RESUMO: O artigo trata das influências que os princípios constitucionais exercem sobre o instituto do reexame necessário demonstrando que este tem por fim a garantia de direitos fundamentais inerentes à Fazenda Pública.
Palavras-chave: Influências. Princípios Constitucionais. Reexame Necessário.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Da Isonomia; 3. Da duração razoável do processo; 4. Do devido processo legal; 5. Do acesso à justiça; 6. Do princípio da confiança e da boa-fé objetiva; 7. Conclusão e 8. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo versará sobre as influências da Constituição Federal, mormente dos princípios constitucionais para o surgimento e consolidação do instituto jurídico do reexame necessário.
O referido tema está afeto à interconexão entre os valores constitucionais e os privilégios garantidos à Fazenda Pública, haja vista o seu patamar de prestígio no ordenamento jurídico vigente.
O artigo terá como parâmetro um estudo exploratório descritivo aliado à revisão bibliográfica. Por meio de proposições enunciativas específicas, de análise da legislação e de pesquisas bibliográficas, pretende-se demonstrar de que maneira os princípios constitucionais estão intimamente ligados ao reexame necessário.
O estudo sobre o reexame necessário está intrinsecamente ligado ao princípio da isonomia. Isso porque este princípio, insculpido no art. 5°, caput, da Lex Major de 1988, é a pedra de toque para análise da constitucionalidade do aludido instituto processual.
Por meio dele, poderá o intérprete inferir se uma distinção entre o particular e o ente público decorrente da remessa obrigatória seria uma violação da regra de que todos são iguais perante a lei ou, ao contrário, seria uma reafirmação da isonomia, ao igualar os desiguais.
Segundo o doutrinador Nelson Nery Junior, o princípio da isonomia deve ser observado não somente sobre o ponto de vista formal, mas também sob a perspectiva material. Dessa forma, o citado jurista delineia o conteúdo do aludido princípio:
A CF 5° caput e I estabelece que todos são iguais perante a lei. Relativamente ao processo civil, verificamos que o princípio da igualdade significa que os litigantes devem receber do juiz tratamento idêntico. Assim, a norma do art. 125 I teve recepção integral em face do novo texto constitucional. Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades.[1]
Com base nessa perspectiva material - e não somente formal - do princípio da igualdade, considera-se legítima a criação, por meio da lei, de prerrogativas processuais a determinada categoria de sujeitos processuais a fim que tenham estes maior possibilidade de defender seus direitos em Juízo.
Assim, sob essa perspectiva, as prerrogativas dadas à Fazenda Pública em dispositivos legais, como, por exemplo, o art. 183 do CPC, seriam, para doutrina majoritária[2], constitucionais, uma vez que fazem na maioria dos casos uma discriminação razoável a favor da isonomia material.
Válido se socorrer mais uma vez nas lições de Nelson Nery Junior sobre o assunto:
Por isso é que são constitucionais dispositivos legais discriminadores, quando desigualam corretamente os desiguais, dando-lhes tratamento distinto; e são inconstitucionais os dispositivos legais discriminadores, quando desigualam incorretamente os iguais, dando-lhes tratamentos distintos. Deve buscar-se na norma ou texto legal a razão: se justa, o dispositivo é constitucional; se injusta, é inconstitucional.[3]
A indagação que surge, prima facie, é se os dispositivos legais correspondentes ao próprio instituto do reexame necessário seriam constitucionais, por respeito ao princípio da isonomia material, ou inconstitucionais, por afronta a princípios caros à Carta Magna de 1988 como, v.g., o do devido legal, do acesso à justiça e da razoável duração do processo.
Considerados inconstitucionais os aludidos preceitos legais, chegar-se-ia inexoravelmente à conclusão de que quaisquer efeitos ou interpretações decorrentes do reexame necessário também seriam inválidos. Isto é, nesse caso sequer caberia se perquirir sobre a possibilidade ou não de recurso especial ou extraordinário em face da decisão em remessa obrigatória.
No entanto, se o intérprete concluir que não há vício de inconstitucionalidade no reexame necessário, que há na verdade uma regra de clara conotação de igualdade material, ainda assim deverá se analisar a possibilidade de a Fazenda Pública interpor empachos extraordinários em remessa obrigatória.
Isso porque surgirá novamente a questão concernente ao respeito, ou não, ao princípio da igualdade. Seria possível interpretar o instituto do reexame necessário a ponto de permitir interposição de recurso especial e extraordinário ou estaria impossibilitada tal interpretação diante da própria excepcionalidade do reexame necessário em nosso ordenamento jurídico?
3. Da duração razoável do processo
O princípio da duração razoável do processo, também conhecido com princípio da celeridade, foi incorporado expressamente ao rol de direitos fundamentais da Carta Magna de 1988 através da emenda constitucional n° 45/2004, com a seguinte redação:
Art. 5°, LXXVIII- a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Malgrado somente tenha sido expresso como um direito fundamental com a emenda n° 45/2004, a referida garantia é uma decorrência do próprio direito de ação e do princípio do devido processo legal, este último em sua faceta material. Não há, portanto, um pleno exercício do direito de ação e um efetivo processo legal se a prestação jurisdicional é tardia e, muitas vezes, inócua.
A celeridade é inerente à própria visão do processo em uma perspectiva constitucional e, por isso, o jurisdicionado, que bate às portas do Poder Judiciário ávido por defender seus direitos, não deve ser punido em face da demora do processo.
O Pacto de San José da Costa Rica, de 1969, já colocava como direito de todos a duração razoável do processo[4]. Observe-se a redação dos arts. 8°, 1, e 25, 1, da aludida Convenção:
Artigo 8º - Garantias judiciais
1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. (grifo aditado)
Artigo 25 - Proteção judicial
1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais. (grifo aditado).
Os referidos dispositivos, assim como o art. 5° da Constituição Federal, evidenciam a importância de um processo célere como uma garantia do cidadão e, consequentemente, uma proteção da dignidade humana. Evita-se que o homem seja transformado em um simples objeto do processo[5], impede-se uma coisificação do homem decorrente de um processo com duração indefinida e resultado incerto.
Não se discute doutrinariamente sobre a incidência do princípio da duração razoável em todo o processo judicial, ou seja, desde o início da demanda, com o ingresso com a ação, até o seu trânsito em julgado, quando se esgotaram todos os recursos possíveis.
Diante disso, inevitável a conclusão de que o princípio da duração razoável do processo deve permear não somente o processo em primeiro grau ou na execução, mas também nas demais fases, incluindo a recursal.
Dois atores sociais são de essencial importância na efetivação do princípio e são a eles principalmente que a determinação legal do art. 5°, LXXVIII, da Carta Magna de 1988, é dirigida: o legislador e o intérprete.
O primeiro deles, o legislador, deverá envidar esforços para abreviar o máximo possível os percalços recursais, ao, entre coisas, simplificar o sistema recursal e consequentemente o tornar mais rápido. Por óbvio, essa simplificação respeitará os demais cânones constitucionais, não infringindo outros valores principiológicos tão importantes no nosso Ordenamento Jurídico.
Por seu turno, caberá ao intérprete buscar, através das normas legais disponíveis, maneiras de agilizar a prestação jurisdicional e evitar expedientes necessários - e muitas vez protelatórios. Interpretações de preceitos legais que, sem justificativa, prejudiquem a celeridade da prestação jurisdicional devem ser evitados ao máximo, pois, em última análise, somente trazem prejuízo a um dos litigantes em detrimento do outro.
É sob o prisma da celeridade e duração razoável do processo que também deverá ser analisada a possibilidade ou não do recurso especial e extraordinário em face de decisão proferida em reexame necessário.
4. Do devido processo legal
O devido processo legal é considerado, por parte da doutrina, como um super-princípio, vez que os demais princípios e direitos fundamentais positivados na Constituição Federal decorreriam necessariamente dele. Assim, princípios como o da isonomia, o da legalidade, do juiz natural, entre outros, seriam desdobramento do princípio do devido processo legal.[6]
Em virtude deste status de super-princípio alguns doutrinadores chegam ao ponto de afirmar que seria desnecessária a referência expressa na Constituição à grande parte dos princípios, visto que o devido processo legal já os englobaria. Nesse sentido discorre Daniel Amorim Assumpção Neves, in verbis:
Tratando-se de um princípio-base, com conceito indeterminado, bastaria ao legislador constituinte, no tocante aos princípios processuais, se limitar a prever o devido processo legal, que na prática os valores essenciais à sociedade e ao ideal do justo dariam elementos suficientes para o juiz no caso concreto perceber outros princípios derivados do devido processo legal.[7]
O princípio do devido processo legal pode ser visto sob duas perspectivas: a formal e a material. A primeira delas parte de uma concepção vinculada, e restrita, ao processo e à regularidade no processamento dele.[8] Fredie Didier Junior traz o conceito do que viria ser o devido processo legal do ponto de vista formal:
Segundo a doutrina, o devido processo legal em sentido formal é, basicamente, o direito de ser processado e a processar de acordo com normas previamente estabelecidas para tanto, normas estas cujo processo de produção também deve respeitar aquele princípio.[9]
Nesse aspecto formal, não há maiores dúvidas sobre o respeito do reexame necessário ao indigitado cânone principiológico. Isso porque, entre outras coisas, foi a remessa ex officio criado por meio de lei, com um fim específico, à época, de facilitar a acessibilidade da Fazenda Pública ao processo e, em consequência, viabilizar sua defesa.
Não fere, portanto, o reexame necessário as demais normas legais e nem inviabilizaria o impulso oficial do processo. O reexame necessário seria uma dentre tantas opções legislativas no que tange ao caminhar do processo.
De outro giro, o princípio do devido processo legal sob a perspectiva material possui outra faceta, mais ampla, que não se circunscreve apenas ao processo. Conceitua Daniel Amorim Assumpção Neves essa faceta substancial do super-princípio do devido processo legal, litteris:
No sentido substancial, o devido processo legal diz respeito ao campo da elaboração e interpretação das normas jurídicas, evitando-se a atividade legislativa abusiva e irrazoável e ditando a interpretação razoável quando da aplicação concreta das normas jurídicas. [10]
Ou seja, não bastará a regularidade formal do processo e das decisões proferidas nele, deverá haver razoabilidade e proporcionalidade na própria elaboração e interpretação da norma jurídica.
É nesse ponto que se torna fundamental analisar não somente o instituto do reexame necessário em si, como também as interpretações decorrentes dele, no intuito de se verificar a proporcionalidade e razoabilidade de entendimentos em que se alargue o espectro de abrangência da remessa de ofício.
Atualmente já se começa a questionar a própria existência do instituto do reexame necessário. Estar-se-ia diante de prerrogativa ou de verdadeiro privilégio indevido em detrimento da parte contrária?
Noutro falar, há um processo contínuo de indagação sobre a verdadeira função da remessa ex officio no âmbito do ordenamento jurídico, se a sua existência não feriria valores maiores insculpidos na Carta Magna de 1988 como, v.g., o princípio da isonomia e do devido processo legal em seu sentido material.
Nessa mesma esteira, é questionada também a razoabilidade da interpretação dada por parte da doutrina e jurisprudência sobre a possibilidade de interposição de recurso especial e extraordinário em face de decisão em reexame necessário.
Na hipótese de se entender razoável esse posicionamento, respeitado estará o princípio do devido processo legal como um todo. Por outro lado, caso se entenda irrazoável e abusiva tal interpretação, inevitavelmente estar-se-á diante de uma afronta do aludido princípio do due process.
Assim, seguindo essa linha, deve se investigar se possibilitar a interposição de recursos de natureza excepcional em face de decisão proferida em reexame necessário mostra-se razoável e em conformidade com o devido processo legal substancial.
5. DO ACESSO À JUSTIÇA.
Com o surgimento da figura do Estado em nossa sociedade, a utilização da tutela privada, antes comum para fins de resolução de conflitos de interesse, cedeu espaço para a assunção pelo Poder Público do papel dirimente de litígios. Noutro falar, os conflitos entre particulares passaram a ser decididos pelo Estado, devendo os envolvidos se submeterem as citadas decisões.
A instituição de Estados Democráticos de Direito a partir da Revolução Francesa ressaltou ainda mais esse papel do Poder Público. Ao particular caberia, portanto, ao ver violado um direito seu, bater às portas do Estado-juiz no intuito de resguardar seus interesses por meio de ingresso com ação própria.
Em um primeiro momento pós-Revolução Francesa, em virtude do Liberalismo predominante na época, somente quem possuía recursos financeiros tinha condições de propor uma ação e recorrer ao Poder Judiciário, pois as despesas e encargos eram bastantes altos no transcorrer de uma demanda.
No entanto, com o posterior desenvolvimento dos próprios direitos sociais, percebeu-se que o sistema de acesso ao Estado e à própria Justiça pelos cidadãos não era satisfatória, uma vez que reproduzia as desigualdades econômicas e sociais existentes na sociedade.
Ou seja, somente uma parcela ínfima da sociedade teria efetivo acesso ao Poder Público para garantir seus direitos e manter os custos da própria manutenção do processo.
Justamente a partir dessa compreensão da desigualdade inerente ao direito de ação é que começou o Estado a criar mecanismos que contribuíssem para um maior acesso ao Poder Judiciário, como, verbi gratia, a justiça gratuita.
Aduz Luiz Guilherme Marinoni sobre a importância do direito de acesso à justiça, litteris:
Na verdade, a realização do direito de acesso à justiça é indispensável à própria configuração de Estado, uma vez que não há como pensar em proibição da tutela privada, e, assim, em Estado, sem se viabilizar a todos a possibilidade de efetivo acesso ao Poder Judiciário. Por outro lado, para se garantir a participação dos cidadãos na sociedade, e desta forma a igualdade, é imprescindível que o exercício da ação não seja obstacularizado, até porque ter direitos e não poder tutelá-los certamente é o mesmo do que não os ter.[11]
Ocorre que para se garantir o acesso à justiça não é suficiente apenas assegurar os meios para que o cidadão possa ingressar em Juízo. O princípio do acesso à Justiça é mais amplo, pois deve abranger a garantia de uma prestação jurisdicional adequada[12], o que englobaria necessariamente uma prestação célere.
Com base nas assertivas acima e no fato de que não é somente dever do legislador, mas também do intérprete-julgador garantir o respeito ao direito fundamental de acesso à justiça, é que se deve analisar a possibilidade de recurso especial e extraordinário em face de decisão proferida em reexame necessário.
6. Do princípio da confiança e da boa-fé objetiva
Embora não esteja previsto expressamente na Carta Magna de 1988, o princípio da confiança nela está implicitamente inserido, tendo em vista se tratar de uma faceta do Estado Democrático de Direito e do princípio da segurança jurídica.
O supracitado princípio possui um campo de atuação muito amplo ao incidir tanto nas relações concernentes ao Direito Privado como naqueles relacionadas ao Direito Público.
Assim, não é de estranhar a sua forte presença, a título de exemplo, em institutos típicos de direito civil e processual civil e, ao mesmo tempo, influir crescentemente no Direito Administrativo no intuito de evitar excessos da Administração Pública.
No campo do Direito Administrativo, em específico, o enfoque maior dado pelos doutrinadores se dá na relação de estabilidade e confiança entre particular e Estado, primando-se pela segurança jurídica e pela proteção do cidadão contra abusos. Nesse sentido, preceitua José dos Santos Carvalho Filho:
Como já foi sublinhado em estudos modernos sobre o tema, o princípio em tela comporta dois vetores básicos quanto às perspectivas do cidadão. De um lado, a perspectiva de certeza, que indica o conhecimento seguro das normas e atividades jurídicas, e de outro, a perspectiva de estabilidade, mediante a qual se difunde a idéia de consolidação das ações administrativas e se oferece a criação de mecanismos de defesa por parte do administrado, inclusive alguns deles, como o direito adquirido e o ato jurídico perfeito, de uso mais constante no direito privado.[13]
Por seu turno, no âmbito Processo Civil, sobressai-se o princípio da confiança no trato das partes no decorrer do processo. Há de existir condutas previsíveis e coerentes de cada um dos sujeitos processuais, não podendo uma das partes ser surpreendida por atos incoerentes da outra que rompam com a confiança e estabilidade, as quais deve pautar o desenvolvimento do processo.
Por seu turno, o princípio da boa-fé objetiva preceitua tanto a necessidade de uma conduta das partes baseada na lealdade e confiança, como também a importância de se atender as justas expectativas das partes dentro de um processo que respeite todo trâmite previsto legalmente.
A boa-fé objetiva tem como base a cláusula geral de tutela da pessoa humana, interpretada sob o ponto de vista Constitucional, sendo possível, segundo Teresa Negreiros:
[...] reconduzir o princípio da boa-fé ao ditame constitucional que determina como objetivo fundamental da República a construção de uma sociedade solidária, na qual o respeito pelo próximo seja um elemento essencial de toda e qualquer relação jurídica.[14]
De grande valia o asseverado pela doutrinadora Mariana Almeida de Souza no que toca à relação entre o princípio da confiança e o da boa-fé, in verbis:
Originário do Direito Romano, o princípio da confiança mantém analogia com a proteção da confiança depositada pelos sujeitos no tráfego jurídico. A relação entre o princípio da confiança e a boa fé é deveras estreita. Aquele se mostra como princípio fundamental para a concretização deste, ao passo que, nas relações jurídicas deve-se ter a certeza de que há veracidade nos atos dos indivíduos. Ou seja, o princípio da confiança promove a previsibilidade do Direito a ser cumprido, assegurando que a fé na palavra dada não é infundada.[15]
É com base no princípio da confiança, e da boa-fé objetiva, que foram previstos legalmente institutos como o da preclusão e coisa julgada, que prezam pela estabilização da lide - e das relações entre os sujeitos processuais - e evitam a eternização das demandas judiciais.[16]
Caso uma das partes, portanto, aja de maneira a criar expectativa na parte contrária a respeito de uma atitude processual, nada mais natural que cumpra essa previsão. Feriria a confiança e previsibilidade se uma das partes praticasse posteriormente um ato no processo oposto ao primeiro. Surge daí a vedação ao venire contra factum proprium (agir contra ato próprio), brocardo latino este plenamente aplicável nas relações processuais.
À guisa de exemplo, se uma parte deixar de recorrer em uma determinada ação, gerar-se-á uma expectativa na parte contrária de conformação e aceitação da decisão e, consequentemente, de um possível fim próximo da lide.
Da mesma forma ocorre no que toca ao reexame necessário. E não será o fato de a Fazenda Pública estar em Juízo que mudará algo. Deverá se analisar se a permissão de interpor recursos de natureza excepcional, por parte da Fazenda Pública, em reexame necessário afrontaria princípios como os da confiança e da boa-fé objetiva.
Noutro falar, há de se indagar se existe justificativa para aceitar a tese de que a Fazenda Pública, após optar por não recorrer da sentença, possa reavivar seu interesse na lide através da interposição de um recurso.
Portanto, será fundamental a análise dos princípios da confiança e da boa-fé objetiva para se entender se é possível ou não a interposição de recurso extraordinário ou especial em face de decisão proferida em reexame necessário.
7. CONCLUSÃO
Diante do exposto, pode-se afirmar que o reexame necessário está intrinsecamente ligado aos princípios constitucionais mencionados neste artigo. Foi elucidado que, ainda que a Fazenda Pública esteja em um dos polos da relação jurídica, é imprescindível que seja assegurada a boa fé objetiva e o princípio da confiança.
O princípio do acesso à justiça se faz presente também no reexame necessário, partindo da ideia de que para se garantir o acesso à justiça não é suficiente apenas assegurar os meios para que o cidadão possa ingressar em Juízo. O princípio do acesso à Justiça é mais amplo, pois deve abranger a garantia de uma prestação jurisdicional adequada.
Também se vislumbrou que o devido processo legal enquanto garantia imprescindível no âmbito processual, se faz presente no reexame necessário, em que pesem os questionamentos doutrinários acerca da própria essência do instituto, se prerrogativa ou privilégio indevido por parte da Fazenda Pública em detrimento da parte contrária.
Ainda, inevitável a conclusão de que o princípio da duração razoável do processo deve permear não somente o processo em primeiro grau ou na execução, mas também nas demais fases, incluindo a recursal.
E, em linha de arremate, tem-se a pertinente discussão acerca do alcance do princípio da igualdade no âmbito do reexame necessário, haja vista a excepcionalidade do instituto, que acaba por possibilitar notório privilégio à Fazenda Pública.
7. REFERÊNCIAS
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[1] NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal: processo civil, penal e administrativo. 10. ed. São Paulo: RT, 2010, p. 99.
[2] CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A fazenda pública em juízo – 8 ed. – São Paulo: Dialética, 2010, p. 31.
[3] NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal: processo civil, penal e administrativo. 10. ed. São Paulo: RT, 2010, p. 99.
[4] O Pacto de San José da Costa Rica só foi incorporado efetivamente ao ordenamento jurídico brasileiro em 1992, por meio do decreto legislativo de n° 27/1992 e o decreto n° 678/1992.
[5] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional/ Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco- 4 edição, rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 545.
[6] NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal: processo civil, penal e administrativo. 10. ed. São Paulo: RT, 2010, p. 79.
[7] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 2ª Ed. –São Paulo: Método, 2010, p. 59.
[8] Em virtude desse caráter, por vezes, restrito concernente ao aspecto formal do devido processo legal é que o doutrinador Nelson Nery Junior afirma que a terminologia mais compatível seria “devido processo” ao se indicar o aludido princípio sob a perspectiva apenas formal. NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal: processo civil, penal e administrativo. 10. ed. São Paulo: RT, 2010, p. 86.
[9] DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil- Teoria geral do processo e processo de conhecimento, vol. 1. Salvador: Jus Podivm, 2009, p. 38.
[10] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 2ª Ed. –São Paulo: Método, 2010, p. 59.
[11] MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo- Curso de Processo Civil v. 1. – 3. Ed. rev. e atual.- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 186.
[12] NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal: processo civil, penal e administrativo. 10. ed. São Paulo: RT, 2010, p. 316/325.
[13] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo - 24ª Edição revista, Ampliada e atualizada - Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 33.
[14] NEGREIROS,Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, 117.
[15] SOUZA, Mariana Almeida de. O princípio da confiança do Direito Constitucional e sua aplicação nos municípios, Disponível em: http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1531, acesso em 06/06/2011, às 17h.
[16] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional/ Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco- 4 edição, rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 564.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Analista Judiciário do TRT da 9ª Região
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Daniel Carvalho. O reexame necessário e os princípios constitucionais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 nov 2020, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55709/o-reexame-necessrio-e-os-princpios-constitucionais. Acesso em: 22 nov 2024.
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