SILVIA HELENA ANTUNES DOS SANTOS[1]
(orientadora)
RESUMO: Este artigo tem por objeto principal demonstrar a evolução e a discussão acerca da legalidade da atuação do delegado de polícia ao aplicar uma medida protetiva provisória prevista no artigo 22 da lei 11.340/06, conhecida como “Lei Maria da Penha”, bem como demonstrar a importância e a constitucionalidade da atuação da autoridade policial, agora de acordo com normatização de sua atribuição com a edição da lei 13.827/2019. O método de abordagem utilizado no presente projeto é a qualitativo, uma vez que, fora exposto como os doutrinadores, pesquisadores e especialistas na área defendem a possibilidade da autoridade policial conceder uma medida protetiva provisória, sob a égide da Constituição Federal de 1988. Esta pesquisa foi escolhida com o intuito de defender a importância e a legalidade da atuação da autoridade policial ao aplicar uma medida protetiva provisória contra o agressor, em caso de constatação de risco iminente a integridade da mulher de violência doméstica.
Palavras- chave: Delegado de Polícia. Constitucionalidade. Autonomia.
ABSTRACT: The main purpose of this article is to demonstrate the evolution and the discussion about the legality of the action of the police chief when applying a provisional protective measure provided for in article 22 of law 11.340 / 06, known as “Lei Maria da Penha”, as well as demonstrating the importance and constitutionality of the performance of the police authority, now in accordance with the norms of its attribution with the edition of law 13,827 / 2019. The approach method used in the present project is qualitative, since, having been exposed as the indoctrinators, researchers and specialists in the area defend the possibility of the police authority granting a provisional protective measure, under the aegis of the Federal Constitution of 1988. This research was chosen in order to defend the importance and legality of the police authority's action when applying a provisional protective measure against the aggressor, in the event of an imminent risk of the integrity of the woman of domestic violence.
Keywords: Police Chief. Constitutionality. Autonomy.
1.INTRODUÇÃO
O presente artigo possui a finalidade de explicar a atuação do delegado de polícia quanto a possibilidade da aplicação de medidas protetivas, em caráter de urgência, em desfavor do agressor de uma mulher, com a inovação trazida pela legislação complementar 13.827/19 a Lei 11.340/06, “Lei Maria da Penha”, que em seu artigo 22 e seguintes, aponta as medidas protetivas que a autoridade judiciária poderá aplicar contra o agressor. Entrementes, o delegado, que possui a mesma formação acadêmica e conhecimentos jurídicos, não deveria dispor de tal vedação, o que torna o ato constitucional.
O problema inspirador da referido artigo foi que nem sempre as medidas protetivas são deferidas pela autoridade judiciária no prazo estabelecido de 48 horas, ademais, este prazo poderá prorrogar-se em até 96 horas, uma vez que a autoridade policial dispõe de prazo igual para remeter os autos ao juiz, e então nesse contexto, como a figura do delegado de inicial é de garantidor dos direitos, tendo em vista que possui contato direto com a vítima, poderá aplicar medidas para salvaguardar a vida de uma vítima. O objetivo desta pesquisa é de analisar e explanar como se dá nova atribuição do delegado de polícia na aplicação de uma medida protetiva prevista no art. 22 da Lei Maria da Penha, portanto, faz como que este estudo seja relevante, visto que, segundo estatísticas da CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) de Violência Doméstica, o prazo para a concessão de uma medida protetiva geralmente varia de 1 a 6 meses, tempo demasiado para quem necessita de proteção e, tal modificação faria com que a referida medida sendo expedida pela autoridade policial fosse imediatamente imposta.
Destra forma, levando em consideração que a Constituição Federal de 1988 não exige prévia autorização judicial à concessão de uma medida protetiva, a matéria arguida é plenamente constitucional, visando assim, uma maior efetividade da lei, além do que o artigo
5º da Constituição Federal de 1988 garante a todos a proteção e inviolabilidade do direito à vida e a segurança (...), ademais, a Lei Maria da Penha, visa criar mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher respaldado pelo artigo 226, parágrafo 8º da Constituição Federal que garante que a família tem proteção do estado, assegurando assistência a cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
Por fim, é essencial relatar sobre relevância desta pesquisa, pois contribui, diretamente, para estudos e mudanças de estratégias que auxiliarão no aprimoramento da lei, para assim adequar a proteção que o estado deve proporcionar a mulher objetivando de forma clara, uma das possíveis soluções ou, em último caso, a atenuação dos casos de violência.
2 CONCEITO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
O Brasil experimenta uma verdadeira epidemia de agressões contra mulheres. Segundo o IPEA (2016), “a cada ano, cerca de 1,3 milhão de mulheres são vítimas de violência doméstica” e levando em consideração que vivemos em um país com pouco mais de 200 milhões de habitantes, este número é estarrecedor.
Importa frisar que antes de aprofundar no assunto proposto, é necessário discorrer sobre o que é a violência a doméstica, quais as suas formas e como ela ocorre dentro do ambiente doméstico.
Veronese e Costa (2006) denotam que “a palavra violência vem do termo latino vis, que significa “força”, portanto, violência é o abuso da força contra alguém”. Dito isso, Ando (2008) expõe algumas das formas em que a violência doméstica pode ocorrer:
A violência pode ocorrer também por omissão, não apenas por ação, quando se nega ajuda, cuidado e auxílio a quem precisa; porém, não se pode deixar de destacar que a violência está longe de ter um significado preciso e único, visto que é considerada um fenômeno complexo e multicausal.
Isto posto, conforme alinhavado, a violência doméstica ocorre em variadas formas, inclusive no ato de omitir ajuda a alguém, como ocorre, por exemplo, em casos que a vítima é uma pessoa idosa e necessita de auxílio em suas atividades.
Visto isso, é mister explanar, portanto, em quais formas a violência doméstica ocorre segundo a Lei Maria da Penha. A Lei é taxativa ao expor as formas em que ocorre a violência doméstica, senão vejamos: violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.
2.2 Violência Física
Como consta no artigo 7º da Lei Maria da Penha “I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal”.
De outro modo, a doutrina conceitua de forma mais plana a violência doméstica. De acordo com Porto (2012):
A violência física é a ofensa à vida, à saúde e integridade física, tratando-se da violência propriamente dita. É caracterizada normalmente por hematomas, equimoses, queimaduras e fraturas, é portanto, a forma mais frequente do que a violência doméstica moral e psicológica.
Outros dados da violência doméstica levantados pelo Jornal Hoje em Dia através do Fórum Brasileiro de Segurança Pública demonstram índices do ano de 2016:
Ao menos 4,4 milhões de mulheres foram vítimas de agressões físicas no período de um ano. A estimativa, porém, é de que até 19,9 milhões possam ter sofrido algum tipo de violência nos últimos 12 meses. Os números mostram também que 28,6% das mulheres entrevistadas que concordaram em compartilhar experiências pessoais foram efetivamente violentadas entre janeiro e dezembro de 2016.
Ressalte-se ainda, dados do Data Senado de 2017 que mostraram que “27% das vítimas ainda não fazem nada em relação ao autor da agressão”, deste modo, presume-se, portanto, que o número de vítimas de violência doméstica seja de proporções maiores.
2.3 Violência Psicológica
O artigo 7º da Lei Maria da Penha, diz: “II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar suas ações” (...).
Conforme Dias (2015), todos os tipos de violência estão relacionados no mesmo diapasão “a violência psicológica está relacionada a todas as demais modalidades de violência doméstica. Sua justificativa encontra-se alicerçada na negativa ou impedimento à mulher de exercer sua liberdade e condição de alteridade em relação ao agressor”.
Esta modalidade de agressão é a menos denunciada, tendo em vista que, muitas mulheres não se dão conta que sofrem este tipo de violência, até mesmo por passar despercebida, entrementes, é uma modalidade de violência doméstica prevista em Lei.
2.4 Violência Sexual
Consoante disposto no artigo 7º da Lei Maria da Penha:
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos.
A violência sexual não se dá somente no ato sexual em si, mas também é configurada no ato de forçar a vítima a assistir atos sexuais de outrem, bem como obrigá-la a assistir imagens ou filmes pornográficos, até mesmo em forçá-la a fazer sexo com indivíduos diversos da relação conjugal.
Pelo fato de tal violência ocorrer no âmbito doméstico, segundo Adesse e Souza (2005) “a violência sexual é pouco denunciada, dificultando seu registro estatístico e a pesquisa nesta área”.
2.5 Violência Patrimonial
De acordo com o artigo 7º Lei Maria da Penha:
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.
Porto (2012) caracteriza como ocorre tal modalidade de violência “constitui o crime de violência patrimonial a retenção, a subtração e a destruição de instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos”.
2.6 Violência Moral
O artigo 7º da Lei Maria da Penha define a “V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.” Então, é o ato de propagar mentiras, ou qualquer outra forma de atinja a honra de uma mulher.
Por fim, Porto (2012) diz “é possível que todos os tipos de violência mencionados acima ocorram no âmbito familiar, doméstico ou em uma relação íntima de afeto. Não ocorrendo nesses âmbitos, não se caracteriza como violência doméstica”.
Uma vez, portanto, denotado acerca do conceito e dos tipos de violência, parte-se da premissa em explanar brevemente sobre os eventos que anteciparam a criação da Lei Maria da Penha.
3 DA CRIAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA
A Lei 11.340/2006, “Lei Maria da Penha” surgiu através do esforço coletivo de Organizações não governamentais e movimentos sociais frente aos elevados de violência doméstica contra as mulheres, portanto houve uma cobrança destas entidades do governo para que tomasse providencias para tanto, consubstanciados principalmente com o artigo 226, § 8º, da Constituição da República, com a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher com a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, entre outros tratados internacionais ratificados pelo Brasil, que buscaram dar reconhecimento a luta pelos direitos da mulher na sociedade, com a eliminação da violência contra si perpetrada.
Hoffmann (2016) explana que “a Lei surgiu para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, como já anuncia seu artigo inaugural, num processo de especificação dos sujeitos de direitos”.
Outro marco que se faz necessário ponderar, que o nome pelo qual ficou conhecida a “Lei Maria da Penha”, trata-se de uma homenagem feita à uma mulher que sofreu violência doméstica de seu cônjuge, o que causou danos irreversíveis à saúde de Maria da Penha Maia Fernandes, inclusive a deixando paraplégica, Bezerra (2018).
Infelizmente a criação da lei, não foi com iniciativa exclusiva do Brasil. Importante frisar neste ponto, que o país teve que ser denunciado e punido pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos para que tomasse providencias quanto aos altos índices de violência doméstica e no que tange ao “Caso Maria da Penha Maia Fernandes”.
Vejamos em resumo o que diz o relatório nº 54/01 – Caso 12.051 – Maria da Penha Maia Fernandes – Brasil 4 de abril de 2001, o qual se encontra disponível no site da Comissão Interamericana de Direitos Humanos:
A Comissão analisa neste relatório os requisitos de admissibilidade e considera que a petição é admissível em conformidade com os artigos 46(2) (c) e 47 da Convenção Americana e o artigo 12 da Convenção de Belém do Pará. Quanto ao fundo da questão denunciada, a Comissão conclui neste relatório, elaborado segundo o disposto no artigo 51 da Convenção, que o Estado violou, em prejuízo da Senhora Maria da Penha Maia Fernandes, os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial assegurados pelos artigos 8 e 25 da Convenção Americana, em concordância com a obrigação geral de respeitar e garantir os direitos, prevista no artigo 1(1) do referido instrumento e nos artigos II e XVII da Declaração, bem como no artigo 7 da Convenção de Belém do Pará. Conclui também que essa violação segue um padrão discriminatório com respeito a tolerância da violência doméstica contra mulheres no Brasil por ineficácia da ação judicial. A Comissão recomenda ao Estado que proceda a uma investigação séria, imparcial e exaustiva para determinar a responsabilidade penal do autor do delito de tentativa de homicídio em prejuízo da Senhora Fernandes e para determinar se há outros fatos ou ações de agentes estatais que tenham impedido o processamento rápido e efetivo do responsável; também recomenda a reparação efetiva e pronta da vítima e a adoção de medidas, no âmbito nacional, para eliminar essa tolerância do Estado ante a violência doméstica contra mulheres.
Posterior a criação da Lei 11.340/06, foram criados procedimentos para coibir e punir quem pratica atos de violência doméstica contra uma mulher, Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, onde a mulher vítima de violência doméstica é atendida por uma delegada, em regra, e tem total amparo e cuidado para salvaguardar, dentro dos limites impostos pela legislação, sua integridade física e psicológica, é o que diz Dias (2007):
Malgrado não tenha criado novos tipos penais, a Lei Maria da Penha incrementou o rigor no tratamento do agressor de mulheres, de modo a combater o perverso ciclo da violência, possibilitando a prisão em flagrante em crimes de menor potencial ofensivo e principalmente estabelecendo medidas protetivas de urgência.
Deste modo, a criação da Lei 11.340/06 foi um marco importante, e faz parte da história do país, uma vez que trouxe um rol de procedimentos e medidas em especial que o Judiciário deverá tomar, no entanto, há muito no que se evoluir, através de políticas públicas de conscientização e proteção a mulher com a criação de meios de efetivar a rede de proteção estatal a mulher vítima de violência doméstica.
4 ATUAIS ATRIBUIÇÕES DA AUTORIDADE POLICIAL
Até a edição da Lei 13.827/2019, que alterou substancialmente alguns trechos da Lei 11.340/2006, o delegado da polícia civil, limitava-se a apurar e investigar os crimes de violência contra a mulher, consoante dispunha o artigo 12 da Lei 11.340/06:
Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:
I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;
II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;
III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência;
IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários;
V - ouvir o agressor e as testemunhas;
VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele;
VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público.
No entanto, cabe ao poder Judiciário conceder medidas protetivas essenciais para salvaguardar a integridade da ofendida, vejamos o disposto artigo 22 da Lei 11.340/06 sobre as medidas que o Juiz poderá aplicar:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente;
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
Hoffmann (2016) afirma que tal burocratização prejudica o amparo estatal à ofendida:
Na atual sistemática, a concessão de medidas protetivas é exclusividade do magistrado. Quando a ofendida busca amparo na Delegacia, seu pedido de medidas protetivas deve ser encaminhado pelo delegado em 48 horas (art. 12, III), e o juiz deve decidir em 48 horas (art. 18, I). Após o deferimento, o agressor deve ser intimado da decisão, o que pode demorar dias, se tudo der certo e o suspeito não fugir. Ou seja, na melhor das hipóteses, aproximadamente 1 semana separa o comparecimento da ofendida à Delegacia e a concretização da medida protetiva contra seu algoz.
Hoffmann e Carneiro (2016) dizem que essa excessiva burocratização do procedimento foi notada pela sociedade, isto porquê no ano de 2016 foi criada uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência Doméstica, no qual constatou-se que o lento processo de proteção da vítima não é exceção, mas a regra. “A depender da região, o prazo para a concessão judicial das medidas é de um a seis meses, tempo absolutamente incompatível com a natureza mesma desse instrumento”.
5 A MUDANÇA NA LEGISLAÇÃO
Levando em consideração de que o Brasil possui um índice ainda elevado de violência doméstica contra as mulheres, em todas suas modalidades, tais índices tendem a não diminuir, isso porquê o Judiciário possui demasias e quem está na posição de vítima de violência doméstica, horas ou até minutos sem a proteção estatal são uma eternidade, fato este que por si só, aumenta de modo veemente os índices de negligência fazendo com que a vítima a não comunique o crime.
Hoffmann (2017) aduz sobre a possível concessão de medidas protetivas pela autoridade policial:
A alteração é perfeitamente constitucional. Não existe reserva de jurisdição para a decretação de medidas cautelares, ou seja, a Constituição não exigiu prévia decisão judicial para a adoção dessas providências. (..) Não é inédita, portanto, a outorga legal de poder cautelar ao delegado de polícia. Muito pelo contrário, a lei atribuiu à autoridade policial a possibilidade de adotar manu propria uma série de medidas, tais como prisão em flagrante (artigo 304 do CPP), liberdade provisória com fiança (artigo 322 do CPP), apreensão de bens (artigo 6º, II do CPP), ação controlada no crime organizado (artigo 8º, parágrafo 1º da Lei 12.850/13), dentre outras.
Aliás, não são todas as medidas protetivas possíveis de serem decretadas pelo delegado. Apenas as de proibir o agressor de se aproximar da ofendida, de manter contato com ela ou de frequentar determinados lugares; encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa de proteção ou de atendimento; ou ainda determinar a recondução da ofendida e de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor.
A inovação em nada afeta a capacidade postulatória da vítima. Mesmo que autoridade de polícia judiciária não vislumbre a existência de risco atual ou iminente à vida ou integridade física e psicológica da vítima, continua intocável a possibilidade de a ofendida requerer as medidas protetivas, pedido que deverá ser encaminhado normalmente pelo delegado ao juiz em 48 horas ou até mesmo apresentado diretamente ao Judiciário pela mulher.
Não há qualquer prejuízo ao controle judicial da providência ou à inafastabilidade da jurisdição. À semelhança do que ocorre com a prisão em flagrante decretada pelo delegado (artigos 306, parágrafo 2º e 310 do CPP), o juiz deverá ser comunicado da medida no prazo de 24 horas e poderá manter ou rever a medida aplicada, ouvido o Ministério Público no mesmo prazo.
Ponderação esta realizada por Hoffmann, possui base na resolução de 2015 do Conselho Nacional de Justiça, vejamos:
Em fevereiro de 2015, o CNJ, em parceria com o Ministério da Justiça e o TJSP, lançou o projeto Audiência de Custódia, que consiste na garantia da rápida apresentação do preso a um juiz nos casos de prisões em flagrante. A ideia é que o acusado seja apresentado e entrevistado pelo juiz, em uma audiência em que serão ouvidas também as manifestações do Ministério Público, da Defensoria Pública ou do advogado do preso.
Durante a audiência, o juiz analisará a prisão sob o aspecto da legalidade, da necessidade e da adequação da continuidade da prisão ou da eventual concessão de liberdade, com ou sem a imposição de outras medidas cautelares. O juiz poderá avaliar também eventuais ocorrências de tortura ou de maus-tratos, entre outras irregularidades.
O projeto prevê também a estruturação de centrais de alternativas penais, centrais de monitoramento eletrônico, centrais de serviços e assistência social e câmaras de mediação penal, que serão responsáveis por representar ao juiz opções ao encarceramento provisório.
A implementação das audiências de custódia está prevista em pactos e tratados internacionais assinados pelo Brasil, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José.
Muito embora, a audiência de custódia seja para tratar sobre prisões em flagrantes e outras medidas etc., o Judiciário não seria excluído de analisar o mérito da questão, ocorreria, portanto, o que ocorre com a prisão em flagrante decretada pelo delegado (artigos 306, parágrafo 2º e 310 do CPP), após a autoridade policial conceder uma medida protetiva, os autos seriam encaminhados ao Judiciário para que adentrasse no mérito da questão, se manteria a medida cautelar ou não, assim como ocorre por exemplo na audiência de custódia que apesar de não estar prevista no Código de Processo Penal, o Conselho Nacional de Justiça determinou que ela fosse feita em cumprimento ao princípio da eficácia.
A figura do delegado de polícia de inicial é de garantidor dos direitos e interesses da vítima de violência doméstica e familiar, garantindo sua segurança estatal. Bem como denota Sannini (2016) “esta autoridade está à disposição da sociedade vinte e quatro horas por dia, durante os sete dias da semana, tendo aptidão técnica e jurídica para analisar com imparcialidade a situação e adotar a medida mais adequada ao caso”.
Desta forma, ao aplicar uma medida protetiva imediatamente, o risco dela ser frustrada seria ínfimo. Tendo como objetivo, somente de garantir com maior efetividade a aplicação do que a Lei 11.340/06 e a Constituição Federal de 1988 determinam.
Vale salientar que visando um bem estar social e ampliação dos direitos das mulheres, surgiu o PL 07/16, proposto pelo Deputado Federal Sergio Vidigal (PDT/ES), no qual tinha o intuito de proporcionar maior efetividade da Lei regente, em suas palavras “minha proposta saiu das estatísticas, do dia-a-dia”, diz ele, “talvez a Lei Maria da Penha não tenha atentado para esse detalhe, que não é só fazer uma Lei que vai resolver o problema”, visto que em seu artigo 12-B e parágrafos, garantiria todas essas possibilidades ao delegado de polícia, vejamos:
Nós conhecemos a lentidão do Judiciário nesse país, as vezes a mulher é obrigada a voltar para casa depois da denúncia e a perseguição se volta contra ela, (...) o fato é que são necessárias medidas urgentes. A proposta é para proteger a mulher vítima de violência até o judiciário fazer a homologação das medidas ou não.
Art. 12-B. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou integridade física e psicológica da vítima ou de seus dependentes, a autoridade policial, preferencialmente da delegacia de proteção à mulher, poderá aplicar provisoriamente, até deliberação judicial, as medidas protetivas de urgência previstas no inciso III do art. 22 e nos incisos I e II do art. 23 desta Lei, intimando desde logo o ofensor. § 1º O juiz deverá ser comunicado no prazo de vinte e quatro horas e poderá manter ou rever as medidas protetivas aplicadas, ouvido o Ministério Público no mesmo prazo. § 2º Não sendo suficientes ou adequadas as medidas protetivas previstas no caput, a autoridade policial representará ao juiz pela aplicação de outras medidas protetivas ou pela decretação da prisão do autor.
Este Projeto de Lei teve seu trâmite na Câmara dos Deputados e Senado Federal e aprovado por ambos, seguiu para análise do Presidente da República e no dia 13 de maio de 2019 foi publicada no Diário Oficial da União:
Altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para autorizar, nas hipóteses que especifica, a aplicação de medida protetiva de urgência, pela autoridade judicial ou policial, à mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou a seus dependentes, e para determinar o registro da medida protetiva de urgência em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça.
Hoffmann (2017), Delegado de Polícia Civil do Paraná e colunista do site ConJur, a despeito da constitucionalidade de o delegado de polícia aplicar medidas cautelares:
As medidas protetivas possuem natureza cautelar, em relação às quais a Constituição não exigiu prévia decisão judicial. Isso significa que o legislador tem margem para definir quais autoridades possuem esse poder de deliberação. Por isso mesmo já havia atribuído ao delegado de polícia a possibilidade de adotar uma série de outras medidas de mesma natureza, tais como prisão em flagrante, fiança e apreensão de bens.
Outro dado importante é que segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública o número de medidas cautelares têm diminuído no Brasil, fato este que por si só demonstra que de alguma forma tem sido efetiva a participação do delegado de polícia, vejamos:
O estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou ainda uma redução nos registros de violência sexual na maioria dos estados que enviaram seus dados, incluindo ainda Mato Grosso, onde a queda foi de 25,6%. Apenas no Rio Grande do Norte, que decretou isolamento social amplo posteriormente às outras unidades federativas, em 1º de abril, este tipo de crime apresentou crescimento.
A organização ainda observou que entre o final de março e os primeiros dias de abril, também caíram o número de Medidas Protetivas de Urgência concedidas. No Acre, por exemplo, a redução chegou a 67,7%.
Diante destas justificativas, o Projeto de Lei foi votado e passou a integrar o texto final da Lei 11.340/2006 em 13 de maio de 2019 data da sua publicação, delegando a autoridade policial a atribuição de conceder medidas protetivas de urgência a teor do dispositivo legal do artigo 12- C, o qual trago a seguir:
Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida:
I - pela autoridade judicial;
II - pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca; ou
III - pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia.
§ 1º Nas hipóteses dos incisos II e III do caput deste artigo, o juiz será comunicado no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas e decidirá, em igual prazo, sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada, devendo dar ciência ao Ministério Público concomitantemente.
§ 2º Nos casos de risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida protetiva de urgência, não será concedida liberdade provisória ao preso.
Ressalte-se que o legislador ainda atentou para os casos em que, por motivos ali elencados, não há autoridade policial no momento da busca da vítima pelo apoio do Estado, garantindo que o policial que estiver na delegacia possa atender e deferir as medidas, conforme descrito no inciso III do atual artigo 12- C.
Desta forma, o delegado de polícia e, na sua falta. Até mesmo outro policial presente na sede do distrito, possui atribuições em tomar as medidas necessárias para a defesa e proteção da mulher vítima de violência doméstica.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através deste artigo, buscou-se aprofundar os conhecimentos em relação ao tema supramencionado. Todavia, pode-se dizer que a Lei 11.340/06, conhecida vulgarmente como “Lei Maria da Penha” um novo olhar procedimental e na sociedade na visão da segurança à mulher vítima de violência doméstica, uma vez que impõe mais rigor ao agressor, dentre outros procedimentos, tais como: afastamento do lar, imposição de perímetro de aproximação da vítima etc. Porém, a maior dificuldade encontrada dentre as medidas protetivas e explanada nesta pesquisa, foi o lapso temporal entre a representação policial ao Judiciário até a concessão dela, podendo estender-se em até 6 meses, quando em alguns casos não sendo se quer necessário, uma vez que o agressor já tenha até mesmo levado a óbito sua vítima.
Eis que entra a atribuição trazida pelo advento da Lei 13.827/19, quando deu a possibilidade do delegado de polícia garantir de direitos, agindo a par da legislação e por ter o contato inicial com a vítima, poder, se achar conveniente e necessário, aplicar uma medida protetiva em desfavor do agressor, o afastando do lar.
Dentre outras peculiaridades relevantes no combate à violência doméstica contra a mulher, observou-se que a Lei Maria da Penha delineou situações que explicitam esta violência, demonstrando que esta não é somente caracterizada pelo soco ou pelo empurrão. Hoje, já se reconhece que a violência psicológica também causa danos graves à mulher, não somente a ela, como a todos os seus dependentes, que de maneira direta ou indireta, também são violentados.
No presente artigo foi mostrada a importância das medidas protetivas na Lei Maria da Penha, que visam a garantia da mulher contra o seu agressor.
Sendo assim, é necessário que homens e mulheres busquem um convívio mais harmônico, num ambiente de reconhecimento e igualdade e é induvidoso que a inovação contribui para que se atinja o escopo principal da lei, consistente na efetiva proteção da vítima de violência doméstica. Como diz Pinto (2016) que ao dotar o delegado de polícia a “possibilidade de impor medidas protetivas de urgência, indicando um agente policial que, de imediato, cumprirá o que foi determinado, confere especial efetividade ao diploma legal, pois se trata de celeridade, revela-se apta a evitar um mal maior”.
Desta forma, em tese principal foi explanado como se dá a inovação atribuída ao delegado de polícia e demonstrado os fatos, estatísticas e averiguações no qual esta inovação trouxe eficácia da legislação.
REFERÊNCIAS
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[1] Mestra em D. Ambiental pela UEA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORENO, ALEXSANDER BARRETO. Atribuição do Delegado de Polícia no cumprimento da Lei Maria da Penha Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 dez 2020, 04:21. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55777/atribuio-do-delegado-de-polcia-no-cumprimento-da-lei-maria-da-penha. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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