RESUMO: Conforme se depreende do Código Civil, o testamento é um documento, no qual, toda pessoa capaz dispõe de seus bens de forma integral ou parte deles para depois de sua morte. Em outras palavras, é o documento em que o indivíduo, denominado então de testador, durante vida, determina quem vai ter direitos dos seus bens, respeitando as regras mínimas na legislação interna. Embora o documento supracitado não seja implementado pela maioria da população brasileira, pelo seu custo ou pela falta de costume, pode ser um importante instrumento jurídico para evitar conflitos nos familiares, vez que há uma prévia determinação da divisão dos bens. Passo seguinte, para confecção do testamento, existem uma série de modalidades, tais como público, cerrado, particular, compreendendo em cada hipótese, procedimentos para sua posterior validação, entre os quais, uma lista de documentos pessoais, o relatório dos bens a serem dispostos, a assinatura do testador, entre outros, elementos estes considerados essências para eficácia e legitimidade do documento. Diante do exposto, neste presente artigo será analisado julgado do Superior Tribunal de Justiça, acerca da divergência no que tange à possibilidade de considerar testamento com aposição de digital no lugar da assinatura como válido, onde concluiu pela possibilidade.
PALAVRAS-CHAVE: testamento; modalidades; requisitos; assinatura; aposição digital; validade
ABSTRACT: As can be seen from the Civil Code, the will is a document, in which, every person capable of disposing of his assets in whole or in part for after his death. In other words, words is the document in which the individual, then called a tester, during his lifetime, determines who will have rights to his assets, respecting the minimum rules in domestic legislation. Although the aforementioned document is not implemented by the majority of the Brazilian population, due to its cost or lack of custom, it can be an important legal instrument to avoid conflicts in family members, since there is a prior determination of the division of assets. Next step, for making the will, there are a series of modalities, such as public, cerrado, private, comprising in each hypothesis, for its subsequent validation, among which, a list of personal documents, the report of the goods to be disposed, the signature of the testator, among others, elements considered essential to the effectiveness and legitimacy of the document. In view of the above, this article will be analyzed by the Superior Court of Justice, regarding the divergence without it being possible to consider the test with a digital signature in place of the signature as valid, where approved by the possibility.
KEYWORDS: testament; modalities; requirements; signature; digital apposition; shelf life.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Do testamento. 3. Das características e dos requisitos do testamento particular. 4. STJ: Análise de julgado. 5. Do acerto da decisão do STJ no Recurso Especial. 6. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como finalidade fazer uma suscinta análise do recente julgado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde havia divergência sobre a possibilidade de um testamento particular ser considerado válido, mesmo sem assinatura de próprio punho. No caso em concreto, houve a substituição desse requisito, por uma aposição de digital.
Para isso, em um primeiro momento será realizado uma abordagem acerca do testamento particular e seus requisitos, ademais será avaliado a inclusão de tecnologia nos processos judiciais e a busca pela sociedade menos formalista evitando alimentar a superstição do formalismo obsoleto, em seguida será apresentado uma sinopse de caso decidido pelo STJ, pontuando acerca da validação do testamento com aposição de digital.
Em apertada síntese, será avaliado a compatibilidade do julgado com o ordenamento jurídico brasileiro.
Do Código Civil, depreende que o testamento é um documento, no qual, toda pessoa capaz dispõe de seus bens de forma integral ou parte deles para depois de sua morte.
Possui como objetivo central, trazer a possibilidade ao testador, ou seja, aquele que realiza a partilha dos seus bens em vida, determinar quais serão os beneficiários, bem como os bens que estão direcionados a cada um deles, respeitando a legitima de 50% aos herdeiros necessários.
Assim, o testamento deriva da manifestação de vontade, através de solenidade exigida pelo legislador, respeitando procedimentos.
Nas linhas do autor Tartuce , conceitua testamento (2020):
“é um negócio jurídico unilateral, personalíssimo e revogável, pelo qual o testador faz disposições de caráter patrimonial ou extrapatrimonial, para depois de sua morte. Trata-se do ato sucessório de exercício da autonomia privada por excelência.”
Nas palavras do professor Nehemias Domingos de Melo (2014):
“é o ato jurídico personalíssimo, unilateral, solene, gratuito e revogável, pelo qual alguém, de conformidade com a lei, dispõe para depois da sua morte do todo ou de parte de seu patrimônio, podendo também fazer outras previsões, tais como o reconhecimento de filhos, nomeação de tutor, instituição de fundação, etc.”
Dessa forma, tendo em vista que há uma prévia determinação acerca da partilha de bens, tem-se que o testamento, pode ser um instrumento jurídico importante para evitar conflitos e desavenças familiares, uma vez que não será necessário que os beneficiários se preocupem com a divisão. Pautando-se em uma maior harmonia no momento da partilha.
3. DAS CARACTERISITICAS E REQUISITOS DO TESTAMENTO PARTICULAR
Diante da definição apresentada acerca do testamento, importante ressaltar que o Código Civil apresenta três tipos de testamento, quais sejam: público, cerrado e particular.
Neste artigo, será analisado as características e requisitos do testamento particular, tendo em vista que foi o tipo em que houve divergência dos tribunais acerca de elementos essenciais para sua validação, sendo mais específico no que tange a questão de necessidade de assinatura a próprio punho.
Têm-se que o testamento particular, também denominado de hológrafo, no qual não exige maiores formalidades, é realizado pelo próprio testador, na presença de três testemunhas.
Dispõe o Código Civil, em seu artigo 1.876
Art. 1.876. O testamento particular pode ser escrito de próprio punho ou mediante processo mecânico.
§ 1 o Se escrito de próprio punho, são requisitos essenciais à sua validade seja lido e assinado por quem o escreveu, na presença de pelo menos três testemunhas, que o devem subscrever.
§ 2 o Se elaborado por processo mecânico, não pode conter rasuras ou espaços em branco, devendo ser assinado pelo testador, depois de o ter lido na presença de pelo menos três testemunhas, que o subscreverão.
Conclui-se também que o testamento particular pode ser elaborado de forma escrita de próprio punho ou mediante processo mecânico. Ademais, trata-se de um procedimento por si só, menos formalista.
Após a prévia análise acerca dos conceitos e características do testamento, passo para análise do recente julgado do STJ, sobre a relatoria da ministra Nancy Andrighi, na segunda turma, realizado no dia 11/03/2020, acerca de um pleito de reconhecimento de testamento.
O julgado, em tese tratou de uma senhora que estava no hospital, com um quadro de saúde grave. Na oportunidade, resolveu realizar um testamento particular, que foi confeccionado de forma mecânica, lido, assinado e rubricado na presença de três testemunhas, porém devido a situação de saúde, não logrou êxito em assinar o documento de forma convencional, a próprio punho, assim apôs sua impressão digital no documento.
Diante do exposto, uma beneficiária, ajuizou uma ação para a confirmação do testamento, que foi julgado procedente pelo juiz de primeiro grau, em sintonia com o parecer do Ministério Público, verificou-se que não existia vicio formal grave.
Data vênia, outra beneficiária, insatisfeita com a prolação da sentença, apresentou uma apelação ao Tribunal, sobre o argumento de que a ausência de assinatura de próprio punho da testadora, comprometia a higidez da manifestação de vontade da testadora. Ocasião está em que o Tribunal deu provimento a apelação, e não confirmou o testamento. O fundamento crucial para a não confirmação do testamento foi exclusivamente a ausência de assinatura de próprio punho pelo testador e a substituição pela impressão digital;
Diante da reforma da sentença, inconformada com a decisão do tribunal, a primeira beneficiária, apresentou recurso especial. Na oportunidade o Tribunal Superior encerrou a controvérsia que pairava na possibilidade ou não de utilização de aposição digital no lugar da assinatura, a fim de tornar válido testamento particular.
A corte entendeu que a análise deve se moldar sob a influência do pensamento menos formalista, sobre a ótica de que deve ser reavaliado um direito engessado, e que é preciso ir além, vislumbrar um direito civil sob a ótica da atual realidade. Ademais, no presente caso, deve-se pautar na preservação da manifestação de última vontade da falecida.
Nas exatas palavras proferidas no acordão (2020):
“Não se pode, a pretexto da interpretação literal, deixar de considerar outras técnicas hermenêuticas, em especial para a hipótese, a histórica-evolutiva, a fim de que a norma jurídica – que difere do texto legal – efetivamente se amolde à realidade vivenciada pelos seus destinatários. A atual sociedade brasileira e mundial é indiscutivelmente menos formalista que àquela existente ao tempo da confecção do Código de Civil que, a despeito de ter entrado em vigor no ano de 2003, originou-se do Projeto de Lei nº 634 de 1975, pensado e gestado, pois, por juristas e especialistas que certamente haviam nascido na década de 4 0. As pessoas do mundo moderno não mais se individualizam e se identificam apenas por sua assinatura de próprio punho, mas, sim, pelos seus tokens, chaves, logins e senhas, ID's, certificações digitais, reconhecimentos faciais, digitais e oculares e, até mesmo, pelos seus hábitos profissionais, de consumo e de vida captados a partir da reiterada e diária coleta de seus dados pessoais. As decisões judiciais dispensam a assinatura de próprio punho e negócios jurídicos de relevância são celebrados apenas por WhatsApp, Facebook, Instagram, chats, cliques e infinitos “de acordo” em contratos de que não se tem ciência de absolutamente nada. É no mínimo paradoxal, pois, que ainda se exija, em alguns outros poucos negócios jurídicos, o papel e a caneta esferográfica sem que haja justificativa teórica, prática e jurídica plausível, simplesmente porque sim, porque é a praxe e a tradição. Admite-se a transferência de valores milionários por intermédio de um clique, mas não se admite a disposição de última vontade de um bem somente pela ausência de uma formalidade, a despeito de inexistir dúvida sobre a vontade da testadora. Nesse contexto, não é minimamente razoável supor ou impor que um millenial ou um pós-millenial que pretenda dispor de modo testamentário de sua herança digital somente o possa fazer se imprimir um documento e assiná-lo de próprio punho.”
O STJ, portanto, entendeu que o testamento particular realizado mediante aposição da digital é válido, ainda que não contenha assinatura à próprio punho. Deixar de considerar o mesmo válido, é se pautar em um direito engessado em formalidades. No caso concreto, através de três testemunhas e apenas pela falta de condições físicas, deixar de assinar com próprio punho não modifica o ato de última vontade da testadora, que foi devidamente claro e entendido por todos.
Ademais, inegável desconsiderar que houve uma inovação tecnológica na atual sociedade, levando a necessidade de trazer o Código Civil, para a vida prática. Conforme explanado, existem negócios jurídicos de relevância celebrados apenas por redes sociais apenas com cliques.
5. DO ACERTO DA DECISÃO DO STJ NO RECURSO ESPECIAL
A decisão do STJ mencionada acima está plenamente de acordo com o ordenamento jurídico. O Direito deve se adaptar as inovações práticas da sociedade, buscando sempre zelar pelo real interesse e direitos dos indivíduos, no presente caso, do direito de preservar as decisões do testador.
No caso concreto narrado acima, embora a testadora não tenha logrado êxito em assinar em próprio punho o seu testamento particular, o fato por si só, não é capaz de configurar vício. Em outro giro, no âmbito do atual, vem sendo repensado o direito civil codificado à luz da nossa atual realidade social, refutando cada vez mais um direito engessado, preso em formalidades. Ademais não é razoável desconsiderar direitos da pessoa capaz de testar, pelo simples fato desta não dispor de condições para assinar a próprio punho, ainda mais em um cenário, que existem outros meios para confirmar a sua decisão, no caso em tese, como exemplo a aposição por assinatura digital. Tal indeferimento, está em contramão com um novo modelo de direito vislumbrado.
Diante desse cenário, têm-se que é válido o testamento particular que, embora não tenha sido assinado de próprio punho pela testadora, contou com a sua impressão digital, com a presença de três testemunhas, e restou claro o real interesse da testadora em partilhar e dispor de seus bens.
6. CONCLUSÃO
Diante do que foi exposto, conclui-se que o STJ entende que apesar de não constar assinatura de próprio punho, é plenamente possível a aposição por digital, desde que presente outros requisitos.
Com acerto, o Tribunal, no Recurso Especial, de forma individualizada, compreendeu que no caso apresentado, existiam elementos suficientes para comprovar que houve disposição de vontade da testadora, os requisitos foram preenchidos, restou claro a partilha apresentada, comprovada por testemunhas. Concluindo de tal sorte, que diante do exposto os direitos de testar, não podem ser afastados.
Assim, frisou-se que é eficaz o testamento particular que, a embora não tenha sido assinado de próprio punho pela testadora, contou com a sua impressão digital.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Código Civil. 2002. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm Acesso em 10 out. 2020
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 09 de out. de 2020
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único, 10ª edição. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020.
MELO, Nehemias Domingos de. Lições de Direito Civil: Vol 5 – Família e Sucessões. São Paulo: Atlhas, 2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (2. Turma). Recurso Especial. Relatora: Nancy Andrighi, 11 mar. 2020 Brasília: STF. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201602761090&dt_publicacao=18/03/2020 Acesso em: 10 out. 2020.
Pós graduanda em Direitos Humanos pela Faculdade UniAmérica, pós graduanda em Direito Civil e Consumidor pela Faculdade UniAmérica, pós graduanda em Processo Civil pela faculdade UniAmérica, graduada em Direito pela Pontificia Universidade Católica de Minas Gerais, advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SELLERA, Nayene Ludmila Gonçalves. Da validade da impressão digital como assinatura de testamento particular Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 dez 2020, 04:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55911/da-validade-da-impresso-digital-como-assinatura-de-testamento-particular. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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