VALDIRENE CÁSSIA DA SILVA[1]
WELLINGTON GOMES MIRANDA[2]
(orientadores)
RESUMO: A pequena propriedade rural familiar possui o respaldo legal da impenhorabilidade, em se tratar de propriedade, de até quatro módulos fiscais e seja local de moradia e subsistência da família. A presente proteção visa garantir que mesmo em casos de dificuldade financeira possam ter respaldado o mínimo de qualidade de vida em sua casa, porém para que pequena propriedade rural esteja respaldada pela legislação ela deve atender a função social da propriedade sendo o disposto no artigo 170 da Constituição Federal, devendo a propriedade devidamente utilizada de forma racional e adequada, visando o bem-estar da família ali residente e produtora, sendo o local de moradia e subsistência da família. Necessário se faz destacar que ao analisar os julgados dos Tribunais Superiores os mesmos têm se atentado a aplicar de fato o que o que está disposto em Lei, concedendo a garantia de direitos aos que os tem.
PALAVRAS CHAVES: Pequena propriedade rural; Subsistência; Função Social.
ABSTRACT: The small family-owned rural property has the legal support of being unenforceable, in the case of ownership, of up to four fiscal modules and is a place of residence and subsistence for the family. The present protection aims to ensure that even in cases of financial difficulty they may have supported the minimum quality of life in their home, but for a small rural property to be backed by legislation, it must meet the social function of the property, as provided in article 170 of the Federal Constitution, and the property should be duly used in a rational and appropriate manner, aiming at the well-being of the family resident and producing there, being the place of residence and subsistence of the family. It is necessary to emphasize that when analyzing the judgments of the Superior Courts, they have attempted to actually apply what is provided for in Law, granting the guarantee of rights to those who have them.
KEYWORD: Small rural property; Subsistence; Social role
SUMÁRIO: Introdução;1. Propriedade; 1.1 Evolução e Conceito da Propriedade na Legislação Brasileira; 1.2 Princípios do Direito Agrário Aplicáveis a Propriedade; 1.2.1 Princípio da Função Social da Propriedade; 1.2.2 Princípio do Progresso Socioeconômico; 2. Pequena Propriedade Rural e Sua Proteção; 2.1 Pequena Propriedade Rural e o Bem de Família; 2.2 Garantia da Impenhorabilidade da Pequena Propriedade Rural; 2.3 Do direito Corretamente Aplicado; Considerações Finais.
INTRODUÇÃO
De início, importante destacar que a pequena propriedade rural tem função primordial para a sobrevivência das famílias que retiram seu sustento da agricultura e, ainda, muitas delas abastecem o mercado interno do país, o que beneficia outras famílias. O objetivo buscado no presente trabalho é demonstrar de forma clara e de fácil compreensão aos leitores, o porquê da outorga aos pequenos produtores rurais a impenhorabilidade de sua pequena propriedade rural, desde que atendidos dois requisitos estabelecidos pela lei, construção doutrinária e precedente dos Tribunais Superiores.
Dentre as garantias constitucionais que resguarda a impenhorabilidade da pequena propriedade rural e a mais valiosa de todos, é o princípio da dignidade da pessoa humana, que tem como escopo garantir as condições mínimas de sobrevivência para o ser humano, dentre elas: alimentação, saúde, educação e moradia. A pequena propriedade rural, para que receba o amparo legal de impenhorabilidade, deve estar atrelada a dois requisitos basilares, que são: “a definição de pequena propriedade rural” e “desde que trabalhada pela família”, pois visa dar subsídios para que as famílias do campo permaneçam em atividade produtiva de subsistência.
A impenhorabilidade da pequena propriedade rural é garantia constitucional pouco conhecida pelos produtores rurais que laboram juntamente com a família como meio de sobrevivência, sendo que a maioria não possui conhecimento sobre seus direitos e acabam entregando suas propriedades para as grandes empresas ou bancos.
Importante destacar que a Constituição Federal de 1988 introduziu no seu texto o artigo 5º inciso XXVI a impenhorabilidade da pequena propriedade rural, definida em lei, trabalhada pela família a sua impenhorabilidade como direitos e garantias fundamentais. Tais direitos e garantias fundamentais visam dar efetividade ao princípio da dignidade da pessoa humana daqueles que laboram no campo para obter subsistência própria e de sua família e de manter o patrimônio mínimo. Para fins de aplicação da impenhorabilidade da pequena propriedade rural é necessário destacar que a lei impõe outro requisito que é a limitação de até 4 (quatro) módulos rurais de cada região, independentemente se forem áreas continuas.
1 DA PROPRIEDADE
Para melhor e de fato compreender quais são as garantias e direitos que a propriedade possui, é necessária uma análise geral, principalmente, tendo em vista as várias transformações sofridas ao longo do tempo e evolução da legislação.
Antes de adentrar em qualquer tema abordado em pesquisas, é de suma importância conhecer a origem histórica, principalmente quando toda a construção legal e doutrinária tem como princípios basilares os direitos e garantias individuais, atrelados ao contexto social da época.
No Brasil, o direito a propriedade passou a ter amparo legal na Constituição Federal de 1988, mais precisamente em seu artigo 5º, inciso XXIII, previsto como direitos e garantias fundamentais do indivíduo. Mais adiante, o texto constitucional cuidou de dar obrigações a esse direito, passando a regulamentar a destinação da propriedade rural como política agrícola e fundiária e reforma agrária, conforme rezam os artigos 184 a 191.
A origem mais remota sobre a propriedade, como registram doutos doutrinadores, segundo (MARQUES, 2015 p.36) foi o filósofo grego Aristóteles, que assim entendia:
[...] que aos bens se devia dar uma destinação social, para o que, a seu pensar, seria necessária a apropriação pessoal. Esta justificaria aquela, vale dizer, o homem tinha o direito de possuir bens e deles retirar a sua própria manutenção, mas também deveria satisfazer os outros
Tal posicionamento do filósofo somente ganhou força com a valorosa pregação da Igreja Católica, tendo como propulsor Santo Tómas de Aquino, com a sua “Summa Theológica”, que passou então a disseminar o sentido de bem como. “Para ele, o homem tinha o direito natural de adquirir bens materiais, até para manter a própria sobrevivência. Mas não podia abstrair o dever do “bem comum””. (MARQUES, 2015, p.37)
A partir disso, o estudioso e professor francês Duguit, calcado nos posicionamentos positivista de Comte, despiu o caráter subjetivista sobre o direito de propriedade, passando a conceitua-la como uma função social, em si. Em continuidade ao contexto histórico, leciona o doutrinador Benedito Ferreira Marques (2015, p.36):
Para o grande jurista francês, que era Professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito de Bordéus, na França, a propriedade não era um direito subjetivo, mas a subordinação da utilidade de um bem a um determinado fim, conforme do direito objetivo. O grande impulso da doutrina da função social, portanto, deveu-se a Duguit, a partir de vigorosa palestra que proferiu, em 1911, na Faculdade de Direito de Buenos Aires, na Argentina.
Com a evolução da sociedade europeia, a propriedade ganhou caráter absoluto no Código de Napoleão, que entrou em vigor em 21 de março de 1804, o qual influenciou inclusive o antigo Código Civil de nosso país. Atualmente, pelo Código Civil Brasileiro, o art. 1228[3] e seus parágrafos, definem os direitos do proprietário sobre o imóvel, bem como o exercício do direito de propriedade previamente estabelecidas.
Podemos conceituar a propriedade, valendo-nos do art. 1.228 do CC, como um direito complexo decorrente de uma garantia fundamental do homem, assegurando ao seu titular o poder de usar, fruir e dispor da coisa, podendo, ainda, reavê-la de quem quer que injustamente a possua ou tenha, em consonância e nos limites da função econômica e social. (KUMPEL, 2008, p. 79)
No Brasil, a concepção de função social da propriedade não é recente, vindo desde a época das Sesmarias, no período colonial, que já se preocupavam com o cumprimento da função social, na qual inseria cultivar a terra e dar-lhe sentido de proveito econômico para a família e para a sociedade. Em 1964, pelo Estatuto da Terra, o acesso à propriedade da terra foi condicionado a sua função social, na forma prevista no art. 2º, simultaneamente.
Doutrinariamente, Rosalina Pinto da Costa Rodrigues Pereira (apud MARQUES, 2015, p.41) pontua os requisitos necessários para a configuração da função social da terra, sendo eles: “(a) econômica; (b) social; e (c) ecológica. A primeira refere-se ao requisito da “produtividade”, ou seja, aproveitamento racional e adequado, já analisado. É o único que a Lei nº 8.629/93 exige para a identificação da “Propriedade Produtiva” (art. 6º). A segunda abraça, a um só tempo, dois requisitos: a observância das disposições que regulam as relações de trabalho e o favorecimento do bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores rurais. A terceira cuida dos requisitos relativos à utilização dos recursos naturais e à preservação do meio ambiente”.
1.1 Evolução e Conceito da Propriedade na Legislação Brasileira
A partir do descobrimento do Brasil até o primeiro Código Civil Brasileiro, que se deu em 1916, as leis que vigoravam no país eram as ordenações do reino, por isso diversos costumes de Portugal foram incorporados na colônia e adaptados à realidade da mesma.
A primeira constituição brasileira em que expressamente legislava sobre a propriedade foi a 1824, que instituiu a plenitude da inviolabilidade da propriedade, com exceção quando da necessidade do Ente Público, mediante prévia indenização.
A presente Constituição garantiu como um todo a plenitude do direito à propriedade, nos mesmos moldes da Declaração dos Direitos do Homem em 1789 e do Código de Napoleão (CAVEDON, 2003)
Já na Constituição de 1891 em seu artigo 72 garantiu o direito à propriedade com traços do individualismo:
Art 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
§ 17 - O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salva a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia. As minas pertencem aos proprietários do solo, salvas as limitações que forem estabelecidas por lei a bem da exploração deste ramo de indústria.
O legislador visou garantir que a plenitude do direito à propriedade e utilização por parte do seu proprietário, deixando espaço para intervenção do Ente Público, caso necessário.
Com a promulgação da Constituição de 1934 surgiu e reconheceu o direito individual da propriedade, mas ao mesmo tempo exigiu que o direito coletivo sobreponha ao direito individual. Já a Constituição Federal de 1937 não teve nenhuma alteração do direito à propriedade no ponto de vista social (CHEMERIS, 2003, p. 59).
Em caminho contrário a Constituição de 1937, a de 1946 em seu artigo 147 estabeleceu que:
Art 147 - O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos (BRASIL, 1937).
A maior inovação da presente Constituição foi de estabelecer a desapropriação para atender ao interesse social, e garantir a justa distribuição e igual oportunidade ao acesso a propriedade.
Já a Constituição de 1967 promulgada no regime militar, elevou a função social da mesma, mas como incentivo para que o proprietário a utilizasse de forma mais proveitosa possível para ele e para a sociedade (WALD, p. 104)
Por fim a Constituição de 1988 preconiza o direito à propriedade, garantindo expressamente que a função social deve ser exercida fielmente, principalmente no exposto dos artigos 5º e 170º
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXII - é garantido o direito de propriedade;
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;
XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano;
XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento;
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
[...]
III - função social da propriedade; (BRASIL, 1988).
A partir de então a propriedade está amparada como direito fundamental, desde que a mesma cumpra a sua função social, por essa razão de ser de tutela e garantia da propriedade privada.
Segundo FIUZA, FREIRE DE SÁ, NAVES (2009, p.455) “a ordem constitucional jurídica reconheceu o exercício da propriedade no interesse do titular e também no interesse coletivo da sociedade, afastando-se da visão individualista e patrimonialista”.
Faz-se interessante notar que a Constituição reservou à função social da propriedade a natureza de princípio próprio e autônomo, criando um parâmetro interpretativo do ordenamento jurídico, completa CHEMERIS:
No sistema jurídico contemporâneo, a propriedade resta positivada entre os direitos e garantias do cidadão, enquanto princípio jurídico de garantia de propriedade privada, e se relativiza diretamente por outro princípio jurídico, igualmente positivado, que é o da sua função social (2003, p. 61).
Como se vê, ainda que de forma singela à época, o direito à propriedade sempre esteve atrelado a desempenhar sua função social para a sobrevivência do ser humano, contudo, veio ganhando total relevância na sociedade civil após a promulgação da Constituição Federal da República de 1988.
1.2 Princípios do Direito Agrário Aplicáveis a Propriedade
1.2.1 Princípio da Função Social da Propriedade
O primeiro princípio a ser destacado é o princípio da função social da propriedade, constante na Constituição Federal de 1988 no art. 5º, XXIII e também no art. 186) assegura o direito à propriedade desde que a propriedade cumpra a sua função social.
Ressalta-se que em um primeiro momento da história as terras não eram propriedade individual, segunda explana Carvalho, Fidelis e Maciel (2018), mas sim para sua exploração e produção, a ideia de usar e gozar da propriedade em desfavor do interesse social é considerado recente na história, de certa forma uma base para o capitalismo, explicado por Dávila:
Assim, serviu o desenvolvimento do princípio da função social da propriedade a dois propósitos distintos e aparentemente contraditórios, quais sejam, criticar o caráter absolutista da propriedade, e reafirmá-la enquanto direito, tornando possível a sua sustentação num mundo que em os bens, ainda que privados, devem apresentar alguma utilidade social (apud apud Carvalho, Fideles e Maciel (2018, p. 40)
Vale destacar o que já foi mencionado anteriormente as Constituições brasileiras já asseguravam o direito de propriedade, mas em sua plenitude, apenas na Constituição de 1934 que esse direito passou a ter a necessidade de ter o exercício do interesse social e coletivo.
Porém de fato, segundo Carvalho, Fideles e Maciel:
Foi, contudo, com o Estatuto de Terra (Lei nº 4.504/64) que o princípio da função social da propriedade foi efetivamente instituído na legislação brasileira, nos termos do seu art. 2º. Assegurou o Estatuto a oportunidade a todos de acesso à propriedade da terra, que seria condicionada pela sua função social, cujo desempenho se daria quando a propriedade simultaneamente: a) favorecer o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias; b) manter níveis satisfatórios de produtividade; c) assegurar a conservação dos recursos naturais; e d) observar as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que possuem e a cultivam (2018, p. 41, grifo do autor).
Em determinadas situações tem sido confundido o direito a função social com a defesa do meio ambiente, considerando o aspecto público da terra, porém as duas são cumulativas e não apenas atender a função social em razão da defesa ao meio ambiente nela contido.
Quando o proprietário não utilizado que não promova o seu adequado aproveitamento, segundo o artigo 186º da Constituição Federal de 1988 estará sob pena de aplicação de três sanções:
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. (BRASIL, 1988)
Como é possível observar o Legislador primou para o cumprimento da função social da propriedade, tornando esse um direito fundamental.
A função social da propriedade rural tem o caráter econômico e ambiental do uso da terra, primando para o bem-estar social, segundo o artigo 2º, §1º do Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64) e o artigo acima citado da Constituição Federal.
Portanto, a existência de um sujeito detentor de diretos também passa a ser detentor de deveres, assim não existe a possibilidade de considerar o princípio da função social da propriedade e não considerar a propriedade privada, como sendo detentora de direitos e deveres.
Não é possível deixar de reconhecer que a função social da propriedade é um princípio basilar no que tange a esse tema, pois garante que os seus proprietários de fato exerçam os seus direitos sem se afastar do cumprimento de seus deveres.
1.2.2 Princípio do Progresso Socioeconômico
O objetivo primordial do direito agrário é o crescimento e progresso econômico em si, o crescimento das produções e vendas do que produz, objetivando o enriquecimento da comunidade rural.
Conforme Carvalho, Fideles e Maciel expõe que “que a finalidade da política de reforma agrária é promover a melhor distribuição de terra, de modo a atender aos princípios da justiça social e ao aumento da produtividade (2018, p. 45).”
É possível atentar que o direito agrário em si visa o crescimento econômico e distribuição de oportunidade a todos os que tem esse intuito.
1.2.3 Princípio da Proteção à propriedade ou posse rural familiar
O presente princípio tem por intuito garantir a proteção do proprietário que cultive na terra, esse princípio está presente no parágrafo 3º do artigo 2º do Estatuto da Terra, que diz:
Art. 2° É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta Lei.
[...]
§ 3º A todo agricultor assiste o direito de permanecer na terra que cultive, dentro dos termos e limitações desta Lei, observadas sempre que for o caso, as normas dos contratos de trabalho. (BRASIL, 1964).
Além do acima citado está presente na Constituição Federal de 1988, que garante ao proprietário que trabalha na terra e possui sua subsistência por meio dela não terá sua propriedade como objeto de penhora para quitação de débitos, mas que a Lei deverá dispor meios para pagamentos dos débitos, como financiamentos especiais, dentre outras condições (Carvalho, Fideles e Maciel, 2018).
2 Pequena Propriedade Rural e Sua Proteção
Aprofundando um pouco mais sobre o tema proposto, se faz necessário consignar a definição de pequena propriedade rural na legislação brasileira e seu conceito doutrinário.
Em 1964, com a promulgação do então Estatuto da Terra, preocupou-se em definir o que é imóvel rural, o que prescreve o art. 4º - Para os efeitos desta lei, definem-se: I – Imóvel rural, o prédio rústico, de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine a exploração extrativa agrícola, pecuária ou agroindustrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através da iniciativa privada.
O Estatuto da Terra previu também a classificação do imóvel rural como: propriedade familiar, minifúndio, latifúndio e empresa rural, os quais estão descritos nos incisos II, IV, V e VI. Vejamos:
[...]
II - "Propriedade Familiar", o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros;
IV - "Minifúndio", o imóvel rural de área e possibilidades inferiores às da propriedade familiar;
V - "Latifúndio", o imóvel rural que:
a) exceda a dimensão máxima fixada na forma do artigo 46, § 1°, alínea b, desta Lei, tendo-se em vista as condições ecológicas, sistemas agrícolas regionais e o fim a que se destine;
b) não excedendo o limite referido na alínea anterior, e tendo área igual ou superior à dimensão do módulo de propriedade rural, seja mantido inexplorado em relação às possibilidades físicas, econômicas e sociais do meio, com fins especulativos, ou seja, deficiente ou inadequadamente explorado, de modo a vedar-lhe a inclusão no conceito de empresa rural;
VI - "Empresa Rural" é o empreendimento de pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que explore econômica e racionalmente imóvel rural, dentro de condição de rendimento econômico ...Vetado... da região em que se situe e que explore área mínima agricultável do imóvel segundo padrões fixados, pública e previamente, pelo Poder Executivo. Para esse fim, equiparam-se às áreas cultivadas, as pastagens, as matas naturais e artificiais e as áreas ocupadas com benfeitorias; (BRASIL, Estatuto da Terra, 1964)
Embora o artigo 4º tenha se encarregado de estabelecer o que é propriedade familiar em seu inciso II, não definiu o que seria módulo rural, apenas se resumindo a conceituar da seguinte forma: III – Módulo Rural, a área fixada nos termos do inciso anterior. Logo, remete-se ao inciso II, no qual menciona a sobrevivência, o progresso social e econômico, com área máxima definida para tipo de exploração e região.
No intuito de regulamentar o inciso III do art. 4º, do Estatuto da Terra, editou-se o Decreto 55.891, de 31 de março de 1965, que estabelece a finalidade do módulo rural, sem, contudo, fixar-lhe a unidade de medida exata em termos de extensão territorial. Vejamos:
Art. 11. O módulo rural, definido no inciso III do art. 4o, do Estatuto da Terra, tem como finalidade primordial estabelecer uma unidade de medida que exprima a interdependência entre a dimensão, a situação geográfica dos imóveis rurais e a forma e condições do seu aproveitamento econômico (BRASIL, Decreto nº 55.891, Estatuto da Terra, 1965).
Com o advento da Constituição Federal de 1988, foram introduzidas outras 03 (três) categorias no ordenamento jurídico, que são elas: pequena propriedade, média propriedade e propriedade produtiva, que posteriormente, foram regulamentadas pela Lei 8.629 de 1993.
A Lei regente nº 8.629 promulgada em 1993, que dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal, ao definir a pequena propriedade rural, limitou-a entre 01(um) a 04 (quatro) módulos fiscais.
Considerando que a referida Lei já estava ultrapassada, pois decorridos aproximadamente 14 (quatorze) anos, houve a necessidade de alterar alguns dispositivos da Lei 8.629/93, assim como, várias outras normas jurídicas infraconstitucionais.
Para isso foi promulgada a Lei nº 13.465 de 11 de julho de 2017, que dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana entre outras medidas importantes para instituir mecanismos mais céleres e eficientes para alavancar e subsidiar a agricultura brasileira, em especial as pequenas propriedades rurais que destinam suas terras ao grupo familiar como meio de sobrevivência socioeconômica.
Assim, o art. 4º, inciso II, “a”, ganhou nova roupagem na definição de pequena propriedade rural, passando a limitá-la em até 04 (quatro) módulos fiscais, respeitada a fração mínima de parcelamento.[4]
Importante destacar que, o Estatuto da Terra de 1964, utiliza-se da definição “módulo rural”, ao passo que, a Lei regulamentadora nomina de “módulo fiscal”, o que não se pode confundir.
Segundo o magistério de LARANJEIRA, (1984, p.36) tem-se:
O módulo é uma medida de área, diretamente afeita à eficácia desta, no meio rurígena. A sua finalidade precípua está em evitar a existência de glebas cujo tamanho, em regra, não se ache suscetível de render o suficiente para o progresso econômico-social do agricultor brasileiro.
Embora similitude entre as duas definições estabelecidas pelas Leis vigentes, é de fundamental importância entender a diferença entre módulo rural e módulo fiscal, pois é ela que confere a proteção constitucional de impenhorabilidade da pequena propriedade rural.
Tem-se por módulo rural a menor parcela de fracionamento do solo rural, levando-se em consideração critérios objetivos que permitiriam ao trabalhador dali extrair o seu sustento e de sua família, levando em consideração a produtividade e os custos de produção de cada região do país.
Por sua vez o módulo fiscal veio definido sua aferição através do Decreto nº 84685, de 06.05.1980, em seu artigo 4º, com observância dos seguintes requisitos:
Art. 4º - O módulo fiscal de cada Município, expresso em hectares, será fixado pelo INCRA, através de Instrução Especial, levando-se em conta os seguintes fatores:
a) o tipo de exploração predominante no Município:
I - hortifrutigranjeira;
II - cultura permanente;
III - cultura temporária;
IV - pecuária;
V - florestal;
b) a renda obtida no tipo de exploração predominante;
c) outras explorações existentes no Município que, embora não predominantes, sejam expressivas em função da renda ou da área utilizada;
d) o conceito de "propriedade familiar" constante do art. 4º, item II, da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964.
§ 1º - Na determinação do módulo fiscal de cada Município, o INCRA aplicará metodologia, aprovada pelo Ministro da Agricultura, que considere os fatores estabelecidos neste artigo, utilizando-se dos dados constantes do Sistema Nacional de Cadastro Rural.
§ 2º - O modulo fiscal fixado na forma deste artigo, será revisto sempre que ocorrerem mudanças na estrutura produtiva, utilizando-se os dados atualizados do Sistema Nacional de Cadastro Rural.
Art. 5º - O número de módulos fiscais de cada imóvel rural será obtido dividindo-se sua área aproveitável total pelo módulo fiscal do Município.
Parágrafo único - No caso de imóvel rural situado em mais de um Município, o número de módulos fiscais será calculado com base no módulo fiscal estabelecido para o Município onde estiver cadastrado o imóvel, segundo critérios baseados para o cadastramento (BRASIL, Decreto nº 84.685, 1980).
Nota-se que ambas as leis deixaram a cargo do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) estabelecer a quantidade de área rural expressa em hectares, seja para fins socioeconômicos quanto para fins tributários, no caso, a incidência do ITR. A distinção é relevante entre módulo rural e módulo fiscal em razão da extensão de área rural para cada uma delas.
Entretanto, o objetivo único do estudo proposto é o enquadramento em módulo rural, para fins de auferir se a propriedade rural se trata de pequena propriedade rural e sua destinação atende a função social daqueles que laboram no campo juntamente com os demais integrantes do grupo familiar.
2.1. Pequena Propriedade Rural e o Bem de Família
Concomitantemente com o a pequena propriedade rural impenhorável está o bem de família, que diga-se de passagem pode ser definido como o local de proteção e residência de uma família, conforme explica Azevedo:
O bem de família é um meio de garantir um asilo à família, tornando-se o imóvel onde a mesma se instala domicílio impenhorável e inalienável, enquanto forem vivos os cônjuges e até que os filhos completem sua maioridade (2002, p. 93).
O bem de família nada mais é do que o local acolhedor da família, local que é o domicilio, podendo ser urbano ou rural, mas ambos totalmente protegidos pelo Estado.
O artigo 1º da Lei nº 8.009/90 estabelece que:
Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais e filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta Lei.
Parágrafo único: A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados. (BRAISL, 1990).
A presente lei visou garantir a proteção do imóvel familiar como um todo, compreendendo também as propriedades rurais familiares, visando garantir que mesmo em casos de dificuldade financeira possam ter respaldado o mínimo de qualidade de vida em sua casa.
O direito à moradia é um direito social e fundamental resguardado pela Constituição Federal e pela Lei de Impenhorabilidade, elucidado por MORAES:
Os direitos sociais caracterizam-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado social de direito, tendo como finalidade a melhoria das condições de vida dos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, que configura em dos fundamentos de nosso Estado democrático (2012, p. 09)
O direto à moradia resguarda a integridade familiar, de certa forma também ao direito à vida, a inviolabilidade do domicílio, intimidade, honra, vários outros direitos e garantias protegidos pela legislação.
2.2. Garantia da Impenhorabilidade da Pequena Propriedade Rural
Fato é que a pequena propriedade rural, em que uma família trabalha e reside, possui proteção especial pela legislação brasileira, com a finalidade de resguardar, pelo menos o direito à moradia e a subsistência de uma família.
A Constituição Federal em seu artigo 5º, XXVI, garante expressamente:
Art. 5º [...] a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento (BRASIL, 1988).
O pagamento dos débitos de uma propriedade rural familiar vem originar da produção que nela realizam, caso seja objeto de penhora, não existe a possibilidade dos membros da família arrumarem formas para seu crescimento e elevação financeira.
Ao que tange o disposto no Estatuto de Terras em seu artigo 4º, II, estabelece o seguinte:
No inc.II, consta: “Propriedade família”, o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros. (RIZZARDO,2015, p.601)
Observa-se que a proteção da propriedade rural familiar visa garantir o reestabelecimento da família, como forma de não haver empecilhos para que esse desenvolvimento ocorra.
O Código de Processo Civil em seu artigo 833 é expresso na proteção da penhorabilidade da pequena propriedade rural:
Art. 833. São impenhoráveis:
[...]
VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família (BRASIL, 2015);
A condição imposta pela Lei para visar a proteção da penhorabilidade está em que a mesma seja trabalhada pela família, ou seja, atenda a sua função social, conforme explica do doutrinador:
A proteção da pequena propriedade rural depende da condição de estar sendo trabalhada pela família. Não há a impenhorabilidade se alugada a propriedade, ou se não utilizada para a produção rural. Na eventualidade de incluída com outros imóveis no cultivo se limita ao equivalente da pequena propriedade, admitindo-se a penhora no restante do patrimônio (RIZZARDO, 2015, p. 603).
Assim sendo para que que a pequena propriedade rural esteja respaldada pela legislação ela deve atender a função social da propriedade sendo o disposto no artigo 170 da Constituição Federal, devendo a propriedade devidamente utilizada de forma racional e adequada, visando o bem-estar da família ali residente e produtora.
A Lei º 8.009/90, que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família, no §4º do artigo 2º estabelece que:
Art. 4º Não se beneficiará do disposto nesta lei aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da moradia antiga.
§ 2º Quando a residência familiar constituir-se em imóvel rural, a impenhorabilidade restringir-se-á à sede de moradia, com os respectivos bens móveis, e, nos casos do art. 5º, inciso XXVI, da Constituição, à área limitada como pequena propriedade rural. (BRASIL, 1990).
Assim sendo elucidado a proteção da residência familiar se dá a todos os bens que possuem na sede de moradia, bem como a área delimita como pequena propriedade rural, ou seja, até quatro módulos fiscais.
2.3. Do direito Corretamente Aplicado
Anteriormente foi destacado os requisitos legais para não haver a penhora de uma pequena propriedade rural familiar, quando, de fato uma família possui uma propriedade de até quatro módulos fiscais e a sua subsistência é proveniente da produção daquela propriedade, o proprietário e sua família possui a garantia de não haver penhora para quitação de débitos.
Mas quando a propriedade não se enquadra nos parâmetros, será bem analisado pelo julgador e aplicado o que é de fato necessário, como no entendimento do Tribuna de Justiça de Minas Gerais, não concedeu a impenhorabilidade da pequena propriedade rural, em razão da mesma não atender aos requisitos dispostos em Lei, conforme segue:
No caso em tela, não há nos autos qualquer prova no sentido de que o imóvel penhorado seja utilizado pelo apelado e por sua família como moradia, que seja ele pequeno produtor rural, tirando de referido imóvel sua sobrevivência, trabalhando em referida propriedade com esse fim.
O que os autos estão a demonstrar é exatamente o contrário. O apelado foi citado e intimado em Santa Luzia, na Av. Brasília, nº 3400 (fls. 53-v e 99-apenso), sendo que o bem objeto de constrição judicial se encontra no município de Resende Costa (fls. 83-apenso). Não comprovou ele que resida no imóvel em questão juntamente com sua família, não havendo nos autos qualquer indício neste sentido.
Na certidão cartorária de fls. 74 (apenso), o apelado é qualificado como administrador de empresas, o mesmo constando da petição inicial dos presentes embargos do devedor.
Na reportagem de fls. 34, o apelado é chamado de ‘empreendedor’ e ‘empresário’, atuando no ramo de piscinas.
Ou seja, o que os autos demonstram é que o apelado não se trata de pequeno produtor rural e nem reside no imóvel rural objeto de penhora, muito menos tira dele sua subsistência e de sua família sendo, na verdade, administrador de empresas (conforme ele próprio constou na peça de ingresso da presente ação de embargos do devedor).
Não tendo o apelado comprovado os requisitos para que se considere o imóvel em questão impenhorável, não se pode acolher a afirmação neste sentido, merecendo reforma a sentença que considerou insubsistente a penhora.
Logo não se há de falar em impenhorabilidade com base no art. 649, inciso X do CPC’” (fls. 77/78).
No caso em tela o julgador se baseou na legislação processual e requisitos constantes nela e também em todo conjunto comprobatório, ou seja, não é por sem uma pequena propriedade rural que já se tenha a garantia da impenhorabilidade, mas sim desde que seja produtiva, seja familiar e sua residência.
Nessa seara o Superior Tribunal de Justiça entende como:
RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. ALEGAÇÃO DE IMPENHORABILIDADE DE PEQUENA PROPRIEDADE RURAL, DEFINIDA EM LEI E TRABALHADA PELA ENTIDADE FAMILIAR, COM ESCOPO DE GARANTIR A SUA SUBSISTÊNCIA. REJEIÇÃO, PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS, SOB O FUNDAMENTO DE QUE O EXECUTADO NÃO RESIDE NO IMÓVEL E DE QUE O DÉBITO NÃO SE RELACIONA À ATIVIDADE PRODUTIVA. IRRELEVÂNCIA. RECONHECIMENTO. NECESSIDADE DE SE AFERIR, TÃO SOMENTE, SE O BEM INDICADO À CONSTRIÇÃO JUDICIAL CONSTITUI PEQUENA PROPRIEDADE RURAL, NOS TERMOS DA LEI DE REGÊNCIA, E SE A ENTIDADE FAMILIAR ALI DESENVOLVE ATIVIDADE AGRÍCOLA PARA O SEU SUSTENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Tomando-se por base o fundamento que orienta a impenhorabilidade da pequena propriedade rural (assegurar o acesso aos meios geradores de renda mínima à subsistência do agricultor e de sua família), não se afigura exigível, segundo o regramento pertinente, que o débito exequendo seja oriundo do atividade produtiva, tampouco que o imóvel sirva de moradia ao executado e de sua família. 2. Considerada a relevância da pequena propriedade rural trabalhada pela entidade familiar, a propiciar a sua subsistência, bem como promover o almejado atendimento à função sócioeconômica, afigurou-se indispensável conferir-lhe ampla proteção. 2.1 O art. 649, VIII, do CPC/1973 (com redação similar, o art. 833, CPC/2015), ao simplesmente reconhecer a impenhorabilidade da pequena propriedade rural, sem especificar a natureza da dívida, acabou por explicitar a exata extensão do comando constitucional em comento, interpretado segundo o princípio hermenêutico da máxima efetividade. 2.2 Se o dispositivo constitucional não admite que se efetive a penhora da pequena propriedade rural para assegurar o pagamento de dívida oriunda da atividade agrícola, ainda que dada em garantia hipotecária (ut REsp 1.368.404/SP, Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 13/10/2015, DJe 23/11/2015), com mais razão há que reconhecer a impossibilidade de débitos de outra natureza viabilizar a constrição judicial de bem do qual é extraída a subsistência do agricultor e de sua família. 3. O fundamento que orienta a impenhorabilidade do bem de família (rural) não se confunde com aquele que norteia a da pequena propriedade rural, ainda que ambos sejam corolários do princípio maior da dignidade da pessoa humana, sob a vertente da garantia do patrimônio mínimo. O primeiro, destina-se a garantir o direito fundamental à moradia; o segundo, visa assegurar o direito, também fundamental, de acesso aos meios geradores de renda, no caso, o imóvel rural, de onde a família do trabalhador rural, por meio do labor agrícola, obtém seu sustento. 3.1 As normas constitucional e infralegal já citadas estabelecem como requisitos únicos para obstar a constrição judicial sobre a pequena propriedade rural: i) que a dimensão da área seja qualificada como pequena, nos termos da lei de regência; e ii) que a propriedade seja trabalhada pelo agricultor e sua família. Assim, para o reconhecimento da impenhorabilidade da pequena propriedade rural, não se exige que o imóvel seja a moradia do executado, impõe-se, sim, que o bem seja o meio de sustento do executado e de sua família, que ali desenvolverá a atividade agrícola. 3.2 O tratamento legal dispensado à impenhorabilidade da pequena propriedade rural, objeto da presente controvérsia, afigura-se totalmente harmônico com aquele conferido à impenhorabilidade do bem de família (rural). O art. 4º, § 2º, da Lei n. 9.008/1990, que disciplina a impenhorabilidade do bem de família, põe a salvo de eventual contrição judicial a sede da moradia, e, em se tratando de pequena propriedade rural, a área a ela referente. 4. Recurso especial provido.
Não existe controvérsia no entendimento da proteção da impenhorabilidade da pequena propriedade rural familiar, desde que de fato seja uma, conforme decisão acima, o julgador visa sempre garantir a aplicação da Lei de fato e a subsistência da família produtora rural.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve por objetivo primordial evidenciar que a pequena propriedade rural familiar, atendendo aos requisitos legais e a sua função social é impenhorável, tanto quanto qualquer outro bem de família, que deve ser resguardado contra qualquer instabilidade econômica que porventura possa acontecer.
Essa garantia que a legislação concede a garantia de diminuição dos impactos econômicos que a população como um todo sofre nos dias atuais, a sociedade agrária brasileira, tem uma contribuição muito grande para a economia e alimentação da população brasileira.
Mas os conflitos que o campo sofre são incalculáveis, problemas com o clima, pragas, dentre outros que podem prejudicar o cultivo e consequentemente diminuição das entradas financeiras da unidade familiar, além das políticas públicas que resguardam os pequenos produtores (o que não é objeto do presente estudo) resguardar a não penhorabilidade da propriedade rural familiar é uma segurança a mais e é imprescindível para retorno dos seus rendimentos e pagamento de suas dívidas.
Fato é que a pequena propriedade rural, em que uma família trabalha e reside, possui proteção especial pela legislação brasileira, com a finalidade de resguardar, pelo menos o direito à moradia e a subsistência de uma família.
O pagamento dos débitos de uma propriedade rural familiar vem origina da produção que nela realizam, caso seja objeto de penhora, não existe a possibilidade dos membros da família arrumarem formas para seu crescimento e elevação financeira.
Assim sendo para que que a pequena propriedade rural esteja respaldada pela legislação ela deve atender a função social da propriedade sendo o disposto no artigo 170 da Constituição Federal, deve a propriedade devidamente utilizada de forma racional e adequada, visando o bem-estar da família ali residente e produtora.
Portanto ao estabelecer que a pequena propriedade rural não poderá ser objeto de penhora, ou seja, tomada como pagamento de dívida, a Constituição Federal oferece amparo à agricultura familiar e reconhece a importância do vínculo entre o produtor e a terra.
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[1] Doutora e Mestre em Educação (UFBA). Professora da UniCatólica. Membro do Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e Saúde, da Universidade Federal do Tocantins-Brasil. E-mail: [email protected]
[2] Professor da Unicatólica do Tocantins, Mestre em Direitos Humanos e Prestação Jurisdicional pela ESMAT/UFT, especialista em Estado de Direito e Combate à Corrupção pela ESMAT/UFT, especialista em Direito do Trabalho pelo Instituto Processus Brasília/DF, analista jurídico do Ministério Público do Estado do Tocantins, Médico Veterinário e bacharel em Direito
[3] Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
§ 1 o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
[4] Art. 4º Para os efeitos desta lei, conceituam-se: ... II - Pequena Propriedade - o imóvel rural: a) de área até quatro módulos fiscais, respeitada a fração mínima de parcelamento (Redação dará pela Lei nº 13.465, de 2017)
Graduanda do curso de direito da Centro Universitário Católica do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, MARCELA THEODORO DOS. A impenhorabilidade da pequena propriedade rural Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 nov 2020, 04:11. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55678/a-impenhorabilidade-da-pequena-propriedade-rural. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
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