RESUMO: Este presente artigo possui como objetivo analisar os diversos entendimentos a respeito do Direito de Punir e verificar como a doutrina enxerga o trabalho como forma de ressocialização. Desta forma, como objetivos específicos: Identificar os benefícios das alternativas dentro dos presídios e os benefícios propiciados à sociedade em tempo de Pandemia; analisar os principais caminhos traçados pelo Direito Penal, até chegar o Código Penal Brasileiro atual; apresentar as divergências doutrinárias e jurisprudenciais quanto à efetiva situação do apenado, buscando identificar a ausência de condições na ressocialização e o trabalho, como alternativa de preservação de direitos fundamentais. O método adotado será o dedutivo, tratando-se de documentação indireta com observação sistemática, abrangendo a pesquisa bibliográfica de fontes primárias e secundárias, assim como, doutrinas em geral, artigos científicos, dissertações de mestrado, teses de doutorado, além de documentação oficial, projetos de lei, mensagens, leis, decretos, súmulas, acórdãos e decisões. Conclui-se o trabalho, que a ressocialização tem o condão de tornar o apenado integralmente capaz de retornar a sociedade, sem voltar a delinquir, sendo que, mesmo estando sob a égide do Estado, deva ter todos os seus direitos resguardados, até mesmo aqueles que são restritos, como a liberdade.
PALAVRAS-CHAVE: Reinserção Social. Ressocialização. Direito de Punir.
ABSTRACT: This article aims to analyze the different understandings regarding the Right to Punish and to see how the doctrine sees work as a form of resocialization. Thus, as specific objectives: Identify the benefits of alternatives within prisons and the benefits provided to society in times of Pandemic; analyze the main paths traced by Criminal Law, until reaching the current Brazilian Penal Code; to present doctrinal and jurisprudential divergences regarding the effective situation of the convict, seeking to identify the absence of conditions in resocialization and work, as an alternative for the preservation of fundamental rights. The method adopted will be the deductive one, dealing with indirect documentation with systematic observation, covering bibliographic research from primary and secondary sources, as well as doctrines in general, scientific articles, master's dissertations, doctoral theses, in addition to official documentation, bills, messages, laws, decrees, summaries, judgments and decisions. It concludes the work, that resocialization has the ability to make the prisoner fully capable of returning to society, without returning to delinquency, being that, even being under the aegis of the State, he must have all his rights protected, even those that are restricted, like freedom.
KEYWORDS: Social Reinsertion. Resocialization. Right to Punish.
INTRODUÇÃO
O presente estudo irá abordar sobre as mudanças paradigmáticas da pena e a ressocialização do apenado como fator de reinserção social, considerando ser um assunto discutido por todas as sociedade, e neste caso levando em consideração as Leis Constitucionais Brasileiras, que servem de referência para o Direito Penal, na tentativa de estruturar sistematicamente e identificar os benefícios que são propiciados em decorrência da Pandemia do COVID-19.
No período Imperial, surge na legislação brasileira, o Código Criminal do Império, que posteriormente, em decorrência de alguns episódios, é trocado pelo Código de 1890, em especifico, pouco depois da Proclamação da República onde houve um rompimento diretamente perceptível com o Império. No entanto, os erros de concordância, e a pobre semântica e dialéticas eram facilmente observadas, pois tal Código era impreciso, sendo duramente criticado e ainda alterado, permanecendo vigente até que se concretiza-se o Código Penal Brasileiro, em meados de 1984, com a mudanças, se inova na reforma do Sistema Prisional, em consonância com a Lei de Execuções Penais, que tinha como objetivo a humanização do Direito Penal, abrindo espaço para uma nova discussão sobrea punição que os presos recebiam.
É ponderoso valorizar os avanços que foram trazidos no Período Republicano, onde vigorava o Código Penal da Republica, que trouxe muitas mudanças positivas, como a abolição da pena de morte e dos açoites, com discussões acerca das penas, que se preocupariam com a humanização. E nestas linhas de pensamentos, vários juristas buscavam apresentar projetos, passando assim a ter varias mudanças com o decorrer do tempo, na tentativa de aperfeiçoar o Direito Penal em defesa dos direitos humano.
Deste modo, com os avanços jurídicos aplicado ao Direito Penal, é notório que a finalidade é a ressocialização do indivíduo, buscando sempre defender os Direitos Humanos, tirando aquela imagem de punição, desumana e brutal que antes era vigente.
Em suma, uma pessoa condenada por um crime é digna que lhe respeitem suas garantias e suas prerrogativas, como um indivíduo que não cometeu crime algum. Diante disto, como ressocializar o preso se não tivermos uma pequena assistência social? Este artigo tem por finalidade compreender como ocorreu a evolução histórica do Direito de Punir, as grandes alterações consideradas inovadoras e o ambiente de ressocialização do apenado.
Partindo dessa premissa, é imperioso buscar a visão de doutrinadores renomados, de modo a evidenciar que a mudança legislativa não é a única solução viável para mudar o cenário dos presídios brasileiros.
Em linhas gerais, é possível visualizar que ao longo da história, o Direito de Punir passou por inúmeras transformações.
No Brasil, a história das penas acompanha a trajetória histórica de imposição da Legislação Portuguesa sobre os costumes indígenas com suas Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, altamente cruéis, com traços da Europa medieval e influenciada pelo Direito Penal da Igreja.
No que concerne ao período chamado de Imperial, surgiu uma legislação, tipicamente, brasileira, o Código Criminal do Império, sendo substituído mais tarde pelo Código de 1890, após a Proclamação da República. Contudo, as deficiências semânticas e dialéticas do código eram notórias, uma vez que tal Código era impreciso, prolixo e foi duramente criticado e alterado, permanecendo vigente até criação do atual Código Penal Brasileiro, que no ano de 1984 sofreu uma alteração na Parte Geral e inovou na reforma do Sistema Prisional Brasileiro juntamente com a Lei de Execuções Penais (LEP), buscando a humanização do Direito Penal.
Sob uma análise sistêmica, verifica-se a ideia de evolução das punições gira em torno do que se conhece através da história sobre o caráter “supliciante” e torturador das penas, em que o corpo do infrator era o alvo direto das punições, tendo sido substituídas pouco a pouco pelo modelo de punições vigentes e atuais.
Desde logo, não há como se negar que esta evolução aconteceu, principalmente a partir da influência exercida pelos pensadores iluministas, mais precisamente pelo Marquês de Beccaria com seu “pequeno grande livro” Dos Delitos e das Penas.
No cenário brasileiro, a evolução das punições contou com todas as fases do desenvolvimento do Direito Penal, pois quando aqui viviam apenas os primitivos, estes se regulavam por normas consuetudinárias de cunho privado e vingativo. “Como sanções, lançavam mão de penas corporais e da pena de morte. Praticavam a Lei de Talião e a Vingança de sangue.” (MATOS, 2006, p. 234).
Nas lições trazidas pelo Doutrinador Professor José Geraldo Silva, já no ano de 1996, a história do Direito Penal se confunde com a própria história da sociedade, senão vejamos:
“A história do Direito Penal se perde nas brumas do tempo. Como preleciona E. Magalhães Noronha, ‘a história do Direito Penal é a história da humanidade’. Eis a razão para dizermos que o Direito Penal é o ramo mais antigo do Direito, pois desde o alvorecer da humanidade o homem vem reagindo contra qualquer forma de agressão. A reação penal já era encontrada nos clãs e nas tribos primitivas, pois o homem sempre possuiu um forte espírito de justiça. (SILVA, 1996, p. 35).
É cediço que, a ideia inicial dentro desses grupos sociais primários, estavam pautadas no misticismo, que por sua vez acabaram por tornar as punições como algo divino, sendo, por muitas vezes desproporcionais e severas, em relação ao delito cometido.
Segundo o Professor Mirabete (2008) foi desta forma que surgiram as proibições (religiosas, sociais e políticas), conhecidas por “tabu” que não obedecidas geravam castigos e se utilizava para aplacar a ira dos deuses. Tal desobediência tabu, ou como também é chamada, infração totêmica levou ao surgimento do que chamamos hoje de crimes e penas.
Assim, o castigo para os desobedientes era corporal ou de cunho material e eram oferecidos aos deuses, conforme se pode inferir de MIRABETE (2008, p. 16) “O castigo infligido era o sacrifício da própria vida do transgressor ou a oferenda por estes de objetos valiosos (animais, peles e frutas) à divindade, no altar montado em sua honra”.
Seguindo a história, surge à primeira conquista em relação às repressões penais, é o momento do Talião. “Termo derivado do latim ‘talius’ significa desforra igual à ofensa”. (SILVA, 1996, p. 36).
E continua:
“Nem sempre a vingança retribuía à agressão sofrida; na maior parte das vezes, senão em sua totalidade, ocorria uma desproporção entre a conduta criminosa e a resposta do agredido. Como resposta a um tapa, às vezes o agredido tirava a vida de seu agressor. Temos aí um flagrante desproporção entre a agressão e a retorsão. O revide à agressão sofrida deveria ser fatal, não havendo qualquer preocupação com a proporcionalidade, nem mesmo com a verdadeira justiça. A primeira conquista no terreno repressivo, com relação à pena, foi o talião. (SILVA, 1996, p. 36)”.
Apesar de o avanço ser pequeno ainda, é válido ressaltar que pelo menos já havia uma preocupação com a proporcionalidade, devendo-se, portanto, entender esse período como de grande avanço para aquela época. Sendo, também, adotado pelo Código de Hamurabi (século XXIII a. C., na Babilônia), Código de Manu (Índia), Lei das Doze Tábuas (Roma), dentre outros de igual aplicação.
Logo depois, surge a primeira manifestação de humanização do Direito Penal com a chamada composição, cujo sistema era a substituição da pena aflitiva e física por uma indenização ou mesmo por uma prestação de serviço ao ofendido ou a sua família. Ou seja, foi se percebendo que o escopo pedagógico seria mais eficiente que o escopo fatal (penas, que o exemplo seria visto e uma fonte de esmero para que ninguém o fizesse novamente. Assim preleciona o ilustre Professor Mirabete (2008), vejamos: “Posteriormente, surge a composição, sistema pelo qual o ofensor se livrava do castigo com a compra de sua liberdade (pagamento em moeda, gado, armas etc.)”.
Nessa tessitura, a ideia primária dessa pesquisa é justamente compreender que as mudanças trazidas ao longo da história, geram influenciam no atual sistema “penalista”, teorias acidamente influenciadas por mídias, como se o Direito de Punir fosse acabar com todas as feridas de um passado cruel e um futuro tipicamente incerto, que geram consequências na ressocialização do preso e as violações constantes de direitos constitucionais devidamente garantidos.
Com a proclamação República no Brasil, nasceu mais uma legislação penal que já nascia defeituosa, pois aos 11 dias do mês de outubro de 1890 passa a vigorar no Brasil o Código Penal da República, elaborado de forma apressada e antes da Constituição Federal de 1891. Contudo, trouxe alguns grandes avanços nas punições, pois aboliu a pena de morte e de açoites, bem como se preocupou com a humanização das penas. Mas não foi suficiente para se manter, pois possuía uma enorme impropriedade gramatical, era prolixo, arcaico e gerava interpretação dúbia.
Por esses motivos vários dispositivos sofreram alterações no sentido de se consertar as falhas de impropriedade textual, ficando completamente modificado por diversas Leis extravagantes no intuito de tentar adequá-lo às necessidades existentes. Foi então que surgiu em 1932 a Consolidação das Leis Penais organizadas por Vicente Piragibe numa tentativa de reorganizar o Código.
“Com a proclamação da República, foi editado em 11-10-1890 o novo estatuto básico, agora com a denominação de Código Penal. Logo, foi ele alvo de duras críticas pelas falhas que apresentava e que decorriam, evidentemente, da pressa com que fora elaborado. Aboliu-se a pena de morte e instalou-se o regime penitenciário de caráter correcional, o que constituía um avanço na legislação penal. Entretanto, o Código era mal sistematizado e, por isso, foi modificado por inúmeras leis até que, dada a confusão estabelecida pelos novos diplomas legais, foram todas reunidas na Consolidação das leis Penais, pelo Decreto nº 22.213, de 14-12-1932. (MIRABETE, 2008, p. 25)”
Nessas linhas, vários projetos de Código Penal foram apresentados por diversos juristas sem lograr êxito, tendo sido aprovado, somente mais tarde, o projeto de autoria de Alcântara Machado que se tornou o Decreto-lei nº 2.848, de 07-12-1940, cuja aplicação se encontra vigente, com algumas alterações, em especial a reforma da parte geral, até os dias atuais.
Em 1969 tentou-se substituir o Código Penal por um de autoria de Nelson Hungria, porém, não chegou a entrar em vigor, pois foi bastante criticado pelos critérios de inspiração “rigorista” que predominavam em toda a obra. O autor propunha uma lei mais severa, como no caso do tempo máximo da pena de reclusão em que era elevada para 40 anos; limitava o poder discricionário do juiz na aplicação das agravantes e atenuantes e elevava as penas cominadas a diversos crimes na Parte Especial.
Por tal motivo foi modificado substancialmente pela Lei nº 6.016, de 31-12-1973. Ainda assim, sofreu a maior vacatio legis que se tem notícia, e após vários adiamentos da data em que passaria a viger foi revogado em 1978, nove anos depois, pelo então Presidente da República, General Ernesto Geisel.
Em 1980 decidiu-se, mais uma vez, após o insucesso das tentativas anteriores, reformular a Parte Geral do Código Penal, buscando viabilizar a imediata remodelação do sistema prisional brasileiro. Assim, apesar de ter adotado o mesmo sistema houve inúmeras alterações, principalmente na parte relativa às penas.
Tal reforma baseou-se em princípios liberais e humanistas e buscou assegurar a dignidade do delinquente enquanto ser humano que é, procurando dar mais importância aos crimes mais graves, criando medidas penais alternativas para os crimes de pequena relevância. Tudo isso com a finalidade de evitar o encarceramento de seus agentes por um curto período de tempo.
Com o objetivo de reformulação do elenco tradicional das penas e apoiados no princípio de nullum crimen sine culpa (não há crime sem culpa) a comissão instituída para elaboração do anteprojeto de lei de reforma da Parte Geral do Código Penal de 1940 teve como membros Francisco Serrano Neves, Miguel Reale Junior, Renê Ariel Dotti, Ricardo Antunes Andreucci, Rogério Lauria Tucci e Hélio Fonseca, capitaneada por Francisco de Assis Toledo.
Em relação às penas, a Lei 7.209 de 1984 (Lei alteradora da Parte Geral do Código Penal) fez introduzir grandes modificações. Como por exemplo, propôs que no sistema repressivo passasse a constituir as seguintes espécies de pena: privativas de liberdade, restritivas de direitos e patrimoniais.
Em relação às penas restritivas de direito, estas são aplicadas para o réu cuja pena máxima privativa de liberdade, cominada para o crime cometido seja inferior a um ano ou se o crime for culposo. Nas penas patrimoniais criou-se o instituto da multa, que consiste em pagamento ao fundo penitenciário de quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa, não podendo incidir sobre os recursos indispensáveis ao sustento do condenado e de sua família. Tal pena pode ser aplicada isolada ou cumulativamente com outra privativa de liberdade.
Exige, ainda, que o réu não seja reincidente e que a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como, os motivos e as circunstâncias do crime indicarem que esta substituição seja suficiente, atualmente, balizas contidas no Art.59, Código Penal Brasileiro.
Nas penas patrimoniais criou-se o instituto da multa, que consiste em pagamento ao fundo penitenciário de quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa, não podendo incidir sobre os recursos indispensáveis ao sustento do condenado e de sua família. Tal pena pode ser aplicada isolada ou cumulativamente com outra privativa de liberdade.
Para que todas essas alterações pudessem ser colocadas em prática foi criada juntamente com a lei alteradora da Parte Geral do Código Penal a Lei de Execução Penal – Lei nº 7.210 de 1984.
Lei de notável avanço para a época trazia consigo a modernidade compatível com a nova política criminal, propondo mudanças nos padrões estruturais do sistema prisional, cujo entendimento se infere deste fragmento da Exposição de Motivos que a acompanha:
“Os trabalhos sintetizam a esperança e os esforços voltados para a causa universal do aprimoramento da pessoa humana e do progresso espiritual da comunidade. Vencidas quatro décadas, durante as quais vigorou o regime penal-processual-penitenciário amoldado ao pensamento e à experiência da Europa do final do século passado e do começo deste, abre-se agora uma generosa e fecunda perspectiva. Apesar de inspirado nas modernas e importantes contribuições científicas e doutrinárias, que não tem pátria, o sistema ora proposto não desconhece nem se afasta da realidade brasileira. (BRASIL, 2011, p. 502)”.
Logo no artigo 1º da LEP preceitua que a execução “tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.”
E ainda em seu artigo 3º assegura ao condenado e ao internado todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela Lei, numa verdadeira inovação punitiva, elencando em seu artigo 41 os direitos do preso, in verbis:
“Art. 41. Constituem direitos do preso: I – alimentação suficiente e vestuário; II – atribuição de trabalho e sua remuneração; III – previdência social;IV – constituição de pecúlio; V – proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; VI – exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena; VII – assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; VIII – proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; IX – entrevista pessoal e reservada com o advogado; X – visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; XI – chamamento nominal; XII – igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena; XIII – audiência especial com o diretor do estabelecimento; XIV – representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; XV – contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes; XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente.
Nessa esteira, pode-se vislumbrar que há uma intenção do Estatal em manter um diálogo com o apenado através da punição, tendo como objetivo a reinserção social do condenado, dando garantias de proteção aos direitos que não foram afetados pela sentença.
Lógico que isto parece ser suficiente para se ter um sistema prisional considerado modelo, porém, a realidade é bem diferente do que temos na Lei, sendo que apesar de todo esforço despendido pelos pensadores da LEP, esta não se materializou no sentido de fazer efetivar seus objetivos, pois é do conhecimento de todos que o sistema prisional brasileiro vive uma enorme crise, comportando vícios insuportáveis à dignidade humana, sendo, portanto, conteúdo meramente programático.
A esse respeito, o professor Guilherme de Souza Nucci destaca:
Na prática, no entanto, lamentavelmente, o Estado tem dado pouca atenção ao sistema carcerário, nas últimas décadas, deixando de lado a necessária humanização do cumprimento da pena, em especial no tocante à privativa de liberdade, permitindo que muitos presídios se tenham transformado em autênticas masmorras, bem distante do respeito à integridade física e moral dos presos, direito constitucionalmente imposto. (NUCCI, 2008, p. 1005).
Em 1991, o professor Francisco de Assis Toledo, ex-ministro do STJ e membro do grupo de estudos para Reforma do Código Penal, numa palestra ministrada num ciclo de conferências para juízes federais disse:
“(...) Ouvimos comentários na imprensa sobre esta triste realidade penitenciária brasileira. Devo dizer, entretanto, aos prezados colegas, que me honram com suas presenças nesta oportunidade, que não me contentei com esses comentários. Na ocasião da elaboração desta Lei de Execução Penal, presidi a Comissão de Reforma Penal e tinha acesso fácil a todos os estabelecimentos penais brasileiros, e não abri mão desse direito que me foi concedido. Visitei e vi pessoalmente tais estabelecimentos. Vi coisas incríveis que fariam corar todos aqueles que pudessem ter se espantado com a recordação da Casa dos Mortos. Vi celas coletivas nas quais existiam apenas dezessete beliches e onde estavam recolhidos trinta ou mais reclusos; não havia, portanto, sequer cama para todos que estavam dentro desta cela, e isto no rico Estado da Federação, o Estado de São Paulo.”
E ainda:
“Nesta cela coletiva vi chefe de cela. O que vem a ser um chefe de cela? O chefe de cela é o condenado irrecuperável, é o bandido já consagrado, é aquele que tem mais de setenta ou cem anos de pena a cumprir e que, entretanto, não tem mais nenhuma esperança de retornar ao convívio social; por isso mesmo ele se transforma no chefe da cela. Ouvi expressões de um dos chefes da cela. Por que o senhor é chefe de cela? Porque sou o único que pode matar dentro dessa cela, pois tenho mais de cem anos de prisão, e mais de trinta, quarenta ou cinqüenta não faz diferença... sou o chefe de cela porque quem não obedecer vai sair morto. De noite escolho quem, dentre os que estão aqui, vai servir como se fosse minha mulherzinha. São os que tem pena curta, os que tem esperança de sair do presídio, são aqueles que não podem me enfrentar e matar também. Dou preferência ao pai de família que está condenado a uma pena curta. Se ele resistir, vai sair a maior briga, vai ter morte e ele vai suportar um segundo processo, uma outra condenação. Em geral, ele cede às minhas vontades, aos meus desejos. (setembro de 1991) (MATOS, 2006, p. 269)”.
O estudo acima, foi retirado da palestra ministrada no ano de 1991 após a Reforma de 1984, quando o autor menciona a situação dos presídios naquela época em que os visitou e pôde constatar a situação de penúria pelo qual passavam os detentos naquele momento.
Certo de que as alterações legislativas pudessem ser as grandes protagonistas para a mudança nesse cenário. Entretanto, passados vinte e nove anos os problemas permanecem ainda mais agravados, pois contam com outros tantos ainda mais sérios, como é o caso do crime organizado, do uso das novas tecnologias, como celulares, internet, dentro dos presídios, dificultando a ação do Estado.
Além disso, como se isso não bastasse, ainda prevalece a corrupção, gerada pelo capital do mercado de drogas, que facilmente corrompe aqueles que deveriam combater tal crime. Sendo que, tudo isso ocorre dentro dos presídios, pois contam com as tecnologias e a conivência de grande parte da máquina administrativa corrupta que facilita a entrada e o uso de tais equipamentos.
Conforme assevera a brilhante Procuradora da Justiça e Professora Doutora Arinda Fernandes da Universidade Católica de Brasília:
“Uma estimativa do Ministério da Justiça brasileiro aponta que, para cada um milhão de dólares gerados pelo mercado da droga, 25% destinam-se a corrupção de autoridades encarregadas de combater a criminalidade. Os criminosos garantem, dessa forma, a ‘autorização do Estado’ para o funcionamento do ‘negócio das drogas’. (FERNANDES, 2011, p. 6)”.
“O atual cenário em que se encontra o nosso Sistema Penitenciário é dramático: superpopulação carcerária; deploráveis condições de higiene dos presídios; precariedade de assistência médica; alarmantes índices de reincidência; deficiências no regime alimentar e, inúmeros outros fatores que foram apontados pelas Nações Unidas, por seus relatores em denúncia conjunta dirigida ao governo brasileiro, em outubro do ano passado. (Idem, 2011, p. 7)”.
Nesse diapasão, uma avaliação crítica da evolução punitiva em nosso país, pois, se por um lado não temos penas aflitivas de caráter corporal previstas em nosso ordenamento jurídico, por outro é sabido que nos presídios brasileiros impera uma outra lei que não a do ordenamento pátrio.
Dito isto, é até compreensível que vários autores renomados sugerem medidas para minimizar os efeitos devastadores do descontrole por que passa o sistema prisional no Brasil. Trazendo à tona uma ideia de Direito Penal fragmentário, secundário e subsidiário, como último meio a ser utilizado na proteção de bens jurídicos.
A ideia é a mesma, mas as nomenclaturas sofrem constantemente alterações, sendo chamada de “recuperação, ressocialização, readaptação, reinserção, reeducação social, reabilitação” de modo geral são sinônimos que dizem respeito ao conjunto de atributos que permitem ao indivíduo tornar-se útil a si mesmo, à sua família e a sociedade. Esse é o caminho apresentado como objetivo pela LEP (Lei nº 7.210/1984), senão vejamos:
“Art. 1º. Execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.”
Conforme demonstrado no cotejo epigrafado, a reinserção do preso tem como objetivo a humanização da pena, fazendo com que a passagem do apenado no sistema prisional, ocorra de forma humanística, tornando-se um centro de reflexão social, além de retirar aquele que cometeu o crime do meio da sociedade.
Dito isto, não se pode deixar de apreciar que a detenção, aplicação de penalidades e outras restrições de direitos têm o condão de fazer com que aquele que comete a infração penal tenha a possibilidade de se redimir e numa via dupla fazer disso um escopo pedagógico, para que outros não cometam o mesmo crime, não em moldes medievais conforme já devidamente comentado.
Para os Juristas NERY e JÚNIOR (2006, p.164): “Presos e direitos humanos. Tanto quanto possível, incumbe ao Estado adotar medidas preparatórias ao retorno do condenado ao convívio social. Os valores humanos fulminam os enfoques segregacionistas. A ordem jurídica em vigor consagra o direito do preso ser transferido para local em que possua raízes, visando a indispensável assistência pelos familiares.”
Ou seja, a “prisão”, conforme diz o homem médio, deve conter uma finalidade que vai além de encarcerar o indivíduo, mas também propiciar condições dele retornar ao seio da sociedade sem voltar a cometer delitos novamente. Conforme o Professor Mirabete (2002, p. 24 ):
“A ressocialização não pode ser conseguida numa instituição como a prisão. Os centros de execução penal, as penitenciárias, tendem a converter-se num microcosmo no qual se reproduzem e se agravam as grandes contradições que existem no sistema social exterior (…). A pena privativa de liberdade não ressocializa, ao contrário, estigmatiza o recluso, impedindo sua plena reincorporação ao meio social. A prisão não cumpre a sua função ressocializadora. Serve como instrumento para a manutenção da estrutura social de dominação.”
Além disso, nas mesmas linhas de pensamento, o Professor Zacarias (2006, p. 61) assevera que o trabalho pode ser uma fonte imensurável de poder de ressocialização, vejamos:
“O trabalho é importante na conquista de valores morais e materiais, a instalação de cursos profissionalizantes possibilita a resolução de dois problemas, um cultural e outro profissional. Muda o cenário de que a grande maioria dos presos não possui formação e acabam por enveredar, por falta de opção, na criminalidade e facilitam a sua inserção no mercado de trabalho, uma vez cumprida a pena.
Dessa forma, conclui-se que o trabalho, desde que sem condições escravas e cruéis, pode resguardar a dignidade humana do preso e fazer com que ele perceba outros meios de se inserir na sociedade, além daqueles que anteriormente teve acesso.
Ressalta Ressalta Mirabete (2002, p. 87):
“Exalta-se seu papel de fator ressocializador, afirmando-se serem notórios os benefícios que da atividade laborativa decorrem para a conservação da personalidade do delinquente e para a promoção do autodomínio físico e moral de que necessita e que lhe será imprescindível para o seu futuro na vida em liberdade.”
No mês de Abril, dentro cenário de Pandemia causado pelo “Novo Corona vírus”, a SEJUSP (SECRETARIA DE ESTADO DE SEGURANÇA PÚBLICA DE MINAS GERAIS), que informou que nesta Dara, dentro sistema prisional, os detentos já produziram mais de 104 mil máscaras cirúrgicas, justamente, buscando permitir o trabalho como forma de ressocialização, já que o trabalho pode ser usado como remição da pena.
Nas mesmas condições, a medida em que o preso preserva um direito fundamental básico, direito ao trabalho, ele também é um dos responsável por ajudar no enfrentamento ao Novo Corona vírus. Segundo informou em nota, a meta é produzir pelo menos 22 mil itens por dia. Fazem parte desse mutirão de produção de materiais os presos de 30 unidades de Minas Gerais. Ao todo, são mais de 350 detentos envolvidos usando 170 máquinas.
Segundo a SESP, os produtos serão destinados às forças de segurança estaduais, secretarias municipais de saúde e hospitais, além de servidores e internos do sistema prisional. A produção está usando em média 165 mil metros de tecido TNT comprados pelo governo estadual no início do mês de abril. O material é suficiente para a fabricação de 2 milhões de máscaras. "Desde a preparação do espaço, conversamos com eles sobre a relevância de prevenir o contágio pelo vírus e a importância do trabalho desenvolvido aqui. Os reeducandos estão atentos, entendendo a situação e participando com interesse", disse o diretor de atendimento e ressocialização do presídio Nelson Hungria, Uri Ribeiro.
Dessa forma, verifica-se que o trabalho, a leitura, incentivo as atividades religiosas e até mesmo a prática de esporte, podem ser primordiais na condução e tratamento dos internos do sistema prisional brasileiro, resguardando a constituição, os direitos inerentes a pessoa humana e fazendo com que a ressocialização ocorra de fato.
CONCLUSÃO
Este artigo buscou expor em linhas primárias, como ocorreu a introdução de aplicação de Penas no Estado brasileiro.
É cediço que a intervenção da coroa portuguesa no período do Brasil colônia teve sua participação ácida, no que concerne a introdução de medidas de penalidade consideradas medievais até os dias de hoje. As Leis Manuelinas, Afonsinas, Filipinas, serviram de inspiração para a formação de um Estado repressor e atuante na questão de retirar o delito de circulação.
Contudo, foi se verificando que os costumes, também teve seu papel primordial para a elaboração das Leis como conhecemos, tendo em vista que o Direito, por ser dinâmico, acaba acompanhando, mesmo que de forma mais retardatária, os passos que caminha a sociedade. Em 1890, passa a vigorar no Brasil o Código Penal da República, elaborado de forma apressada e antes da Constituição Federal de 1891.
Em 1969 tentou-se substituir o Código Penal por um de autoria de Nelson Hungria, porém, não chegou a entrar em vigor, pois foi bastante criticado pelos critérios de inspiração “rigorista” que predominavam em toda a obra. O autor propunha uma lei mais severa, como no caso do tempo máximo da pena de reclusão em que era elevada para 40 anos. Em 1980 decidiu-se, mais uma vez, após o insucesso das tentativas anteriores, reformular a Parte Geral do Código Penal, buscando viabilizar a imediata remodelação do sistema prisional brasileiro. Assim, apesar de ter adotado o mesmo sistema houve inúmeras alterações, principalmente na parte relativa às penas.
Em relação às penas, a Lei 7.209 de 1984 (Lei alteradora da Parte Geral do Código Penal) fez introduzir grandes modificações. Como por exemplo, propôs que no sistema repressivo passasse a constituir as seguintes espécies de pena: privativas de liberdade, restritivas de direitos e patrimoniais.
Em 1991, o professor Francisco de Assis Toledo, ex-ministro do STJ e membro do grupo de estudos para Reforma do Código Penal, numa palestra ministrada num ciclo de conferências, demonstrou um cenário monstruoso dos presídios, extremas violações aos direitos à própria vida e ambiente inóspitos, o que gerou grande repercussão.
A detenção, aplicação de penalidades e outras restrições de direitos têm o condão de fazer com que aquele que comete a infração penal tenha a possibilidade de se redimir e numa via dupla fazer disso um escopo pedagógico, para que outros não cometam o mesmo crime. Entretanto, esse não é o principal objetivo do sistema prisional e a punição aplicada.
Para o professor Mirabete, “a ressocialização não pode ser conseguida numa instituição como a prisão. Os centros de execução penal, as penitenciárias, tendem a converter-se num microcosmo no qual se reproduzem e se agravam as grandes contradições que existem no sistema social exterior.
Para o Professor Zacarias, uma alternativa para permitir a ressocialização e a busca da preservação do direito do preso é o trabalho, pois, “o trabalho é importante na conquista de valores morais e materiais, a instalação de cursos profissionalizantes possibilita a resolução de dois problemas, um cultural e outro profissional. Muda o cenário de que a grande maioria dos presos não possui formação e acabam por enveredar, por falta de opção, na criminalidade e facilitam a sua inserção no mercado de trabalho, uma vez cumprida a pena”.
Dessa forma, a ressocialização tem o condão de tornar o apenado integralmente capaz de retornar a sociedade, sem voltar a delinquir, sendo que, mesmo estando sob a égide do Estado, deva ter todos os seus direitos resguardados, até mesmo aqueles que são restritos, como a liberdade.
REFERÊNCIAS
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2004.
BRASIL, Código Penal, Código de Processo Penal, Constituição Federal, Legislação Penal e Processual Penal. Organização Luiz Flávio Gomes, 13 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
MATOS, João Carvalho de. Prática e teoria do direito penal e processual penal. 6 ed. Campinas: Bookseller, 2006.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 24 ed. São Paulo: Atlas, 2008.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5 ed. rev., atual. e ampl. 3. tir. São Pulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
SILVA, José Geraldo da. Direito Penal Brasileiro. Leme – SP: LED – Editora de Direito LTDA., 1996.
Bacharelanda pelo Centro universitário CEUNI-FAMETRO
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PIRES, Camila Lopes. As mudanças paradigmáticas da pena e a ressocialização do apenado como fator de reinserção social Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 dez 2020, 04:09. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55825/as-mudanas-paradigmticas-da-pena-e-a-ressocializao-do-apenado-como-fator-de-reinsero-social. Acesso em: 22 nov 2024.
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