RESUMO: O artigo tem como objetivo examinar o tema da impossibilidade da interposição de recursos especial e extraordinário em face de decisão proferida em reexame necessário, adotando-se um posicionamento explícito acerca do tema.
Palavras-chave: reexame necessário, princípios fundamentais, recurso especial, recurso extraordinário, jurisprudência, isonomia, acesso à justiça.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. A proibição da reformatio in pejus e a impossibilidade de interposição de recurso extraordinário ou especial em reexame necessário; 3. A deficiência de armas como critério para concessão de privilégios à Fazenda Pública e o princípio da efetividade; 4. O princípio da confiança e da boa-fé objetiva como óbices ao manejo dos recursos de natureza excepcional em reexame necessário; 5. A preclusão lógica e a falta de interesse recursal, com empecilhos ao recurso especial e extraordinário em reexame necessário; 6. Conclusões; 7. Referências.
1. Introdução
O presente artigo tem por finalidade a análise da impossibilidade da interposição de recursos especial e extraordinário em face de decisão proferida em reexame necessário.
Serão analisados, de forma aprofundada, os princípios fundamentais para a necessária compreensão do tema, especialmente a igualdade, o acesso à justiça e a confiança. Além disso, serão também examinados os recursos de natureza extraordinária e o instituto do reexame necessário. Explicitar-se-á o entendimento adotado pelo presente trabalho com a exposição de argumentos favoráveis ao entendimento sobre a impossibilidade da interposição de recursos especial e extraordinário em face de decisão proferida em reexame necessário. Far-se-á um cotejo entre o posicionamento adotado e o entendimento da doutrina e dos Tribunais sobre o assunto.
2. A proibição da reformatio in pejus e a impossibilidade de interposição de recurso extraordinário ou especial em reexame necessário
A regra da vedação da reformatio in pejus consiste na impossibilidade de, no julgamento de um recurso, a decisão prolatada prejudicar aquele sujeito processual que recorre, piorando a sua situação. É uma decorrência lógica do princípio dispositivo, uma vez que o juízo ad quem somente analisará a matéria que foi, por meio da interposição de recurso, objeto de irresignação.[1]
Outras matérias estranhas ao recurso interposto permanecerão imodificáveis, caso não haja empachos interpostos pela outra parte objetivando também a reforma da decisão. É a incidência do efeito devolutivo no tocante aos recursos.
Deste modo, na hipótese de uma sentença proferida em uma ação julgar procedentes três dos quatro pedidos feitos pelo autor em sua exordial, poderá o demandante interpor recurso em relação ao único pedido julgado improcedente.
Caso o réu se mantenha inerte, não interpondo qualquer empacho, o juízo ad quem apreciará o recurso do autor, restringindo sua análise à irresignação do demandante em relação a apenas um dos pedidos, os demais pleitos transitarão em julgado[2].
Pensamento em contrário resultaria em uma solução afrontosa ao princípio dispositivo. Punir-se-ia o recorrente em virtude de seu ato de tentar melhorar sua situação no processo, o que se mostraria ilógico.
Com base nesse entendimento é que se torna plenamente aplicável a vedação da reformatio in pejus no campo recursal[3]. De conseguinte, somente serão devolvidas ao tribunal as matérias objeto do recurso e não as concernentes à demanda como um todo.[4]
Por seu turno, o reexame necessário surgiu no direito brasileiro em 1831 com o objetivo de proteger o erário público de eventuais julgamentos incorretos contra a Fazenda Pública, que poderiam decorrer de fraudes ou da falta de estrutura dos entes federativos.
Malgrado existam intensas discussões sobre seu papel na moderna processualística, não se põe em dúvida qual seria o beneficiário direto da inserção deste instituto no direito pátrio: a Fazenda Pública.
Assim, o legislador, ao impor a remessa obrigatória como uma condição de eficácia da sentença, visou colocar aos cuidados dos Tribunais os processos em que há sentença contrária à Fazenda Pública. Objetivou o reexame da matéria, seja para confirmar a correção da sentença, seja para reformá-la, em favor do ente público, e adequá-la ao entendimento do Juízo ad quem. Aduz Flávio Cheim Jorge, litteris:
De fato, é inquestionável que a remessa necessária está relacionada e pode ser apontada como uma das prerrogativas da Fazenda Pública em Juízo. Objetiva-se atingir a segurança de que a sentença proferida contra a Fazenda Pública foi correta. Existe a certeza de que há insuficiência no aparelhamento estatal para defender o interesse público. Diante disso, o legislador determinou que nos casos em que a Fazenda Pública ficasse vencida, a decisão seria novamente revista, pois poderia haver situações em que, devido às dificuldades que o Estado encontra (e o particular não), a mesa pudesse ser prejudicada injustamente.[5]
Ao se partir da interpretação teleológica - e histórica - da remessa obrigatória, conclui-se que ela não poderia se afastar de sua finalidade de proteger o patrimônio público. Não seria plausível, por meio do reexame necessário, aumentar a condenação a ser suportada pela Fazenda Pública.
Não se está discutindo as vantagens e desvantagens do reexame necessário no ordenamento pátrio, nem a sua constitucionalidade. O que é posto em relevo é que o legislador de forma sensata - ou insensata - quis nitidamente beneficiar a Fazenda Pública com a inserção da remessa ex officio.
A partir das citadas ilações concernentes à finalidade do reexame necessário, surge o questionamento sobre a aplicação da regra processual da vedação da reformatio in pejus na remessa obrigatória.
Para alguns doutrinadores, a exemplo de Nelson Nery Junior, não seria aplicável tal vedação ao reexame necessário, tendo em vista que a indigitada proibição incide no campo eminentemente recursal, em face do princípio dispositivo.
Logo, ao se partir do pressuposto de que a remessa ex officio não é realmente um recurso, mas apenas uma condição de eficácia de sentença, não haveria qualquer empecilho para a reformatio in pejus ocorrer no reexame necessário, já que a sua vedação restringir-se-ia ao campo recursal. Assim se pronuncia Nelson Nery Junior:
[...] o problema do conteúdo da atividade do tribunal no reexame necessário não é de natureza recursal estrita (efeito devolutivo, reformatio in pejus etc.), mas de eficácia da sentença. É impertinente o raciocínio de que o tribunal não pode agravar a situação da Fazenda Pública, a pretexto de que a) a parte contrária, que não apelou, teria-se (sic) conformado com a sentença com a sentença ou que b) haveria reformatio in pejus proibida, em desfavor da Fazenda Pública.[6]
Deve-se ter em mente, no entanto, que a proibição da reformatio in pejus não é de exclusiva aplicação aos recursos, podendo incidir em outras ocasiões. Podem existir outros fundamentos para sua utilização estranhos aos princípios da voluntariedade, da devolutividade e o dispositivo. É o que ocorre em relação ao reexame necessário.
Conforme visto anteriormente, uma das características da remessa obrigatória é a ausência de manifestação das partes, não há um ato voluntário de uma das partes, ou até mesmo do juiz, em remeter o processo para revisão pelo Tribunal. A aludida remessa é decorrente de lei e condiciona a eficácia da sentença proferida, nos termos do art. 496 do CPC.
Assim, o fundamento para a aplicação da proibição da reformatio in pejus em reexame necessário não tem como foco a atividade desempenhada pelas partes. A justificativa se circunscreve ao objetivo primordial, e razão de ser, do reexame necessário: proteger o patrimônio público. Nesse sentido, Luiz Guilherme Marinoni:
O reexame necessário, exatamente pelo fato de que é instituído para preservar a esfera jurídica da parte vencida, não pode gerar a piora de sua situação, ou mesmo seu agravamento. É nesse sentido a súmula 45 do Superior Tribunal de Justiça.[7]
Seria ilógico um instituto que visa, em primeira análise, proteger os interesses da Fazenda Pública prejudicá-la ainda mais, por meio de um procedimento ex officio, sem a participação da outra parte.[8]
Com esse fundamento o STJ, por meio do enunciado da súmula n° 45, consolidou o entendimento[9] de que no reexame necessário é vedada a reformatio in pejus em face da Fazenda Pública.
Entendeu a Corte Superior que permitir a revisão da sentença em prejuízo à Fazenda Pública destoaria da própria razão de ser do reexame necessário[10] [11]. Ao invés de proteger o patrimônio da Fazenda Pública, estar-se-ia elevando o prejuízo sofrido pelo beneficiário direto do instituto da remessa necessária, o que seria um contrassenso.[12] Preleciona Gisele Mazzoni Welsch, com base nos ensinamentos de Jorge Tosta sobre a matéria:
Portanto, toda vez que o tribunal, no julgamento do reexame necessário, impuser à Fazenda Pública situação menos favorável que a estabelecida na sentença, sem que exista recurso da outra parte, tal fato implicará em extrapolação do âmbito de translatividade da remessa, o que configura vício grave que pode ser corrigido por simples petição, não transitando em julgado o acórdão que pode ser corrigido naquilo que prejudicou a Fazenda Pública. É como se o julgado ferisse a vontade da lei.[13]
A aplicação da proibição da reforma in pejus ao reexame necessário se mostra de grande valia para se entender o porquê de não ser possível a interposição, por parte do réu, de recurso extraordinário ou especial em face de decisão em reexame necessário.
A remessa obrigatória, segundo entendimento jurisprudencial, não pode piorar a situação da Fazenda Pública criada pela sentença. Na pior das hipóteses haverá uma manutenção do que já decidido pelo Juízo a quo, decisão da qual a Fazenda Pública deixou de interpor eventual apelação.
A não interposição de recurso em relação à sentença, somada com a proibição da reformatio in pejus, tem como consequência a ausência de interesse recursal da Fazenda Pública em se buscar a modificação da decisão proferida em reexame necessário.
Logo, não modificando para pior a situação da Administração Pública, não haverá sucumbência que justifique a interposição de recurso especial ou extraordinário, uma vez que precluiu a oportunidade de impugnar a sentença do Juízo de 1° grau e a decisão prolatada pelo Tribunal não gerará uma nova sucumbência, já que não reformará a decisão em prejuízo da Fazenda Pública.
Nesse sentido que se manifestou a Ministra Eliana Calmon no seu voto proferido no recurso especial n° 904.885/SP:
À luz do entendimento consolidado na Súmula 45/STJ [No reexame necessário, é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública ], chega a ser incoerente e até mesmo de constitucionalidade duvidosa, por violar o princípio da igualdade das partes no processo, permitir que a Fazenda Pública, sabedora de que os reflexos jurídicos da sentença em sua esfera jurídica não poderiam ser agravados, e com eles já tendo concordado tacitamente, possa reabrir a discussão em sede de recurso especial, muitas vezes apenas para retardar a entrega da prestação jurisdicional, que envolve maior interesse público e não se confunde com o interesse puramente patrimonial da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de suas respectivas autarquias e fundações. Isso sem perder de vista a prerrogativa de prazo em dobro para recorrer de que desfrutam, que indiscutivelmente lhes proporciona tempo suficiente para avaliarem todos os reflexos da sentença.[14]
Entender que a Fazenda Pública poderá recorrer mesmo diante da regra da vedação da reformatio in pejus, a fim se discutir novamente questões já decididas e sobre as quais já ocorreu a preclusão lógica, afronta o princípio da igualdade.
Isso porque, ao admitir os recursos excepcionais em face da remessa obrigatória, dá-se uma amplitude indevida ao reexame necessário. Cria-se privilégios à Fazenda Pública em detrimento do direito da parte contrária, a qual se vê alijada de célere prestação jurisdicional.
O reexame necessário, por ser uma exceção ao princípio da igualdade, deve ter interpretação restritiva. Por isso, seria indevido entender que o ente público poderia novamente se insurgir sobre uma decisão que somente foi remetida ao Tribunal como condição de eficácia da sentença.
Não é plausível admitir interpretações extensivas, não prevista em lei, sobre a matéria em epígrafe, sob pena de se ferir o próprio Estado de Direito. Há limites aos privilégios da Fazenda Pública, os quais são previstos pelas leis e, sobretudo, pela Constituição Federal. [15]
3. A deficiência de armas como critério para concessão de privilégios à Fazenda Pública e o princípio da efetividade
Conforme visto anteriormente, o reexame necessário surgiu no ordenamento jurídico brasileiro não somente como uma forma de evitar fraudes e conluios em prejuízo ao erário público, mas também com a finalidade de minimizar os efeitos da deficiência da máquina pública.
A ausência de funcionários e mecanismos para proteção do erário público foram utilizados por muito tempo para justificar a existência do reexame necessário em nosso ordenamento.[16]
Era, segundo seus defensores, plenamente constitucional e legítimo este instituto, tendo em vista que primaria pelo respeito à igualdade em sua faceta material. Noutro falar, igualar-se-iam as partes, sendo a existência de prerrogativas como o reexame necessário de suma importância para minimizar a desvantagem da Fazenda Pública perante o particular.[17]
Nos tempos atuais, discute-se, tanto doutrinariamente como na jurisprudência, sobre a robusteza desses argumentos como legitimadores do reexame necessário. E mais, debate-se sobre a forma de se interpretar o reexame necessário sobre esse prisma da hipossuficiência da Fazenda Pública. Nessa toada se manifesta Flávio Cheim Jorge, in verbis:
Existe a certeza de que há insuficiência no aparelhamento estatal para defender o interesse público. Diante disso, o legislador determinou que nos casos em que a Fazenda ficasse vencida, a decisão seria novamente revista, pois poderia haver situações em que, devido às dificuldades que o Estado encontra (e o particular não), a mesma pudesse ser prejudicada injustamente. Funda-se, pois, no princípio da igualdade e no reconhecimento da situação de inferioridade da Fazenda Pública, quando em juízo.[18]
Como é sabido, a máquina estatal mudou profundamente desde o advento do reexame necessário em 1831. Em sua origem, o aludido instituto foi gestado em um Estado ainda imperialista, autoritário, no qual os desmandos e arbitrariedades eram frequentes e o corpo de funcionários públicos era ínfimo.
Hodiernamente, sobretudo após o advento da Constituição Cidadã de 1988, o reexame necessário se encontra em outro contexto histórico, em um momento no qual a eficácia e a moralidade se tornaram princípios fundamentais expressos que devem guiar as práticas administrativas (art. 37, caput, da Constituição Federal).
Sustenta Cassio Scarpinella Bueno, in verbis:
De resto, a justificativa histórica do reexame necessário conspira contra os ideais do sistema processual civil hoje vigente , na medida em que parte do pressuposto de que, contra os interesses da Fazenda Pública, as sentenças não podem produzir seus efeitos senão depois de confirmadas pelo Tribunal respectivo, o que colide frontalmente com a compreensão que se deve dar às funções essenciais à Justiça. De resto, qualquer pressuposição da ausência de tutela adequada dos interesses públicos agride o caput do art. 37 da Constituição, que, dentre os princípios regentes da Administração Pública, prevê expressamente a “eficiência”.[19]
Além disso, paulatinamente se viu os entes da administração pública melhor aparelhados no intuito de proteger seus direitos. Não raramente possui a Fazenda Pública recursos técnicos e financeiros bem maiores do que o particular a fim de proteger seus interesses.
Houve uma inversão de valores. A desigualdade, agora em favor da Fazenda Pública, acaba, em alguns casos, tornando a remessa obrigatória um privilégio indevido ao invés de ser uma prerrogativa do Poder Público para defender interesses de índole coletiva. Assim, os beneficiários da remessa obrigatória passariam à posição de “hipersuficiente”, o que afrontaria o direito fundamental à igualdade.
Nesse contexto é que deve ser interpretado o reexame necessário atualmente. A remessa ex officio, não obstante se mantenha no ordenamento jurídico por uma opção do legislador, deve ser interpretada de maneira restritiva, no intuito de evitar uma exagerada prevalência da Fazenda Pública em detrimento do particular.
Nesse sentido a 3ª Seção do STJ julgou o EREsp nº 168.837⁄RJ. No citado julgamento constou expressamente a necessidade de interpretação restritiva da remessa obrigatória para fins de interposição de recurso em face de sua decisão.[20]
De mais a mais, não cabe ao Poder Judiciário, com base em interpretações extensivas, tutelar interesses patrimoniais da Fazenda Pública, quando esta, por infração de dever constitucional, deixa de prestar adequadamente e de maneira eficaz a sua atividade fim.
Externou entendimento similar o ministro Mauro Campbell Marques no julgamento do REsp 1052615⁄SP:
1. O Superior Tribunal de Justiça não pode avocar para si e para o Poder Judiciário o encargo de suprir as fragilidades e a incipiência dos órgãos de representação judicial das Fazendas Públicas Federal, Estaduais ou Municipais. Cabe aos respectivos Poderes Públicos instituir e bem aparelhar os órgãos representativos das Funções Essenciais à Justiça, de modo a dar efetividade material ao disposto nos artigos 131 a 135, da Constituição Federal de 1988.
2. De outro giro, quando provocado, cabe ao Poder Judiciário, exigir do Poder Público que mantenha adequadamente os seus órgãos jurídicos consultivos e de representação judicial, já que representam garantia do administrado, pois atuam na defesa do patrimônio público e da legalidade.[21]
No citado julgado, considerou o ministro - acompanhando o voto vencedor da ministra relatora Eliana Calmon - que não é cabível a interposição de recurso especial em face de decisão proferida em sede de reexame necessário.
Não se mostra plausível a interpretação extensiva da remessa obrigatória, escudada em uma suposta hipossuficiência, no intuito de permitir que possa a Fazenda Pública interpor recurso de decisão proferida em sede de reexame necessário.
Pensamento em contrário teria consequências danosas. A primeira delas seria o desprestígio ao texto constitucional, ao permitir que os entes da administração descumpram a Carta Magna e mesmo assim tenham o aval do Judiciário para usufruir de benesses decorrentes de interpretações favoráveis à Fazenda Pública.
A segunda consequência negativa se relaciona ao próprio desenvolvimento do processo. Ao se permitir a interposição de recurso especial e extraordinário em face da decisão proferida em reexame necessário, estar-se-á tornando o processo ainda mais moroso, o que contraria a própria noção de celeridade processual e eficácia da prestação jurisdicional.
Não se pode esquecer que o recurso especial e o extraordinário têm caráter excepcional, ou seja, estes empachos restringem-se à apreciação de matérias específicas, em casos particulares. A Constituição, de forma implícita, garante apenas o duplo grau de jurisdição, deixando para situações singulares a faculdade da parte interpor o recurso especial e o extraordinário.
Logo, não é razoável permitir à Fazenda Pública se utilizar de um recurso excepcional, no intuito de reaver uma decisão da qual não foi sucumbente, sob a justificativa de haver hipossuficiência dos entes administrativos.
O reexame necessário em si, sem interpretações extensivas ao favor da Fazenda Pública, já se mostra suficiente para corrigir eventuais irregularidades e afastar questionamentos relacionados à deficiência da máquina pública.
4. O princípio da confiança e da boa-fé objetiva como óbices ao manejo dos recursos de natureza excepcional em reexame necessário.
De acordo como o exposto em tópico próprio, o princípio da confiança tem uma profunda relação com a boa-fé na sua faceta objetiva[22]. Isso porque a confiança entre as partes perpassa pela existência de condutas leais e escorreitas entre os sujeitos de direito, seja no campo das relações materiais, seja no âmbito das relações processuais.
Tanto o princípio da confiança como o da boa-fé objetiva incidem amplamente em todos os ramos do direito, tendo em vista se tratar de princípios gerais. Dessa forma, o processo civil é um ramo propício para a incidência dos aludidos princípios.
Na esfera recursal, em especial, os indigitados princípios têm grande importância, tanto para servir de guia na interpretação do direito adjetivo pelo magistrado, como também para inibir atitudes das partes que afrontem, direta ou indiretamente, direitos ditos fundamentais.
Os princípios da confiança e da boa-fé objetiva se tornam, assim, verdadeiros obstáculos a atos das partes que denotem a afronta à efetividade da prestação jurisdicional, à igualdade e à celeridade da prestação jurisdicional.
Não há de se admitir, com base nesses princípios, atos processuais das partes contraditórios, em que um dos sujeitos do processo assuma determinada postura e, em um momento posterior, aja de forma completamente diferente[23].
Essas condutas contraditórias, além de serem incompatíveis do ponto de vista lógico, quebram as expectativas e a confiança da parte adversa, que é surpreendida diante de um ato inesperado e destoante de atitudes praticadas anteriormente.
Pronuncia-se nesse sentido Flávio Tartuce, com base no entendimento de Anderson Schreiber, in verbis:
Nos dizeres de Anderson Schreiber, “a tutela da confiança atribui ao venire um conteúdo substancial, no sentido de que deixa de se tratar de uma proibição à incoerência por si só, para se tornar um princípio de proibição à ruptura da confiança, por meio da incoerência”. Em suma, segundo o autor fluminense, o fundamento da vedação do comportamento contraditório é, justamente, a tutela da confiança, que mantém relação íntima com a boa-fé objetiva.[24]
Justamente por isso, conforme entendimento do STJ[25], não é admissível dar efeito à conduta contraditória posterior em detrimento de um ato praticado antes, que já produziu efeitos jurídicos, fáticos e, quiçá, econômicos. Seria um ato contrário aos princípios da boa-fé objetiva e ao princípio da confiança e, por isso, são vedados.
No que concerne à interposição de recurso especial e extraordinário em face de decisões proferidas em sede de reexame necessário também deverão ser aplicados os aludidos princípios pelo julgador ao interpretar a remessa ex officio.
Tendo em vista que o reexame necessário é mera condição de eficácia da sentença, conforme doutrina majoritária[26], não há participação das partes na remessa da demanda ao Tribunal competente para a devida reapreciação.
Caso o processo suba ao Tribunal apenas para fins de reexame necessário, sem, no entanto, existir a interposição de recurso apelatório de algumas das partes em relação à sentença prolatada, há uma presunção que as partes se conformaram e aquiesceram com o que foi decidido[27].
As expectativas que surgem a partir da inação das partes ao não interpor recurso se circunscrevem a esperar pela apreciação do conteúdo da sentença em reexame necessário para, a partir daí, iniciar a execução do julgado.
Deve-se lembrar, ainda, que, conforme jurisprudência remansosa e doutrina amplamente majoritária, em remessa obrigatória não será possível piorar a situação da Fazenda Pública nos autos, em virtude da incidência da vedação da reformatio in pejus, conforme súmula n° 45 do STJ.
Noutro falar, o Tribunal somente poderá em reexame necessário manter o que já foi decidido em sentença ou então reformá-la em favor da Fazenda Pública. Não haverá sucumbência da Fazenda Pública, nem prejuízo, o que reflete diretamente na falta de interesse recursal.
Com base no fato de inexistir recurso voluntário da Fazenda Pública em relação à sentença sujeita a reexame necessário e na vedação da reformatio in pejus, por conseguinte, seria ilógico e incongruente o ente público beneficiário da remessa interpor um recurso em face dessa decisão.
A omissão da Fazenda Pública, ao não interpor temporaneamente o recurso apelatório em face da sentença, cria uma expectativa de conformação com o decisum por parte daquela. E mais, cria-se a certeza na parte contrária que, após o reexame, poderá dar encaminhamento na demanda para sua efetivação, por meio da execução.
Praticar tardiamente o ato de interpor algum recurso em face da decisão em reexame necessário resultaria em uma quebra da confiança e uma afronta à boa-fé, através de uma conduta fora daquelas que podem ser consideradas exigíveis dos sujeitos do processo[28].
São nesse sentido as palavras do desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Sidnei Beneti, no Agravo regimental n° 560.4 83-5/8-01[29]:
31. Em atenção ao princípio da boa-fé processual, predominante no Direito Moderno, considerando o comportamento prévio da agravante, descabe agora a utilização de instrumento jurídico diverso, para que, de modo indireto, seja reformada a sentença.
32. Importa constatar que o duplo grau obrigatório, que leva ao chamado reexame necessário, impropriamente chamado de "recurso de ofício” trata de instituto jurídico estabelecido em atenção à legalidade, à natureza do interesse público envolvido no litígio, e não em favor da pessoa de direito
público integrante da relação jurídica.[30]
Depreende-se do citado julgado que a não interposição de recurso voluntário pela Fazenda Pública tem como consequência sua aceitação tácita da decisão. A citada aceitação somada à vedação da reformatio in pejus resultará em uma ausência de interesse processual em provocar o Poder Judiciário através de eventual interposição de recurso extraordinário ou especial.
Assim, deve-se prestigiar os princípios da boa-fé objetiva e da confiança na análise e interpretação do instituto do reexame necessário e não facultar à Fazenda Pública a possibilidade de interpor recurso especial ou extraordinário em face da decisão em remessa ex officio[31].
5. A preclusão lógica e a falta de interesse recursal, com empecilhos ao recurso especial e extraordinário em reexame necessário.
As maiores discussões doutrinárias e jurisprudenciais sobre a possibilidade ou não de recurso especial ou extraordinário em reexame necessário se circunscrevem ao campo da preclusão lógica. Haveria interesse da Fazenda Pública em interpor um empacho em face da decisão em remessa ex officio ou se operaria a preclusão do seu direito?
A interposição de um recurso é uma faculdade da parte decorrente do princípio da voluntariedade. A não interposição cria um ônus[32] resultante da conformação com a decisão: o trânsito em julgado da sentença[33]. No caso de reexame necessário, não é possível o trânsito em julgado imediato, mesmo que inexista recurso voluntário das partes, art. 496 do CPC.
Assim, na hipótese de remessa obrigatória, o ônus a ser suportado pela parte que não interpõe o recurso é a preclusão do seu direito de recorrer da sentença. Presume-se que o sujeito do processo se resignou com a decisão e não tem interesse em manter o litígio, caso não seja piorada sua situação no processo. Há verdadeira preclusão lógica, a qual é conceituada por Arruda Alvim nos seguintes termos, litteris:
Diz-se lógica a preclusão quando um ato não mais pode ser praticado, pelo fato de se ter praticado outro ato que, pela lei, é definido como incompatível com o já realizado, ou que esta circunstância deflua inequivocamente do sistema. A aceitação da sentença envolve uma preclusão lógica de não recorrer. [34]
Dito de outra maneira, a omissão da parte que não recorre é eloquente. Externa sua manifestação de vontade em não prosseguir na discussão jurídica sobre a correção, ou não, da decisão. Ao não recorrer, haverá uma aquiescência tácita em relação à decisão, nos termos do art. 1.000 do CPC.
Mister ressaltar que, com base na preclusão lógica decorrente da não interposição de recurso, até pouco tempo atrás, vinha entendendo o STJ[35], na maioria de seus julgados, pela impossibilidade de a Fazenda Pública interpor recurso especial em reexame necessário. Tal entendimento, inclusive, foi unificado pela 1ª Seção daquela Corte Especial, no julgamento do REsp 904.885/SP[36].
Tal posicionamento tinha azo na omissão do ente público em não recorrer, juntamente com a inexistência da reformatio in pejus, para Fazenda Pública, em sede de reexame necessário. Além disso, realçou-se, no indigitado julgado, a incidência dos princípios da confiança e lealdade processual como razão para aplicação da preclusão lógica.
Ocorre que, em virtude de existirem algumas decisões[37] em sentido contrário ao posicionamento pacificado pela 1ª Seção do STJ, foi levado recentemente à Corte Especial o tema para nova discussão. No julgamento do REsp 905.771/CE, houve uma mudança de entendimento do STJ sobre a matéria, passando a prevalecer a possibilidade de interposição de recurso especial em face de decisão prolatada em reexame necessário[38].
Alinhou-se, assim, o STJ ao posicionamento esposado esparsamente em algumas oportunidades pelo STF[39], em relação à possibilidade de interposição de recurso em reexame necessário. Válido transcrever trecho da decisão ocorrida no Recurso Extraordinário 396989⁄GO, de relatoria do ministro Marco Aurélio[40]:
Esclareça-se que a circunstância de o acórdão proferido haver resultado da remessa obrigatória prevista no artigo 475 do Código de Processo Civil não obstaculariza a interposição, contra ele, de recursos. Há de se distinguir a postura do Estado, deixando de protocolar apelação, ante a citada remessa, do exame interesse, uma vez verificada a confirmação do que decidido. O ato omissivo não implica a aceitação do que decidido. O ato omissivo primeiro não implica não implica a aceitação do pronunciamento confirmando a sentença, mas simples estratégia, não se interpondo a apelação e, assim, deixando-se de arrazoar no sentido da reforma do que assentado na origem. É esse o enfoque que mais se coaduna com a organicidade própria ao Direito e a consideração de fases diversas. Em síntese, uma coisa é, ante a revisão obrigatória, instituto a beneficiar a Fazenda, não ser interposta apelação. Algo diverso segue-se à confirmação do que decidido pelo órgão revisor.”
Embora tenha se consolidado tanto no STJ como no STF - com base na existência da preclusão lógica - o entendimento de que é possível a interposição de recurso especial e extraordinário em face de decisão em reexame necessário, não parece ser este, data venia, o melhor posicionamento.
Com o devido respeito ao entendimento atual dos Tribunais Superiores, o posicionamento anteriormente adotado pelo STJ - em que se havia se entendido pela impossibilidade de recurso especial em face de decisão em reexame necessário - mostra-se mais condizente com o instituto da preclusão e com os princípio fundamentais que norteiam o processo civil.
Não se pode admitir que o instituto da preclusão lógica seja aplicado de maneira tópica, fragmentando a sua utilização a depender do sujeito processual a ser beneficiado por ela. Deve sua aplicação ser uniforme e se correlacionar com as excludentes do interesse em recorrer quais sejam: renúncia, aquiescência e desistência.
Na ausência de recurso por uma das partes, em específico, a preclusão lógica decorre da aquiescência do sujeito processual com a decisão prolatada. Nesse caso, enquadrar-se-ia a inexistência de recurso na disposição legal do art. 1.000 do CPC, que dispõe:
Art. 1.000. A parte que aceitar expressa ou tacitamente a decisão não poderá recorrer.
Parágrafo único. Considera-se aceitação tácita a prática, sem nenhuma reserva, de ato incompatível com a vontade de recorrer.
Conforme se percebe da própria dicção do citado preceito legal, a aceitação ou aquiescência se dirige à própria sentença e tem como consequência o trancamento das vias recursais.[41]
Para que se possa incidir a citada regra do art. 1.000 do Código de Ritos Cíveis, a aquiescência não precisará ser expressa, podendo ser, inclusive, tácita. É o que ocorre no campo recursal.
A não interposição de recurso importa na concordância com a decisão, o silêncio das partes tem consequências jurídicas, há um ônus a ser suportado: a impossibilidade de, através de recurso, se insurgir posteriormente contra a decisão, caso esta não seja modificada a seu desfavor.
Com supedâneo na supracitada aquiescência tácita, decorrente da inexistência de empachos interpostos, é que se conclui que o simples fato de existir reexame necessário não tem como consequência a ausência de preclusão.
O fato de haver reapreciação da matéria em sede remessa necessária é mera condição de eficácia da sentença, não tendo o condão de reabrir oportunidade para as partes - que não interpuseram recurso - se insurgirem em face da sentença e, assim, evitar a preclusão lógica.
Também não há a possibilidade da Fazenda Pública se insurgir contra o acórdão proferido em reexame necessário, uma vez que inexistirá a reformatio in pejus e, por conseguinte, não haverá sucumbência[42].
Ou seja, preclusa a discussão sobre a sentença e não podendo haver piora na situação do ente público, impossibilitados os recursos de natureza excepcional em face da decisão em remessa ex officio.[43]
Em sentido contrário se manifestam Fredie Didier Junior e Leonardo Carneiro[44], in verbis:
A falta de interposição do recurso é um ato-fato processual, ou seja, a análise da vontade é irrelevante [...]. A parte pode deixar de recorrer por diversos motivos, não importando qual foi ou se existiu vontade. Não há nenhum ato incompatível com a possibilidade futura de interpor recurso especial. Não se pode nem se precisa saber qual a vontade da Fazenda Pública. [45]
Para os citados autores, não poderia haver preclusão, tendo em vista ser irrelevante a vontade das partes em recorrer. Reapreciada a sentença em reexame necessário, desta decisão caberia recurso da Fazenda Pública, facultando a ela decidir sobre a conveniência, ou não, em se interpor o aludido recurso. A regra da vedação reformatio in pejus não poderia, para eles, ser usada para justificar essa proibição de interposição de empachos.
Com o devido respeito, não merece guarida o posicionamento dos citados doutrinadores. A vontade das partes se mostra relevante para todo o desenvolvimento do processo, havendo limites para o impulso oficial.
É a incidência do princípio dispositivo, previsto em diversas passagens do Código de Processo Civil, a exemplo do art. 997 do CPC. De acordo com o citado princípio, as partes, salvo as exceções legalmente prescritas, não poderão se manter inertes no processo, sob pena de arcar com o ônus de sua inação.
Entender que a Fazenda Pública pode se beneficiar de sua omissão, tendo o privilégio de recorrer de matéria da qual não se insurgiu anteriormente, significa, antes de tudo, um privilégio injustificado.
Ao se admitir tal privilégio, estar-se-á criando uma exceção ao instituto da preclusão, o que não coaduna com a interpretação restritiva que se deve ser dada ao reexame necessário, haja vista que este deve ser interpretado de acordo com a Constituição Federal e os princípios fundamentais.
Data maxima venia, também não concordamos com o entendimento esposado pelo Ministro Teori Albino Zavascki, no já citado REsp 905.771/CE, o qual sustenta:
À luz desses parâmetros, não há como afirmar configurada a preclusão lógica na situação aqui debatida. Em primeiro lugar porque a falta de interposição do recurso de apelação, pela Fazenda, foi um comportamento omissivo, e não a “prática de um ato". Ademais, não se pode ver nessa omissão um comportamento que indique, inequivocamente, a concordância com a sentença contrária aos interesses da Fazenda e, portanto, a vontade de não recorrer. É que o reexame necessário tem o efeito de devolver ao Tribunal toda a matéria em que sucumbiu a Fazenda Pública.[46]
Baseia-se o citado ministro do STJ na dicção do art. 503, parágrafo único, do CPC de 1973 (repetido no parágrafo único do art. 1.000 do CPC de 2015), o qual é expresso ao falar em “prática [...] de um ato incompatível”, ao se referir à aceitação da sentença.
Sustenta, o aludido julgador, que a aplicação do preceito legal, pressupõe um ato comissivo de aceitação da decisão. Para ele, não poderia se presumir a resignação com a sentença em virtude da não interposição do recurso, um ato omissivo. Seria necessário a prática de um ato, uma ação da Fazenda Pública.
Ensina José dos Santos Carvalho Filho, com base nas lições de Marcelo Caetano, que “a noção da expressão [ato administrativo] traduz uma ação concluída, ‘uma vontade que se manifestou ou pelo menos se revelou nem que seja por omissão’ ”.[47]
A omissão, dessarte, pode ser considerada equivalente a um ato da Fazenda Pública no processo. Da citada omissão pode-se extrair a vontade do ente administrativo em não recorrer.
Dessa forma, correto o entendimento do ministro do STJ Mauro Campbell Marques, para o qual não há empecilho para se entender que a omissão, ao não interpor o recurso, pode gerar preclusão lógica, litteris:
Decerto, como bem explanado pelo Min. Teori, o art. 503, parágrafo único, do CPC, exige um ato comissivo para a caracterização da preclusão lógica. Contudo, peço vênia, não vejo mácula ao instituto desde que se entenda que a omissão pode gerar preclusão lógica quando dela se puder extrair manifestação inequívoca de vontade que caminhe em sentido oposto à prática do ato processual tido por precluso. A questão é saber se estamos diante de uma omissão de tal espécie.[48] (Grifo aditado)
Por derradeiro, há de se afastar a argumentação de que os representantes judiciais da Fazenda Pública necessitam de poderes específicos que importem disposição ou comprometimento de direitos e, por isso, não poderia ser interpretada a omissão da Fazenda Pública como um ato voluntário de aquiescência com a decisão.
Importante notar que, pela teoria do órgão[49], de importante aplicação no direito administrativo, os agentes públicos são parte integrante da estrutura do ente público. Os atos daqueles agentes nada mais são que uma manifestação de “vontade” maior da Fazenda Pública.
Não importa, portanto, se houve negligência do agente público em não recorrer, ou que ele praticou um ato que em tese não refletisse o real interesse público. Importa, ao contrário, a atuação do agente na investidura nas funções a ele imputadas pelo Estado.
Assim, se o representante judicial da Fazenda Pública foi regularmente constituído para atuar no processo, deverá o ente público arcar com os ônus existentes na lei processual decorrentes dos atos ou omissões de seu representante.
O ônus, a consequência da omissão da Fazenda Pública, para os casos de não recorrer tem previsão legal: o art. 1.000 do CPC (antigo art. 503 do CPC de 1973). Haverá preclusão lógica do seu direito de recorrer. Não poderá se concluir, portanto, que o silêncio do ente público não tenha nenhuma consequência tanto no campo jurídico como no fático.
Acertado, assim, o entendimento do ministro Mauro Campbell Marques, exposto no já citado REsp 1052615/SP, litteris:
Para o caso, observo, com a devida vênia dos que pensam de modo diverso, que o art. 503, caput, do CPC, autoriza a interpretação no sentido de que a que a Fazenda Pública omissa aceita tacitamente a sentença, razão pela qual não pode interpor recurso especial para discutir os pontos dela confirmados em remessa necessária.[50] (grifo aditado)
Não há dúvidas, assim, que há aplicação da preclusão lógica, nos termos do art. 1.000 do CPC (antigo art. 503 do CPC de 1973), à Fazenda Pública. A omissão do ente público na apresentação, em um primeiro momento, de recurso em face da sentença, gera uma preclusão que impede que seja interposto futuramente recurso especial ou extraordinário em face de decisão em reexame necessário.
6. Conclusão
Através do presente estudo, foi constatada a impossibilidade da interposição de recurso especial e extraordinário em face de decisão proferida em reexame necessário.
Conforme visto, diante do seu caráter excepcional no ordenamento jurídico, deve ser interpretado o reexame necessário de forma restritiva. Não cabe ao intérprete, com base em uma interpretação extensiva do aludido instituto, afrontar princípios fundamentais como o da igualdade, do acesso à justiça, devido processo legal, da confiança e da boa-fé.
Pelo contrário, os indigitados princípios deverão prevalecer, restringindo o âmbito de incidência da remessa necessária naqueles casos em que puder existir afronta à Constituição Cidadã de 1988.
É o que ocorre no questionamento sobre a possibilidade de interposição de recurso especial e extraordinário. De acordo com o que foi delineado, a evidente afronta aos aludidos princípios fundamentais impede que seja admitida tal possibilidade.
Além disso, a falta de interesse recursal e a preclusão lógica incidem normalmente ao caso, impedindo que a Fazenda Pública deixe de recorrer da sentença e somente depois de encerrado o reexame necessário decida se insurgir contra a decisão.
Assim, o posicionamento atual dos Tribunais Superiores não se mostra condizente com as características do instituto do reexame necessário, um instituto que paulatinamente tem perdido espaço no ordenamento jurídico brasileiro nos últimos anos.
Também, não está o entendimento atual dos aludidos tribunais em conformidade com a nova sistemática do processo civil, na qual este é interpretado sobre uma perspectiva constitucional.
Dessa forma, a interpretação mais consentânea com o “modelo constitucional do direito processual civil” é aquela que considera impossibilitada a interposição de recursos especial ou extraordinário em face da decisão proferida em sede de reexame necessário, uma vez que a remessa ex officio deve ser sempre interpretada de forma restritiva, em homenagem ao Texto Constitucional e os princípios fundamentais insertos expressamente nesta.
7. Referências
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[1] JORGE, Flávio Cheim. Teoria Geral dos Recursos Cíveis- 4. Ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 246.
[2] NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos recursos – 6 ed, atual., ampl. e reform. – São Paulo: Editora dos Tribunais, 2004, p. 185. Aduz o citado autor: “Em certa medida, o sistema processual vigente entre nós rompeu com as tradições do direito luso-brasileiro, que adotava francamente o instituto do beneficium commune relativamente ao recurso de apelação. Era permitido ao tribunal reformar a sentença como bem quisesse, ainda que contra aquele que, sozinho, o interpusera”.
[3] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973, vol. V: arts. 476 a 565 - 13ª Ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 439.
[4] Não se aplica esse entendimento em relação às matérias de ordem pública, as quais podem ser conhecidas pelo juízo ad quem independentemente de o recurso abordá-las ou não. Assim, basta existir o recurso em relação a uma matéria da decisão para que as demais estejam sujeitas à apreciação do Tribunal no que toca às matérias de ordem pública, as quais não são limitadas pela vedação da reformatio in pejus.
[5] JORGE, Flávio Cheim. Teoria Geral dos Recursos Cíveis- 4. Ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 225/226.
[6] NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos recursos – 6 ed, atual., ampl. e reform. – São Paulo: Editora dos Tribunais, 2004, p. 84.
[7] MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil, volume 2: processo de conhecimento/Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart- 6. Ed. Ver. Atual. E ampl. Da obra Manual do Processo do conhecimento- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 623.
[8] JORGE, Flávio Cheim. Teoria Geral dos Recursos Cíveis- 4. Ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 249.
[9] PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE RECURSO VOLUNTÁRIO DO CONTRIBUINTE. REMESSA NECESSÁRIA. REFORMATIO IN PEJUS. SÚMULA N. 45/STJ. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.1. É pacífico nesta Corte Superior o entendimento de que, não havendo a interposição de apelação do particular, o Tribunal de origem não pode tornar mais grave a condenação imposta à Fazenda Pública, mesmo que em sede de reexame necessário, nos termos da Súmula 45/STJ. 2. Precedentes: REsp 1242130/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques,Segunda Turma, DJe 11.5.2011; AgRg no REsp 1200278/RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 7.10.2010; REsp 1187187/BA,Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 2.6.2010; REsp1149216/ES, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 18.3.2010; EREsp 1188198/BA, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma,DJe 4.6.2010. 3. No caso concreto, apesar de a contribuinte não haver recorrido da sentença, a situação da Fazenda Nacional foi agravada pela Corte de origem, ao afastar os limites da compensação do tributo, previstos no artigo 89, § 3º da Lei 8212/91, sob fundamento de revogação pela MP 449/2008, bem como ao incluir expurgo inflacionário não previsto na sentença no cálculo de liquidação. 4. Recurso especial provido. (STJ, 2ª turma, REsp 1252821/MG, ministro relator: Mauro Campbell Marques, DJ 14/06/2011).
[10] Entendendo correto o posicionamento do STJ através da súmula n° 45: WELSCH, Gisele Mazzoni. O reexame necessário e a efetividade da tutela jurisdicional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 82.
[11] Em sentido contrário, entendendo pela inconstitucionalidade da súmula n° 45 do STJ: AVARES, Gustavo Machado. O instituto da remessa necessária e a Súmula 45 do Superior Tribunal de Justiça. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 402, 13 ago. 2004. Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/5584. Acesso em: 03 jul. 2011, às 15h30min.
[12] Inobstante a matéria ter natureza eminentemente infraconstitucional, o STF já se pronunciou pela aplicação da vedação da reformatio in pejus no reexame necessário: RE 635655/DF, 1ª turma, Relatora: ministra Cármen Lúcia, DJ: 04/05/2011; RE 396989⁄GO, 1ª turma, relator: ministro Marco Aurélio, DJ: 03⁄03⁄2006; RE 100034, 1ª turma, relator: ministro. RAFAEL MAYER, DJ: 10/02/1984.
[13] WELSCH, Gisele Mazzoni. O reexame necessário e a efetividade da tutela jurisdicional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 83.
[14] STJ, 2ª turma, Resp. 904.885/SP, relatora: ministra Eliana Calmon, DJ: 09/12/2008.
[15] RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO OBRIGATÓRIO. REEXAME DAS QUESTÕES DECIDIDAS E AS DE ORDEM PÚBLICA. NECESSIDADE. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PREQUESTIONAMENTO. MULTA. INCABIMENTO.1. (...). 2. As normas de reexame necessário, por óbvio, pela sua afinidade com o autoritarismo, são de direito estrito e devem ser interpretadas restritivamente, em obséquio dos direitos fundamentais, constitucionalmente assegurados, até porque, ao menor desaviso, submeter-se-á o processo a tempos sociais prescritivos ou,o que não é menos grave, a aprofundamentos intoleráveis de privilégios, denegatórios do direito à tutela jurisdicional.(...) 4. Recurso parcialmente provido."(STJ, 6ª turma, REsp 445.171⁄AL, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ: 09/02/2004). (grifo aditado)
[16] SPALDING, Mauro. Execução contra a fazenda pública federal. Curitiba: Juruá, 2008, p. 131.
[17] GRINOVER, Ada Pelegrini. Os princípios constitucionais e o processo civil. São Paulo: José Bushatsky, 1975, p. 42. In: WELSCH, Gisele Mazzoni. O reexame necessário e a efetividade da tutela jurisdicional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 116.
[18] JORGE, Flávio Cheim. Teoria Geral dos Recursos Cíveis- 4. Ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 226.
[19] BUENO, Cassio Scarpinella, Curso sistematizado de direito processual civil, 5: recursos, processos e incidentes nos tribunais sucedâneos : técnicas de controle das decisões jurisdicionais. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 412/413.
[20] EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PROCESSUAL CIVIL. DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO OBRIGATÓRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. IMPOSSIBILIDADE.1. Sucumbente o Poder Público, não lhe suprime o reexame obrigatório a apelação voluntária, apta a ensejar-lhe os embargos infringentes, como foi sempre comum da defesa dos interesses dos entes públicos em geral, aplicando-se, à espécie, o adágio latino dormientibus non succurrit ius. 2. As normas do reexame necessário, pela sua afinidade com o autoritarismo, são de direito estrito e devem ser interpretadas restritivamente, em obséquio dos direitos fundamentais, constitucionalmente assegurados, até porque, ao menor desaviso, submeter-se-á o processo a tempos sociais prescritivos ou a aprofundamentos intoleráveis de privilégios, denegatórios do direito à tutela jurisdicional. 3. Inaplicabilidade da Súmula nº 77⁄TFR. 4. Embargos de divergência acolhidos. (STJ, 3ª Seção, EREsp 168.837⁄RJ, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, DJ 05.03.2001). (grifo aditado)
[21] STJ, 1ª Seção, REsp 1052615⁄SP, relatora: ministra Eliana Calmon, julgamento: 14/10/2009, DJ: 18⁄12⁄2009.
[22] SCHREIBER, Anderson. A proibição do comportamento contraditório. Tutela da confiança e venire contra factum proprium. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 95.
[23] É a aplicação da regra do venire contra factum proprium, cujo conceito é dado por Flávio Cheim Jorge nos seguintes termos:” Por este princípio, o indivíduo que na sociedade adota certa postura, e que por sua vez, proporciona o surgimento de efeitos fáticos, jurídicos e econômicos, carece de interesse processual de ir ao Judiciário e adotar uma postura completamente diferente daquela até então assumida. JORGE, Flávio Cheim. Teoria Geral dos Recursos Cíveis- 4. Ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 133.
[24] TARTUCE, Flávio. A boa-fé objetiva e os amendoins: um ensaio sobre a vedação do comportamento contraditório. ("venire contra factum proprium non potest"). Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1171, 15 set. 2006. Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/8925. Acesso em: 03 jul. 2011, às 15h30min.
[25] STJ, 4ª turma, REsp 95539/SP, relator: ministro: Ruy Rosado de Aguiar, DJ: 14/10/1996.
[26] DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil, volume 3: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. -6 ed.-Salvador: Jus Podivm, 2009, p. 481.
[27] Nesse sentido: STJ, 2ª turma, AgRg no REsp 1058778⁄SP, relator: ministro Humberto Martins, DJ 09⁄11⁄2009.
[28] AGRAVO REGIMENTAL - Mandado de segurança - Duplo grau de jurisdição - Inexistência de recurso voluntário da pessoa jurídica sucumbente - Decisão que remeteu os autos à origem por estarem presentes os requisitos previstos nos parágrafos 2º e 3º, do artigo 475 do Código de Processo Civil, tornando desnecessário o reexame necessário - Preliminar de não conhecimento do agravo regimental - Instituto jurídico do duplo grau de jurisdição instituído em atenção ao interesse público e não em favor da pessoa de direito público, inviabilizando seu uso indireto para fins de reforma do julgado - Observância do artigo 125, inciso I, do Código de Processo Civil e do princípio da boa-fé objetiva - Agravante que se conformou com o teor da sentença, mesmo sofrendo de imediato seus efeitos - Recurso não conhecido. (TJSP, Agravo Regimental n. 167.892-5/9 - São Vicente - 7ª Câmara de Direito Público - Relator: Vallim Bellocchi DJ: 17/03/2003). (grifo aditado)
[29] TJSP, Agravo regimental n° 560.4 83-5/8-01, relator: desembargador Sidnei Beneti, DJ: 31/10/2006.
[31] Note-se que a proibição da reforma in pejus é de grande relevância para esse entendimento. Tanto é assim, que não há empecilho para a parte contrária à Fazenda Pública interpor recurso, caso sua situação seja piorada em sede de reexame necessário.
[32] Válidas a explanação de Paulo Lucon sobre ônus no processo: Os sujeitos parciais do processo têm o ônus de praticar todos os atos destinados à defesa e ao ataque. O ônus, considerado como imperativo do próprio interesse, tem estreita relação com a possibilidade processual de fazer valer suas razões, pois toda possibilidade impõe à parte o ônus de ser diligente. Nesse quadro, estão as preclusões e o ônus de afirmar e provar. Abuso do exercício do direito de recorrer[32]. Lucon, Paulo Henrique dos Santos. Abuso do exercício do direito de recorrer, Disponível em: <http://novo.direitoprocessual.org.br/content/blocos/100/1>, acesso em 06/07/2011, às 17h.
[33] NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos recursos – 6 ed, atual., ampl. e reform. – São Paulo: Editora dos Tribunais, 2004, p. 79.
[34] ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil, Volume I, Parte Geral - 8ª Ed., revista, atualizada e ampliada – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 536.
[35] RESP 1.052.615/SP, Relatora Ministra Eliana Calmon, 1ª seção, DJ 18/12/2009.
[36] PROCESSUAL CIVIL – REEXAME NECESSÁRIO – AUSÊNCIA DE APELAÇÃO DO ENTE PÚBLICO – INADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL – PRECLUSÃO LÓGICA.(...) 3. Diante disso, e da impossibilidade de agravamento da condenação imposta à fazenda pública, nos termos da Súmula 45/STJ, chega a ser incoerente e até mesmo de constitucionalidade duvidosa, a permissão de que os entes públicos rediscutam os fundamentos da sentença não impugnada no momento processual oportuno, por intermédio da interposição de recurso especial contra o acórdão que a manteve em sede de reexame necessário, devendo ser prestigiada a preclusão lógica ocorrida na espécie, regra que, segundo a doutrina, tem como razão de ser o respeito ao princípio da confiança , que orienta a lealdade processual (proibição do venire contra factum proprium ).(...) 6.Recurso especial não conhecido em razão da existência de fato impeditivo do poder de recorrer (preclusão lógica). (STJ, 1ª Seção, REsp 904.885/SP, relatora: Ministra Eliana Calmon, DJ: 09/12/2008).
[37] STJ, AgRg no REsp 944.427⁄SP, 1ª turma, relator: ministro Luiz Fux, DJ 25⁄05⁄2009.
[38] PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE. RECURSO INTERPOSTO PELA FAZENDA PÚBLICA CONTRA ACÓRDÃO QUE NEGOU PROVIMENTO A REEXAME NECESSÁRIO. PRELIMINAR DE PRECLUSÃO LÓGICA (POR AQUIESCÊNCIA TÁCITA) CONTRA A RECORRENTE, QUE NÃO APELOU DA SENTENÇA: IMPROCEDÊNCIA. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. NO CASO, ADEMAIS, ALÉM DE ERROR IN JUDICANDO, RELATIVAMENTE À MATÉRIA PRÓPRIA DO REEXAME NECESSÁRIO, O RECURSO ESPECIAL ALEGA VIOLAÇÃO DE LEI FEDERAL POR ERROR IN PROCEDENDO, OCORRIDO NO PRÓPRIO JULGAMENTO DE SEGUNDO GRAU, MATÉRIA A CUJO RESPEITO A FALTA DE ANTERIOR APELAÇÃO NÃO OPEROU, NEM PODERIA OPERAR, QUALQUER EFEITO PRECLUSIVO. PRELIMINAR DE PRECLUSÃO AFASTADA, COM RETORNO DOS AUTOS À 1ª. TURMA, PARA PROSSEGUIR NO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL. (STJ, Corte especial, REsp 905.771-CE, RELATOR: MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ: 19/08/2010).
[39]CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ANISTIA. MILITAR. PROMOÇÃO. ART. 8º ADCT/88. REMESSA NECESSÁRIA. AUSÊNCIA DE PRECLUSÃO. 1. Não há que falar em preclusão porquanto o recurso de ofício devolve à instância superior o conhecimento integral da causa, impedindo a preclusão do que decidido na sentença. Precedentes. 2. Recurso extraordinário provido com fundamento em entendimento do Plenário da Suprema Corte: RE 165.438/DF, rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 23.08.2002. 3. Agravo regimental improvido. (STF, 2ª turma, RE 540508/RJ, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, DJ 28/11/2008).
[40] STF, 1ª turma, RE 396989⁄GO, relator: ministro Marco Aurélio, DJ de 03⁄03⁄2006.
[41] JORGE, Flávio Cheim. Teoria Geral dos Recursos Cíveis- 4. Ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 141.
[42] Em sentido em contrário, considerando a sucumbência irrelevante para se discutir a preclusão lógica no que toca a interposição de recurso especial e extraordinário em face de reexame necessário: SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória – 6 ed. atual. de acordo com as leis n. 11672 e 11.697, 2008 – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 350.
[43] A regra do art. 499 do CPC corrobora com esse entendimento ao ser expressa ao aduzir que os recursos somente podem ser interpostos pela parte vencida, terceiro prejudicado e Ministério Público. Não havendo sucumbência da Fazenda Pública, não se pode considerá-la vencida para fins recursais.
[44] Os doutrinadores Fredie Didier Junior e Leonardo Carneiro são dois dos poucos doutrinadores que se manifestaram sobre o tema. A maioria dos juristas pátrios não o enfrentam. Assim, as discussões sobre a impossibilidade de recurso especial e extraordinário em reexame necessário se restringe, na maioria das vezes, ao campo jurisprudencial.
[45] DIDIER JUNIOR, Fredie. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil, Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais, v. 3. Salvador: JusPODIVM, 2010, p. 314.
[46] STJ, Corte especial, REsp 905.771/CE, relator: ministro Teori Albino Zavascki, DJ: 19/08/2010.
[47] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo - 24ª edição revista, ampliada e atualizada até 31/12/2010 - Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 89.
[48] STJ, 1ª Seção, REsp 1052615⁄SP, relatora: ministra Eliana Calmon, julgamento: 14/10/2009, DJ: 18⁄12⁄2009.
[49] A teoria do órgão, de Otto Gierke, é conceituada por José dos Santos Carvalho Filho nos seguintes termos: “[...] segundo ela a vontade da pessoa jurídica deve ser atribuída aos órgãos que a compõem, sendo eles mesmos, os órgãos, compostos de agentes.”. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo - 24ª edição revista, ampliada e atualizada até 31/12/2010 - Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 12.
[50] STJ, 1ª Seção, REsp 1052615⁄SP, relatora: ministra Eliana Calmon, julgamento: 14/10/2009, DJ: 18⁄12⁄2009.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Analista Judiciário do TRT da 9ª Região
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Daniel Carvalho. A inviabilidade na interposição de recursos de natureza extraordinária em reexame necessário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 dez 2020, 04:09. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55731/a-inviabilidade-na-interposio-de-recursos-de-natureza-extraordinria-em-reexame-necessrio. Acesso em: 22 nov 2024.
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