RESUMO: O presente artigo objetiva de forma geral analisar as formas e modelos de confisco de bens constantes dos dispositivos legais no Brasil até os dias atuais com a noção perdimento alargado inserido no código penal por meio do “Pacote Anticrime” (Lei 13.964/2019), tendo como demais objetivos versar sobre o contexto da criação desta lei expondo as inovações trazidas dentro do perdimento de bens, verificar a constitucionalidade de perdimento alargado e sua aplicabilidade de acordo com a realidade do Brasil. O perdimento, perda ou confisco, são terminologias equivalentes ao efeito condenatório que traz como consequência a retirada de patrimônio de determinado ente que o possua de forma escusa. No Brasil, essa transferência coercitiva de bens ao patrimônio do Estado é concebida como efeito penal, disposto no artigo 91, inciso II, alíneas a e b, do Código Penal; e também analisada pela ótica de pena autônoma no artigo 43, inciso II, do já citado Código Penal. Todavia, a noção do modelo de confisco alargado, bem como sua introdução, é recente, data de 2016, por meio do Projeto de Lei nº 4.850. Como metodologia utilizou-se pesquisa bibliográfica e jurisprudencial.
PALAVRAS-CHAVE: Confisco de bens. Perdimento alargado. Código Penal. Pacote Anticrime. Lei 13.964/2019.
ABSTRACT: The present article aims in a broad way to analyze the forms and models of confiscation of assets contained in the legal provisions in Brazil until the present day, with the notion of extended forfeiture inserted in the penal code through the "Anticrime Package" (Law 13.964/2019), having as other objectives address the context of the creation of this law stating the innovations brought within the forfeiture of assets and verify the constitutionality of extended forfeiture and its applicability according to the Brazilian reality. Forfeiture, loss or confiscation are terminologies equivalent to the sentencing effect that results in the removal of assets from a certain body that owns them in an undue manner. In Brazil, this coercive transfer of assets to state property is conceived as a criminal effect, provided for in article 91, item II, a and b of the Penal Code and is also analyzed from the standpoint of autonomous punishment in article 43, item II of the previously cited Penal Code. However, the notion of the extended confiscation model, as well as its insertion, is recent, dating back to 2016, by means of Bill no. 4,850. Bibliographic and jurisprudential research were used as methodology.
KEY WORDS: Forfeiture of assets. Extended loss. Penal Code. Anticrime Package. Law 13.964/2019
SÚMARIO 1. Introdução. 2. Confisco de bens. 3. Confisco alargado: 3.1 Direito comparado; 3.2 Pacote anticrime: LEI 13.964/2019. 4. Discussões acerca do confisco alargado de bens no Brasil. 5. Conclusão. 6. Referências.
1 INTRODUÇÃO
O perdimento de bens também denominado como confisco no vocabulário brasileiro, é definido por Houaiss (2001), como ato punitivo em razão de contravenção ou crime praticado por uma pessoa, pelo qual se apreendem e se adjudicam ao fisco seus pertences, através de ato administrativo ou por sentença judiciária fundada em lei.
Surge do direito romano, sendo de natureza patrimonial, todavia, que não atingia somente a figura do condenado, mas que muitas das vezes tinha sua abrangência expandida àqueles que do infrator dependesse.
Ao se fazer um retrospecto desse expediente jurídico no Brasil ao longo das suas diversas constituições, pode-se considerar que o confisco de bens teve abordagens, grau de importância e aplicabilidade divergentes de acordo com a vigência de cada Carta Magna.
Em legislação ordinária, tem-se a matéria relativa ao perdimento de bens em termos penais no artigo 91 do Código Penal, cujo o referido conceito foi resultado da reforma da Parte Geral do Código Penal, editada pela Lei .7209/84, que ainda trazia o entendimento da Constituição de 1967, que no seu art. 153, § 11 proibia o confisco, a perda de bens do particular em favor da União. Desse modo, o artigo no art. 91, II, o perdimento de bens era concebido como efeito secundário da condenação, ressalvado o direito do lesado ou do terceiro de boa-fé e repete a norma da antiga Parte Geral.
A lei 13.964/2019, que entrou em vigor recentemente, em 23 de Janeiro de 2020, conhecida como “Pacote Anticrime”, foi sancionada pelo Presidente da República após aprovação no Senado Federal no dia 11 de Dezembro de 2019, trouxe consigo alterações, acréscimos e revogações substanciais ao Direito Penal, Processo Penal, Execução Penal e legislação extravagante, apesar de trazer avanços necessários para o judiciário, traz alguns retrocessos e torna o sistema ainda mais punitivo.
No caso específico do Artigo 91-A insere no Código Penal o entendimento do perdimento alargado de bens, como um efeito da condenação para infrações com pena máxima acima de 6 anos de reclusão. a perda dos bens correspondidos a diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com seu rendimento licito, onde o réu deve provar a licitude de seu patrimônio.
O presente estudo torna-se relevante do ponto de vista acadêmico em razão da importância de que novas regras jurídicas trazem mudanças no seio da sociedade, e assim, a academia promover discussões acerca da constitucionalidade desse artigo 91-A, uma vez que para alguns doutrinadores esta em desacordo com a Constituição Federal de 1988, e violando assim, direitos fundamentais do cidadão. É importante ressaltar que tal fato levou a Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (ABRACRIM) a protocolar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6304).
Assim, o referido estudo tem como objetivo geral: analisar as formas e modelos de confisco de bens constantes dos dispositivos legais no Brasil até os dias atuais com a noção perdimento alargado inserido no código penal por meio do “Pacote Anticrime”. Os objetivos específicos são: versar sobre o contexto da criação do “Pacote Anticrime” expondo as inovações trazidas dentro do perdimento de bens; verificar a constitucionalidade de perdimento alargado e sua aplicabilidade de acordo com a realidade do Brasil.
2 CONFISCO DE BENS
A respeito d terminologia que será utilizado no decorrer do presente trabalho, poderá ser mencionado “perdimento de bens” ou “confisco”, não havendo distinção entre eles quanto ao conceito. Essado (2014), explica que o uso de “perda de bens” é proveniente do fato da expressão ser uma das utilizadas pelo ordenamento jurídico brasileiro e acolhida em decisões, bem como em diversos órgãos internacionais.
Em visão oposta quanto a nomenclatura, Bomfim & Bomfim (2005), citam que o termo “perda de bens” é equivocado, visto que bens confiscados não se “perdem”, e o termo “confisco”, pode ser facilmente entendido por leigos, possuindo ainda equivalência em outros idiomas.
Do ponto de vista estritamente jurídico, Vieira (2019) cita que o termo representa o ato de transferência coercitiva dos bens ao patrimônio do Estado, revelando, ainda, que o confisco no Código Penal é tratado ora como efeito da condenação penal, ora como pena autônoma.
Em outras palavras, o Confisco pode ser compreendido como o:
[..] efeito civil da condenação penal, envolvendo crimes e não contravenções. Assim é meio através do qual o Estado visa impedir que instrumentos que sejam considerados idôneos para praticar o delito caiam em mãos de certas pessoas, ou que o produto do crime venha a enriquecer o patrimônio do delinquente. (JESUS, 1983, p. 617)
No ordenamento jurídico, o confisco está presente no Artigo 5°, XLV da Constituição Federal correlacionando o artigo 91 do Código Penal, e o confisco como pena está presente no artigo 5°, XLVI, b da Constituição Federal correlacionando o artigo 43, II do Código Penal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido; XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos; [...] (BRASIL, 1988)
Em ambos os casos o artigo 5º da Constituição estão correlacionados ao Código Penal, primeiramente o confisco como efeito no artigo 91, e como pena no artigo 43, II do referido código. Sousa e Tourinho (2019), partilham dessa linha de raciocínio ao citar que o confisco como efeito previsto no artigo 91 do Código Penal apresenta duas espécies.
Vieira (2017) aborda essas duas espécies, de modo que revela a primeira espécie de confisco denominada clássica como aquela que recai sobre os instrumentos ou proveito do crime, presente no artigo 91, II do Código Penal; enquanto na segunda espécie, denominada confisco por equivalência, são atingidos os bens constantes do Código Penal que apresentam o mesmo valor auferido pelo agente, presente no artigo 91, §1°, e que por sua vez, reflete a tendência internacional, adotando a perda de bens mesmo daqueles não associados ao crime. Com relação as duas espécies de confisco, o autor a seguir desenvolve a ideia já levantada anteriormente, conforme observa-se:
Em seu art. 91, II, b, o Código Penal institui a chamada perda clássica, que consiste em efeito secundário da condenação em razão do qual é decretada “a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé” (inciso II), “do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso” (alínea b). No § 1º do art. 91 (acrescido somente em 2012), o legislador previu ainda a possibilidade de perda por equivalente, nos seguintes termos: “poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior”. Em outros termos, verifica-se que o confisco não necessariamente se restringe àqueles bens diretamente obtidos pelo criminoso com a prática do delito pelo qual ele é condenado; em razão do que dispõe o art. 91, § 1º, a perda pode atingir também “bens ou valores equivalentes”. (CARDOSO, 2018)
O exposto acima suscita sobre: os instrumentos e o objetos relacionados a ação delituosa. No confisco percebe-se a estrita limitação de aplicação onde os valores estão relacionados ao crime, uma vez que aquilo a ser confiscado possui um limite material, sendo apenas os instrumentos ou produto do crime.
Assim, Inácio (2019), diferencia esses aspectos discorrendo que os instrumentos são aqueles que tiveram destinação específica na prática delituosa ou cujo porte é ilícito, enquanto os produtos são frutos diretos da atividade delituosa ou mediante sucessiva especificação, criado ou conseguido com origem criminosa.
Para auxiliar na compreensão dessas questões, tem-se o seguinte ensinamento:
Instrumentos do crime são os utensílios que se prestam ao seu cometimento. Confisco é a perda de bens do particular em favor do Estado. Estes somente podem ser confiscados quando consistirem em objetos cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção, constitua fato ilícito. (COSTA JR., 1987, p. 440)
Vale ressaltar que os instrumentos apreendidos pela autoridade policial em razão de estarem relacionados ao delito, não poderão ser restituídos aos seus titulares enquanto interessarem ao processo e durante toda a sua tramitação.
Verifica-se ainda quanto o confisco como efeito da condenação, que se estabelece a destinação publica dos bens e valores declarados perdidos, porém, salvaguardando o direito do lesado ou terceiro de boa-fé. Sobre tal fato, Essado (2014), revela que a finalidade desse tipo de confisco é impedir que o agente do crime permaneça com a propriedade ilícita derivada do crime, seja ela direta ou indireta.
O chamado confisco por equivalência atua na hipótese em que o agente tenha se desfeito ou escondido o produto ou proveito do crime, como aquele que adquire imóvel ou deposite dinheiro ilícito em agencia bancaria no exterior. A seguir há a fundamentação do exposto:
A segunda espécie de confisco foi criada pelo legislador ordinário em 2012, por meio da Lei nº 12.694, e é denominado de “confisco por equivalência”, pois a perda de bens atingirá não o resultado do crime decorrente diretamente da atividade criminosa, mas bens que proporcionalmente apresentem o mesmo valor auferido pelo agente criminoso. (ROMANO, 2019)
Fato que, ainda que esses bens não sejam encontrados, poderá ser decretada a perda de bens ou valores correspondentes ao produto ou proveito do crime, para que assim seja impedido que o agente continue auferindo lucro derivado do crime, conforme também ensina Grego (2017)
3 CONFISCO ALARGADO
Uma questão relativa ao confisco alargado, cuja discussão será desenvolvida mais adiante, porém que importa ser citada, é relativa a dinâmica de como funciona tal instituto, visto que provada a origem ilícita dos bens e recursos, fundamenta-se na prévia condenação por crimes tidos como graves, com o agravante ainda que caso haja a existência de patrimônio incompatível com os proventos lícitos, todo o patrimônio é concebido como fruto de ação delituosa anterior.
A questão anteriormente levantada, objetiva atingir o que a literatura chama de despatrimonialização do crime, em razão de ir ao cerne da capitalização das organizações, interrompendo o financiamento das mesmas. Sabe-se que ao interromper o fluxo financeiro do crime organizado, o funcionamento da estrutura criminosa é diretamente impactado. O confisco alargado também tem sua origem nessa incapacidade do Estado em acompanhar o dinamismo das organizações em se reorganizar e assim buscar lastro aos seus ganhos e patrimônios. Pode-se compreender tal questão a seguir:
Vb [O confisco alargado] almeja suprir, assim, uma grave lacuna constante do nosso ordenamento jurídico, que se mostrava omisso em relação as situações em que indivíduos condenados por delitos diversos, como por exemplo, lavagem de capitais, crimes contra a ordem econômica-financeira, tráfico de drogas, apresentavam um patrimônio elevado, revelando um estilo de vida absolutamente incompatível com seus rendimentos, mesmo com a perda dos bens que foram comprovados com instrumentos ou produto (direto ou indireto) do crime. (LIMA, 2020, p. 40)
Em essência, o Confisco Alargado de bens pode ser compreendido como uma medida de grande impacto, no qual o Estado objetiva alcançar montantes de valores, cuja dificuldade ou impossibilidade de rastrear é grande por diversos fatores, como por exemplo, uma rede delituosa complexa. Também porque os confiscos clássicos e subsidiários já não conseguiam acompanhar e mesmo coibir o acúmulo de grandes montantes de maneira ilícita pelos criminosos, visto que dependiam invariavelmente de condenação penal, bem como por serem vinculados ao produto ou ao proveito obtido.
Segue a definição do confisco alargado em todas as suas frentes:
O movimento de combate ao lucro decorrente da atividade criminosa originou diversos instrumentos de persecução patrimonial que buscam atingir o patrimônio ilícito de organizações criminosas, sem exigir a vinculação com a condenação penal ou a qualificação dos bens como produtos ou instrumentos de crime. (VIEIRA, 2019, p. 36)
Vale ressaltar que tais medidas de combate a criminalidade devem ter como foco a neutralização dos instrumentos, produtos e proventos do crime, de modo a impossibilitar o alargamento das ações desenvolvidas resultantes das atividades delituosas. O entendimento acerca do exposto é também compartilhado por Cardoso (2018):
A perda alargada surgiu, eminentemente, para superar as dificuldades probatórias impostas pelos instrumentos tradicionais de confisco, que impõem a demonstração do nexo entre bens a serem apreendidos e o crime objeto da persecução penal. (CARDOSO, 2018)
Tem-se a explanação que o confisco alargado atinge todo o patrimônio do condenado que se revele incongruentes com seus rendimentos lícitos. O confisco alargado de bens é a medida que melhor se adapta a aplicação de grave consequência patrimonial ao criminoso e que possibilita ao Estado a inversão do ônus da prova, especificamente naquilo que não for de acordo com o fruto de trabalho lícito do investigado.
Outra delimitação do conceito é a no qual o autor versa sobre confisco alargado como sendo:
[...] a possibilidade de se declarar a perda, total ou parcial de bens pertencentes a uma pessoa condenada por infração penal, sem que haja a direta vinculação entre a aquisição de tais bens e o crime mediante o qual a pessoa foi condenada. A ampliação do alcance da perda torna-se possível em razão da presença do critério probatório de elevada probabilidade, baseado em fatos concretos, que apontem a provável aquisição de bens a partir de atividades criminosas semelhantes aquela pela qual a pessoa foi condenada. (ESSADO, 2014)
Sendo assim, o confisco de bens em que sua ilicitude é apenas presumida, sem que tenha provas da sua ligação com o fato criminoso. Segundo Correia (2012), para sustentar essa presunção existe a suspeita de que o agente cometeu outros atos ilícitos, além dos de sua condenação, resultando em patrimônio injustificável e não compatível com seus rendimentos.
Interessante notar ainda acerca do confisco alargado é que os instrumentos resultantes destes são classificados em 04 (quatro) modelos. O primeiro modelo determina uma regra de confisco geral, de maneira que resta condenação por algum dos delitos selecionados e serão apreendidos os bens do apenado, mesmo que sejam comprovadamente lícitos. Correia (2012), cita que este primeiro modelo se caracteriza como pena (acessória ou principal) e desse modo traz complexos problemas de constitucionalidade, principalmente em face do princípio da proporcionalidade. Sobre desse modelo, assim versa o autor:
O primeiro modelo é o confisco geral de bens, aplicado a partir da condenação por algum crime previamente selecionado. Não se perquire se o patrimônio é ilícito; ele será atingido mesmo que o bem comprovadamente seja lícito. (VIEIRA, 2019, p. 37)
O segundo modelo assemelha-se ao tratado anteriormente, determinando o confisco de todos os bens das organizações criminosas, em razão de que estes podem ser utilizados em novas práticas delituosas, assim, seu emprego é presumivelmente ilícito sendo desnecessária a demonstração de aquisição lícita.
Sobre o modelo em tela, o autor discorre da seguinte forma:
Esse modelo não se preocupa com a origem criminosa dos bens, porém com seu presumido emprego ilícito. Assim não há que se cogitar de demonstrar eventual nexo entre os bens e a aquisição ilícita (ESSADO, 2015, p. 148)
Nota-se, portanto, que a abordagem se desloca de uma origem ilícita para o presumido destino ilícito. Todavia, pelo potencial em atingir o patrimônio como um todo baseado somente numa ficção, esse modelo pode conflitar com o princípio da presunção de inocência, conforme versa Correia (2012).
O terceiro modelo nas palavras de Inácio (2019), é essencialmente civil, visto que independe de ação penal. Tendo nesse caso como ponto central o uso ou origem ilícita da propriedade, e desse modo, bastando a comprovação que a propriedade a ser confiscada possui tais características.
Reconhece-se, nesse modelo, um caráter real ou in rem em razão de não incutir, na causa de pedir, nenhum elemento a respeito da responsabilidade do proprietário ou do possuidor. Basta a demonstração de que a origem ou o uso da propriedade são contrários ao ordenamento (VIEIRA, 2019, p. 37)
Outra característica desse modelo é que sua aplicação se dá em situações em que ocorre a incidência de impossibilidade quanto ao prosseguimento do processo penal por questões como ausência, falecimento e fuga do acusado ou mesmo não identificação do autor do delito. Inácio (2019), afirma que esse modelo se apresenta como uma forma eficaz de ultrapassar o garantismo penal, visto que grau de certeza exigido no processo civil é muito menor.
O quarto modelo apregoa que confisco de bens se deve a consistentes elementos comprobatórios que indicam a origem ilícita dos mesmos. Tal consideração é baseada na conjuntura de condenação anterior por crimes elencados como graves, bem como a existência de patrimônio incompatível do acusado. Tais fatos permitem presumir serem os bens provenientes de carreira criminosa anterior. Assim fundamenta o autor:
A conclusão pela origem ilícita dos bens é fundamentada na prévia condenação por crimes considerados graves e na existência de patrimônio incompatível com a renda lícita do condenado, o que permite a ilação de que eles são resultado de carreira criminosa anterior. (VIEIRA, 2019, p. 39)
Uma questão suscitada pelo modelo retromencionado é acerca da presunção de inocência, uma vez o réu sendo condenado pela prática por um dos delitos pressupostos, ocorre a inversão do ônus probatório, de modo que são levantadas suspeitas de que aqueles bens incompatíveis com rendimentos lícitos são resultado de atividade criminosa.
De acordo com Correia (2015), tal presunção é fundamentada na conjunção de patrimônio desproporcional e o lucro inerente a espécies delitivas às quais são requisitos de aplicação do Confisco Alargado.
Nesse sentido, Duarte (2013), faz críticas ao confisco tradicional, pois as perdas de benefícios resultantes do crime, se mostraram insuficientes inúmeras vezes, por exigir a prova da ligação entre o benefício e o crime, onde, na maioria dos caso é impossível de estabelecer essa ligação.
Pode-se considerar que o confisco alargado, leva vantagem sobre o confisco clássico, pois esse último, funciona somente onde é provada a ligação entre o benefício resultante de ilicitude e o crime, sendo assim, sem essa prova, serão mantidos os benefícios ilícitos na esfera patrimonial dos criminosos, fato que não acontece com no confisco objeto do presente.
O confisco alargado se mostra viável sob o aspecto de que a criminalidade vem se reinventando constantemente, organizando-se em estruturas não contempladas pelos dispositivos legai e tampouco suscetíveis a pena de prisão. Dessa forma, somente atacando o lucro se obterá a prevenção das espécies delitivas.
É indispensável notar que não apenas no contexto nacional brasileiro, mas na realidade internacional, as práticas da criminalidade organizada e econômica atuam em um leque de setores de atividades que visam conferir embasamento, por meio da lavagem de grandes receitas produzidas pelas atividades criminalmente ilícitas, tais como tráfico de drogas, armas, pessoas, metais preciosos, além da corrupção e fraudes.
Já era possível se identificar o confisco alargado nos Estados Unidos em 1970, no Reino Unido em 1986, e na Austrália em 1987. Porém, como explica Vieira (2019), foi com o surgimento do bloco da União Europeia que o instituto do confisco alargado e seus requisitos foram lapidados, servindo, assim, de referência para outros países do continente e mesmo de outras partes do mundo.
Na Espanha, conforme cita Coelho (2019), a figura do decomiso ampliado surgiu como um mecanismo de combate a determinados tipos de criminalidade organizada, através da Ley Orgánica 5/2010. Sendo modificada pela Ley Orgânica 1/2015, estabelecendo uma lista de indícios, e não um rol taxativo, que pode ser arguida por provas da origem licita do bem.
Em Portugal, o dispositivo que prevê o regime do confisco alargado é a Lei nº 5/2002, cita a existência de patrimônio do condenado incompatível com seus rendimentos lícitos. A legislação portuguesa é taxativa no rol de delitos que ensejam a perda alargada, diferentemente da espanhola, dentre os quais destacam-se: tráfico de entorpecentes, de influência, armas, humano dentre outros; práticas relacionadas a terrorismo; recebimento indevido de vantagem; corrupção; lavagem de dinheiro; peculato; associação criminosa; pornografia infantil e de menores; crimes de informática.
O Código Penal francês prevê a perda de bens móveis e imóveis quando estes tenham servido ou destinado a prática de crimes, fato que se assemelha ao efeito secundário da sentença condenatória prevista na legislação brasileira.
Todavia, o critério necessário para o confisco é o preceito primário estabelecido, como infrações com pena não inferior a 05 anos, além de que o delito tenha como consequência acúmulo de riqueza de forma direta ou indireta.
Na Itália, a ideia de confisco foi ganhando força a partir dos anos 1990, quando foi cessada a necessidade de comprovação da relação entre os proventos e a conduta ilícita, cabendo assim ao investigado provar a origem lícita dos seus ganhos. O autor a seguir assim exemplifica a realidade italiana:
[...] criminalizava a posse injustificada de património que se mostrava desproporcional aos rendimentos lícitos do condenado, quando estivessem em causa determinados crimes, com fundamento na violação do princípio da presunção de inocência e da culpa, por estar em causa uma incriminação derivada a partir do estatuto de arguido – isto, porque a perda dos bens ocorria ainda durante o período em que o agente assumia a posição de “arguido”, que se caracteriza pela sua instabilidade e reversibilidade. (COELHO, 2019, p. 87)
A legislação italiana atual permite, inclusive, o confisco antes da condenação criminal. No artigo 12º, sexies, Lei nº 356/1992, havia a previsão de perda alargada na hipótese de desproporcionado e injustificada os bens de titularidade ou posse de pessoas condenadas por crimes previamente elencados na lei, conforme pôde-se observar na citação acima:
Por meio da Erweiterte Verfall, no seu § 73d, o Código Penal alemão, ocorre a previsão de confisco alargado. Vale citar que essa norma foi declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal da Alemanha, citando o rol de crimes com abrangência pelo regime do confisco alargado. O autor a segui explica ainda que na realidade alemão ocorre a possibilidade da:
[...] perda incidir sobre os bens que estejam na titularidade ou na posse do autor ou participante, sempre que as circunstâncias justifiquem a suposição de que estes foram obtidos por meio ou para a prática de outros fatos ilícitos. (VASCONCELOS, 2006, p. 39)
Já no Reino Unido, o Proceeds of Crime Act, de 2002, determina que a perda do acúmulo de riqueza proveniente de atividade criminosa pode se dar mediante o confisco penal ou civil. O confisco alargado será aplicado quando do confisco penal em situação em que o agente tenha se beneficiado com prática criminosa em um montante não inferior a 5.000 euros, tendo ainda regras bem delimitadas na legislação, indicando inclusive os números de condenações, que o agente fez do crime um meio de vida, de acordo com o que exemplifica Coelho (2019).
Como pode-se observar a União Europeia veio durante esses anos adotando convenções e planos, que fortificam o instituto do confisco alargado nos seus países membros, além de desenvolver Convenção do Conselho da Europa Relativa ao Branqueamento, Detecção, Apreensão e Perda dos Produtos do Crime e ao Financiamento do Terrorismo, de 2005.
Recentemente ganhou ainda mais força devido:
A edição pelo Parlamento Europeu, da Diretiva n. 2014/42, que exorta os Estado-membros da Comunidade Europeia a adotar a perda alargada, com vistas a incrementar a eficiência no controle da criminalidade organizada e transnacional. (CARDOSO, 2018)
Nota-se que a União Europeia se mostra bastante preocupada com o combate ao crime organizado. Internacionalmente o instituto do confisco alargado, de acordo com (Assumpção, 2020), tem previsão na Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substancias Psicotrópicas, Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional e Convenção das Nações Unidas Contra Corrupção.
Tem-se também em âmbito internacional de iniciativa da Organização das Nações Unidas - ONU, a Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada 34 Transnacional, e por sua vez finalizada enquanto propostas em Nova Iorque, em 15 de novembro de 2000, cujas decisões foram também aprovadas pelo Congresso Nacional brasileiro por meio do Decreto Legislativo nº 231, de 29 de maio de 2003, cujo artigo 12.º, sob a epígrafe, dispõe:
[...] Perda e apreensão, estabelece no n.º 1 que Os Estados Partes adotarão, na medida em que o seu ordenamento jurídico interno o permita, as medidas necessárias para permitir a perda: a) Do produto das infrações previstas na presente Convenção ou de bens cujo valor corresponda ao desse produto; b) Dos bens, equipamentos e outros instrumentos utilizados ou destinados a ser utilizados na prática das infrações previstas na presente Convenção [...], acrescentando no n.º 7 que os Estados Partes poderão considerar a possibilidade de exigir que o autor de uma infração demonstre a proveniência lícita do presumido produto do crime ou de outros bens que possam ser objeto de perda, na medida em que esta exigência esteja em conformidade com os princípios do seu direito interno e com a natureza do processo ou outros procedimentos judiciais [...].
O exposto acima revela que o Brasil já era signatário de tratados e convenções internacionais que previam o confisco alargado.
3.2 Pacote anticrime: LEI 13.964/2019
Inicialmente, cabe enfatizar que outros projetos de lei já tiveram a oportunidade de introduzir o perdimento alargado de bens no Brasil, sendo o caso do PL 4.850/16 conhecido como “10 medidas contra a corrupção”. O proposto no anteprojeto se assemelhava bastante ao instituto de confisco alargado vigente em Portugal, porém deixando de lado alguns temas importantes no funcionamento do dispositivo português. Assim, após tramitar no Congresso Nacional, essa medida acabou sendo rejeitada pela Câmara dos deputados, e então, excluída do anteprojeto da PL 4.850/2016.
A lei 13.964/2019, denominada Pacote Anticrime, conseguiu implementar em no ordenamento jurídico Brasileiro o confisco alargado de bens, apresentando em seu caput a possibilidade de que seja decretada a perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes a diferença entre o valor do patrimônio do condenado e ao valor compatível com seu rendimento licito, porém, como explica Mendes e Martínez (2020), nas hipóteses de condenação por qualquer infração as quais a lei comine pena máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão.
O §1° do artigo 91-A, vem explicar o que se deve entender por patrimônio do condenado. Sendo assim, em seu inciso I, entende-se por patrimônio do condenado os bens titularizados pela pessoa ou as quais ela tenha domínio direto e indireto, na data da infração ou transferidos posteriormente; na no inciso II transferidos para terceira pessoa a titulo gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a partir do início da atividade criminal.
Acerca do exposto acima, Assumpção (2020), cita que houve a intenção do legislador chamar a atenção de situações em que são utilizadas pessoas interpostas, chamadas popularmente de “laranjas” e a possível simulação de vendas para ocultar a real titularidade dos bens.
Uma parte bastante polêmica da lei em questão é o seu §2°, pois prevê que cabe ao acusado a demonstrar a inexistência de incompatibilidade ou a procedência licita do patrimônio, no que Mendes e Martinez (2020), critica tal questão citando que foi criada uma modalidade de confisco de bens por presunção legal, mediante a clara inversão do ônus da prova, sendo inadmissível no processo penal.
Já no §3° evidencia-se que a perda prevista no artigo deverá ser requerida pelo Ministério Público, por ocasião do oferecimento da denúncia, indicando-se a diferença de valor patrimonial apurada.
Para Assumpção (2020) “lidos em conjunto, os § § 2° e 3° revelam que o “perdimento” só poderá ocorrer se for submetido ao crivo do contraditório, sob pena de vulnerar a ampla defesa da pessoa condenada.”
O §4, apenas explica que cabe ao magistrado ou magistrada, na sentença condenatória, declarar o valor da diferença apurada e especificar os bens, cuja perda foi decretada.
No caso de organizações criminosas e milícias, o §5° indica que terão seus instrumentos utilizados na pratica criminosa declarados perdidos em favor da União ou dos Estados, ainda que não ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam sério risco de ser utilizados em novos crimes.
Art. 91-A. [...] § 5º Os instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas e milícias deverão ser declarados perdidos em favor da União ou do Estado, dependendo da Justiça onde tramita a ação penal, ainda que não ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes. (BRASIL, 2019)
Portanto são os parágrafos acima constantes do artigo 91-A, introduzido pela lei 13.964/2019 que tratam do confisco alargado.
4 DISCUSSÕES ACERCA DO CONFISCO ALARGADO DE BENS NO BRASIL
O primeiro ponto levantado por juristas, mesmo reconhecendo a evolução trazida pelo confisco alargado, reside quanto a constitucionalidade. Pois nas palavras de Rosa (2020), a perda alargada é um avanço desde que atendido o devido processo legal. A mesma ainda afirma que o Pacote Anticrime não surgiu do mero acaso, uma vez que sofreu influência de diversos institutos estrangeiros para o Brasil, onde o processo legal precisa se atualizar em diversos flancos.
Para o autor a seguir, um fator mais específico contraria a constituição, que é a presunção de inocência, uma vez que segundo Metkeer (2020):
Há uma clara inconstitucionalidade nesse artigo ao alterar o ônus probatório do Ministério Público para o réu, violando o princípio do devido processo legal e da presunção de inocência, previstos no artigo 5º, incisos LIV e LVII da CF.
Na citação acima, tem-se a ênfase dada pelo autor que o referido dispositivo está relacionado diretamente a privação de bens sem o devido processo legal. E uma das principais características de uma nação que se intitula democrática é a observância irrestrita à presunção do estado de inocência. A finalidade é assegurar justamente a inocência do sujeito, bem como a sua liberdade, até o momento em que for proferida a sentença penal condenatória transitada em julgado.
O segundo ponto crucial, neste aspecto, relaciona-se à existência de um processo justo. Alerte-se que, o garantismo está intimamente ligado ao devido processo legal e, por sua vez, ao contraditório e à ampla defesa.
Além do mais, esse efeito da condenação não reflete a realidade do país, onde, segundo o IBGE, mais de 40% dos ocupados estão inseridos no mercado informal, dificultando a comprovação do seu patrimônio e da sua renda.
Todavia, há juristas que defendem esse instituto e não veem essa inversão do ônus da prova. Cunha (2020), cita que não há propriamente inversão do ônus da prova, visto que órgão acusador deve comprovar a evolução patrimonial desproporcional a renda do agente, e deve-se fazê-lo com elementos comprobatórios reunidos na fase de investigação. Fica assim a cargo do Ministério Público Federal que se faça na denúncia o pedido expresso de decretação da perda e aponte a diferença apurada, tal qual cita a lei.
Outro autor que vai na linha de não conceber o confisco alargado como inconstitucional face ao caráter de inversão do ônus da prova é Lima (2019), o qual discorre acerca dessa questão citando claramente que conforme o art. 91-A, § 2º, do Código Penal, não há inversão, visto que não é o acusado que tem de comprovar a compatibilidade do seu real patrimônio com o seus rendimentos declarados e sim a acusação que deve fazer a comprovação da incongruência entre incremento do patrimônio e renda do investigado. O Mesmo ainda vai além ao concluir que:
Logo, quando o art. 91-A, § 2º, do CP, dispõe que o condenado poderá demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a procedência lícita do patrimônio, deve ser daí extraída a ideia de que, desejando, à defesa se assegura a faculdade, e não o ônus de, de comprovar que seu patrimônio encontra respaldo na renda lícita por ele auferida. [grifo nosso] (LIMA, 2020, p. 49)
Ocorre ainda que na visão do mesmo autor que caso o Ministério Público não se desincumba a contento do ônus que é de seu ofício, e não da defesa, em provar a inconsistência entre patrimônio auferido e a renda legítima, e havendo nesse caso dúvidas, deve-se decidir em favor do acusado, visto que a imputação criminal nem sempre deve atingir ou ser confundida com imputação patrimonial.
Essas críticas vêm de encontro a defesa dos princípios basilares de um Estado Democrático de Direito, veja-se:
Não há como, portanto, dissociar os princípios do contraditório, ampla defesa, vedação da inversão do ônus probatório e presunção de inocência, justamente porque são princípios constitucionais que estruturam o Estado Democrático de Direito e são, portanto, garantias individuais inalienáveis, as quais, se não observadas afetam a própria democracia. (LINHARES, 2019, p. 1757)
Outra crítica a lei é que a mesma não apresenta um rol taxativo, tal qual a legislação portuguesa. Nesse caso ela está mais próxima a espanhola. E Cardoso (2019), cita que o artigo deveria ser taxativo com os crimes sendo elencados e passíveis do perdimento alargado, assim como estava presente no projeto “10 Medidas contra a Corrupção”, porém, pelo contrário o artigo simplesmente estabeleceu que o confisco alargado fosse aplicado a qualquer crime com pena máxima maior a 6 (seis) anos. Dessa maneira, se assim fosse, estaria de acordo com as normas convencionais e internacionais que sugerem a adoção desse instituto como forma de combate à criminalidade econômica organizada, e não como resposta indiscriminada a todos os tipos de crimes.
Outras ponderações, tais como as Távora e Alencar (2019), dizem respeito a inclusão de cláusulas abertas, que se revelavam como uma forma de justificar condenações que o ex-Ministro Sergio Moro, quem propôs o Pacote Anticrime, proferira quando magistrado. Tendo o artigo 91-A, do Código Penal, proposito de determinar a perda de bens com base em critérios práticos e sem base empírica.
5 CONCLUSÃO
O presente artigo permitiu compreender que o confisco tradicional se revela ineficaz frente ao dinamismo do crime organizado, que cada vez mais foi atuando em ramificações de atividades econômicas diversas, assim como em estabelecer vínculo entre o benefício fruto de ação delituosa e o crime em si.
Por este motivo, pode-se também considerar que a perda alargada é uma evolução sobre o confisco clássico, onde deve haver a comprovação entre a ligação do resultante de ilicitude e o crime. Isso faz com que os benefícios ilícitos sejam mantidos na esfera patrimonial dos criminosos, sendo quase impossíveis de se localizar.
Como citado, o confisco alargado se mostra viável na medida em que o crime organizado, de forma dinâmica, reinventa-se constantemente, de modo a atuar em estruturas que não eram atingidas pela lei e assim não estando aptas as penas de prisão.
As divergências doutrinarias acerca da questão da inversão do ônus da prova faz com que se mostre necessária uma discussão mais aprofundada sobre o assunto perante ao Supremo Tribunal Federal, onde poderá ser discutida a questão de constitucionalidade do dispositivo, ou, espera-se que seja discutida a criação de recursos que possam sanar essas distorções.
Foi demostrado nesse artigo que os problemas do dispositivo não versam apenas quanto a sua constitucionalidade, mas também na forma com que foi abordado e escrito. A não inclusão de um rol taxativo de delitos foi abordado por diversos doutrinadores, pois, sendo assim, a lei recai sobre qualquer pena máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão, gerando discussões acerca do princípio da proporcionalidade.
Afinal, o confisco alargado se demostra em tratados e legislações de outros países como um dispositivo com a finalidade de combater crimes lucrativos capazes de gerar enriquecimento exacerbado para o autor do crime ou para a organização criminosa, não tendo logica em recair sobre crimes de qualquer natureza.
Ainda que frente a várias discussões relacionadas ao confisco alargado, faz-se saber que o referido instituto se revela apto as políticas de combate a práticas criminais de perda dos produtos e proveitos do crime nos casos de presunções de ilícitos anteriores, impedindo assim o ciclo recidivo.
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Graduanda do Curso de Direito do Centro Universitário CEUNI-FAMETRO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Nadjanara Nazaré de Moraes. Perdimento alargado de bens: a Lei 13.964/2019 e o confisco no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 dez 2020, 04:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55818/perdimento-alargado-de-bens-a-lei-13-964-2019-e-o-confisco-no-brasil. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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