RESUMO: Após o que foi considerado o período crítico da primeira onda da COVID-19, doença provocada pelo novo Coronavírus (Sars-COV-2), o Poder Executivo iniciou a progressiva autorização quanto à retomada de algumas atividades econômicas, tidas como essenciais à população. Nesse cenário, o Sindicato dos Concessionários e Distribuidores de Veículos do Estado da Paraíba, representando os seus sindicalizados, impetrou mandado de segurança contra ato do prefeito da cidade de João Pessoa, capital da Paraíba, pois aqueles se sentiram prejudicados pelo ato normativo. Em sede de agravo de instrumento no bojo da ação mandamental, o desembargador-relator entendeu pela inadequação da via eleita para pleitear os direitos requeridos, com base na súmula 266, do Supremo Tribunal Federal. O presente estudo buscou comprovar, por meio de uma pesquisa bibliográfica, utilizando-se o método dedutivo, o acerto da decisão da relatoria, porque, embora o entendimento sumulado gramaticalmente se refira à lei propriamente dita, a Suprema Corte já assentou que o enunciado se aplica a qualquer ato normativo que possua abstração, tendo, na verdade, apenas ratificado o que se extrai a partir de uma interpretação teleológica do entendimento do STF. Outros instrumentos poderiam ser usados, a fim de ser garantido o direito constitucional de acesso à justiça, relativamente à hipótese em exame, mas não o mandado de segurança.
Palavras-chave: Mandado de segurança. Súmula 266, do STF. Abstração normativa.
ABSTRACT: After what was considered the critical period of the first wave of COVID-19, a disease caused by the new Coronavirus (Sars-COV-2), the Executive Branch began to gradually authorize the resumption of some economic activities, considered essential to the population. In this scenario, the Union of Concessionaires and Vehicle Distributors of the State of Paraíba, representing their union members, filed a writ of mandamus against the act of the mayor of the city of João Pessoa, capital of Paraíba, as they felt harmed by the normative act. In the event of an interlocutory appeal in the midst of the mandatory action, the judge-rapporteur understood the inadequacy of the elected way to claim the required rights, based on Precedent 266 of the Supreme Court. The present study sought to prove, by means of a bibliographic search, using the deductive method, the correctness of the rapporteur's decision, because, although the grammatically summarized understanding refers to the law itself, the Supreme Court has already established that the statement it applies to any normative act that has an abstraction, having, in fact, only ratified what is extracted from a teleological interpretation of the STF's understanding. Other instruments could be used in order to guarantee the constitutional right of access to justice, regarding the hypothesis under examination, but not the writ of mandamus.
Keywords: Writ of mandamus. Precedent 266, STF. Abstraction`s normative.
1. INTRODUÇÃO
É possível se contestar decreto autônomo por meio de mandado de segurança?
Durante a pandemia do novo coronavírus, em âmbito nacional, foi editada a lei nº 13.979, de 2020, em que se dispôs medidas que, discricionariamente, poderiam ser adotadas, a fim de proteger os cidadãos da enfermidade, considerando-as como instrumentos emergenciais de saúde pública.
Diante do reconhecimento da competência conjunta de todos os chefes do Poder Executivo, seja nacional, estadual, distrital ou municipal, pelo Supremo Tribunal Federal, quanto à adoção das mesmas, uma vez serem elas voltadas à proteção da saúde, o Governador do Estado da Paraíba, assim como os prefeitos das diversas cidades paraibanas, editaram decretos para regulamentá-las em seus territórios, assumindo estes atos normativos, na grande maioria dos casos, um caráter mais restritivo do que o adotado pelos entes federativos da União e dos Estado-membro, respectivamente.
Sentindo que um dos decretos municipais de João Pessoa, capital da Paraíba, foi prejudicial aos seus sindicalizados, por impedir os funcionamentos dos seus estabelecimentos, o Sindicato dos Concessionários e Distribuidores de Veículos do Estado da Paraíba (SINDICOV-PB) impetrou mandado de segurança, requerendo que o prefeito da cidade se abstivesse de tal impedimento, o que foi, em um primeiro momento, através de liminar, deferido pelo juiz de 1º grau, mas que, em agravo de instrumento interposto pelo Município de João Pessoa, o pleito foi desconsiderado, obtendo êxito esta parte, pois o desembargador-relator entendeu pela inaptidão do instrumento utilizado, baseado na súmula do STF que diz não ser possível a utilização do mandado de segurança objetivando discutir lei em tese.
Essa súmula se aplica ao caso? Qual a natureza jurídica do decreto editado pelo prefeito da capital paraibana? É possível sua contestação via mandado de segurança?
Demonstrada a problemática a ser discutida e a relevância da questão, seguem-se ordens de considerações que se interligam. Em verdade, o estudo dividir-se-á em três momentos, um a tratar do reconhecimento da competência comum para a adoção das medidas relativas à COVID-19 e a natureza jurídica do decreto municipal nº 9.481/2020; o segundo, voltado a considerações acerca de mandado de segurança e a edição da súmula nº 266, do STF; e o último, sobre o objeto do mandado de segurança impetrado pelo SINDICOV-PB e a inadequação da via eleita, no que se acostará quais seriam os instrumentos cabíveis e aptos a levar o Judiciário a enfrentar a questão.
O marco referencial teórico do presente estudo apoia-se, sobretudo, nas obras de Maria Sylvia Zanella di Pietro, de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo e de André Ramos Tavares. Através de uma pesquisa bibliográfica, utilizando-se o método dedutivo, com a ajuda das obras dos escritores supramencionados e as de outros diversos autores, restará completada a análise proposta.
2. O RECONHECIMENTO DA COMPETÊNCIA COMUM PARA A ADOÇÃO DAS MEDIDAS RELATIVAS À COVID-19 E A NATUREZA JURÍDICA DO DECRETO MUNICIPAL Nº 9.481, DE 2020
2.1. O reconhecimento da competência comum para a adoção das medidas relativas à COVID-19
A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou, em 30 de março de 2020, que a COVID-19, enfermidade gerada pelo novo coronavírus (Sars-COV-2), constituía uma “emergência de saúde pública de interesse internacional”, reconhecendo, assim, a exigência de que fosse coordenada uma resposta a nível internacional, e, posteriormente, anunciou que o Mundo estaria diante de uma pandemia.
A fim de prever os mecanismos de sua atuação no que tange à temática, o Brasil editou, em 06 de fevereiro de 2020, a lei nº 13.979, oportunidade em que veiculou medidas necessárias ao enfrentamento da doença, verdadeiros limites de direitos fundamentais, dentre as quais cita-se isolamento social, quarentena (“restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus”), determinação de realização compulsória de exames médicos e de vacinas, restrição à locomoção internacional, interestadual e intermunicipal, requisição de bens. Na legislação, expressamente se fixou o seu caráter temporário, uma vez que ela vigerá somente durante o estado de emergência (artigo 8º c/c art. 1º, §§2º e 3º).
Ocorre que, diante da publicação da lei referida, governadores determinaram fechamentos de portos e aeroportos, tendo em vista se consubstanciarem em um dos mecanismos previstos. Diante disso, entendendo que as medidas perfilhadas na legislação mencionada somente deveriam ser regulamentadas por si, com o escopo de uniformizar o enfrentamento da doença, o Governo Federal deixou isso expresso com a publicação da medida provisória nº 926, de 2020, sobretudo no que toca à regulação dos portos, aeroportos e rodovias da União.
O Partido Democrático Brasileiro ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal impugnando referido ato normativo, buscando a sua declaração de inconstitucionalidade parcial, pois ele regulado o que só pode ser objeto de lei complementar, quando detalhou providências de política sanitária e quem seria apto a implementá-la; ademais, defendeu que a proteção da saúde é de competência comum dos entes federativos, em consonância com o artigo 23, II, da CF, que, em seu parágrafo único, prevê a cooperação entre os entes por lei complementar, não sendo, desse modo, o instrumento da medida provisória apta, pois afastada expressamente pelo texto constitucional, de acordo com o artigo 62, §1º, III, da Carta Magna.
No exame do pleito, o Ministro Marco Aurélio, relator, cautelarmente, reconheceu a compatibilidade do agir do Presidente da República com a Constituição, quando editou medida provisória, pois verificado o preenchimento dos seus requisitos imprescindíveis, quais sejam, a relevância de se ter uma disciplina geral e a urgência – por isso, inclusive, observou não se pedir a exigência de lei complementar -, bem como delineou que a edição de tal ato normativo não afasta a atuação, conjunta e em seu território, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios, porque assim se observa da interpretação do artigo 23, II, da Lei Magna, que traz uma competência concorrente. Ainda, para apartar qualquer interpretação contrária ou contraditória, resolveu tornar explícita, no campo pedagógico e na dicção do Supremo, a competência concorrente”(STF-ADI 6341 MC/DF, DJ em 25/03/2020). O entendimento do membro do STF restou confirmada, pelo Plenário, por maioria (DJ em 16/04/2020).
Antes de ser ratificada a decisão da relatoria, o Advogado-Geral da União requereu, em sede de embargos de declaração, a suspensão do pronunciamento posteriormente confirmado, contra a decisão monocrática do relator, de modo a se reconhecer a ilegitimidade de Estados, do Distrito Federal e dos Municípios relativamente à imposição de restrições à circulação de pessoas, bens e serviços, pois a União é quem seria competente para a edição de normas gerais sobre o tema. Com a ratificação e já que não analisado anteriormente o pleito do causídico, o relator finalizou com a perda do objeto do recurso.
Vale dizer que, quando da confirmação do que decidira o Ministro Marco Aurélio, o Supremo proferiu decisão manipulativa aditiva, interpretando o artigo 3º, §9º, da lei nº 11.979/20, conforme à CF, anunciando a competência do Presidente da República “para dispor mediante decreto, sobre os serviços públicos e atividades essenciais, preservada a atribuição de cada ente da Federação”, com fundamento no inciso I do art. 198, da CF, que veicula a descentralização, com direção única em cada esfera de governo, quanto às ações e serviços públicos de saúde; para o STF, por outro lado, também não se precisa editar lei complementar para tratar do tema, uma vez que o art. 3º, da lei 11.979/2020 não detalha cooperação entre os componentes da Federação (DJ em 22/04/2020).
Cite-se o entender Márcio André Lopes Cavalcante, interpretando a decisão explicada:
As normas da lei nº 13.979/2020 são o exercício da competência própria da União para legislar sobre vigilância epidemiológica. Vale ressaltar, contudo, que, conforme prevê a Lei do SUS, o exercício dessa competência da União não diminui a competência própria dos demais entes da Federação na realização dos serviços de saúde, até mesmo porque a diretriz constitucional é que ocorra a municipalização dos serviços de saúde (CAVALCANTE, 2020, p. 10).
Sintetizou-se, dessa forma, a matéria.
2.2. A natureza jurídica do decreto municipal nº 9.481/2020
Como supracitado, a lei nº 13.979, de 2020, trouxe medidas a serem tomadas pelos governos, com o escopo de proteger a saúde da população, em virtude da ocorrência do novo coronavírus. Tais medidas configuraram verdadeiros mecanismos de limitação de direitos fundamentais, como a limitação à livre iniciativa, ao pleno emprego, à atividade econômica, o que foi possível diante do sopesamento com outros valores constitucionais, utilizando-se, principalmente, do vetor da proporcionalidade para tanto.
Porém, reconheceu-se, em consonância com o texto da Lei Maior, que algumas atividades mereciam ser continuadas, dado o seu caráter imprescindível à sociedade.
O Governo Federal publicou o decreto nº 10.329, de 2020, em que reconheceu a natureza de serviço essencial e, portanto, de necessário resguardo, à atividade de revenda e manutenção de veículos (art. 3º, §1º, XLIV). Sobre o tema, o Governo da Paraíba editou o decreto nº 40.217, de 2020, no mesmo sentido (art. 1º, §5º, XIII). Por outro lado, o Prefeito de João Pessoa regulamentou a matéria, inadmitindo o funcionamento dos estabelecimentos ligados à referida atividade, possibilitando apenas que as oficinas e concessionárias promovessem serviços de manutenção e conserto de veículos.
O chefe do Executivo respectivo expede disposições, na forma de decretos, a serem cumpridas pelos agentes administrativos visando a complementar o que previsto na Constituição e/ou nas leis infraconstitucionais, normatizando, dessa maneira, o atuar da Administração Pública em seu âmbito de competência, a partir do que se denominou de poder regulamentar.
Maria Sylvia Zanella di Pietro trata do tema:
Insere-se, portanto, o poder regulamentar como uma das formas pelas quais se expressa a função normativa do Poder Executivo. Pode ser definido como o que cabe ao Chefe do Poder Executivo da União, dos Estados e dos Municípios, de editar normas complementares à lei, para sua fiel execução. (DI PIETRO, 2018, p. 158).
Com o fim de se declarar a natureza jurídica do decreto exarado pelo chefe do Executivo municipal, é interessante dizer que os decretos podem ser de duas espécies: autônomo ou executivo.
O regulamento executivo ou secundário busca regular uma lei, que, por sua vez, fundamenta-se na Carta Magna, ficando impossibilitado de inovar na ordem jurídica, isto é, vincula-se à estrita disposição da lei que volta-se a regular. É baseado no art. 84, IV, da CF, e, de acordo com Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo,
Os decretos de execução ou regulamentares costumam ser definidos como regras jurídicas gerais, abstratas ou impessoais, editadas em função de uma lei cuja aplicação de algum modo envolva atuação da administração pública, visando a possibilitar a fiel execução dessa lei. (...) O detalhamento necessário à aplicação (da lei) é efetuado pelo Poder Executivo, o qual não pode restringir, nem ampliar, muito menos contrariar, as hipóteses nela previstas. (PAULO; ALEXANDRINO, 2017, p. 282 e 283).
Por seu turno, o regulamento autônomo ou independente decorre diretamente da Constituição, fundamentando-se no inciso VI, do art. 84, da CF, ou seja, volta-se a regular a: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos. Nos vocábulos de Rafael Carvalho Rezende, “possuem fundamento direto na Constituição e inovam na ordem jurídica, não havendo intermediação legislativa” (REZENDE, 2020, p. 436), e de Maria Sylvia Zanella di Pietro: “inova na ordem jurídica, porque estabelece normas sobre matérias não disciplinadas em lei; ele não complementa nem desenvolve nenhuma lei prévia” (DI PIETRO, 2018, p. 158).
Ao falar sobre o regulamento autônomo, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo assentam a sua divisão em: “a) externos, que contêm normas dirigidas aos cidadãos de modo geral; e b)internos, que dizem respeito à organização, competência e funcionamento da administração pública”. (PAULO; ALEXANDRINO, 2017, p. 284).
Observando o decreto nº 9.481, de 2020, expedido pelo Prefeito do Município de João Pessoa, sobressai o entendimento de se tratar de um decreto autônomo, que se origina, de forma direta, da Constituição e para o qual não se faz necessário intermediação legislativa, o que demonstra que ele faz as vezes de uma lei.
3. CONSIDERAÇÕES ACERCA DE MANDADO DE SEGURANÇA E A EDIÇÃO DA SÚMULA Nº 266, DO STF
A fim de fazer um estudo completo do objeto da produção, tecer conteúdo sobre o que se pretende é eminentíssimo.
3.1. Considerações acerca de mandado de segurança
O mandado de segurança é uma ação constitucional, de natureza cível, que não se desconfigura mesmo que o objeto tutelado seja de outra natureza, como o habeas corpus que não perde sua natureza constitucional criminal, ainda que busque a liberdade do devedor de pensão alimentícia.
Para Castro Nunes, “é uma garantia constitucional que se define por meio de pedir em juízo, é uma garantia judiciária e, portanto, ação no mais amplo sentido, ainda que de rito especial e sumaríssimo” (NUNES, 1967, p. 54).
O art. 5º, LXIX, da CF, prevê: conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data , quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
Segundo Alexandre de Moraes,
Importante ressaltar que o mandado de segurança caberá contra os atos discricionários e os atos vinculados, pois, nos primeiros, apesar de não se poder examinar o mérito do ato, deve-se verificar se ocorreram os pressupostos autorizadores de sua edição, e, nos últimos, as hipóteses vinculadoras da expedição do ato (MORAES, 2018, p. 235).
Dissertando acerca do tema, André Ramos Tavares:
Algumas particularidades do mandado de segurança são dignas de destaque: i) é ação exclusivamente documental (não admite produção probatória — o direito deve ser líquido e certo); ii) tem cabimento residual em relação ao habeas corpus e ao habeas data; iii) só pode ser utilizado em face de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica na posição de Poder Público.
Importa, ainda, assinalar que o mandado de segurança pode ser preventivo, caso haja justificado receio (temor objetivamente demonstrado) de que ato violador de direito líquido e certo venha a ser praticado por autoridade ou pessoa em sua posição.
Dentre as espécies, o mandado de segurança pode ser individual ou coletivo, neste caso disciplinado na Lei n. 12.016/2009, pela primeira vez. É também possível mandado de segurança contra ato judicial, além de seu cabimento rotineiro contra atos administrativos (não suspensos). (TAVARES, 2020, p. 896).
Delineada, dessa forma, a síntese sobre a ação mandamental.
3.2. A edição da súmula nº 266, do Supremo Tribunal Federal
O enunciado foi publicado em 13 de dezembro de 1963, reconhecendo a Corte Suprema não ser cabível mandado de segurança contra lei em tese.
A Constituição dispôs que o writ seria cabível em casos de ameaça ou de efetiva lesão a direito líquido e certo, não amparado por meio de habeas corpus ou habeas data, outras ações tipicamente constitucionais, se ocorrida em virtude de ilegalidade ou abuso de poder, assim, para o STF, “a lei em tese, como norma abstrata de conduta, não lesa qualquer direito individual” (MS 34432 AgR, rel. min. Luiz Fux, P, j. 07-03-2017, DJE 56 de 23-03-2017; MS 29.374 AgR, rel. min. Roberto Barroso, 1ª T, j. 30-9-2014, DJE 201 de 15-10-2014), inexistindo motivo para a utilização do mandado de segurança. O maior tribunal pátrio assenta que: “O mandado de segurança não pode ser utilizado como mecanismo de controle abstrato da validade constitucional das leis e dos atos normativos em geral, posto não ser sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade” (MS 34432 AgR, rel. min. Luiz Fux, P, j. 07-03-2017, DJE 56 de 23-03-2017).
Em julgado em que se fundamentou no entendimento sedimentado, o STF afirmou que: “O mandado de segurança não pode ser utilizado para questionar ato normativo de efeitos abstratos(...)”, voltando-se à aplicação concreta da legislação, inclusive se a aplicação concreta estiver disposta “em seus equivalentes constitucionais ou, como na espécie, em regramentos administrativos de conteúdo normativo (...)” (MS 32.809 AgR, rel. min. Celso de Mello, 2ª T, j. 5-8-2014, DJE 213 de 30-10-2014) e “que o entendimento exposto na Súmula 266 não abarca apenas lei propriamente dita, mas todos os atos que, tal qual lei, possuam densa abstração normativa” (MS 32.694 AgR, rel. min. Dias Toffoli, 2ª T, j. 28-4-2015, DJE 109 de 9-6-2015.
4. O OBJETO DO MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO PELO SINDICOV-PB E A INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA – CONCLUSÃO
Passado o período crítico do alastramento da COVI-19, os governos começaram a liberar a retomada de algumas atividades.
O SINDICOV-PB impetrou o mandado de segurança (MS) nº 082.5981-20.2020.8.15.2001 contra o decreto expedido pelo Prefeito Municipal de João Pessoa, capital da Paraíba, o qual determinou que se continuassem fechados os estabelecimentos pertencentes às concessionárias e distribuidores de veículos localizados na cidade, até ulterior deliberação, excetuando exclusivamente os serviços de manutenção e conserto de veículos, embora as esferas federal e estadual tivessem considerado tais atividades como imprescindíveis e, portanto, que se mantivessem em funcionamento. Aduziu falta de proporcionalidade, abuso do poder discricionário do Executivo e que os prejudicados demonstraram o esmero quanto aos cuidados precisos visando à proteção da saúde de seus clientes; em complemento, o enorme prejuízo à economia local, dada a consequente impossibilidade de recuperação das empresas e, sobretudo, da manutenção dos milhares de empregos de pais de família; oportunidade em que pleiteou liminar, a fim de antecipar os efeitos da tutela.
Recebendo a inicial, o magistrado de 1º grau concedeu o pedido antecipatório, entendendo presentes os seus requisitos, afirmando existir hierarquia entre leis editadas pelos entes federativos, sendo considerada superior(es) aquela(s) exarada(s) pelos componentes maiores, isto é, pela União e pelo Estado da Paraíba. Também disse ser necessário, após o lapso de três meses de restrito isolamento, possibilitar a circulação de riquezas e a manutenção dos empregos, de forma a evitar uma nova e diferente pandemia.
Inconformado com o decisium, o município da capital opôs agravo de instrumento, no bojo do qual o desembargador-relator disse da inadequação da via eleita, com fundamento na súmula nº 266, do STF, sem mesmo adentrar no mérito.
Consoante supramencionado, o STF já explicitou que o seu entendimento sedimentado é aplicável não apenas à lei propriamente dita, mas a qualquer ato normativo que possua certa abstração normativa, o que inegavelmente tem o decreto autônomo publicado pelo chefe do Executivo local. Desse modo, forçoso assentar a inaptidão da forma escolhida para impugnar o agir do governante.
Quanto ao mérito, enfatize-se, de maneira primeira, que no agir vinculado à competência legislativa concorrente, os entes menores da Federação devem respeitar o que trouxeram os atos normativos exarados pelos componentes maiores, porém, em diversas ocasiões, a Corte Suprema foi clara no sentido de que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios podem perfilhar detalhes mais restringidores, se o escopo for a proteção de um direito, não havendo que se falar, nestas hipóteses, em descompasso com o editado pela União e/ou pelos Estados-membros/Distrito Federal, respectivamente.
Em soma, diga-se que o STF reconheceu a competência comum do conjunto dos entes da Federação para proteger a saúde de sua população, durante o surto do novo coronavírus, sendo possibilitado a Estados/DF e aos Municípios a publicação de atos disciplinadores dirigidos à tomada, por cada um deles, das medidas perfilhadas na lei nº 13.979, de 2020, e, desse modo, que esses instrumentos escolhidos sejam diversos e/ou mais restritos que os adotados pelos outros, ainda que em relação aos escolhidos pelos maiores. Por isso, deve-se afastar se defender a hierarquia das normas como razão para se declarar ilegítimo, inconstitucional ou ilegal o decreto nº 9.481, de 2020.
Em outra vertente, a falta de proporcionalidade ou o abuso do poder discricionário poderia gerar tal declaração, se reconhecido em meio apto a gerar a análise da questão ventilada. Cite-se como alternativas o uso da representação de inconstitucionalidade, no Tribunal de Justiça paraibano, desde que a Constituição Estadual tenha trazido o SINDICOV-PB como legitimado ativo, a ADPF a ser impetrada no Supremo ou mesmo uma ação ordinária em 1º grau; o MS é que não cabe no que toca ao objeto da ação mandamental.
REFERÊNCIAS
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BRASIL, Lei nº 13.979, de 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13979.htm, acesso em 8 de dezembro de 2020.
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 6341 MC/DF. 25 de março de 2020. 16 de abril de 2020. 22 de abril de 2020. Diário da Justiça Eletrônico. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5880765, acesso em 18 de maio de 2020.
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CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Informativo Comentado 973-STF. Encontrado em: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2020/05/info-973-stf.pdf , visualizado em 29 de maio de 2020.
DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo. 32ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2019.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 34ª ed. São Paulo: Atlas, 2018.
NUNES, Castro. Do mandado de segurança e de outros meios de defesa contra atos do poder público. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967.
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Administrativo Descomplicado. São Paulo: Editora Método, 2017.
REZENDE, Rafael Carvalho. Curso de Direito Administrativo. 8ª ed. Rio de Janeiro: Editora Método, 2020.
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 18ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020
Advogada. Pós-Graduada pela Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios. Pós-Graduada pela Escola Superior da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARNEIRO, MARCELLA VIEIRA DE QUEIROZ. O Sindicato dos Concessionários e Distribuidores de Veículos do Estado da Paraíba (SINDICOV-PB) e a impossibilidade de se contestar decreto autônomo via mandado de segurança Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 jan 2021, 04:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56053/o-sindicato-dos-concessionrios-e-distribuidores-de-veculos-do-estado-da-paraba-sindicov-pb-e-a-impossibilidade-de-se-contestar-decreto-autnomo-via-mandado-de-segurana. Acesso em: 26 nov 2024.
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