RESUMO: O artigo tem por objetivo a análise de um instituto ainda pouco estudado e aplicado no ordenamento jurídico pátrio: o contempt of court. Como norte da presente pesquisa, estudam-se primeiramente os princípios de primordial importância para a relação dos sujeitos no âmbito processual, quais sejam, função social do processo, boa-fé, lealdade e cooperação processual. Ulteriormente, é realizada uma reconstrução histórica acerca da origem do contempt of court, para a posterior análise da aplicação do instituto ao direito processual civil hodierno. No que tange ao estudo em si do instituto alienígena, aborda seu conceito, hipóteses de aplicação e sanções previstas, classificação e diferenças que possui com institutos jurídicos com que guarda estreita relação. Ao final, levanta-se a evolução legislativa e incorporação do contempt of court ao direito processual civil brasileiro, fazendo-se sugestões de outras formas de sua aplicação. O instituto ainda tem tímida aplicabilidade no ordenamento jurídico pátrio, às vezes de modo desvirtuado e insuficiente. Em uma época em que a efetiva prestação jurisdicional ganha considerável relevo, um estudo mais aprofundado do assunto, poderá contribuir para uma sistemática processual onde exista lealdade e cooperação entre os sujeitos do processo, principalmente no cumprimento das decisões judiciais.
PALAVRAS-CHAVE: contempt of court; ato atentatório à dignidade da justiça; multa e prisão civil.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Análise principiológica: 2.1 A força coercitiva dos princípios; 2.2 Importantes princípios aplicáveis ao dever das partes na relação processual: 2.2.1 Princípio da função social do processo; 2.2.2 Princípio da boa-fé processual; 2.2.3 Princípio da Cooperação. 3. Contempt of Court: 3.1 A origem do instituto na common law; 3.2 Conceito; 3.3 Classificações: 3.3.1 Comtempt direto e indireto; 3.3.2 Comtempt civil e penal; 3.4 Requisitos de aplicação e sanções previstas. 3.5 Semelhanças com outros institutos: 3.5.1 C:omtempt e litigância de má-fé; 3.5.2 Contempt e astreintes. 4. Evolução legislativa e incorporação do comtempt of court pelo ordenamento jurídico pátrio: 4.1 Arts. 600 e 601 do CPC de 1973; 4.2 Atentado; 4.3 O art. 14 do CPC de 1973 na redação da Lei 10.358/01; 4.4 Inovações trazidas pelo CPC de 2015. 5. (Im)possibilidade de aplicação da prisão civil como meio coercitivo de cumprimento das decisões judiciais. 6. Conclusão.
Contempt of Court, a partir de uma livre tradução, significa “desacato à Corte”. Dessa forma, qualquer ato que possa furtar a autoridade e a eficiência do órgão jurisdicional pode ser enquadrado como uma conduta de contempt. Percebe-se, portanto, que se trata de um rol com ampla gama de hipóteses, abarcando desde o descumprimento de uma decisão até mesmo palavras ofensivas dirigidas ao magistrado.
Contudo, antes de entender o instituto, é preciso conhecer os princípios que o fundamentam. Isso porque os princípios possuem função normogenética, na medida em que criam normas de condutas a serem seguidas, mas também são extraídos do sistema, na medida em que dão coesão ao direito, fazendo com que as normas não sejam um aglomerado de regras sem sentido, ou que encontrem fundamento em si mesmas, desconsiderando todo o panorama social.
Ao conferir força normativa aos princípios, tem-se a base normativa e teórica para que se reconheçam determinados atos ilícitos, aplicando o direito de forma valorativa e consentânea com as garantias constitucionais.
Nesse sentido, calcado na ideia de solidariedade trazida pela Carta Magna brasileira e nos princípios da função social, da boa-fé, da lealdade e da cooperação, enquanto normas públicas que devem ser observadas nas relações de ordem material e processual, formando um todo indivisível, o direito processual serve ao direito material e o direito material preenche o direito processual com conteúdo e finalidade, formando uma relação circular que faz com que determinados valores constitucionais e princípios éticos sejam inseridos no processo, para que este tenha uma finalidade e se torne um instrumento ético.
A boa-fé, no entanto, não pode ser entendida como intenção do agente, elemento psicológico, ausência de conhecimento do sujeito a respeito de vícios que inquinam determinado instituto ou relação jurídica, mas como boa-fé objetiva, entendida como norma capaz de impor determinadas condutas.
A partir desse aspecto objetivo da boa-fé, como padrão de conduta mínimo ético que orienta o comportamento em todas as relações jurídicas, não se busca uma relação hermética, mas uma que esteja se comunicando com os direitos sociais e coletivos, de modo a demonstrar que o processo desempenha uma função social, interagindo não só com as partes envolvidas, mas tangenciando também o senso de justiça e pacificação social.
O aspecto interno da função social é a relação que envolve as partes e deve observar o princípio da boa-fé, de modo a se buscar um mínimo ético, a equivalência material. Isso para que a autonomia da vontade não seja corrompida. Mas não uma liberdade absoluta da autonomia da vontade, e sim uma que esteja em conformidade com princípios e normas que busquem um equilíbrio entre as partes.
Isso porque o processo não é um fim em si mesmo, mas um meio. Se o instrumento que busca realizar o direito material não é ético, há o risco de corromper o direito material e não se chegar ao fim visado. Face ao exposto, certo é que o processo não corresponde apenas a um simples procedimento, mas sim à união do procedimento com a relação jurídica, possuindo como base, sempre, a lealdade e a cooperação entre as partes.[1]
Logo, qualquer comportamento das partes que vise a corromper ou obstar a concretização desse direito deve ser tido como ilícito, pois caracterizado o abuso do direito e o desvirtuamento de sua finalidade e função.
O que se busca com a aplicação do instituto do contempt of court ao direito processual civil, nessa ordem de ideias, é a previsão de sanções que sirvam como forma de conter qualquer abuso que possa macular a função social do processo.
Tal consideração é relevante, pois o grande dilema atual do Poder Judiciário está relacionado com a eficácia das suas decisões, com produção de efeitos concretos. Nesse passo, tanto o legislador quanto os tribunais vêm buscando meios hábeis a reprimir o não cumprimento das decisões, de modo a não imperar o brocardo “ganhou, mas não levou”.
O problema do objeto de estudo, portanto, é a verificação de condutas que possam atentar à dignidade da justiça, com a análise das possíveis sanções de serem aplicadas para inibir referidas ações, adequando a teoria do contempt of court ao ordenamento jurídico pátrio.
Em relação ao aspecto metodológico, serão utilizados procedimentos de pesquisa jurídico-teórica, especificando a incorporação do contempt of court pelo direito processual civil pátrio, em especial das normas contidas nos artigos 14, 461, §5°, 600, 601, 879, 880 e 881 do Código de Processo Civil de 1973 e o Capítulo I, do Título Único, do Livro I, da Parte Geral do novo Código de Processo Civil, bem como os artigos 77 e 536, §1°. Nesse passo, por se tratar de objeto de estudos com traços preponderantemente teoréticos, foram aplicadas técnicas típicas da análise de conteúdo.
A respeito da pesquisa doutrinária, será utilizado o método dialético, de modo que as leituras e hipóteses trazidas por cientistas do direito em suas obras sejam analisadas para entender o todo, qual seja, o instituto do contempt of court em si, para depois buscar soluções e exemplos de aplicações práticas do instituto nas individualidades da prática processual civil. Será utilizada, também, a analogia, de modo a adequar a aplicação do instituto alienígena no direito anglo-saxão ao ordenamento jurídico brasileiro.
Noutra senda, no que tange ao plano de abordagem, o primeiro capítulo tratará de um aspecto fundamental para o tema em estudo: a análise principiológica que embasa todo o instituto importado do direito estrangeiro, iniciando-se pela força coercitiva que hoje é conferida aos princípios, para depois estudar os princípios da função social do processo, boa-fé objetiva e cooperação entre as partes, já que, como visto acima, referidos princípios fundamentam toda a justificativa e necessidade da incorporação e aplicação do contempt of court ao direito processual civil brasileiro.
Por seu turno, o segundo capítulo tem por escopo a análise do instituto considerado em si mesmo, apresentando seu conceito, origem histórica, hipóteses de aplicação e as sanções trazidas e classificações.
Ao final, o último capítulo foi construído para demonstrar a incorporação e a evolução legislativa do contempt o court no direito processual civil pátrio, para tratar do princípio da atipicidade dos meios executivos e a possibilidade de se utilizar a prisão civil como meio coercitivo de cumprimento dos provimentos judiciais.
A justificativa para a aplicação do instituto contempt of court ao ordenamento jurídico pátrio baseia-se na ocorrência de atos no curso do processo que ferem o princípio da boa-fé, principalmente nas suas facetas de lealdade processual e cooperação entre as partes, deixando de fazer, assim, com que o processo atinja sua função social.
Sendo assim, para se considerar a hipótese de que as partes possam ser punidas por violarem princípios que regem a relação processual, é preciso ter em mente que os princípios possuem força normativa e coercitiva, sendo capazes, portanto, de ditarem normas de comportamento éticas aos sujeitos processuais.
Essa função normativa-principiológica foi amplamente delineada por Ronald Dworkin ao criticar ferrenhamente o positivismo, tendo em vista que referida concepção jurídica desconsiderava a importância dos princípios como influenciadores do convencimento do julgador e determinantes nas soluções de casos concretos.
Nesse sentido, apresenta a seguinte definição de princípio:
Denomino “princípio” um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade.[2]
Como forma de exemplificar e embasar seu entendimento, Dworkin analisa dois famosos casos julgados pelas cortes americanas (Riggs contra Palmer[3] e Henningsen contra Bloomfield Motors, Inc.[4]), demonstrando que as normas principiológicas, principalmente no que concerne aos hard cases, constituem fundamento de decisão e podem até mesmo prevalecer sobre regras positivadas. Isso porque, no caso Riggs contra Palmer, entendeu-se que as leis podem ser limitadas por máximas gerais e fundamentais do direito, a fim de retirar do neto que assassinou seu avô o direito à herança. Já no caso Henningsen contra Bloomfield Motors, Inc., chegou-se à conclusão de que, por mais que existam normas definidas em um contrato, estas não podem servir de instrumento de iniquidade e injustiça.
Por seu turno, outro grande jurista do assunto, Robert Alexy, fortemente influenciado pela teoria dos princípios desenvolvida por Dworkin, também entende que o sistema jurídico, além de regras, é composto por princípios jurídicos, capazes de influenciarem e fundamentarem decisões em que as normas positivadas não determinem uma única solução, ou sequer apresentem resposta ao caso concreto.
Com isso, construiu seu próprio conceito de princípios:
Princípios são, por conseguinte, mandados de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes.[5]
Tão importante é um princípio que, além de ser retirado do próprio ordenamento jurídico, vai além do positivismo puro de regras, incorporando à Ciência Jurídica concepções éticas, morais e sociopolíticas. É o entendimento esposado pelos professores Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco:
Considerando os escopos sociais e políticos do processo e do direito em geral, além do seu compromisso com a moral e a ética, atribui-se extraordinária relevância a certos princípios que não se prendem à técnica ou à dogmática jurídicas, trazendo em si seriíssimas conotações éticas, sociais e políticas, valendo como algo externo ao sistema processual e servindo-lhe de sustentáculo legitimador.[6]
Tendo em vista os casos analisados por Dworkin, a nova função recentemente adquirida pelos princípios (função normativa) e a importância que lhes é conferida, pode-se dizer que hoje se chegou ao entendimento de que os princípios não devem ser utilizados tão somente nos casos em que as regras são inexistentes ou ineficazes, mas mesmo quando exista lei, a fim de que esta não seja aplicada apenas em sua literalidade, e sim buscando seu aspecto sistemático e teleológico, como forma de conferir coesão ao sistema jurídico e evitar qualquer injustiça. É o que se extrai do seguinte trecho:
As normas denominadas principiológicas, por possuírem um maior alcance, não só podem como devem ser aplicadas diretamente, ainda que exista uma regra legislativa específica à matéria. Há de se permitir a subsunção à luz de princípios jurídicos, ainda que se eclipsando o sentido literal da lei.[7]
Certo é, ainda que gerais, abstratos e com funções orientadora, interpretativa e integrativa, os princípios possuem um núcleo normativo, que induz deveres a serem impostos ou preservados, a fim de elidir qualquer violação ao bem jurídico que representam.
Tanto assim o é, que a não observância dos princípios constitui falta grave e desestabiliza toda a sistemática jurídica que o integra, conforme as palavras de Bandeira de Mello:
Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de seus comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irreversível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isso porque, ao ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se a estrutura neles esforçada.[8]
Face a isto se encontra a importância de estudo do contempt of court, pois o instituto visa inibir qualquer ato atentatório à dignidade da justiça, que constitui, propriamente dito, violação de princípios processuais atinentes aos deveres das partes no curso de um processo, utilizando-se da força normativa que possuem os princípios como fundamento para punir o transgressor.
Cumpre evidenciar a lição de Frederico Marques, ao trabalhar as duas facetas do princípio da função social do processo, através da atuação dos magistrados e tribunais:
A atuação deste órgão estatal, ou autoridade, no processo destinado a resolver a lide, tem de ser justa, imparcial e desinteressada. Na resolução do conflito, deve-se dar a cada um o que é seu, de acordo com os preceitos da ordem jurídica. É que, como assinala Liebman, diante de situações concretas e reais da vida, “o direito dita o preceito concreto que os indivíduos estão obrigados a observar”.
Essa função que o Estado desenvolve no processo, para aplicar a lei e fazer justiça, tem o nomen juris de jurisdição, a qual pode ser definida como a aplicação do direito objetivo em relação a uma pretensão.[9]
Percebe-se, então, que o processo desempenha sua função social através de duas frentes. A primeira, vinculada ao princípio do acesso à justiça, relaciona-se à prestação jurisdicional conferida pelo Estado a fim de dirimir as controvérsias existentes entre os litigantes, como forma de se alcançar a pacificação social.
Por outro lado, também expressa a máxima da justiça abordada pelo Direito Romano, suum cuique tribuere, no sentido de se ver a lide resolvida de forma justa e imparcial, conferindo a cada litigante o direito que realmente lhe pertence.
Enquanto os princípios da lealdade processual e cooperação tratam do aspecto interno da relação processual, pois depende dos sujeitos quererem participar do processo segundo deveres éticos, a função social do processo abarca o aspecto externo dessa relação, pois está intimamente ligada às ideias de pacificação social e senso de justiça e equidade.
Sendo assim, a análise de referido princípio é de suma importância para o contempt of court, já que o instituto alienígena tem por escopo evitar qualquer ato que possa desvirtuar não uma relação processual analisada individualmente, mas sim o próprio sentido do processo, colocando em risco a posição e a autoridade que exerce o Estado-juiz e desacreditando os particulares de que suas demandas possam ser analisadas de forma justa e efetiva.
Por fim, fica a lição de Eduardo Cambi sobre a interpretação e método de estudo que deve ter o direito processual civil para que sempre objetive a função social desempenhada pelo processo:
Assim, o estudioso do processo civil não pode tomar como objetivo exclusivo de suas análises e de suas pesquisas apenas regras processuais, consideradas, apenas, como uma parcela do sistema jurídico. Os dispositivos processuais devem ser compreendidos à luz da realidade social para as quais foram predispostos, o que impõe aos processualistas e aos operadores jurídicos deixar de lado a pureza e a cientificidade de sua disciplina para se ocupar dos problemas da administração da justiça. Essas questões tocam diretamente o processo civil, devendo ser estudadas pelos juristas e não apenas pelos políticos, sociólogos e filósofos do Direito. Entretanto, a maioria dos nossos Manuais de Processo Civil trata apenas de uma abordagem estritamente dogmática (tecno-jurídica) dos institutos processuais, deixando-os de contextualizá-los com a realidade social em que são aplicados, o que levam muitas vezes a caírem no equívoco de calcarem a ciência processual em conceitos que, não raro, encontram respaldo na dinâmica da vida. Essa visão estreita incorre, fechando no hermetismo técnico-jurídico das regras processuais, em um grave equívoco, uma vez que o processo, como todo fenômeno jurídico, antes de assim ser, é um fenômeno social, que serve como um instrumento ou um meio (não como um fim) para realização da justiça, que é um valor eminentemente social.[10]
Percebe-se, assim, que referido ensinamento relaciona-se com os entendimentos modernos trazidos por duas fases metodológicas do direito processual, a do instrumentalismo e do formalismo valorativo, demonstrando que o processo, embora autônomo, representa meio para a concretização do direito material e a serviço da paz social, trazendo consigo aspectos éticos e constitucionais.
Inicialmente, importante destacar que os princípios da boa-fé processual, cooperação e lealdade se tangenciam, uma vez que estes dois últimos princípios são corolários daquele. Nesse sentido:
Como norma criadora de deveres, a boa-fé impõe determinadas condutas (pautadas na lealdade e nos deveres de cooperação e colaboração) e revela-se em seus aspectos objetivos, que se podem importar do direito privado, e sua observância deve ser imposta pelo juiz no processo civil sempre que necessário.[11]
A partir desse ensinamento, é possível perceber o caráter coercitivo do princípio da boa-fé, já que é definido como norma criadora de deveres, que deve sempre ser aplicada pelo juiz no curso do processo e observada perante todas as partes.
Isso porque, além da função normogenética que hoje é atribuída aos princípios, a boa-fé, especificamente, tem como fundamento um dos objetivos previstos na Constituição da República: a solidariedade.
Quanto a este ponto, Fredie Diddier ensina com maestria:
Há quem veja no inciso I do artigo 3° da Constituição brasileira o fundamento constitucional da proteção da boa-fé objetiva. É objetivo da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre justa e solidária. Haveria um dever fundamental de solidariedade, do qual decorreria o dever de não quebrar a confiança e de não agir com deslealdade.[12]
Com isso, percebe-se que a conduta leal e justa deve revestir o sujeito processual de maneira essencial e intrínseca, uma vez que a violação do princípio da boa-fé ofende não somente a outra parte litigante da relação jurídica processual, mas também atinge a própria eficácia e ideal de justiça que pretende obter a tutela jurisdicional conferida pelo Estado-juiz.
Noutra senda, é possível notar, a partir da detida leitura dos trechos colacionados, que a boa-fé processual é abordada em seu aspecto objetivo, e não subjetivo. A boa-fé subjetiva é entendida como suporte de fatos jurídicos e provém da vontade interna do agente. Em outro sentido, de modo muito mais abrangente, a boa-fé objetiva importa em uma norma de conduta, impondo e proibindo situações jurídicas.
Perfaz-se válido destacar o entendimento de Brunela de Vincenzi:
Assim, em sentido diverso da boa-fé subjetiva, ao conceito de boa-fé objetiva estão subentendidas as regras de conduta fundadas na honestidade, na lealdade, na retidão, em consideração e cooperação com a outra parte, ou, ainda, com a sociedade. Daí, respeita-se também a legítima expectativa criada na contraparte e nos membros da sociedade, decorrente do comportamento adotado ou até pela imagem do obrigado.[13]
Como visto no sub-tópico que tratou do princípio da função social do processo, a boa-fé, juntamente com os princípios da lealdade e cooperação, visa inibir qualquer ato das partes que não esteja condizente com os deveres éticos e morais, fazendo com que o processo alcance sua função de pacificação social e possibilidade de pronunciamentos justos.
Sendo assim, a fim de ser o sustentáculo da função social do processo, a boa-fé foi expressamente prevista tanto no Código de Processo Civil de 1973 quanto no de 2015, através dos artigos 14 e 5°, respectivamente, in verbis: “Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: II – proceder com lealdade e boa-fé”.[14] “Art. 5°. Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”.[15]
Nesse ponto continua Didier ao afirmar que foi acertada a opção do artigo 5° ao trazer uma cláusula geral processual bastante por si só, tendo em vista a infinidade de situações que podem surgir ao longo do processo, sendo certo que qualquer enumeração legal de hipóteses que atentem contra a boa-fé tornaria o dispositivo ineficaz.[16]
Outra importante conclusão acerca do princípio da boa-fé processual que se é possível inferir dos supracitados artigos é a de que as normas de conduta definidas por esta norma jurídica não se aplicam tão somente aos litigantes, mas também a todas as pessoas que de alguma forma interfiram no âmbito processual, sejam elas juízes, promotores, advogados, serventuários ou escriturários.
Percebe-se, portanto, que ao magistrado, além de fiscalizar a observância e fazer valer as diretrizes expressas pelo princípio da boa-fé, deve, ainda, adotar comportamento ético condizente com referida norma principiológica, seja no tratamento com urbanidade e respeito com as partes, como também na formação de uma convicção para julgamento livre de qualquer interferência externa ou parcialidade.
A partir da análise da boa-fé processual, percebe-se que tal princípio constitui o mais importante fundamento de incorporação e aplicação do contempt of court ao direito processual brasileiro, tendo em vista que a norma de conduta expressa nesse princípio tem como objetivo conferir efetividade ao processo, derrubando qualquer ato que tenha o condão de interferir no devido trâmite processual, que possa prejudicar qualquer agente do processo, ou, ainda, que possa desacreditar a função jurisdicional exercida pelo Estado. É o que se percebe através da leitura do seguinte parágrafo:
O processo civil contemporâneo, direcionado à efetividade, dá indícios de que não irá tolerar condutas processuais que impeçam – ou pretendam impedir – a realização do direito material por seu intermédio. Por tal motivo, fala-se tanto, nos dias atuais, em abuso de direito, ilícito processual, ato atentatório à dignidade da justiça, contempt of court etc., como formas de coibir o exercício inadmissível de posições jurídicas na relação processual.[17]
Ao exposto, como se pode observar do próprio trecho, o instituto alienígena abordado nesta pesquisa é de suma importância para que o instrumento processual seja observado segundo parâmetros éticos, sob pena de corromper o direito material por ele resguardado. O processo não pode ser um fim, mas um meio para se proteger o bem jurídico que se encontra sob controvérsia.
Daí o surgimento das hipóteses de aplicação e sanções propostas pelo contempt of court, pois se adotou o entendimento de que todo aquele que ferir o bom seguimento processual deve suportar as consequências de seus atos, até que a relação de equilíbrio entre os sujeitos seja reestabelecida, bem como as penalidades que lhe forem impostas, que possuem funções preventiva, educativa, coercitiva e repressiva. É ler:
Assim, quebrando o dever de boa-fé, que é presumido desde o início do processo, quando se concede às partes o direito de movimentar a máquina judiciária e dela obter a tutela adequada para seu conflito privado, deverá a parte que o violou assumir maiores obrigações e responder por deveres mais severos até retomar a credibilidade e a confiança perdidas.
A aplicação da cláusula geral da boa-fé no processo civil, ademais, permite impor medidas procedimentais que tenham função preventiva e educativa, além da repressiva que é atingida, precipuamente, pelo modelo processual brasileiro contemporâneo com a aplicação de sanções pecuniárias [...].[18]
2.2.3 PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
O processo pode ter diferentes modelos de estruturação dependendo do modo como seus atos vão sendo produzidos ao longo do seu trâmite. Dois são os modelos amplamente conhecidos: o adversarial, onde predomina o princípio dispositivo, e o inquisitorial, que tem por base o princípio inquisitivo. O primeiro enfatiza que a relação processual é construída a partir dos atos das partes, ficando o magistrado como expectador até que tenha de proferir os atos que lhe incumbem. De outro modo, o segundo modelo coloca o juiz como verdadeiro investigador processual.
Em que pese a existência desses dois modelos, Didier defende que o direito processual civil utilize-se de outro modelo para se desenvolver, o cooperativo, de modo a existir uma relação ativa entre as partes, o magistrado e qualquer outro sujeito processual, com o objetivo de fazer valer as diretrizes expressas pelos princípios do devido processo legal, boa-fé e contraditório.[19]
Antes de adentrar na relação entre o princípio ora estudado com os princípios dos quais é corolário, é importante trazer à baila o ensinamento de Gabriela Pinheiro de Oliveira acerca da ideia e importância trazidas pelo princípio da cooperação:
O princípio da cooperação é a pedra de toque do moderno processo civil, uma vez a ideia que se prega é a de que as partes e o juiz devem colaborar entre si, de modo a construir um processo mais justo, efetivo e célere. É importante que se destaque que a concretização de tal princípio traduz um interesse público, já que, ao se evitar a surpresa, a decisão inesperada por qualquer das partes, aumenta-se a credibilidade das partes na justiça e, por consequência, garante maior segurança jurídica no provimento final.[20]
Nesse sentido, o princípio da cooperação guarda relação com o devido processo legal, pois a visão cooperativa do processo concretiza o substantive due process bem como o procedural due process na medida em que, respectivamente, satisfaz o interesse público, assegurando ao processo sua função social, além de garantir às partes todos os direitos que lhe são cabíveis dentro da relação processual.
A cooperação também representa uma das facetas da boa-fé objetiva, já que tem o condão de vedar qualquer comportamento desleal ou antiético das partes que possa não conferir ao processo sua razoável duração, ou que impeça que um dos litigantes receba o direito que lhe foi conferido, desacreditando assim, que a atividade jurisdicional possa ser efetiva.
O princípio em análise também é corolário do contraditório, uma vez que, como visto no trecho colacionado acima, tem por escopo evitar a surpresa das partes tanto em ralação a atos recíprocos, quanto no momento de prolação da decisão judicial. Sendo assim, deve o juiz possuir uma postura de constante diálogo entre as partes, esclarecendo qualquer dúvida que possa existir, informando as partes das consequências de seus atos e equilibrando-as no âmbito jurisdicional para que não tenham apenas ciências dos atos processuais e oportunidade de se manifestarem sobre eles, mas que também possam influenciar na convicção racional do magistrado na hora em que este for se pronunciar.
A adoção do modelo cooperativo, conferindo devido prestígio ao contraditório, é possível notar através da leitura dos artigos 6° e 10 do Código de Processo Civil de 2015:
Art. 6°. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.[21]
Como se percebe, a cooperação também é um dos fundamentos que embasam o contempt of court, haja vista que todo aquele que pratica um ato atentatório à dignidade da justiça não está agindo com seu dever de cooperação processual. Nessa senda, além da previsão trazida pelo instituto, Bento Duarte e Zulmar Júnior, na obra em que analisam os princípios do processo civil, ainda estabelecem exemplos que podem ser encontrados dentro do CPC que concretizam o princípio da cooperação:
No direito processual civil pátrio, o CPC estabelece o princípio da cooperação por meio de diversos dispositivos, a exemplo das regras pelas quais os documentos devem acompanhar a inicial e a defesa; as partes podem ser ouvidas a qualquer tempo; as nulidades devem ser arguidas na primeira oportunidade que as partes tiverem para falar nos autos; os demandantes devem juntar documentos determinados pelo juiz, sob pena de confissão; os litigantes de má-fé são sancionados pecuniariamente etc.[22]
Ultrapassada a origem, importância e aplicabilidade do princípio da cooperação, resta agora analisar os deveres oriundos da referida norma principiológica. Para isso, cumpre salientar a doutrina de Didier que, além dos deveres já expressos através do princípio da boa-fé, ainda apresenta três outros decorrentes da cooperação:
O mais difícil é, realmente, sistematizar os deveres processuais que decorrem do princípio da cooperação. Para tanto, convém valer-se de tudo o que já se construiu a respeito dos deveres decorrentes do princípio da boa-fé no âmbito do direito privado. O dever de cooperação é um deles. Os deveres de cooperação podem ser divididos em deveres de esclarecimento, lealdade e de proteção.[23]
Esses três deveres podem ser aplicados tanto em relação às partes, quanto ao magistrado. No que tange às partes, o dever de esclarecimento pode se consubstanciar, por exemplo, na boa redação das peças processuais, contendo todos os requisitos definidos em lei; já a lealdade pode ser observada na vedação de qualquer ato atentatório à dignidade da justiça; por último, a proibição de qualquer inovação ilegal no estado de fato ou do bem litigioso (atentado) representa o dever de proteção.
Já em relação à perspectiva do juiz, o dever de esclarecimento está pressente quando o julgador ilide qualquer dúvida que possa surgir no decorrer do processo ou, ainda, quando consulta as partes para se manifestar sobre ou utilizando-se de matéria ainda não debatida nos autos; a lealdade configura-se no agir com boa-fé, o qual se impõe a toda pessoa que de alguma forma participe do processo; in fine, a advertência sobre o comportamento das partes e o suprimento e correção de qualquer ato que possa constituir um óbice para o bom andamento processual ou para a descoberta da verdade dos autos demonstra a existência de um dever de prevenção.
Com isso, realizada uma breve consideração acerca de toda a base principiológica que sustenta o instituto contempt of court, passa-se agora ao estudo em si do instituto, para posteriormente analisar sua incorporação, evolução e aplicação ao direito processual civil pátrio.
3 CONTEMPT OF COURT
3.1 A ORIGEM DO INSTITUTO NA COMMON LAW
Antes mesmo de adentrar ao próprio surgimento do contempt of court, é necessário fazer menção à incipiente ideia de contempt of the king. Para isso, perfaz-se necessário entender três conceitos, dentro do direito anglo-saxão: paz geral, paz do rei e oferhynes. A paz geral, se possível fazer uma livre comparação, estaria associada, hoje, à ideia de pacificação social. Nesse passo, qualquer ato ilícito cometido feria à própria comunidade, cabendo à Justiça fazer retornar ao status quo proposto pela paz geral.
A paz do rei, na acepção de Fabiano Aita Carvalho, “consistia, à época, na mais elevada proteção social concedida a pessoas, em épocas e lugares específicos, sendo de destaque a residência do rei e suas adjacências.”[24]
Com a posição cada vez mais centralizada do soberano, o rei passou a representar toda a engrenagem estatal, até mesmo a concepção de direito e justiça, absorvendo, dentro do conceito de paz do rei, a paz geral. Sendo assim, qualquer obstrução da justiça passou a ser considerada como próprio ato de desrespeito ao rei, o que ficou conhecido como contempt of the king.
Como meio de punir qualquer ofensa à paz do rei entra em cena a oferhyrnes, que consiste “numa violação da ‘paz pessoal’ do Rei, punida com uma das mais altas writes, ou seja, uma multa de índole pagável ao Rei ou a outra autoridade pública”[25], aplicada nos seguintes casos: “recusa de cumprir uma sentença, deixar de comparecer ao gemot, e o desacato ao juiz ou ao ‘chefe’ da cidade.”[26]
Evoluindo no tempo, já dentro do direito inglês, no século XII surgiu a expressão contemptus curiae, que posteriormente evoluiu para o que hoje chamamos de contempt of court, sendo que “a primeira referência à sua aplicação remonta ao ano de 1187, em hipótese de réu que não acudiu à citação.”[27]
No entanto, o instituto ainda estava ligado ao contempt of the king, sendo “muito importante no processo de formação da common law, impulsionando a adoção de um sistema jurídico comum na Inglaterra, já que era por meio deste que o rei conseguia que suas regras fossem cumpridas uniformemente em todo o reino.”[28]
Adriana Villa-Forte ainda leciona no sentido de informar como era o procedimento de aplicação do contempt of court em seus primórdios:
O procedimento adotado para a aplicação do contempt of court era simples, incluía apenas a citação do contemnor por uma ordem chamada de writ of attachment, que continha a acusação de prática de ato de contempt of court. A ordem poderia ser de attachment by body ou de attachment by pledge, dependendo da gravidade do ato cometido. A primeira hipótese era para aprisionamento imediato do contemnor, a ser cumprido pelo xerife sem qualquer julgamento. A segunda hipótese contemplava uma data para julgamento e ordem para que fosse arrestado um bem do acusado como garantia de que este compareceria em juízo, sem maiores detalhes como a especificação do ato cometido ou a data em que ocorreu.[29]
Ao longo do tempo, sua forma de aplicação foi evoluindo, deixando de estar vinculada à figura do soberano para incorporar-se aos magistrados e órgãos judiciais locais. Com isso, direitos e garantias começaram a ser observados, deixando de serem aplicadas penas indeterminadas ou cruéis e surgindo a multa como uma alternativa sancionatória.
Todavia, a estruturação do contempt of court ocorreu após a publicação do voto de um juiz em 1802, proferido em razão das críticas feitas por Almon em relação ao Chief Justice Lord Mansfield. É o ensinamento de Araken de Assis:
Na Inglaterra, a configuração básica do instituto emergiu de voto do Juiz Wilmot, publicado depois de sua morte, em 1802, e influenciado por Blackstone. Tratava-se da publicação de libelo por um livreiro chamado Almon contra o Chief Justice Lord Mansfield. Em síntese, o poder de contempt, na concepção do Juiz Wilmot, decorria da possibilidade qualquer corte vingar sua própria autoridade, prendendo ou multando quem a desafiasse em caráter público.[30]
Vista a origem do instituto no direito britânico, cumpre agora analisar sua incorporação pelo direito norte-americano, onde o contempt of court desenvolveu-se com maior importância e utilização, até mesmo porque, por mais que faça parte do sistema da common law, diferentemente do que usualmente ocorre na Inglaterra, nos Estados Unidos há legislação e compilação de matérias jurídicas, inclusive do instituto analisado por esta monografia.
É o que se percebe a partir da leitura da seção 17 do Judiciary Act, de 1789, que conferiu aos tribunais, de forma legislada, a possibilidade de aplicação de multa e prisão civil para todo aquele que praticar um ato de desprezo à sua autoridade:
Judiciary Act 1789, Sec. 17. And be it further enacted, That all the said courts of the United States shall have power to grant new trials, in cases where there has been a trial by jury for reasons for which new trials have usually been granted in the courts of law; (a) and shall have power to impose and administer all necessary oaths or affirmations, and to punish by fine or imprisonment, at the discretion of said courts, all contempts of authority in any cause or hearing before the same; (b) and to make and establish all necessary rules for the orderly conducting business in the said courts, provided such rules are not repugnant to the laws of the United States.[31]
O instrumento normativo que estabeleceu a Corte Judicial nos Estados Unidos foi posteriormente modificado em 1821, sendo que aos poucos a legislação foi adotada pelos estados norte-americanos, em declínio do precedente do Juiz Wilmot que anteriormente era utilizado como fundamento para a aplicação do contempt of court.[32]
Atualmente, o instituto é aplicado no direito norte-americano através dos coercitives remedies, que “correspondem à espécie de execução judicial de um direito legal obtido em ação civil”[33], constituindo “ordens que determinam que a parte faça ou deixe de fazer um determinado ato específico por intermédio de uma injunction ou de uma order of specific performance”[34].
Sendo assim, descumprida uma injunction ou uma order of specific performance, há a incidência do instituto contempt of court. Nesse passo, as injunctions “representam ordens de fazer, não fazer ou cessar alguma atividade ilícita ou danosa”[35], enquanto a order of specific performance
[...] é uma ordem judicial que determina o cumprimento de uma obrigação contratual na forma específica, pode ser comparada a uma execução específica ou uma execução de objetivo específico, “é o remédio jurisdicional que concede a tutela específica das obrigações”.[36]
3.2 CONCEITO
Como visto acima, a origem do contempt of court está ligada ao ideal de se fazer valer as decisões emanadas pelo órgão que detém a função judiciária, seja em um primeiro momento exercida pelo monarca, ou, atualmente, pelo Poder Judiciário. Nesse sentido, complementa Ada Pellegrini:
[...] é inerente à própria existência do Poder Judiciário a utilização dos meios capazes de tornar eficazes as decisões emanadas. É inconcebível que o Poder Judiciário, destinado à solução de litígios, não tenha o condão de fazer valer os seus julgados. Nenhuma utilidade teriam as decisões, sem cumprimento ou efetividade. Negar instrumentos de força ao Judiciário é o mesmo que negar sua existência.[37]
Sendo assim, o instituto surge para combater qualquer ato que atente à dignidade do próprio órgão que profere as decisões, como também que, de alguma forma, possa ilidir o cumprimento e a eficácia do mandamento. Contempt, assim, palavra derivada de contemptus, ainda que não guarde estrita relação com um vocábulo da língua portuguesa, pode ser entendido como desacato. Nesse passo, contempt of court, a partir de uma livre tradução, significa “desacato à Corte”.
Ada Pellegrini define contempt of court como “a prática de qualquer ato que tenda a ofender um tribunal na administração da justiça ou a diminuir sua autoridade ou dignidade, incluindo a desobediência a uma ordem”[38]. Já Araken de Assis entende ser “a ofensa ao órgão judiciário ou à pessoa do juiz, que recebeu o poder de julgar do povo, comportando-se a parte conforme suas conveniências, sem respeitar a ordem emanada da autoridade judicial”[39]. Ainda, Brunela de Vincenzi esposa a seguinte lição:
O contempt of court é instituto do direito consuetudinário dos países de common law. Mais do que forma de sancionar o abuso de direito ou o ilícito processual, é mecanismo de proteção ao due process of law, permitindo um fair procedure. Verifica-se, então, que não é instituto assemelhado ao abuso de direito, visto que tem natureza distinta. Trata-se de um poder inerente aos juízes e tribunais - contempt power -, para que sejam coibidos e punidos os atos praticados pelas partes, por terceiros ou por auxiliares da justiça que causem – ou sejam aptos a causar – dano à justiça, a sua imagem, ao respeito do povo pela justiça, sua credibilidade e à honra de seus membros.[40]
No entanto, para bem se compreender o conceito do instituto, é necessário, antes, conhecer algumas expressões a ele relacionadas, quais sejam, inherent powers, contempt power, contemnor e contemptous act.
Inherent power é o poder inerente à todo órgão jurisdicional e ao próprio juiz, de modo a preservarem sua autoridade e determinar o cumprimento de suas decisões. Nas palavras de Marcelo Guerra:
[...] os inherent powers dos juízes são “poderes instrumentais” de que se acham investidos esses mesmos juízes, no desempenho da função que lhe é própria e específica. Ao atribuir aos órgãos jurisdicionais poder para exercer a sua função específica, o ordenamento jurídico atribui também poderes para realizar todas as atividades e tomar todas as providências que assegurem concretamente o desempenho correto e ordenado dessa mesma função.[41]
Já o contempt power constitui o fundamento do contempt of court, criado a partir dos inherent powers, sendo entendido como a legitimidade de se reprimir os atos que atentem contra a dignidade da justiça. Portanto, possui como propósitos “a preservação da efetividade e do poder das Cortes”[42] e “a proteção e tutela dos direitos das partes por intermédio da imposição do cumprimento das decisões judiciais”[43].
Contemnor é o sujeito do instituto contempt of court, ou seja, é aquele que comete o ato de desacato. E contemptous act é o próprio ato de contempt em si, ou seja, é a conduta tida como atentatória à autoridade do juiz ou tribunal, ou, ainda, que possa ser considerada como obstáculo à garantia de efetividade da tutela jurisdicional. Nesse passo, Fabiano Aita apresenta os tipos de comportamento que ensejam a aplicação do contempt of court:
I) ato de desrespeito ou desprezo ao juiz ou à corte; II) ato de desafio à autoridade do juiz ou da corte; III) comportamento voltado à obstrução da justiça, e IV) qualquer comportamento capaz de impedir o tribunal de fornecer a tutela jurisdicional específica ou adequada.[44]
Percebe-se que muitas poderão ser as condutas que configuram ato de contempt, pois os tópicos acima elencados conferem a possibilidade de serem interpretados extensivamente. E na mesma esteira adverte Marcelo Guerra sobre não poder ser taxativo o rol de hipóteses de contempt, apresentando exemplificações de condutas para justificar sua afirmação:
[...] o contempt of court pode ser considerado como condutas diversas, desacato à corte literalmente, desprezo ao Tribunal, não apenas o descumprimento de ordem judicial: a roupa com que a parte ou o advogado vai ao Tribunal; a expressão facial de um advogado ou de uma parte, a publicação de uma matéria relativa a um processo em andamento; a tentativa de se agredir o juiz, o advogado, algum oficial de justiça ou alguma parte. Há um elenco enorme de condutas que são praticadas tanto em relação ao órgão jurisdicional como à parte, ao advogado e ao oficial de justiça.[45]
A partir de todas as considerações, chega-se ao conceito final do instituto em análise: contempt of court é um instituto advindo da common law que tem por base os princípios da função social do processo, boa-fé objetiva, lealdade e cooperação, sendo mecanismo de proteção ao devido processo legal e podendo ser entendido como a prática, pelo contemnor, de contemptus act, que abrange atos de desacato ou desafio à autoridade do órgão jurisdicional e do próprio juiz, que atentam contra a dignidade da justiça ou representam obstáculo à garantia de efetividade da tutela jurisdicional, sendo que referidas condutas merecem ser punidas por aqueles que se sentiram violados, tomando por fundamento o inherent power, que legitima as sanções por intermédio do contempt power.
3.3 CLASSIFICAÇÕES
3.3.1 CONTEMPT DIRETO E INDIRETO
A primeira classificação leva em consideração o local de cometimento do ato, em que o contempt direto, ou in the face of court, é praticado na presença do juiz e o indireto, ou ex facie, é perpetrado fora do tribunal. Com isso, uma vez apresentado o conceito de contempt direito, obtém-se o de indireto por exclusão, já que este abarca todas as hipóteses não contempladas por aquele, possuindo, portanto, caráter residual. Eis, de forma mais aprofundada, o que se entende por contempt direto:
Consiste, portanto, em fazer ou deixar de fazer algo na presença do juiz ou tribunal, tendente a impedir ou interromper os seus procedimentos ou ofender a sua integridade. Só tem lugar quando os atos que o constituem são praticados na presença do juiz. É, pois, um insulto cometido ante um tribunal ou juiz que atue como tal, ou a resistência ou obstrução a legítima autoridade de um juiz ou tribunal na sua presença, ou o mau comportamento tão perto que interrompa ou cause distúrbio ao procedimento judicial.[46]
Para com mais acerto captar a diferenciação, nada melhor que apresentar alguns exemplos de contempt direto e indireto. Enquadra-se em contempt direto “o falso testemunho; a recusa de responder à pergunta admitida pelo juiz; o distúrbio na sala de audiências”[47]. De outro modo, constitui contempt indireto, além do descumprimento das injunctions ou orders of specific performance, “a ocultação da pessoa, com o fito de evitar citação ou intimação; subornar jurados; a recusa em indicar bens à penhora; organizar manifestações à porta do tribunal; injuriar o juiz, as partes e os servidores do tribunal”[48].
A importância da diferenciação consiste no modo como a punição será aplicada, uma vez que, como o direto ocorre na frente do juiz, a sanção é sumária, imediata, inexistindo um procedimento a ser seguido. Por outro lado, no contempt indireto existe a observância do devido processo legal, com oportunização de defesa e contraditório, além de outras garantias, tais como notificação, o direito de ser assistido por procurador e a existência de audiência de justificação.
O último comentário que merece destaque nessa diferenciação é a crítica que sofre a modalidade direta do contempt of court, uma vez que “o juiz, nessa hipótese, acumula as posições de vítima, testemunha e acusador também”[49]. No entanto, os ordenamentos que o utilizam justificam sua necessidade sob o fundamento da garantia do respeito da autoridade judicial e da dignidade da justiça, de modo a evitar que situações semelhantes se repitam. Não obstante o argumento de sua indispensabilidade, os juízes, em algumas decisões, como forma alternativa para que não fosse necessário aplicar as sanções previstas pelo instituto, “chegaram a recomendar que quando for possível, desde que não comprometa o curso do julgamento, nos casos de contempt direto por ataques pessoais ao juiz, que este solicite ser substituído por um de seus pares”[50].
A princípio, é importante tecer algumas considerações. A primeira é que a diferenciação entre contempt civil e penal nada tem a ver com sua aplicabilidade no direito processual civil e penal, respectivamente. A classificação, na verdade, tem por base as características e os propósitos com que os atos de desacato são realizados. A outra observação é a de que a diferenciação não é absoluta, sendo que em alguns momentos os dois conceitos se confundem, podendo, até mesmo, uma conduta de contempt ser inserida ao mesmo tempo na definição civil e criminal do instituto.
Fabiano Aita define contempt civil como “o mau comportamento de uma das partes, que desrespeita, menospreza determinada ordem judicial, frustrando ou prejudicando o direito do outro litigante”[51]. Já o contempt criminal “consiste na ofensa à dignidade e à autoridade do tribunal ou dos seus funcionários, gerando obstáculo ou obstrução ao processo, tornando-o mais moroso”[52].
A partir da leitura dos conceitos, é possível apresentar algumas diferenciações entre as duas modalidades. A primeira tange à finalidade. Enquanto no contempt civil busca-se o cumprimento da tutela jurisdicional, no criminal visa-se a aplicação de uma punição àquele que violou a autoridade órgão judiciário ou do juiz. Dessa diferenciação, por óbvio, decorre que o contempt civil atinge indiretamente a parte do processo, enquanto o penal desrespeita a própria corte.
A principal diferenciação reside, entretanto, no propósito com o qual se pune o ato, já que a sanção a ser aplicada poderá ter um caráter coercitivo ou punitivo, o que classificará o contempt em civil ou criminal, respectivamente. Nesse sentido:
Se o propósito é coagir, induzir a parte a cumprir uma ordem judicial, evitando, com isso, que haja dano a direito da outra parte, estaremos, seguramente, diante de um contempt civil. No entanto, se a intenção é meramente punir um ato de desrespeito perpetrado pela parte, impondo a autoridade do Judiciário, trata-se de contempt criminal.[53]
Outra diferenciação, ainda, é possível de ser apontada: a que se refere ao procedimento. Como o contempt penal frequentemente configura-se diretamente na presença do juiz ou dentro do órgão jurisdicional, essa modalidade usualmente se relaciona com a forma direta de contempt of court. Por conta disso, o processo para sua punição é autônomo e sumário. Já no contempt civil, que pode ser direito ou indireto, como o ato de desrespeito ocorre pelo descumprimento de uma decisão judicial proferida dentro de um processo em curso, o processo para a verificação de sua ocorrência será nos mesmos autos e mediante provocação do litigante prejudicado.
Por fim, ficam aqui as mesmas críticas que foram feitas ao contempt direto, adequando-as para quando se estiver diante de um contempt civil ou criminal na modalidade direita. Todavia, poucos são os entendimentos contrários à aplicação do contempt civil indireto, que, aliás, é a modalidade mais bem aceita e aplicada do instituto. Por conta disso, é de grande valia demonstrar como é o procedimento do contempt civil indireto na commmon law, a ser analisado no próximo tópico.
3.4 REQUISITOS DE APLICAÇÃO E SANÇÕES PREVISTAS
Nesta parte da pesquisa serão abordados apenas os requisitos e o procedimento do contempt indireto, principalmente na modalidade civil, pois é a hipótese mais utilizada de contempt of court. Não se é possível aprofundar na análise do contempt direto, pois, como visto, segue um procedimento sumário cuja penalidade possui aplicabilidade imediata.
Primeiramente, em relação aos requisitos, é necessário que “a) tenha a parte pleno conhecimento da ordem que lhe foi direcionada; b) seja a determinação judicial materialmente exequível”[54]. Isso porque para que aja o ato de desacato, tem que haver a vontade do agente de praticá-lo, não podendo ser sancionado caso não tivesse pleno conhecimento do que lhe era esperado cumprir. De outro modo, a obrigação deve ser possível de ser adimplida, pois senão se desvirtuaria o instituto, que passaria a ser utilizado com requintes de injustiça.
Passa-se agora à observância do procedimento do contempt indireto, tanto civil quanto penal, nas palavras de Fabiano Aita Carvalho:
No que diz respeito ao contempt civil indireto, vários são os requisitos e procedimentos necessários para sua aplicação. O procedimento tem início, normalmente, com a apresentação de petição pela parte prejudicada, requerendo que seja emanada ordem de cumprimento de determinada obrigação, sob pena de ser considerada a parte contrária em contempt. O obrigado deve, necessariamente, ser citado, constando, da citação, a obrigação a ser cumprida, qual ação ou omissão lhe está sendo imposta. Ainda, há que lhe ser garantido o direito de ser ouvido. Normalmente, há intimação para que compareça a uma “audiência de justificação” ou para que apresente defesa, momento em que poderá fazer prova de que cumpriu a obrigação, ou de que esta é materialmente impossível. Em seguida, o juiz, apreciando as provas, decide se a parte está ou não em contempt. Caso seja considerado em contempt, é-lhe imposta uma sanção condicionada, que deverá incidir caso a parte resista em não cumprir a ordem judicial desatendida. Finalmente, aplica-se a penalidade prevista caso o contemnor persista na recalcitrância em cumprir a determinação do juiz.
Ainda digno de destaque que, nos casos de contempt criminal, a parte goza das mesmas prerrogativas que o acusado em ação criminal, bem dizer, presume-se inocente até que se prove em contrário. Portanto, só haverá reconhecimento de contempt criminal indireto se respeitado o devido processo legal e existente prova robusta da ofensa, desacato perpetrado pela parte.[55]
Noutra toada, agora serão analisadas as sanções previstas pelo contempt of court na common law, que são em quatro: prisão, multa, perda dos direitos processuais e sequestro. No entanto, este não é um rol numerus clausus, até mesmo porque este sistema jurídico confere maior flexibilidade ao poder de decisão do magistrado, que tem a liberdade de aplicar uma penalidade diversa diante do caso concreto.
Antes de adentrar em cada sanção em si, é importante ressaltar que, como visto na diferenciação entre contempt civil e penal, a penalidade pode ser de ordem coercitiva ou punitiva, respectivamente. Esta possui por finalidade reivindicar a autoridade do órgão jurisdicional, enquanto aquela é aplicada para forçar o cumprimento da tutela conferida a uma das partes. Importante é a lição de Osmar Vieira da Silva acerca do fundamento da aplicação das sanções coercitivas:
As sanções aplicáveis aos contempt of court por descumprimento, como meio executivo impróprio, de modo geral apresentam um espírito orientador e disciplinador, conexo à ideia do pleno respeito às atividades de administração da justiça. Objetivam, assim, induzir ou compelir o contemnor a um determinado comportamento perante a Corte, ativo ou passivo, a fim de que a pretensão à adequada prestação jurisdicional seja, afinal, satisfeita.[56]
A mais gravosa, mas também mais efetiva das sanções, a prisão pode ser utilizada de forma coercitiva (diante de um ato de contempt civil) ou punitiva (quando verificados atos de contempt criminal). Na primeira hipótese, será aplicada quando o ato atentatório visar o descumprimento de uma ordem judicial. Sendo assim, terá prazo indeterminado, bastando o cumprimento da determinação judicial para que a punição acabe. Entretanto, é importante considerar que, por mais que o tempo seja indeterminado, não se mostra justo um encarceramento muito longo, sob pena de desvirtuar o caráter coercitivo da sanção. Ainda, não poderá tal penalidade ser aplicada quando se tratar de prisão por dívidas ou quando a decisão já não mais for exequível, já que seria impossível seu cumprimento.
Por sua vez, a prisão terá caráter punitivo quando o ato atentatório visar a própria imagem do tribunal ou a figura do juiz, tendo a única função de punir, e não de fazer com que o contemnor cumpra alguma decisão. Por conta disso, deverá ter limite máximo de duração.
Marcelo Guerra faz uma comparação bastante curiosa sobre as duas formas de prisão, a qual merece ser destacada:
[...] daí se dizer, por exemplo, quando a sanção utilizada seja a prisão civil ou a prisão, no caso de contempt civil, que se conhece a fórmula: o ofensor vai à cadeia com a chave no bolso, sai na hora que quer, basta apenas cumpri-la; ao passo que, se o propósito da reação for o de punir, a prisão é estipulada com o prazo certo, e ele continuará preso enquanto não esgotado o prazo.[57]
A multa, da mesma forma que a prisão, dependendo de qual modalidade de contempt estiver a sua frente, poderá assumir função coercitiva ou punitiva. Esta a ser aplicada de uma só vez, enquanto aquela, previamente fixada, a incidir toda a vez que o litigante violar a determinação judicial, a fim de que seja compelido a cumpri-la. Contudo, ainda é admitida uma multa de caráter compensatório, destinada à parte que efetivamente comprovar nos autos que sofreu dano com o ato de contempt praticado pelo ofensor.
A perda dos direito processuais assemelha-se à possibilidade de não falar nos autos prevista pelo ordenamento pátrio, uma vez que o contemnor, no processo em que cometeu o ato atentatório, perde as garantias processuais e tem limitada sua atuação. No entanto, tal medida é extremamente criticada, tanto que pouco aplicada, uma vez que pode violar vários princípios processuais, a exemplo da ampla defesa, contraditório e devido processo legal. Com isso, chegou-se à conclusão de que, se aplicada, esta penalidade terá que ser “limitada aos requerimentos da parte, vistos como privilégio dentro do processo, não podendo, em hipótese alguma, alcançar o seu direito de defesa”[58].
Por fim, o sequestro “é uma medida coercitiva extrema, que atinge todos os bens do devedor, mantendo-os em poder de depositários até que a ordem seja cumprida”[59]. Como se observa, constitui medida de maior eficácia quando o ofensor é uma pessoa jurídica.
3.5 SEMELHANÇAS COM OUTROS INSTITUTOS
O referente tópico tem a função de apontar as semelhanças, mas também diferenciar alguns institutos que guardam relação com o contempt of court, pois podem causar certa confusão no momento de se verificar qual deve ser aplicado no caso concreto. A diferenciação é importante, ainda, porque dependendo da situação, os institutos podem ter suas sanções aplicadas cumulativamente, sendo certo que, como se verá no capítulo mais adiante, pela prática de um só ato, o ofensor pode ser compelido a pagar multas por contempt of court e litigância de má-fé, além de sobre ele poder recair multa cominatória (astreintes).
3.5.1 CONTEMPT E LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
A litigância de má-fé está expressa nos artigos 16 a 18 do CPC/73 e 79 a 81 do CPC/15. Para se analisar o instituto, portanto, necessária se faz a transcrição das principais normas que o regulam, sendo que, como há pouca diferença na previsão entre os dois códigos e por não ser a litigância de má-fé o principal objeto de estudo desta monografia, colaciona-se apenas os artigos pertinentes contidos no novo Código de Processo Civil:
Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:
I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;
II - alterar a verdade dos fatos;
III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;
IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;
VI - provocar incidente manifestamente infundado;
VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.
Art. 81. De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou.[60]
De início, destaca-se a semelhança que referido instituto possui com o contempt of court, pois, a partir da leitura das hipóteses que ensejam a configuração do dano processual, percebe-se que, de certo modo, também podem ser entendidas como atos atentatórios à dignidade da justiça. No entanto, a diferença entre os dois institutos cinge-se à finalidade da multa dos institutos.
Isso porque o artigo 81 revela o caráter punitivo da multa e sua finalidade em proteger a parte que sofreu prejuízos, resguardando-lhe dos danos que vier a sofrer, enquanto no contempt of court, principalmente se observado da forma como está previsto pelo ordenamento jurídico pátrio, a multa é convertida em favor do próprio Estado, como forma de garantir a autoridade e legitimidade do Poder Judiciário, como será melhor visto no próximo capítulo.
Daí se falar na possibilidade de aplicação simultânea das duas multas, o que não configura bis in idem, pois cada uma possui uma finalidade determinada e um alvo próprio a ser protegido.
Este outro instituto é originário do Direito Francês e, diferentemente da litigância de má-fé, que se assemelha ao aspecto punitivo do contempt of court, a multa cominatória tem função meramente coercitiva, com o objetivo de agir no âmbito psicológico do obrigado para que este faça ou se abstenha de fazer algo, ou, ainda, que seja compelido a entregar coisa diversa de dinheiro.
Nesse passo, a multa denominada de astreintes “é uma maneira de coerção ou constrangimento que visa obrigar o devedor recalcitrante a prestar determinada obrigação, ou seja, obriga ao cumprimento de uma norma.”[61]
Pelo que se percebe, portanto, as astreintes, por mais que tenham origem diversa, são aplicadas com a mesma função que o contempt civil indireto. A diferença, consiste, da mesma forma que no sub-tópico acima, quanto ao destinatário da multa, já que no contempt ela se converte ao Estado e a multa cominatória é destinada à parte contrária.
A diferença entre os institutos é ainda de maior relevância para o direito brasileiro, pois, como será visto adiante, foi adotado pelo ordenamento pátrio o contempt criminal, o que justificaria, portanto, a possibilidade de cumulação entre as duas multas.
A partir disso, considere a hipótese em que foi deferida uma antecipação de tutela determinando que uma das partes cumpra uma obrigação de fazer, mas esta se recusa a cumprir a decisão jurisdicional, sob o fundamento de um fato que sabe ser inverídico. Três multas então são cabíveis. As astreintes para coagir a parte a cumprir a medida. A de contempt of court como forma de punir o ofensor que praticou ato atentatório à dignidade da justiça ao criar embaraços à efetivação da tutela jurisdicional. Por fim, a por litigância de má-fé, tendo em vista que a parte tentou alterar a realidade dos fatos, bem como retardou o andamento processual de forma injustificada.
4 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA E INCORPORAÇÃO DO CONTEMPT OF COURT PELO DIREITO PROCESSUAL CIVIL PÁTRIO
4.1 ARTIGOS 600 E 601 DO CPC DE 1973
Para a doutrina majoritária, por mais que existam outros artigos que possam conter alguma semelhança com o contempt of court, a introdução do instituto ao direito processual civil brasileiro somente ocorreu através da Lei 10.358, de 27 de dezembro de 2001, ao modificar o artigo 14 do CPC/73 e nele acrescentar o inciso V, juntamente com o parágrafo único.
Entretanto, é preciso primeiro conhecer os artigos 600, 601, 879, 880 e 881 do CPC, pelas razões a seguir expostas.
Os artigos 600 e 601 merecem ser analisados tendo em vista que tratam das hipóteses de ato atentatório à dignidade da Justiça dentro da execução, o que leva ao seguinte embate: seria essa a primeira manifestação do contempt of court no ordenamento jurídico pátrio? Para achar a resposta é preciso, de antemão, conhecer os artigos:
Art. 600. Considera-se atentatório à dignidade da Justiça o ato do executado que:
I - frauda a execução;
II - se opõe maliciosamente à execução, empregando ardis e meios artificiosos;
III - resiste injustificadamente às ordens judiciais;
IV - intimado, não indica ao juiz, em 5 (cinco) dias, quais são e onde se encontram os bens sujeitos à penhora e seus respectivos valores.
Art. 601. Nos casos previstos no artigo anterior, o devedor incidirá em multa fixada pelo juiz, em montante não superior a 20% (vinte por cento) do valor atualizado do débito em execução, sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material, multa essa que reverterá em proveito do credor, exigível na própria execução.[62]
Por mais que possa levar a uma confusão inicial, dois são os pontos que não permitem que referidos artigos se encaixem dentro do conceito de contempt of court. O primeiro é o mesmo relacionado às diferenciações feitas com a litigância de má-fé e as astreintes: aqui, a multa não é aplicada em favor do Estado, mas em favor do credor, o que implica dizer que não visa a preservar a autoridade do juiz ou do tribunal, mas sim combater qualquer ato que possa ser prejudicial à parte adversária, que quer ver atendida a pretensão que lhe foi conferida pela autoridade competente.
O segundo ponto diz respeito às hipóteses típicas descritas em numerus clausus pelo artigo 600, tendo em vista que, nas palavras de Fabiano Aita,
[...] o contempt of court, nos países de sistema jurídico da common law, não prevê especificamente que tipo de atitudes são consideradas desacato à autoridade da corte. Em verdade, não limita as situações que podem assim ser consideradas, inexistindo rol taxativo. Toda e qualquer conduta desonrosa à corte poderá ser considerada contempt of court. Seu espectro de aplicação é, pois, ilimitado.[63]
Este instituto, regulado pelos artigos 879 a 881 do CPC/73, primo ictu oculi, não se assemelha ao contempt of court, mas a importância de seu estudo se deve a uma das sanções aplicadas por quem comete atentado e, principalmente, pelo fato de que, sob a égide do novo Código de Processo Civil, este instituto deixou de ser uma ação cautelar e foi realocado dentro do artigo 77, dispositivo normativo que passará a regular o instituto alienígena, como será visto adiante.
Art. 879. Comete atentado a parte que no curso do processo:
I - viola penhora, arresto, sequestro ou imissão na posse;
II - prossegue em obra embargada;
III - pratica outra qualquer inovação ilegal no estado de fato.
Art. 880. A petição inicial será autuada em separado, observando-se, quanto ao procedimento, o disposto nos arts. 802 e 803.
Parágrafo único. A ação de atentado será processada e julgada pelo juiz que conheceu originariamente da causa principal, ainda que esta se encontre no tribunal.
Art. 881. A sentença, que julgar procedente a ação, ordenará o restabelecimento do estado anterior, a suspensão da causa principal e a proibição de o réu falar nos autos até a purgação do atentado.
Parágrafo único. A sentença poderá condenar o réu a ressarcir à parte lesada as perdas e danos que sofreu em consequência do atentado.[64]
Humberto Theodoro Júnior define atentado como “a criação de situação nova ou mudança de status quo, pendente a lide, lesiva à parte e sem razão de direito”[65]. Percebe-se que referida conduta pode, sim, ser configurada como um ato de contempt, pois visa dar ineficácia à tutela jurisdicional, razão pela qual foi incorporada pelo CPC/15 como um ato atentatório à dignidade da Justiça. Mas o que interessa aqui agora é uma das penalidades impostas ao ofensor: a proibição de o réu falar nos autos até a purgação do atentado.
Quanto a isso, Humberto Theodoro explica que:
A proibição de falar refere-se ao processo principal e não impede que o vencido recorra da sentença cautelar que acolheu a ação de atentado. Com relação àquela causa, a interdição perdurará enquanto não se der a purgação, privando o réu inclusive do direito de interpor recursos.[66]
Nota-se que é sanção que guarda extrema semelhança com a de perda dos direito processuais aplicadas na common law no âmbito do contempt of court. Certo é que a parte fica proibida de se manifestar no processo até que expurgue o dano causado, prefigurando-se, portanto, como uma medida coercitiva.
Todavia, nenhum desses artigos supramencionados culminou na adoção do contempt of court pelo direito brasileiro. Sua incorporação só foi realmente concretizada através da Lei 10.358/01, que passará a ser o objeto de estudo neste momento.
4.3 O ARTIGO 14 DO CPC DE 1973 NA REDAÇÃO DA LEI 10.358/01
Os grandes elogios à incorporação do instituto pelo direito brasileiro são no sentido de que, pela primeira vez, o ordenamento jurídico passou a não se preocupar tão somente com os atos praticados pela parte que de alguma forma causasse prejuízos à outra, mas também com as condutas praticadas no âmbito processual que ferem à própria imagem do Estado-juiz e de sua autoridade, reputação e prestígio.
Em conformidade a isto se encontra à crítica feita por Ada Pellegrini a um ordenamento que se contenta em punir apenas os atos de litigância de má-fé ou que protege apenas as partes do processo:
No entanto, pelo menos no Brasil, raríssimas são as aplicações de sanções ao litigante de má-fé, talvez porque a multa reverte em favor da parte prejudicada, caracterizando assim medida compensatória, na qual a dignidade da justiça não fica restabelecida.[67]
Como forma de mudar essa realidade, o contempt of court foi incorporado ao ordenamento jurídico pátrio através da Lei 10.358/01, que alterou o artigo 14 do Código de Processo Civil de 1973. Além de se basear nos princípios inicialmente analisados e ser mecanismo de proteção ao due process of law, a adoção do instituto jurídico pelo direito brasileiro ainda pode se fundamentar em duas previsões constitucionais, contidas no artigo 5°, XXXV e §1° da Constituição da República.
Com a vedação da autotutela, o Estado trouxe para si a incumbência de averiguar e julgar as demandas apresentadas pelos particulares. Com isso, o artigo 5°, XXXV tutela o princípio da inafastabilidade de jurisdição, determinando que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”[68]. Sobre este direito fundamental, discorre Alexandre de Moraes que:
[...] o Poder Judiciário, desde que haja plausibilidade da ameaça ao direito, é obrigado a efetivar o pedido de prestação judicial requerido pela parte de forma regular, pois a indeclinabilidade da prestação judicial é um princípio básico que rege a jurisdição, uma vez que a toda violação de um direito responde uma ação correlativa, independentemente de lei especial que a outorgue.[69]
Desse princípio, conforme Adriana Villa-Forte, é possível extrair dois fundamentos da aplicação do contempt of court no direito brasileiro, pois, além de garantir o acesso à justiça, impede a indisponibilidade da jurisdição, o que demonstra a observância do devido processo legal e da efetividade do processo.[70]
E como o contempt of court visa dar maior efetividade à tutela jurisdicional, nesse ponto entra em cena o §1° do artigo 5° da Carta Magna, que dispõe que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”[71]. Dessa forma, dando aplicabilidade imediata à garantia da inafastabilidade da jurisdição, decorre a conclusão de que o processo deve ser efetivo e atender a sua função social, disponibilizando instrumentos adequados à sua concretização e garantindo o proveito-utilidade àquele que faz jus ao direito guerreado.
Quanto ao exposto é valida a transcrição da lição de Luiz Guilherme Marinoni:
O direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, segundo o artigo 5°, §1° da CF, tem aplicabilidade imediata e, assim, vincula imediatamente o Poder Público, isto é, o legislador – obrigando a traçar técnicas processuais adequadas à tutela dos direitos – e o juiz – que tem o dever de prestar a tutela jurisdicional efetiva. Na verdade, esse direito fundamental incide de forma objetiva, ou como valor, sobre o juiz. Melhor dizendo, o juiz, diante desse direito fundamental, deve perguntar sobre as necessidades do direito material, vale dizer, sobre a tutela do direito que deve ser outorgada pelo processo, para então buscar na norma processual a técnica processual idônea à sua efetiva prestação, outorgando-lhe máxima efetividade.[72]
Transcendido este introito, cumpre agora destrinchar em si a parte do artigo 14 do CPC/73 que regula o contempt of court. A partir de sua leitura, será possível extrair algumas considerações: o tipo de contempt que foi adotado pelo direito processual civil brasileiro, os requisitos de sua aplicação e a sanção prevista.
Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo:
[...]
V - cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final.
Parágrafo único. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado.[73]
Trazendo para este momento todas as considerações já feitas, a primeira tarefa agora é saber se o ordenamento jurídico pátrio incorporou o instituto alienígena em sua modalidade direta ou indireta e civil ou penal.
Para saber se é direto ou indireto, é preciso verificar se o ato de “desacato” ocorreu in the face of court ou ex facie. Como o inciso V aborda apenas o descumprimento das ordens judiciais e os embaraços criados à sua efetivação, percebe-se que o contempt é classificado, portanto, como indireto, pois são condutas que ocorrem, praticamente, longe do tribunal ou da presença do juiz.
Por outro lado, a diferenciação entre contempt civil e penal leva em consideração se a finalidade do ato tem natureza coercitiva ou punitiva. Pela leitura do parágrafo único observa-se que a multa aplicada não tem a função de coagir o contemnor a cumprir o provimento mandamental, mas tão somente de puni-lo pelo descumprimento ou por ter causado embaraços à efetividade do processo. Com isso, conclui-se, pois, que o direito processual civil brasileiro adotou o contempt of court apenas em suas modalidades indireta e criminal.
Mudando-se o foco, é preciso descobrir quais os requisitos devem ser preenchidos para que haja a incidência do contempt of court, com a correspondente punição do ofensor. Para tanto, pode-se dividir os requisitos em objetivos e subjetivos.
Nas palavras de Fabiano Aita, são requisitos objetivos:
a) a incidência em uma das modalidades previstas no inciso V do artigo 14 do CPC; b) que o descumprimento da ordem tenha se dado por ato de vontade, ainda que desconhecido o fim pretendido pelo agente; c) que a obrigação imposta seja de possível atendimento; d) que o agente tenha pleno conhecimento da ordem e que esta emanou da autoridade competente.[74]
O primeiro requisito objetivo diz respeito às hipóteses trazidas pelo inciso V que podem configurar ato atentatório à dignidade da justiça: cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final. Provimentos mandamentais podem ser entendidos como “todos aqueles que ordenam que a parte faça ou deixe de fazer algo, sem necessidade, para sua concretização, de qualquer ato processual posterior, de cunho executivo”[75].
Por seu turno, cria embaraços à efetivação de provimentos judiciais aquele que desvirtua a função social do processo e sua finalidade ao praticar atos que atentem contra a boa-fé, a lealdade, a cooperação e a razoável duração do processo. É importante destacar, ainda, que o provimento judicial pode ser conferido em qualquer fase do processo, seja de natureza antecipatória, a exemplo das tutelas de urgência, ou final, como a sentença.
O segundo requisito objetivo tem por base o elemento volitivo do agente. É necessário que ele queira descumprir uma ordem judicial ou criar embaraços à sua efetivação. No entanto, não importa saber a finalidade específica com que o ato de contempt foi praticado, basta que tenha sido querido, como bem assevera Rui Stoco:
Não importa o propósito que anima o agente, seja por emulação, para causar dano à parte contrária ou a qualquer das partes, para obter vantagem ilícita ou qualquer outra motivação. O fim colimado é irrelevante.[76]
O terceiro requisito diz respeito à exequibilidade do provimento, pois, por óbvio, ninguém pode ser compelido a fazer ou deixar de fazer algo impossível ou ilícito. Por último, é necessário que o mandamento tenha sido proferido pelo juiz ou órgão jurisdicional e que a parte tenha plena ciência dessa ordem e de que esta foi a ela direcionada.
No que tange ao requisito subjetivo, impende analisar quais são os sujeitos que podem praticar e ser penalizados pelo contempt of court. É clara a redação do caput do artigo 14, que dispõe que não praticar atos de contempt constitui dever das partes e de todos aqueles que de alguma forma interfiram no processo. Sendo assim, os ofensores podem ser o autor, o réu, litisconsortes, terceiros intervenientes, peritos, representantes das partes (preposto, curador, tutor, síndico etc.), serventuários da justiça (escrivão, oficial de justiça etc.) e até mesmo o juiz. Quanto a este último, é interessante verificar o seguinte exemplo:
[...] peculiar exemplo seria a aplicação ou reconhecimento do contempt aos magistrados. Obviamente, não o próprio juiz da causa em relação à decisão por ele mesmo emanada, mas sim a, por hipótese, juiz de outra comarca que deixa de cumprir ou dificulta o cumprimento de carta de ordem ou precatória, advindo, da sua conduta, “o esvaziamento do resultado concreto do provimento judicial”.[77]
Entretanto, o parágrafo único contém uma exceção à regra geral de que todos podem sofrer a punição de multa: os advogados, por já sofrerem sanções administrativas contidas em seu Estatuto, foram excluídos do rol de pessoas capazes de serem sancionadas civilmente por contempt of court. Por óbvio, referido privilégio é amplamente refutado pela doutrina, sofrendo fortes críticas tal previsão contida no parágrafo único. É ler:
Assim se liquidou, com outra penada, toda a doutrina e a prática dos Tribunais anglo-saxões em torno do contempt of court, cuja longa experiência havia evidenciado que entre os maiores responsáveis pela criação de embaraços à efetivação dos provimentos judiciais se inscrevem os advogados. É só uma mal entendida proteção corporativa pode levar a querer proteger os maus advogados, que resistem injustificadamente às ordens judiciárias. Sem contar com o fato de que as sanções disciplinares previstas nos estatutos da Ordem têm finalidades profundamente diversas das do contempt of court, que objetiva resguardar a autoridade das decisões judiciárias e garantir a efetividade do processo.[78]
Por último, cabe analisar agora a multa prevista no parágrafo único do artigo 14 do CPC/73. Primeiramente, como já visto acima, ela não se aplica aos advogados. De outro lado, deve-se atentar a expressão “sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis”. Sendo assim, além da multa por contempt, pode recair sobre o ofensor a multa cominatória e a por litigância de má-fé, além de responder ação penal pelo crime de desobediência.
Ainda, a multa deve ser fixada em razão da gravidade da conduta, desde que não ultrapasse o patamar máximo de 20% sobre o valor da causa. Nesse ponto residem críticas, pelo fato de o legislador ter atrelado o montante da indenização ao valor da causa. “Assim o fazendo, acabou por alijar a sanção dos casos em que a causa possui valor baixo ou daquelas em que é inestimável. Melhor seria se tivesse deixado a fixação do valor ao arbítrio do juiz.”[79]
O último e mais importante ponto que merece destaque quanto à multa prevista é o fato de ser revertida para o Estado, e não em favor do outro litigante que por ventura vier a sofrer prejuízos com o ato atentatório à dignidade da justiça. Nesse sentido, caso não haja o adimplemento da sanção, esta será inscrita como dívida ativa, podendo, assim, ser executada. A qual ente federativo reverterá a multa dependerá de frente a qual tribunal ou juiz foi praticado o ato de contempt.
Em que pese a incorporação do instituto da common law pelo direito processual civil brasileiro, existe uma crítica ferrenha quanto a não incorporação em sua totalidade. Isso porque a única sanção passível de ser aplicada é a da multa punitiva, não existindo qualquer meio coercitivo, à exceção das astreintes. Nesse sentido, a multa, “quando posta frente a agente desprovido de patrimônio, de pouco ou nada serve, vez que ainda que aplicada, não gerará qualquer pressão psicológica por óbvios motivos”[80].
Muitos defendem, assim, a adoção da prisão civil como medida coercitiva. Todavia, diante da densidade e da relevante importância do tema, será ele abordado em tópico apartado. Antes, porém, é de grande valia conhecer como será regulado o contempt of court sob a égide do novo Código de Processo Civil.
4.4 INOVAÇÕES TRAZIDAS PELO CPC DE 2015
O novo Código de Processo Civil, além de inovar quanto a maior importância dada à constitucionalização do processo e à força e valoração dos princípios[81], trouxe algumas, embora poucas, diferenças na regulamentação do contempt of court. Este tópico tem por fito uma breve comparação entre os artigos 14 do CPC/73 e o 77 do CPC/15 de modo a demonstrar o que se manteve e as inovações que foram trazidas. Para tanto, necessária a transcrição do artigo 77, in verbis:
Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:
[...]
IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação;
[...]
VI - não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso.
§ 1o Nas hipóteses dos incisos IV e VI, o juiz advertirá qualquer das pessoas mencionadas no caput de que sua conduta poderá ser punida como ato atentatório à dignidade da justiça.
§ 2o A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta.
§ 3o Não sendo paga no prazo a ser fixado pelo juiz, a multa prevista no § 2o será inscrita como dívida ativa da União ou do Estado após o trânsito em julgado da decisão que a fixou, e sua execução observará o procedimento da execução fiscal, revertendo-se aos fundos previstos no art. 97.
§ 4o A multa estabelecida no § 2o poderá ser fixada independentemente da incidência das previstas nos arts. 523, § 1o, e 536, § 1o.
§ 5o Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa prevista no § 2o poderá ser fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário-mínimo.
§ 6o Aos advogados públicos ou privados e aos membros da Defensoria Pública e do Ministério Público não se aplica o disposto nos §§ 2o a 5o, devendo eventual responsabilidade disciplinar ser apurada pelo respectivo órgão de classe ou corregedoria, ao qual o juiz oficiará.
§ 7o Reconhecida violação ao disposto no inciso VI, o juiz determinará o restabelecimento do estado anterior, podendo, ainda, proibir a parte de falar nos autos até a purgação do atentado, sem prejuízo da aplicação do § 2o.
§ 8o O representante judicial da parte não pode ser compelido a cumprir decisão em seu lugar.[82]
A partir da leitura do artigo, é possível verificar que o contempt of court continuou sendo adotado em sua modalidade indireta e criminal, não havendo qualquer previsão quanto a um meio coercitivo de sanção. Os requisitos subjetivos também se mantiveram intactos, prevendo que as partes e todos aqueles que de alguma forma interfiram na relação processual podem ser enquadrados no conceito de contemnor, mas exclui dos advogados, infelizmente, a incidência da multa pela prática de ato atentatório à dignidade da justiça. Ficam aqui as mesmas críticas formuladas no tópico anterior.
No que se refere à penalidade, a multa continua a poder incidir sem prejuízo das demais sanções puníveis, a ser destinada à Fazenda Pública, fixada segundo a gravidade da conduta, mas levando em conta o teto de 20% sobre o valor da causa.
No tocante às novidades, a primeira reside no acréscimo de uma nova hipótese capaz de configurar ato de contempt: a inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso. Com isso, o atentado, instituto anteriormente previsto como uma ação cautelar, passou a ser entendido como uma conduta contrária ao dever processual das partes. Houve, assim, uma simplificação da punição do atentado. Agora, ao invés de ter que uma ação, a punição passa a ocorrer de forma incidental nos autos. Além da multa por contempt of court, o ofensor ficará impedido de se manifestar nos autos até a purgação do atentado, conforme já demonstrado no tópico que abordou referido instituto.
Outra inovação se refere ao dever de advertência que passa a ter o magistrado, consubstanciado no §1°. Antes de punir, ele deve informar às partes que suas condutas poderão ser consideradas como atos atentatórios à dignidade da justiça se não cumprirem com exatidão as decisões proferidas, causarem embaraços à efetividade dos provimentos judiciais ou trouxerem inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso. Este dever está intimamente relacionado ao princípio da cooperação, na parte em que é corolário do princípio do contraditório, pois tem a finalidade de se evitarem surpresas na hora dos pronunciamentos judiciais.
O §4° frisa o entendimento de que a multa por contempt of court pode ser cumulada com outras penalidades, mas deu ênfase às medidas que podem ser tomadas pelo magistrado quando a parte que saiu derrotada não efetuar, tempestivamente e de forma voluntária, o pagamento da condenação por quantia certa ou já fixada em liquidação (artigo 523, §1°); ou para conferir efetividade ao cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer que tenha tido sua exigibilidade reconhecida no cumprimento de sentença (artigo 536, §1°).
Já o §5° atendeu às críticas que foram feitas ao fato de a fixação da multa estar vinculada ao valor da causa e previu novo parâmetro para a sua estipulação quando o valor da causa for de monta insignificante.
Ao final, o §8° retirou do representante da parte eventual penalidade pelo descumprimento de provimento mandamental ao estabelecer que não pode ser compelido a cumprir decisão no lugar do representado, evidenciando o caráter pessoal da punição.
5 (IM)POSSIBILIDADE DA APLICAÇÃO DE PRISÃO CIVIL COMO MEIO COERCITIVO DE CUMPRIMENTO DAS DECISÕES JUDICIAIS
Ada Pellegrini Grinover, em um artigo que escreveu para a Revista de Processo tratando do contempt of court, apresentou uma sugestão de incorporação do contempt civil indireto ao sistema jurídico da civil law, ante as injustificadas resistências ao cumprimentos das decisões judiciais, de modo a se implantar a prisão civil e a multa cominatória como medidas coercitivas à efetivação da tutela jurisdicional, disciplinando o procedimento a ser seguido para sua aplicação.[83]
A adoção da prisão civil tem por fundamento o caráter meramente punitivo das multas, que não visam ao cumprimento dos provimentos mandamentais, ou, ainda quando nelas exista força coercitiva, no caso das astreintes, não possuem eficácia contra os desprovidos financeiramente ou que de alguma forma simulem a situação de seu patrimônio.
Nessa linha encontra-se o entendimento de Marcelo Guerra:
Dizer “desculpe-me, credor, seu direito é reconhecido pelo ordenamento, mas, infelizmente não posso satisfazê-lo por não haver meio previsto para isso, ou o meio previsto não se aplica a seu caso, está vedado” é utilizar um paradigma que deve ser considerado ultrapassado, pois é permitir a denegação de tutela jurisdicional efetiva, portanto, violar o direito fundamental à tutela efetiva.[84]
Do mesmo modo, existem críticas àqueles que defendem que, no caso de descumprimento de ordem judicial, o crime de desobediência já seria medida hábil a punir o ofensor. Primeiramente porque possui caráter punitivo, com o objetivo único de defender um bem jurídico específico, não se importando se haverá ou não posterior cumprimento da tutela jurisdicional. De outro modo, por ser um crime de menor potencial ofensivo, em que basta que o autor do fato, no momento de assinar o Termo Circunstanciado de Ocorrência, preste compromisso de comparecer à audiência no Juizado Especial Criminal para que se veja livre da imposição da prisão. A lei 9.099/95, ainda, tem por finalidade a adoção de medidas substitutivas à pena privativa de liberdade.
Araken de Assis ainda complementa ao afirmar que: esta não seria uma medida passível de ser aplicada pelo juiz cível; que o contempt pode-se configurar através de diversos atos atentatórios à dignidade da jurisdição, sendo certo que a tipologia penal não admite extensões ou analogias; e que o funcionário público somente se enquadrará no tipo da desobediência caso a ordem desrespeitada não seja atinente às suas funções. Assim, um prefeito que se recuse a fornecer medicamento a um paciente em estado grave de saúde não poderia incorrer nas penas do artigo 330 do Código Penal, por ser um agente político.[85]
Em sentido contrário, estão aqueles que defendem a não adoção da prisão civil pelo ordenamento jurídico pátrio. Um dos fundamentos é a influência sofrida pelo liberalismo, nas palavras de Adriana Villa-Forte:
A resistência à adoção de medidas coercitivas mais severas deve-se ao fato do Brasil, bem como os demais países de civil law, terem sofrido grande influência do liberalismo em sua estruturação processual, remontando aos fundamentos ideológicos deste, o dogma da incoercibilidade da vontade humana, repudiando-se a possibilidade de influenciar a vontade do demandado por intermédio de meios coercitivos.[86]
Há quem a refute, também, por considerar ser verdadeira afronta aos princípios da liberdade e dignidade da pessoa humana:
Inegável que a ideia de encarceramento de alguém, por motivos não criminais (e, às vezes, até mesmo na esfera penal), tem potencial força ofensiva à própria dignidade da pessoa enquanto ser humano. A degradação do sistema prisional, a humilhação do cárcere, as condições sub-humanas de vida do detento, entre outras, leva, para consideração da constitucionalidade da prisão civil ou não, a análise detida da própria dignidade da pessoa humana e da possibilidade de até mesmo esta ser mitigada em caso de colisão com algum direito fundamental.[87]
Vistos os argumentos favoráveis e contrários à utilização, pelo direito processual civil brasileiro, da prisão civil como meio executivo indireto, antes de se adentrar na análise de sua viabilidade, é preciso analisar sua constitucionalidade, uma vez que tanto o Pacto de São José da Costa Rica como a Constituição da República e a Súmula Vinculante n° 25 são uníssonos em vedar a prisão civil por dívidas e do depositário infiel, à exceção do devedor de alimentos.
Quanto a isto, dispõe Kazuo Watanabe:
É chegada a hora de se interpretar adequadamente o mencionado dispositivo constitucional, que não proíbe, de forma alguma, a imposição da prisão civil por ato de desprezo à dignidade da justiça ou atos que embaracem o regular exercício da jurisdição, uma das funções basilares do Estado Democrático de Direito.[88]
A prisão civil por dívida foi abolida do nosso ordenamento porque tínhamos um conflito de interesses entre o patrimônio e a liberdade e, com a repersonalização do direito civil, em que o foco passa a ser o indivíduo e não mais o indivíduo com patrimônio, o que acontece é que não se pode usar direitos personalíssimos, a exemplo da liberdade, como um meio de coagi-lo ao cumprimento de uma obrigação patrimonial, uma vez que o interesse liberdade é preponderante.
No entanto, a modalidade de prisão civil que foi vedada refere-se tão somente à prisão por dívidas, relacionada à obrigação de pagar, de entrega de dinheiro, não alcançando a prisão civil que tenha por escopo conferir efetividade aos provimentos judiciais. Nesse sentido encontra-se a lição de Marcelo Guerra:
O que aconteceu com a abolição da prisão civil, no século passado, foi em relação à prisão civil por dívida, strictu sensu, como forma de coagir alguém a pagar uma determinada quantia. Pode-se dizer que o que foi banido pelas diversas legislações mundiais e pelas nossas repetidas constituições foi o uso da prisão civil como forma de tutelar o patrimônio.[89]
Sendo assim, como ocorre na aplicação do contempt of court na common law, o que é defendido não é a prisão por dívida ou de natureza criminal, mas uma com finalidade coativa de modo a garantir a efetiva prestação jurisdicional, conferindo efetividade aos provimentos mandamentais.
Analisada, portanto, a constitucionalidade da prisão civil proposta pelo instituto alienígena, é importante saber se o direito fundamental à efetividade do processo se sobrepõe às garantias da dignidade da pessoa e da liberdade. Para tanto, é preciso realizar uma ponderação de princípios, pois, pelas teorias de Dworkin e Alexy, diferentemente das regras, os princípios tem ampla gama de atuação e devem ser sopesados para que a solução adequada seja a mais justa. Marcelo Guerra traduz como é feita a colisão de princípios no seguinte trecho:
Ao contrário de um conflito de regras em que o aplicador afasta uma delas, considerando-a não aplicável ao caso ou excluindo-a do ordenamento jurídico por critérios hermenêuticos, o conflito entre princípios, direitos fundamentais, não pode ser resolvido dessa maneira, até porque ambas as normas preservam sua legitimidade, sua validade. Elas não se chocam 100%, mas, no caso concreto, ambas têm o mesmo status: nenhuma é superior a outra; ambas são abertas: dão lugar a um sem-número de aplicações e, nem em todas, se revelam em conflito.
É necessário, pois, um procedimento ou um conjunto de critérios que permitam, precisamente, realizar aquilo que se chama de concordância prática entre esses valores, preservando-os ao máximo possível, ainda que, em alguma medida, um deles seja topicamente sacrificado em relação ao outro. Esses critérios correspondem ao princípio da proporcionalidade.[90]
Percebe-se, então, que o Estado deve sempre sopesar esses interesses, porque toda a atuação normativa do direito é regida pelo princípio da proporcionalidade. Deve-se optar pelo meio necessário, adequado e menos gravoso a direitos fundamentais. Ao reger a tutela específica, que é exatamente aquilo que a pessoa tem o direito de receber, o Estado deve tentar ao máximo se utilizar de medidas menos invasivas como a prisão civil. Entretanto, em alguns casos mais relevantes, o cumprimento do provimento jurisdicional deve sobressair à dignidade da pessoa humana e à liberdade. É quando, por exemplo, alguém foi compelido a deixar de causar danos ambientais, mas ainda assim realiza atos de desmatamento e poluição, ou quando um agente foi determinado a entregar um remédio vital para um paciente, mas recusa-se a fazê-lo. Nesse sentido é o ensinamento de Fabiano Aita:
Existem situações em que a prisão civil poderá favorecer, além do próprio direito de tutela judicial efetiva, a realização de outros direitos fundamentais, tais como a proteção ao meio ambiente, à saúde, à privacidade, à integridade física e à própria vida do “credor”. Portanto, mesmo estando certo de que o artigo 5°, LVII, da CF/88, bem como o direito à liberdade e à própria dignidade da pessoa humana representam direitos fundamentais, podem estes se oporem à realização de outros direitos fundamentais, o que, por certo trará enormes dificuldades hermenêuticas, que deverão ser solucionadas pela aplicação do princípio da proporcionalidade e interpretação tópico-sistemática [...].[91]
O fundamento da aplicação da prisão civil como meio coercitivo pode ser retirado do próprio Código de Processo Civil, através de seu artigo 536, §1°:
Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente.
§ 1o Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial.[92]
Ocorre que quando a legislação processual estabeleceu o cumprimento de obrigações de fazer, não fazer ou entregar coisa diversa de dinheiro ela não estabeleceu um procedimento de execução, daí a ideia de um princípio da atipicidade dos meios executivos, ao contrário do cumprimento da obrigação de pagar quantia, em que existe um procedimento específico. Então, no tocante ao cumprimento dessas obrigações, o que se defende é que qualquer meio executivo que possibilite a tutela específica será aceito no direito, mas sempre se lembrando de considerar o princípio da proporcionalidade. Ao encontro do exposto encontra-se o entendimento de Marcelo Guerra:
Nessa perspectiva, a indeterminação ou o poder executivo geral, reconhecido no §5° do artigo 461, no âmbito das obrigações de fazer, deve ser interpretado como uma concretização parcial do direito fundamental à tutela executiva no processo de execução. Hoje, podemos dizer que o juiz pode, respeitados os limites da dignidade do devedor, impostos pela proporcionalidade, utilizar qualquer meio executivo que se lhe revele necessário e adequado para proporcionar satisfação integral de qualquer direito contra quem quer que seja: obrigação de dar coisa, de pagar quantia e, obviamente, de fazer e não-fazer. Esses meios envolvem intervenções sub-rogatórias e coercitivas.[93]
Então, quando se defende a prisão civil como meio coercitivo, o que não é novidade, já que é um meio adotado pela lei de alimentos, o que se está fazendo é sopesar interesses para ver se no caso a prisão é um meio necessário, útil e indispensável para que a obrigação seja cumprida. É temerário afirmar que a prisão nunca pode ser aplicada ou que cabe em todos os casos, porque isso depende de uma análise casuística de ponderação de princípios, entre a efetividade da atividade jurisdicional e da dignidade da pessoa humana e liberdade.
Todavia, como supracitado artigo deixa livre as medidas que podem ser tomadas pelo magistrado para ver cumprida a sua decisão, deve-se primeiro tentar lançar mão de outras formas alternativas à prisão, cabendo ao juiz utilizar de sua capacidade racional e criativa para que a prisão seja aplicada como ultima ratio. Além do mais, por ser medida extremamente gravosa, deve-se sempre oportunizar ao contemnor a oportunidade de se defender acerca do não cumprimento da medida, através de uma audiência de justificação, por exemplo, como meio de fazer valer os princípios do contraditório e da cooperação.
Por fim, é valido transcrever o ensinamento de Marcelo Guerra ao defender a possibilidade da prisão civil no ordenamento jurídico pátrio:
Defendo a prisão civil como medida coercitiva indeterminada, com base nessa interpretação constitucional, mas que não seja indiscriminadamente utilizada em todas as obrigações que não sejam as de pagar quantia e sempre quando, do cumprimento dessa obrigação, revelar-se a preservação de outro valor que não o estritamente patrimonial.[94]
Após toda a desenvoltura da pesquisa, muitos são os desenlaces que podem ser obtidos neste momento. Como forma de sistematizar as ideias, será seguida a ordem lógica dos capítulos.
Sendo assim, de antemão, percebe-se a importância que é dirigida às normas principiológicas hodiernamente, sobretudo porque se chegou ao entendimento de que podem impor regras de conduta e servir de fundamento para as decisões judiciais e aplicação de penalidades àqueles que as desrespeitam.
Nesse passo, o processo, como meio de concretização do direito material das partes, deve ser entendido como um instrumento ético, que vise conferir a efetiva prestação jurisdicional de forma justa, demonstrando a existência de um Estado-juiz operante, determinado e eficaz, como forma de satisfazer a pacificação social.
Todavia, para se objetivar a função social do processo, é preciso que todo aquele que de alguma forma interfira na relação processual aja segundo critérios éticos e morais. Para tanto, precisam devotar-se ao dever de probidade, agindo sempre com lealdade e cooperando entre si.
Desse contexto, surge a importância do contempt of court, instituto nascido na common law como meio de se evitar condutas atentatórias à dignidade dos juízes e dos tribunais e refrear atos que conduzam à ineficácia da tutela jurisdicional. Isso porque aludidas ações maculam de forma aguda o devido processo legal e o dever de lealdade e cooperação entre as partes.
Não obstante a relevância do tema em destaque, poucos são os estudos e a aplicabilidade do contempt of court no ordenamento jurídico pátrio, o que se percebe através da insuficiência de doutrina e jurisprudência a seu respeito. Ainda é possível ir além e afirmar que o instituto foi incorporado de forma desvirtuada e insuficiente.
De forma desvirtuada, porque exclui do âmbito de punição por atos de contempt o advogado, personagem processual que, tomando a devida cautela com a generalização e excluindo da crítica aquele que exerce a profissão seguindo à risca seu Código de Ética e Disciplina, mais pratica ou aconselha seus clientes a praticarem atos que desvirtuem a função social do processo e causem embaraços à efetividade dos provimentos judiciais.
De modo insuficiente, pois foi adotada apenas uma de suas facetas, a punitiva, que tem por escopo apenas sancionar o ofensor posteriormente à sua ação ou omissão atentatória à dignidade da justiça, em nada se preocupando em fazer com que o contemnor cumpra aquilo que lhe foi determinado.
Merece congratulações a incorporação do contempt criminal, impondo multa àqueles que ponham em dúvida a autoridade e efetividade do Poder Judiciário. Contudo, é preciso ir além. É necessário que o órgão jurisdicional se valha de instrumentos coercitivos para que suas ordens sejam respeitadas e adimplidas. As astreintes já constituem um eficaz instrumento processual para este fim, só que, sozinhas, não são suficientes, principalmente se impostas àqueles desprovidos de condições financeiras ou que simulam sua hipossuficiência econômica.
Para tanto, o magistrado tem a especial tarefa de adotar medidas alternativas à aplicação de multas, como a proibição de alguém realizar determinada atividade enquanto não satisfizer a que lhe foi determinada ou se abster de alguma que prejudique terceiros, até mesmo porque possui liberdade para tanto, conferida pelo princípio da atipicidade dos meios executivos previsto no artigo 536, §1°, do CPC/15, que rege as obrigações de fazer, não fazer e dar coisa diversa de pecúnia, desde que leve em consideração a razoabilidade e a proporcionalidade.
Como ultima ratio, depois de já esgotadas todas as outras medidas para forçar o cumprimento do provimento mandamental ou quando o caso for urgente, desde que se esteja protegendo interesse diverso do patrimonial e superior, no caso concreto, à liberdade e à dignidade da pessoa humana, defende-se a possibilidade de o juiz valer-se da prisão civil como meio coercitivo. A exemplo de valores passíveis de atrair a incidência desta modalidade de sanção está a proteção ao meio ambiente, à saúde, à privacidade, à integridade física e à própria vida daquele que vai ser prejudicado com a ineficiência da tutela jurisdicional.
Percebe-se, portanto, que a aplicação do contempt of court ainda é tímida, mas é um campo de estudo que merece a atenção e os olhares de juristas e aplicadores do direito, devido à importância que tem em um momento em que a preocupação com a efetividade do processo e com o cumprimento dos mandamentos judiciais encontra-se em alta.
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[1] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 28. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2012, p. 312-317.
[2] DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. Tradução de Nelson Boeira. 3. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 36.
[3] Ibdem, p. 37.
[4] Ibdem, p. 38.
[5] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 90.
[6] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 28. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2012, p. 59.
[7] DUARTE, Bento Herculano; OLIVEIRA JÚNIOR, Zulmar Duarte de. Princípios do Processo Civil: Noções Fundamentais. 1. ed. São Paulo: Editora Método, 2012, p. 26.
[8] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. São Paulo: RT, 1981, p.230.
[9] MARQUES, José Frederico. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas: Millenium, 1999, p.23.
[10] CAMBI, Eduardo. Função Social do Processo. Tutela Jurisdicional Coletiva. Coordenadores Fred Didier Júnior e José Henrique Mouta. Salvador: Jus Podivim, 2009, p. 168.
[11] VINCENZI, Brunela Vieira de. A Boa-Fé no Processo Civil. São Paulo: Atlas, 2003, p. 24.
[12] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Introdução ao Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. 15. ed. Salvador: Jus Podivim, 2013, p. 81.
[13] VINCENZI, Brunela Vieira de. A Boa-Fé no Processo Civil. São Paulo: Atlas, 2003, p. 159.
[14] BRASIL. Congresso Nacional. Lei n° 5.869 de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Publicado no Diário Oficial da União de 17.1.1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/L5869compilada.htm>.
[15] BRASIL. Congresso Nacional. Lei n° 13.105 de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Publicado no Diário Oficial da União de 17.3.2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>.
[16] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento. 17. ed. Salvador: Jus Podivim, 2015, p. 105.
[17] VINCENZI, Brunela Vieira de. A Boa-Fé no Processo Civil. São Paulo: Atlas, 2003, p. 19.
[18] VINCENZI, Brunela Vieira de. A Boa-Fé no Processo Civil. São Paulo: Atlas, 2003, p. 173.
[19] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento. 17. ed. Salvador: Jus Podivim, 2015, p. 124-125.
[20] OLIVEIRA, Gabriela Pinheiro de. O Princípio da Cooperação no Direito Processual Civil. In: CASTRO, João Antônio Lima (coord.). Direito Processual. Estudos Jurídicos Aplicados. Belo Horizonte: PUC Minas, Instituto de Educação Continuada, 2010, p. 277-278.
[21] BRASIL. Congresso Nacional. Lei n° 13.105 de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Publicado no Diário Oficial da União de 17.3.2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>.
[22] DUARTE, Bento Herculano; OLIVEIRA JÚNIOR, Zulmar Duarte de. Princípios do Processo Civil: Noções Fundamentais. 1. ed. São Paulo: Editora Método, 2012, p. 102.
[23] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento. 17. ed. Salvador: Jus Podivim, 2015, p. 127.
[24] CARVALHO, Fabiano Aita. Multa e Prisão Civil: O Contempt of Court no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 18.
[25] GUERRA, Marcelo Lima. Execução Indireta. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 75.
[26] CARVALHO, Fabiano Aita, op. cit., p. 18.
[27] ASSIS, Araken de. O Contempt of Court no Direito Brasileiro. São Paulo, Revista de Processo, V. 111, 2003, p. 18.
[28] BARBOSA, Adriana Villa-Forte de Oliveira. O Contempt of Court no Direito Brasileiro e Norte-Americano. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp149680.pdf>, p.33.
[29] Idem.
[30] ASSIS, Araken de. O Contempt of Court no Direito Brasileiro. São Paulo, Revista de Processo, V. 111, 2003, p. 18.
[31] UNITED STATES OF AMERICA. An Act to establish the Judicial Courts of the United States. Act of 1789. First Congress, Sess. I. Ch. 20. Disponível em: <http://memory.loc.gov/cgi-bin/ampage>.
[32] CARVALHO, Fabiano Aita. Multa e Prisão Civil: O Contempt of Court no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 20.
[33] BARBOSA, Adriana Villa-Forte de Oliveira. O Contempt of Court no Direito Brasileiro e Norte-Americano. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp149680.pdf>, p.38.
[34] Idem.
[35] CARVALHO, Fabiano Aita. op. cit., p. 23.
[36] BARBOSA, Adriana Villa-Forte de Oliveira. O Contempt of Court no Direito Brasileiro e Norte-Americano. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp149680.pdf>, p. 42-43.
[37] GRINOVER, Ada Pellegrini. Ética, abuso do processo e resistência a ordens judiciárias: o contempt of court. Revista de Processo, v. 102, 2001, p. 220.
[38] Ibdem, p. 221.
[39] ASSIS, Araken de. O Contempt of Court no Direito Brasileiro. São Paulo, Revista de Processo, V. 111, 2003, p. 19.
[40] VINCENZI, Brunela Vieira de. A Boa-Fé no Processo Civil. São Paulo: Atlas, 2003, p. 123.
[41] GUERRA, Marcelo Lima. Execução Indireta. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 92-93.
[42] BARBOSA, Adriana Villa-Forte de Oliveira. O Contempt of Court no Direito Brasileiro e Norte-Americano. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp149680.pdf>, p. 48.
[43] Ibdem, p. 48-49.
[44] CARVALHO, Fabiano Aita. Multa e Prisão Civil: O Contempt of Court no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 24.
[45] GUERRA, Marcelo. Contempt of court: efetividade da jurisdição federal e meios de coerção no Código de Processo Civil e prisão por dívida – tradição no sistema anglo-saxão e aplicabilidade no direito brasileiro. Brasília: CJF, Série Cadernos do CEJ, vol. 23, 2003, p. 315.
[46] CARVALHO, Fabiano Aita. Multa e Prisão Civil: O Contempt of Court no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 25.
[47] ASSIS, Araken de. O Contempt of Court no Direito Brasileiro. São Paulo: Revista de Processo, V. 111, 2003, p. 20.
[48] Idem.
[49] GUERRA, Marcelo. Contempt of court: efetividade da jurisdição federal e meios de coerção no Código de Processo Civil e prisão por dívida – tradição no sistema anglo-saxão e aplicabilidade no direito brasileiro. Brasília: CJF, Série Cadernos do CEJ, vol. 23, 2003, p. 315.
[50] BARBOSA, Adriana Villa-Forte de Oliveira. O Contempt of Court no Direito Brasileiro e Norte-Americano. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp149680.pdf>, p.64.
[51] CARVALHO, Fabiano Aita. Multa e Prisão Civil: O Contempt of Court no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 27.
[52] ASSIS, Araken de. O Contempt of Court no Direito Brasileiro. São Paulo: Revista de Processo, V. 111, 2003, p. 19.
[53] CARVALHO, Fabiano Aita. Multa e Prisão Civil: O Contempt of Court no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 27.
[54] Ibdem, p. 29.
[55] CARVALHO, Fabiano Aita. Multa e Prisão Civil: O Contempt of Court no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 29.
[56] SILVA, Osmar Vieira da. O CONTEMPT OF COURT (desacato à ordem judicial) NO BRASIL. Londrina: Revista Jurídica da UniFil, Ano IV, n° 4, 2007, p. 95.
[57] GUERRA, Marcelo. Contempt of court: efetividade da jurisdição federal e meios de coerção no Código de Processo Civil e prisão por dívida – tradição no sistema anglo-saxão e aplicabilidade no direito brasileiro. Brasília: CJF, Série Cadernos do CEJ, vol. 23, 2003, p. 316-317.
[58] CARVALHO, Fabiano Aita. Multa e Prisão Civil: O Contempt of Court no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 32.
[59] BARBOSA, Adriana Villa-Forte de Oliveira. O Contempt of Court no Direito Brasileiro e Norte-Americano. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp149680.pdf>, p. 77.
[60] BRASIL. Congresso Nacional. Lei n° 13.105 de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Publicado no Diário Oficial da União de 17.3.2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em 20 de outubro de 2015 às 17:22 horas
[61] PEREIRA, Carla Maria de Souza. Astreintes: Importância da Limitação do Valor Quando da sua Fixação Evitando-se a Posterior Redução Diante do Descumprimento da Ordem Judicial. São Paulo: Revista de Processo da Academia Brasileira de Direito Processual Civil, p. 04. Disponível em: <http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/CARLA%20MARIA%20DE%20SOUZA%20PEREIRA% 20-vers%C3%A3o%20final.pdf>. Acesso em: 20 de outubro de 2015 às 18:30.
[62] BRASIL. Congresso Nacional. Lei n° 5.869 de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Publicado no Diário Oficial da União de 17.1.1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/L5869compilada.htm>.
[63] CARVALHO, Fabiano Aita. Multa e Prisão Civil: O Contempt of Court no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 36-37.
[64] BRASIL. Congresso Nacional. Lei n° 5.869 de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Publicado no Diário Oficial da União de 17.1.1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/L5869compilada.htm>.
[65] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Processo de Execução e Cumprimento de Sentença; Processo Cautelar e Tutela de Urgência. 44. ed. Vol. II. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 634.
[66] Ibdem, p. 639.
[67] GRINOVER, Ada Pellegrini. Ética, abuso do processo e resistência a ordens judiciárias: o contempt of court. Revista de Processo, v. 102, 2001, p. 221.
[68] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>.
[69] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 89.
[70] BARBOSA, Adriana Villa-Forte de Oliveira. O Contempt of Court no Direito Brasileiro e Norte-Americano. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp149680.pdf>, p. 86.
[71] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>.
[72] MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: RT, 2004, p.30.
[73] BRASIL. Congresso Nacional. Lei n° 5.869 de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Publicado no Diário Oficial da União de 17.1.1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/L5869compilada.htm>.
[74] CARVALHO, Fabiano Aita. Multa e Prisão Civil: O Contempt of Court no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 42.
[75] Ibdem, p. 44.
[76] STOCO, Rui. Abuso de Direito e má-fé processual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 115.
[77] WAMBIER, Luís Rodrigues apud CARVALHO, Fabiano Aita. Multa e Prisão Civil: O Contempt of Court no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 43.
[78] GRINOVER, Ada Pellegrini. Paixão e Morte do Contempt of Court. In: O Processo – Estudo e Pareceres. São Paulo: Perfil, 2005, p. 166.
[79] CARVALHO, Fabiano Aita. Multa e Prisão Civil: O Contempt of Court no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 48.
[80] CARVALHO, Fabiano Aita. Multa e Prisão Civil: O Contempt of Court no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 48.
[81] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento. 17. ed. Salvador: Jus Podivim, 2015, p. 46-48.
[82] BRASIL. Congresso Nacional. Lei n° 13.105 de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Publicado no Diário Oficial da União de 17.3.2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>.
[83] GRINOVER, Ada Pellegrini. Ética, abuso do processo e resistência a ordens judiciárias: o contempt of court. Revista de Processo, v. 102, 2001, p. 222.
[84] GUERRA, Marcelo. Contempt of court: efetividade da jurisdição federal e meios de coerção no Código de Processo Civil e prisão por dívida – tradição no sistema anglo-saxão e aplicabilidade no direito brasileiro. Brasília: CJF, Série Cadernos do CEJ, vol. 23, 2003, p. 327.
[85] ASSIS, Araken de. O Contempt of Court no Direito Brasileiro. São Paulo: Revista de Processo, V. 111, 2003, p. 32-33.
[86] BARBOSA, Adriana Villa-Forte de Oliveira. O Contempt of Court no Direito Brasileiro e Norte-Americano. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp149680.pdf>, p. 94-95.
[87] CARVALHO, Fabiano Aita. Multa e Prisão Civil: O Contempt of Court no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 86.
[88] WATANABE, Kazuo. Código de Defesa do Consumidor: Comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 778.
[89] GUERRA, Marcelo. Contempt of court: efetividade da jurisdição federal e meios de coerção no Código de Processo Civil e prisão por dívida – tradição no sistema anglo-saxão e aplicabilidade no direito brasileiro. Brasília: CJF, Série Cadernos do CEJ, vol. 23, 2003, p. 330.
[90] GUERRA, Marcelo. Contempt of court: efetividade da jurisdição federal e meios de coerção no Código de Processo Civil e prisão por dívida – tradição no sistema anglo-saxão e aplicabilidade no direito brasileiro. Brasília: CJF, Série Cadernos do CEJ, vol. 23, 2003, p. 325
[91] CARVALHO, Fabiano Aita. Multa e Prisão Civil: O Contempt of Court no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 96.
[92] BRASIL. Congresso Nacional. Lei n° 13.105 de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Publicado no Diário Oficial da União de 17.3.2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>.
[93] GUERRA, Marcelo. Contempt of court: efetividade da jurisdição federal e meios de coerção no Código de Processo Civil e prisão por dívida – tradição no sistema anglo-saxão e aplicabilidade no direito brasileiro. Brasília: CJF, Série Cadernos do CEJ, vol. 23, 2003, p. 328.
[94] GUERRA, Marcelo. Contempt of court: efetividade da jurisdição federal e meios de coerção no Código de Processo Civil e prisão por dívida – tradição no sistema anglo-saxão e aplicabilidade no direito brasileiro. Brasília: CJF, Série Cadernos do CEJ, vol. 23, 2003, p. 331-332.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Viçosa. Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes. Assessor Jurídico Militar do Comando da Aeronáutica.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROGéRIO EDUARDO WERNECK JúNIOR, . Aplicação do instituto contempt of court ao Direito Processual Civil brasileiro – garantia de efetividade da tutela jurisdicional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 dez 2020, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55987/aplicao-do-instituto-contempt-of-court-ao-direito-processual-civil-brasileiro-garantia-de-efetividade-da-tutela-jurisdicional. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
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