VALDIRENE CÁSSIA DA SILVA[1]
IGOR DE ANDRADE BARBOSA[2]
(orientadores)
RESUMO: Este artigo tem como objetivo discutir a aplicação do sistema de barganha processual, introduzido no artigo 28-A, alterado pela Lei n.º 13.964, de 2019, o qual faz parte do pacote anticrime do ex-Ministro da justiça Sérgio Moro, que alterou artigos do Código penal e processual penal e vem gerando bastante discussão no meio jurídico. Método de pesquisa adotado é o descritivo e analítico, o mais adequado pelas características exploratórias que este trabalho acadêmico assume. O processo descritivo tem como objetivo análise, registro, descrição das características dos fatores com relação com processo, e o analítico se desenvolve com estudo para explicar o fenômeno.
PALAVRA-CHAVE: Anticrime; Negociação; Persecução; Penal; Processo.
ABSTRACT: This article intents to discuss the plea bargain system, insert in the 28-A article, changed by Nº 13.964 law, from 2019, that is part of former Minister of Justice Sérgio Moro anticrime pack, it changes several laws of criminal code and criminal prosecution and it creats a lot of discussion in legal area. The descriptive analytical was the adopted system, and the most competent by this academical paper in that the explorative particulars admits. The descreptive system has the purpose of critical examination, civil register, description of procedural factors, and the analytical system develops with detailed analysis to justify the phenomenon.
KEY WORD: Anticrime, Deal, Criminal Prosecution, Criminal, Procedure.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 METODOLOGIA. 3 SISTEMA DE BARGANHA PROCESSUAL. 4 INOVAÇÃO DA LEI N° 13.964/2019, QUE PERMITE O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. 5 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PROCESSUAIS PENAIS. 5.1 PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. 5.2 PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. 5.3 PRINCÍPIOS DA NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO. 5.4 PRINCÍPIO DO DIREITO A DEFESA TÉCNICA. 6.VANTAGENS E DESVANTAGENS DA APLICAÇÃO DO INSTITUTO PARA REALIDADE PROCESSUAL PENAL BRASILEIRA, E POSICIONAMENTOS DE JURISTAS. 7.CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS
O Brasil enfrenta um problema de aumento gradual da população carcerária, que atualmente está em torno 773,151 pessoas privadas de liberdade em todos os regimes de acordo com Infopen (2019), esse crescimento descontrolado causa superlotação em quase todos os presídios brasileiros, violando direitos fundamentais humanos. A maioria dos presos convive com realidade de torturas, homicídios, violações sexuais, contato direto com doenças infectocontagiosas, falta de água potável, e comida estragada, faltando o mínimo de dignidade humana, fazendo com que seja extremamente difícil a ressocialização de um indivíduo que vive sob essas condições.
A barganha processual não é novidade, e já vem sendo usado pelo ordenamento jurídico brasileiro, levantando divergências de opiniões a respeito do assunto. O objetivo é fazer uma análise para saber se sua aplicação é realmente efetiva, e uma observação aprofundada sobre os possíveis riscos que as negociações processuais penais podem trazer para ordenamento jurídico.
O cenário processual penal brasileiro enfrenta uma série de problemas, como alto número de processos acumulados, que levam muito tempo para serem concluídos gerando uma sobrecarga do judiciário. Com objetivo de acelerar esses processos, surgiu a negociação processual penal como alternativa para resolução dessas complicações.
A partir deste fato surgiu uma inquietação a respeito deste tema, e como seriam efeitos e possíveis riscos, que poderiam ocorrer se tratando da realidade processual brasileira. A adaptação de um padrão processual, sendo usado como modelo, tem que ser estudado meticulosamente, pois podem surgir incoerências que levantam questionamentos relevantes.
Sob a ótica acadêmica o assunto é de grande relevância, pois o aprofundamento científico sobre o assunto é necessário, uma vez que tem impacto direto na sociedade o objeto de estudo se mostra de extrema importância, para que seja buscado sempre soluções eficientes mediante os problemas, podendo servir de base para outros trabalhos científicos.
Foi introduzido no ordenamento jurídico processual brasileiro o instituto Plea Bargaining, derivado do common law, que permite ao Ministério Público fazer um acordo direto com o acusado, contida na Lei 11.394/2019, o famoso pacote anticrime que adiciona o Art. 28-A ao Código de Processo Penal, incorporando um modelo de barganha ao ordenamento jurídico processual penal.
Uma dúvida bastante pertinente se trata de como serão realizados os controles dos acordos formalizados valendo-se do tipo penal inovador do Art 28-A do Código de Processo Penal e, se o Ministério Público como órgão garantidor tem a atribuição de fazer tais acordos, bem como a forma que serão fiscalizados os mesmos, estas são algumas das indagações delicadas que permeiam a temática tendo em vista a realidade processual brasileira.
As vindas de um instituto com essas características podem trazer riscos ao ordenamento processual, podendo surgir confissão feita através de coação, e essa prática estará infringindo princípios fundamentais como devido processo legal, direito de defesa e entrando em conflito com a Constituição Federal, esses riscos são enormes tratando-se do Processo Penal brasileiro.
Outro aspecto relevante acerca do tipo 28-A do Código de Processo Penal abre caminho para o questionamento de que o mesmo estaria também atribuindo muito poder ao Ministério Público, o transformando em um super órgão com muitos poderes. Outra dúvida é se este acordo estaria disponível para todas as pessoas de classes sociais diferentes ou para pessoas que tenham influência pelo seu poder econômico, devido a isso faz-se o seguinte questionamento: quais riscos as negociações processuais penais do artigo 28-A do CPP podem trazer para ordenamento jurídico processual brasileiro?
Primeiramente é importante destacar a pertinência da pesquisa e como ela é valiosa para o âmbito acadêmico, criando, aperfeiçoando e expandindo conhecimento. Prodanov e Freitas (2013), conceituam a pesquisa como uma produção de um estudo devidamente organizado, abordando um problema caracterizado pela concepção científica de investigação, com a finalidade de descobrir através de um método respostas para o problema.
Para Gil (2002), a pesquisa é um procedimento racional ordenado com objetivo de responder os questionamentos propostos. A pesquisa é necessária quando não há respostas suficientes para o questionamento e se desenvolve a partir de um concurso de conhecimentos e da utilização cuidadosa de métodos, técnicas e outros procedimentos científicos.
O método adotado é o descritivo-analítico, numa perspectiva exploratória, permitindo análise, registro, descrição das características dos fatores com relação com processo, através de um estudo mais pontuado. A abordagem adotada foi a qualitativa, tendo como instrumentos de coleta de dados a revisão da literatura específica.
3.SISTEMA DE BARGANHA PROCESSUAL
É importantíssimo definirmos a barganha processual, Schiavone (2019), explica que o sistema de negociação teve sua origem em países que adota common law, expressão utilizada para definir um ordenamento jurídico que tem suas aplicações normativas em regras que não estão escritas, mas estão no costume ou em jurisprudência.
De acordo com Silva (2019), o Brasil adota o sistema Civil law, que consiste em aplicação penal com base na legislação, sendo assim sua fonte principal é a lei e o costume fonte secundária. Os casos são julgados conforme as normas que estão contidas em lei, código e Constituição Federal.
O objetivo dessa sistemática no Artigo 28-A do CPP, é que aconteça uma confissão do crime pelo autor e que em troca o Ministério Público negocie a pena, gerando uma economia processual e rapidez, já que a sequência de persecução penal normal o tempo é maior, diferenciando da colaboração premiada na qual o acusado por conta própria entrega seus companheiros para ter o benefício de redução de pena.
É o benefício que se concede ao réu confesso, reduzindo-lhe ou até́ isentando-lhe de pena, quando denuncia um ou mais envolvidos na mesma prática criminosa a que responde. A matéria é disciplinada difusamente na legislação: a) Lei dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, art. 25, § 2.º (Lei n. 7.492/86); b) Código Penal, art. 159, § 4.º; c) Lei dos Crimes Hediondos, art. 8o, parágrafo único (Lei n. 8.072/90); d) Lei dos crimes contra a ordem tributária e as relações de consumo, art. 16, parágrafo único (Lei n. 8.137/90); e) Lei do Crime Organizado, arts. 4.º a 7.º da Lei n. 12.850/2013; f) Lei de Lavagem de Capitais, art. 1.º, § 5.º (Lei n. 9.613/98); g) Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas, arts. 13 e 14 (Lei n. 9.807/99); h) Lei de Drogas, art. 41 (Lei n. 11.343/2006). 9. PERGUNTAS AO OFENDIDO (BONFIM, 2016, p. 440)[3]
Na opinião de Avena (2019) a maioria da doutrina entende que a expressão delação premiada seria sinônimo de colaboração premiada, e que a delação seria um gênero de colaboração. Segundo esse ponto de vista, há delação quando o agente (indica/ delata) as pessoas que estão envolvidas no caso. Já no caso da colaboração, pode ser ou não delatória, vai além, pode indicar os autores e partícipes, e definir as infrações que cada um fez, e revelar toda a estrutura criminosa explicando a função dos indivíduos.
Uma das questões levantadas para a colaboração, é a voluntariedade e a espontaneidade, a intenção do delator para ser beneficiado. Espontaneidade ocorre da vontade livre e consciente, sem interferência externa como coação física ou psicológica.
4.INOVAÇÃO DA LEI N° 13.964/2019, QUE PERMITE O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
A Lei n°13.994/2019 (2019) trouxe uma série de alterações ao Código Penal e Processual Penal, promovendo uma reestruturação do sistema jurídico penal, dentre elas o acréscimo do artigo 28-A, CPP, que consiste em uma barganha entre o acusado e Ministério Público, impondo condições para o enquadramento, como estar contida no dispositivo.
Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente: (Incluído pela Lei N.º 13.964, de 2019)
I - Reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo; (Incluído pela Lei N.º 13.964, de 2019)
II - Renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime; (Incluído pela Lei Nº 13.964, de 2019)
III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei N.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); (Incluído pela Lei N.º 13.964, de 2019)
IV - Pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei N.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou (Incluído pela Lei N.º 13.964, de 2019)
V - Cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada. (Incluído pela Lei N.º 13.964, de 2019) (BRASIL, 2019)[4][5]
5.PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PROCESSUAIS PENAIS
O Plea Bargain expressão em inglês que traduzindo para o português significa delação premiada, usada para definir a negociação processual, vem gerando uma série de conflitos doutrinários acerca do assunto. Marques (2016), menciona que a doutrina americana critica o instituto por entender que estaria suprimindo direitos fundamentais como o direito de não se incriminar ou ser julgado por um júri imparcial.
A respeito da imparcialidade do juiz Avena (2019), preceitua que juiz é determinado em lei, e deve julgar com imparcialidade estando no topo da relação jurídica entre a acusação e defesa, tendo capacidade objetiva e subjetiva para julgar a demanda, agindo de acordo com a lei e o resultado das provas. Em determinadas situações o juiz pode ser afastado em casos de impedimentos e suspeição.
5.1 PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Na opinião de Avena (2019), o princípio do contraditório é um dos mais importantes por se tratar de direito assegurado pelas partes, e que todo ato ou fato no decorrer do processo, as partes poderão se manifestar ou produzir novas provas antes que a decisão judicial seja proferida.
Para Mirabete (2005), o princípio do contraditório decorre da igualdade processual, fazendo com que as partes acusadora e acusada se encontrem em um mesmo plano. A lei processual regula o princípio do contraditório garantindo que ainda que o acusado seja ausente ou foragido, não pode ser julgado sem defensor.
O princípio da ampla defesa também faz parte das garantias processuais, estar contido no Art 5°., LV Da Constituição Federal (1998). Avena (2019), define o princípio da ampla defesa é quando o Estado permite que o acusado disponha de todos os meios de provas possíveis para comprovar sua inocência.
Para um melhor aprofundamento Nicolitt (2016), elucida que contraditório está associado com a ampla defesa diretamente, e não pode ser deixado de lado uma vez que até mesmo a natureza não negou aos animais o direito de se defender, todos os seres do reino animal apresentam mecanismos e instintos de autodefesa, e não justifica ser negado aos humanos o direito de se defender.
5.3 PRINCÍPIOS DA NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO
O princípio da não autoincriminação também faz parte do rol de garantias processuais resguardadas pela Constituição Federal, definido por Nicolitt (2016), como princípio que permite que o acusado não seja obrigado produzir provas contra si mesmo, e que tenha o direito de ficar calado e decidir cooperar ou não com a instrução processual, ou investigação, estando alinhado com várias constituições e tratados internacionais. O princípio se relaciona com presunção de inocência e a do direito de defesa, esse princípio vem favorecendo a vedação de colaboração voluntária do sujeito investigado.
O princípio da não autoincriminação também denominado princípio do nemo tenetur, está contido na Constituição Federal nos artigos 5°, inciso LXIII, (1998), diz respeito a uma garantia ao cidadão de não produção de provas contra si, o texto constitucional assim dispõe:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado (BRASIL, 1998).[6]
5.4 PRINCÍPIO DO DIREITO A DEFESA TÉCNICA
Na visão de Lopes (2016), a defesa técnica, é uma assistência dada por uma pessoa com conhecimento técnico em Direito, um profissional atuante como advogado ou defensor público, com conhecimento técnico jurídico. A defesa técnica se justifica em um equilíbrio entre a defesa e acusação, e pela presunção de hipossuficiência da parte passiva, por ela não ter os conhecimentos suficientes para resistir à pressão estatal, a defesa estabelece a igualdade com o acusador.
6.VANTAGENS E DESVANTAGENS DA APLICAÇÃO DO INSTITUTO PARA REALIDADE PROCESSUAL PENAL BRASILEIRA, E POSICIONAMENTOS DE JURISTAS.
Quanto ao instituto de barganha inserido no Art 28-A do CPP (2019), parte da doutrina defende a possibilidade de violação dos princípios constitucionais garantidores apresentados, e por este motivo, seria um perigo muito grande ao ordenamento jurídico, o uso desse instituto deverá ser analisado minuciosamente ao caso concreto. Por outro lado, deve ser ressaltado o número crescente de demandas que o judiciário enfrenta. De acordo com uma pesquisa do CNJ, o número altíssimo do custo com processos teve um acréscimo de 4% anuais desde 2011, atingindo em 2017, 90 bilhões. Esse número de justificado pelos 80 milhões de processos que estão tramitando, desses números, 94% estão em primeira instância, instância que o acordo pode acontecer (Justiça em Números, 2018, p. 56, 73 e 197).
A enorme quantidade de processos que o judiciário enfrenta não pode ser ignorado de forma alguma. O CNJ em site oficial publicou em 28 de agosto de (2019), que o tempo dos processos criminais em 1°Grau é maior que os processos não-criminais, a taxa de congestionamento criminal é de 73.3% e a dos processos não criminais ficam com 59.2%, nessa mesma instância.
Tendo em vista o sistema processual congestionado de demandas, e que a cada ano tem a tendência de aumento, a barganha processual pode ser uma solução viável. Scandelar (2019), defende que a medida solucionaria grande parte das demandas que podem ser resolvidas rapidamente e de maneira satisfatória para as partes.
É importante ressaltar o princípio da economia processual. Mirabete (2005), afirma que os atos processuais em atividades jurisdicionais devem procurar o máximo de resultados buscando sempre economizar, esforço, tempo e alternativas menos onerosas, também preceitua que o princípio da economia processual se justifica no aproveitamento dos atos já praticados, ainda que (foram) conduzidos de forma diferente do que estava disposto em lei. Então, com intuito de evitar repetições sem necessidades e se o ato for eficaz nos objetivos pretendidos é razoável que seja aproveitado, evitando assim o prolongamento sem necessidade dos trâmites do processo. Portanto, diante, o ponto de vista econômico o acordo processual é uma saída viável.
Os juristas Giacomolli e Vasconcellos (2015), criticam severamente o uso da barganha processual, afirmando que este instituto fomenta o desaparecimento do contraditório e uma supervalorização da confissão incriminadora, podendo surgir pressões e confissões através de coação, ressaltando um modelo autoritário tornando a confissão a rainha das provas, gerando uma falta de controle sobre as ilicitudes das provas.
Na opinião de Furquim e Neto (2019), a falta de preocupação com os sujeitos marginalizados, torna automatizado a homologação de acordo penal da mesma forma que ocorre no juízo de admissibilidade da denúncia, materializado displicentemente a punição e ampliação de forma descontrolada os processos criminais por seletividade e consequentemente desigualdade.
A desigualdade é um ponto que deve ser analisado com atenção. Ribeiro, Baiocchi e Toledo, (2020), declaram que a medida favorece a criminalização da pobreza. O pressuposto para não-persecução penal e condição de assumir a infração penal. O objetivo e transpasse para sociedade a função de punir, não importando quem seja.
O Infopen (2016), demonstra que 54% da população carcerária é constituída por pessoas com até 30 anos, e dessa população 64% são pessoas de pele negra e 51% não completou nem o ensino médio. O ensino precário e a grande desigualdade social com o racismo contido na sociedade, contribui para falta de defesa técnica para essas pessoas mais carentes.
Na concepção de Bomfim (2016), na esfera do processo penal, deve ser garantido as partes as mesmas oportunidades de alegação e demonstrações de provas, garantindo os mesmos direitos e obrigações, ônus e faculdades, evitando privilégios e a supremacia de algumas das partes, equilibradas as partes no mesmo plano, estabelecendo o mesmo nível de força.
Os autores Lopes e Rosa (2015) salientam que, pelo fato do acusador se encontrar em uma posição superior, e com poder de fazer negociação, faz com que possa existir a possibilidade de surgir pressões psicológicas e coações, prática não muito distante da realidade brasileira, podem surgir aceitação de culpa ainda não existente. A não aceitação do acordo pode resultar em julgamento pelo modelo tradicional.
Para Marques (2016), o Ministério Público como executor de políticas criminais e com toda independência funcional, somado a introdução do Plea Bargain, pode ocorrer o risco de formar um super órgão com mais poderes sem controles políticos. A população poderá ficar nas mãos das vontades dos promotores. Onde há muita desconfiança a respeito dos acordos.
O Fórum Nacional de Juízes Criminais (2019), demonstrou ser a favor das medidas de negociação, o ente é formado por magistrados federais, estaduais trabalhistas e militares. Considerando a morosidade da justiça criminal que gera insegurança jurídica e impunidade, o sistema de negociação adaptado para o Brasil, seria uma grande ferramenta para o combate ao enorme número de processos.
Na concepção de Melo (2019), não é raro o fato de réus inocentes aceitarem fazer acordo por medo, o sentimento que o peso do julgamento poderá ser bem maior do que a proposta, geram um certo “preço da inocência”. Estudos apontam que, nos Estados Unidos 56% dos réus inocentes aceitam os acordos de plea bargaining para evitarem ficar distantes dos seus familiares. Como consequência um sistema que foi feito para fazer criminoso realizar acordo, faz com que pessoas inocentes façam.
O jurista Schiavon (2019), relata que alguns defensores públicos, criticam o sistema de barganha, pelo fato que a aceitação desta deve ser acompanhada por uma orientação jurídica, tornando muito difícil pelo grande número de demandas, impossibilitando os defensores de acompanhar todos assistidos. As defensorias só estão presente em 40% das Comarcas, e a falta desses profissionais é um problema grave. De acordo com a revista Exame.com (2017), o Brasil tem um defensor público para cada 967,6 mil habitantes, contribuindo para o colapso do sistema prisional. Portanto, acordos sem o mínimo de orientação jurídica é um ponto que deve ser considerado.
O professor da FGV e Criminalista em São Paulo-SP Celso Vilardi (2019), defende que as alternativas a respeito da prisão são sempre interessantes, o jurista acredita que aumenta o rol de crimes que podem ser alvo de alternativas à prisão pode ser uma ótima opção para o sistema prisional sobrecarregado. Porém, os acordos não poderão servir de sistema de opressão de pessoas mais pobres, sendo ideal a permissão de acordos até a prolação da sentença.
Na concepção de Pompeu (2019), a disparidade entre o órgão acusador e o acusado, é um problema, considerando a nossa sociedade extremamente desigual, pode ser um risco para ordenamento jurídico processual penal. Para que a barganha seja efetiva todos os réus devem estar acompanhados, por defensores públicos ou por advogados, e a barganha deve ser acessível e transparente, para evitar qualquer abuso, sempre buscando penas alternativas. A barganha deve sempre buscar celeridade do processo e desaforamento das acumuladas demandas, tendo cautela aos princípios constitucionais e processuais penais.
O advogado Jorge Nemr (2019), diz que o sistema americano pode não ser eficiente aqui no Brasil, de acordo com ele, por mais que o sistema diminua o número de processo, poderá surgir aumento no número de inquéritos. Na opinião do jurista, delegar mais poder ao Ministério Público, pode ser usado como moeda de coação por parte dos membros do MP, especialmente em cidade do interior.
Não pode ser negado que a barganha processual tem como ponto positivo a economia e aceleração processual tendo em vista ao sistema sobrecarregado e lento que temos, mas esse sistema deve ser visto de maneira mais ampla e cautelar, e deve ser explorado todas suas consequências e sua efetividade ao ser incluído ao sistema processual penal brasileiro.
Outro ponto que deve ser destacado é que a barganha processual tem sua origem no sistema common law usado em países de língua inglesa e sua primazia são os costumes e decisões jurisprudenciais, diferente do sistema usado no Brasil que é o civil law, priorizando a lei escrita como a Constituição Federal e os procedimentos judiciais, essas diferenças de sistemas podem gerar conflitos para os operadores do direito, por se tratar de uma sistemática completamente diferente do que é usada no Brasil, precisando assim o assunto ser profundamente estudado e discutido no meio jurídico.
De acordo do Art. 28-A CPP no § 3.º diz que o acordo será formalizado por escrito pelo membro do Ministério Público e pelo investigado e por seu defensor, por mais que o acordo seja assistido por um defensor, em uma situação de hipossuficiência na qual o investigado dependa de defensor público, pode ser mais difícil, tendo em vista o grande déficit de defensores públicos e grande números de processos acumulados, o acesso a essa vantagem não pode beneficiar só pessoas com mais poder aquisitivo, e sim a todo indivíduo que tenha direito, atendendo os requisitos exigidos por lei.
Portanto, se o acordo de persecução penal for acessível a todos pode ser uma excelente ferramenta processual que ajudará muito, o judiciário com seu grande volume de processos, porém deve ser observado se esses acordos estão respeitando as regras legais sem suprimir nem um direito garantido pela Constituição Federal, e devem sempre buscar economia, celeridade e efetividade processual.
Diante disso percebe-se que o sistema processual penal necessita de mais estudo em alternativas que ajude a solucionar os inúmeros problemas, os quais o judiciário enfrenta no seu cotidiano, sempre mantendo o equilíbrio entre a força estatal sobre o acusado, garantindo os direitos fundamentais, e repudiando toda forma de abuso que possa acontecer.
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[1] Professora Doutora do Curso de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins (UniCatólica).
[2] Professor Mestre do Curso de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins (UniCatólica).
[4] BRASIL. Código de Processo Penal Lei Nº 13.964,2019.
[6] BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 02 de maio 2020.
Bacharelando em Direito pela Unicatolica- Centro universitário Católica do Tocantins
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOBRINHO, Micael Pereira. A (in) compatibilidade do artigo 28-A do Código Processo Penal com o devido processo legal penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 dez 2020, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55881/a-in-compatibilidade-do-artigo-28-a-do-cdigo-processo-penal-com-o-devido-processo-legal-penal. Acesso em: 22 nov 2024.
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