas ao invés de toma-los devido ao preço ela escolheu tomar calmantes que eram mais baratos.
No dia 13 de fevereiro de 2008 oficializaram o casamento, e se mudaram para um novo apartamento que também foi dado pelo pai de Alexandre. Isabella se dava bem com a madrasta e adorava passar o fim de semana com o pai. Em 28 de março de 2008, era um sábado comum em que a menina Isabella iria passar com seu pai.
Naquele dia pela manhã, Alexandre saiu sozinho para colocar rastreador no automóvel de Anna, pois em São Paulo estava acontecendo muito furto de carro, e enquanto isso também foi visitar seus pais que era perto do local. Logo quando voltou para casa brincou com os seus três filhos, e inclusive foi convencido por Isabella a brincar na piscina, almoçaram, pela tarde foram ao Mc Donald’s, depois passearam em um supermercado, e por fim fora a casa dos pais de Anna e jantaram, ou seja, tudo parecia normal. Até que 23:14 perceberam que estava tarde e foram para casa, chegando as 23:36. Quando deu 23:49 a polícia recebeu uma ligação de um homem desesperado narrando que havia caído uma criança de alguma janela do prédio dela na rua Santa Leocádia nº 138, no distrito da Vila Guilherme, em São Paulo.
O informante que ligou primeiro morava no primeiro andar do prédio e estava desesperado e dizendo que havia entrado ladrão no prédio e estes teriam cometido o crime. No local apareceram mais de vinte viaturas e três carros de bombeiros devido a quantidade de ligações que eram feitas para a polícia.
O porteiro do prédio não viu a queda e só viu a criança quando escutou o barulho e olhou para o jardim. A criança até o momento não era identificada e não se sabia de qual andar havia caído. Até que Alexandre comunicou ao porteiro que a criança no jardim era sua filha, que ela tinha caído do sexto andar, e que o ladrão a jogou. Alexandre foi até o jardim, colocou o ouvido no peito de Isabella, e começou a gritar dizendo que ela estava viva e que seu coração ainda estava batendo, ele queria mexer em seu corpo e os vizinhos não deixaram.
Logo em seguida, Anna Carolina desceu ao térreo com seus filhos, transtornada, gritando dizendo que havia ladrão, e inclusive começou a insultar o porteiro. Quando chegou o socorro juntamente com a polícia, o pai e a madrasta conversavam supostamente identificando os invasores. Alexandre nega ter visto qualquer pessoa que entrou em seu apartamento, narrando que chegou na garagem e subiu apenas com Isabella para o apartamento e depois desceu para buscar o restante da família e assim que eles subiram Isabella já tinha sido jogada.
A mãe de Isabella, Ana Carolina foi avisada pela madrasta da criança, e quando chegou ao local, colocou a mão em sua filha e disse que o coração estava batendo muito rápido. Isabella estava desacordada, com os olhos um pouco abertos, boca também um pouco aberta e a língua para fora, ela não tinha nenhum ferimento aparente apenas um pequeno corte em cima da sobrancelha. Houve um desentendimento entre a mãe e a madrasta, devido a madrasta estar gritando incessantemente. O coração de Isabella de Oliveira Nardoni parou de bater dentro da ambulância, sendo considerada morta as 00:42 de domingo, dia 30 de março.
A polícia estava no prédio do casal Nardoni, e revistaram apartamento por apartamento, carro por carro na garagem, e até na vizinhança, mas não encontraram qualquer suspeito. A delegada do caso chamou a perícia. A perícia sempre possui um papel muito importante, mas nesse caso foi imprescindível já que o casal até hoje nunca confessou o crime.
Em uma das primeiras notícias sobre o caso Isabella que foi feito pela emissora Record, encontrada até hoje o acesso pelo youtube, nota-se o foco em mexer com a imaginação do ouvinte com as seguintes frases: “não foi acidental” e “o caso é por enquanto um grande mistério”, ou seja, no primeiro momento, logo após acontecer o delito, a mídia já se colocou criando diversas hipóteses do ocorrido, sem sequer ter acesso aos autos do inquérito policial.
No velório de Isabella, ela apresentava só o pequeno corte em cima da sobrancelha, e fora isso seu corpo estava intacto. Sua mãe e seu pai choraram muito durante a cerimônia, mas não conversaram um com o outro. Nesse mesmo momento, a imprensa continuou expondo e indo além pois começaram a questionar os avós, a mãe da criança, se eles achavam que o pai era culpado. A mãe de Isabella nesse mesmo dia deu uma entrevista para um repórter dizendo que achava que nem Alexandre e nem Anna Carolina tinham algo a ver com o acontecido, acrescentou ainda que a madrasta era muito carinhosa com sua filha e que o pai era ótimo também para a menina.
A polícia durante a investigação achou respingos de sangue pela casa, notou que o corte na janela foi feito do quarto dos irmãos e não no de Isabella, e constantemente eles estavam entrevistando o casal e assim surgiam contradições nos depoimentos. Não havia arrombamento na porta, nada havia sido furtado, e alguém tentou limpar as manchas de sangue. Outro aspecto detectado no casal era de que o comportamento deles diante da situação não era comum, eles não se questionavam e sim ficavam enfatizando que alguém tinha entrado na casa e nenhum dos dois ligaram nem pro socorro e nem pra polícia.
A desconfiança da polícia foi gerada pela falta de motivo do suposto ladrão de cometer um homicídio. O médico legista afirmou para a polícia que Isabella havia sido asfixiada antes da queda, possuía várias feridas dentro da boca e isso dava indícios de que alguém havia tampado a boca da criança tentando impedi-la de gritar. Foram encontradas as marcas de sangue no carro da família e as marcas no pescoço da criança eram compatíveis com as mãos da madrasta. O laudo do IML também apresentou que Isabella teria morrido mesmo se não fosse jogada pela janela e que ela foi jogada doze minutos após o casal chegar em casa, não fazendo sentido a história que o pai contava de ter deixado ela em casa e depois ter descido pra buscar os outros filhos. No dia 02 de abril, diante da inconsistência dos depoimentos do casal, eles acabaram sendo presos.
No dia 27 de abril aconteceu a reprodução simulada do caso, o casal se recusou a participar alegando não querer produzir provas contra eles. Após análises da polícia, dos médicos legistas, dos peritos, e das testemunhas, conseguiram restituir o que aconteceu na noite do crime. O Ministério Público fez a denúncia de homicídio doloso e fraude processual contra Anna Carolina e Alexandre e no dia 07 de maio o juiz aceitou e decretou prisão, eles estavam soltos devido o habeas corpus.
O julgamento ocorreu entre os dias 22 a 26 de março de 2010, atraindo uma multidão ao fórum, não houve a confissão dos réus ou testemunhas, o júri popular aceitou a tese em que a madrasta asfixiou Isabella Nardoni e o pai a atirou do sexto andar ainda com vida, sendo assim Anna Carolina Jatobá foi condenada a 26 anos e 8 meses, e Alexandre Nardoni 31 anos, 1 mês e 10 dias.
O avô de Isabella, Antônio Nardoni, em 16 de dezembro de 2014 foi denunciado por duas novas testemunhas que descreviam ter ouvido Anna Carolina Jatobá dialogar na prisão de Tremembé, São Paulo, em que ela assumiria ter agredido a garota no carro e após uma série de agressões teria ficado inerte no apartamento, o casal supôs que a criança já estava morta e fez uma ligação para o pai de Alexandre que sugeriu que os dois simulassem um acidente. O Ministério Público pediu para o Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa que investigasse as novas denúncias.
As informações acima foram divulgadas pelo programa da Rede Globo, Fantástico, em dezembro de 2014. Na reportagem, uma das testemunhas falou com exclusividade que havia ocorrido mesmo o fato de Anna Carolina ter citado que o avô era participante do crime. Os advogados da família Nardoni conversaram com Anna Carolina e ela negou ter dito algo sobre o sogro e insiste em dizer que ela e o marido são inocentes.
Em 28 de março de 2016, completando 8 anos da data do crime, os advogados da defesa entre eles Roberto Podval fizeram um pedido ao Supremo Tribunal Federal (STF) de um novo julgamento, alegando que o casal Nardoni já havia sido condenado pela mídia e opinião pública antes mesmo de ter sido julgado. O advogado citado ainda acrescentou que a defesa aspira à inclusão de um parecer técnico e de uma animação que foi feita em 2013 por um perito norte-americano chamado James Hahn, diretor do Instituto de Engenharia Biomédica da Universidade de George Washington. O laudo apresentava que as marcas no pescoço de Isabella não tinha marca de nenhum polegar, e logo as marcas não seriam mãos humanas.
Ainda sem desfecho, o caso volta a veicular pela mídia. O Jornal Nacional, transmitido pela Rede Globo, em agosto de 2013 reproduziu entrevistas com os advogados da defesa, o promotor e a perita que coordenou os laudos produzidos pela Superintendência da Polícia Técnico-Científica.
Os advogados afirmaram que com o novo laudo do norte-americano eles voltariam a estaca a zero de provas contra o casal e ainda que reiteraram que a condenação gira em torno de um fato que decai por não ser mãos humanas as marcas no pescoço da criança. O promotor relatou que o casal empregou um meio cruel para impossibilitar a defesa da menina, que a madrasta agrediu e esganou e o pai a jogou pela janela de casa, afirmou também que o laudo é fraco por ter sido feito 5 anos depois do crime e sem análise do corpo e que as investigações no Brasil não deixam dúvidas de que o pai e a madrasta são culpados. A perita também criticou o laudo americano, destacando que nem sempre pode-se detectar todos os dedos devido a existência do movimento da vitima e do agressor, sendo assim muito relativo.
Portanto, como detalhado na narrativa sobre o caso e os acontecimentos percebe-se que o crime teve ampla divulgação para os brasileiros, sendo inserido pela mídia como um entretenimento, sem a preocupação com o direito em si, e este cenário ocupou as manchetes por um longo tempo, e após análises surge a dúvida de como teria sido esse julgamento se a mídia não estivesse inflamado como o fez.
2. O PERFIL FILICIDA
Descrevendo o termo filicídio podemos dizer que este é um homicídio especializado em que o sujeito ativo pode ser a mãe ou o pai, ou os dois, e o sujeito passivo é o próprio filho. A conduta descrita é socialmente abominável, ocorrendo assim tentativas de explicação do motivo e por qual influência os pais se encontram para cometer este delito. O delito já acontecia antes de sua denominação que só chegou a acontecer na década de 70, antes era enquadrado apenas em infanticídio ou homicídio.
O filicídio pode não ocorrer instantaneamente, existindo assim uma sequência de fatos até o acontecimento, não sendo uma regra, porém pode-se imaginar como exemplo da seguinte forma: negligência, agressões e por fim a morte. Além disso, a vítima pode ser um recém-nascido, estar no primeiro ano de vida, ser uma criança pequena, ou até mesmo adolescentes e adultos, alguns autores inclusive determinam nomes aos criminosos relacionados a idade da vítima.
Quando se trata de caracterizar o(a) autor(a), o filicídio é ainda é um crime difícil de se identificar principalmente por ocorrer na maioria das vezes dentro da própria casa da vítima, mas ainda assim é importante traçar para possivelmente evitar uma morte. Históricos familiares como irresponsabilidade afetiva que afetou possivelmente o(a) autor(a), relação abusiva de parentesco com a vítima, abuso de substâncias, funcionamento psicológico, história criminal, e até mesmo um gene egoísta, são fatores que possivelmente desenham o(a) filicida.
A motivação deste crime se deve tanto pelo perfil da vítima que pode apresentar uma das alternativas citadas no parágrafo acima, quanto por outros fatores como: retaliação, que é quando matam para punir outra pessoa; os filhos indesejados; os que possuem má formação; os que são sacrificados por questões financeiras; e ainda os pais que não aceitam determinada sexualidade dos filhos.
Já quando se analisa a forma com que o filicida se utiliza para consumar o crime, há diferença entre os pais não biológicos e os biológicos. Os que não são progenitores cometem mais do que são por espancamento, que revela assim sentimentos de raiva e ressentimento. Já os progenitores tem tendência a usar as formas menos dolorosas e mais rápidas, como por exemplo, a utilização de armas (FREIRE;FIGUEIREDO, 2006).[2]
A discussão sobre o filicídio é importante, visto que o diagnóstico precoce e a implementação de medidas terapêuticas adequadas em alguns casos, salvam vidas e podem minimizar o índice de violência.
O filicídio deve ser tratado, porém o tratamento é um tabu. A negação predomina os pacientes quando são tratados pelos famosos “doentes das emoções”. Visto que, o filicídio mexe com emoções primitivas do ser humano, e sendo assim, é um tratamento doloroso. Quando há a comunicação sobre, a mente do doente se aflora sobre o assunto trazendo consigo uma possível solidão (DAMETTO, 2013) [3].
3. MENSURANDO A INFLUÊNCIA MIDIÁTICA
O sistema normativo jurídico resguarda o direito de informação e manifestações de opiniões. A liberdade também é prevista no artigo 5o da Constituição Federal. Em relação à divulgação de informações, podemos averiguar que antes de ser um direito coletivo, é individual, pois deve existir uma liberdade de manifestação dos pensamentos, assim quando há o direito de informação deve ser o conjunto do individual com o coletivo (GODOY, 2008) [4].
A mídia utilizando dessa proteção acaba divulgando noticias contendo sensacionalismos sobre o Direito Penal, despertando assim a curiosidade nas pessoas. A persuasão transmitida pelos veículos de comunicação faz surgir dentro de cada indivíduo o sentimento de ser um julgador, e assim recaindo sobre o senso comum, alguns direitos e princípios fundamentais dos acusados são esquecidos. Pode-se analisar também a existência de sentimentos como consequência da influência do universo da mídia em seus telespectadores, chamado de populismo penal, ou seja, o desejo e a vingança de querer fazer justiça e de querer maior ação punitiva do estado.
Como forma de manipulação, a mídia possui padrões em seus discursos. Entre eles, podemos perceber: criação de desvios, onde o público pode não notar aspectos importantes quando houver uma imensidão de outros textos menores e de menor importância; exagerar no problema, que causa atenção e discussão sobre; mostrar as informações gradualmente; linguagens e entonações suaves; utilizações de verbos no imperativo; utilizar mais os estímulos de sentimentos e menos os de reflexões.
As formas de noticiar como já dito traz o clamor público, que por muitas vezes, se confunde. A exploração midiática dos fatos, acaba expondo mais do que deveria, deixando o Direito Penal desprotegido de certa forma, isto é, algumas informações não deveriam vir a público (LOPES JR, 2011) [5].
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Diante do exposto, foi feita uma pesquisa online em que foi perguntada para 100 pessoas a opinião sobre o tema do presente artigo. O questionário apresentavam cinco questões de múltipla escolha obrigatórias e uma questão facultativa aberta.
Logo na primeira pergunta o indivíduo deveria responder qual a primeira ação que ele tem quando a mídia noticia um caso de filicídio havendo três possíveis respostas, sejam elas: alternativa a, procurar saber o que aconteceu por outras fontes; alternativa b, já condena os réus e pede por justiça; e alternativa c, reproduz algum sentimento ruim como ódio do acontecido. A primeira alternativa obteve 33%, a segunda 29% e a terceira 38%, ou seja, a primeira impressão que passa na maioria das vezes sobre um crime de filicídio é despertar algum sentimento ruim que pode ser uma motivação.
A segunda era se o questionado se sente influenciado pela mídia, 66% respondeu que sim e 34% respondeu que não. A terceira se já assistiu um caso de filicídio que foi noticiado pela mídia e 14% respondeu que não, 34% respondeu que sim e pensou na possibilidade do acusado não ser culpado e 52% respondeu que sim e não duvidou que seria possível que o réu não fosse culpado. A quarta tratava de que se o perguntado fosse o juiz do caso como ele se informaria, 47% respondeu só dados do processo, 46% dados do processo e notícias que vinculam sobre e 7% respondeu apenas notícias que vinculam sobre.
Na quinta era questionado se o perguntado acredita que a forma como a mídia noticia esses casos as pessoas se motivam a condenar o suspeito, 100% respondeu que sim e 0% respondeu que não.
Por último, a sexta pergunta era facultativa e perguntava o que mais causava impacto quando tomava ciência de um caso de filicídio, algumas respostas foram: a crueldade, a frieza, a capacidade, a falta de humanidade e a motivação que os autores do crime tiveram ao cometê-lo. Definindo o que já era demonstrado pela literatura, o crime em si de filicídio choca a sociedade.
5. CONTEXTO JURÍDICO
Na presente pesquisa, é abordado o Filicídio e este é tratado um homicídio doloso, onde há intenção de matar, ou como infanticídio para alguns autores. O homicídio é previsto no artigo 121, §3° do Código Penal e o infanticídio é previsto no artigo 123 do Código Penal, são crimes contra a vida, sendo estes assim julgados por Júri Popular. Quando o julgamento é feito por júri no sistema jurídico brasileiro dizemos que há um julgamento por colegiado, já que não será apenas feito por um juiz singular, e sim por sete jurados.
O filicídio a ser classificado como homicídio doloso é julgado no Brasil através de um Tribunal do Júri. O tribunal do Júri é composto por um juiz presidente e um conselho de sentença, os jurados que são cidadãos prestam serviço obrigatório e não remunerado, não se exigindo também qualquer conhecimento técnico-jurídico. A soberania dos veredictos é assegurada pela Constituição da República de 1988. São eles que decidem sobre a condenação ou absolvição de quem pratica um crime doloso contra a vida.
Quando há a ocorrência de um júri, as pessoas procuram enxergar como uma batalha, onde existe lado vitorioso e lado perdedor, podendo assim ocorrer diversos acontecimentos nesse meio que impossibilitam o julgamento ideal para cada caso. Embora a mídia exerça um papel de suma importância, quando se trata de decisões proferidas por jurados, pode afetar o sistema de forma negativa como: para o acusado, é perceptível que é colocado pela mídia como condenado, ou seja, temos aí uma quebra do princípio da presunção da inocência; para a família do acusado, a exposição; para a família da vítima, já teve a perda de alguém; para a sociedade, a alienação e o medo da criminalidade; e para o estado, a falha da proteção ao bem jurídico mais importante que é a vida. E durante todo o processo do Júri, as pessoas conseguem acompanhar sendo até capazes de comparecer ao local, o que é muito comum em casos de comoção social.
CONCLUSÃO
No Brasil pode ser facilmente observado que ainda nos dias de hoje existe um alto nível de analfabetismo e muita desigualdade social. A falta de informação e de estudo são adversidades que contribuem de maneira significativa para que os veículos midiáticos sejam usados como fonte de formação de opiniões, por isso é importante ressaltar a responsabilidade sobre a veracidade das informações para que assim os valores e os bens constitucionais sejam protegidos. Deve se obter menos entretenimento que buscam apenas o lucro fácil e mais a formação do senso crítico nas pessoas.
É de suma importância que a relação das mídias e o direito de liberdade ao se expressar sejam conduzidos de forma com que não vá contra o mundo jurídico. O universo da mídia inserido no Direito Penal altera não somente os textos de lei, mas também endurecem penas, e fere princípios como princípio da presunção de inocência e o princípio da intervenção mínima, é possível observar que a mídia detém grande poder de convencimento sobre as pessoas.
Através da pesquisa realizada é perceptível que o modo como a notícia disseminada forma opiniões e constrói verdades que afetam não só o individual, mas o coletivo.
A censura da mídia não é de forma alguma solução, e também não é defendido o afastamento do Tribunal do Júri, pois a participação dos jurados é essência para o instituto. Deve existir responsabilidade de veiculação de notícias, uma vez que quando houver essa preocupação as pessoas serão melhores informadas e os acontecimentos serão mais justos. Uma possível solução seria que informações em casos que gerem clamor público deveriam ser divulgadas apenas após o julgamento do caso.
REFERÊNCIAS
DAMETTO, Carmem. Filicídio: considerações sobre o narcisismo. Rio de Janeiro:
KBR, 2013.
FREIRE, Ana Cristina; FIGUEIREDO, Bárbara. Filicídio: Incidência e factores associados. Scielo. Disponível em: <http://www.scielo.mec.pt/pdf/aps/v24n4/v24n4a01.pdf>. Acesso em: 11 mai 2020.
GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A Liberdade de Imprensa e os Direitos da
Personalidade. 3a Ed. São Paulo: Atlas S.A., 2008.
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
PAGNAN, Rogério. O pior dos crimes: A história do assassinato de Isabella Nardoni. 1. ed. Rio de Janeiro, São Paulo: Editora Record, 2018.
Veja a cronologia do caso Isabella. G1, São Paulo, 23 set. de 2009. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/SaoPaulo/0,,MUL386739-5605,00-VEJA+A+CRONOLOGIA+DO+CASO+ISABELLA.html>. Acesso em: 10 ago. de 2020.
[1] Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pela Universidade Candido Mendes – UCAM. Professor de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins. E-mail: [email protected]
[2] FREIRE, Ana Cristina; FIGUEIREDO, Bárbara. Filicídio: Incidência e factores associados. Scielo. Disponível em: <http://www.scielo.mec.pt/pdf/aps/v24n4/v24n4a01.pdf>. Acesso em: 11 mai 2020.
[3] DAMETTO, Carmem. Filicídio: considerações sobre o narcisismo. Rio de Janeiro:
KBR, 2013.
[4] GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A Liberdade de Imprensa e os Direitos da
Personalidade. 3a Ed. São Paulo: Atlas S.A., 2008.
[5] LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Católica do Tocantins
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRITO, Marina Giansante Rêgo. A influência das mídias sobre as sentenças de filicídio no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 nov 2020, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55674/a-influncia-das-mdias-sobre-as-sentenas-de-filicdio-no-brasil. Acesso em: 22 nov 2024.
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