Como se sabe, tem sido cada vez mais frequente o ajuizamento de ações de natureza coletiva por sindicatos e associações de categorias do funcionalismo público buscando tutelar direitos de natureza individual homogênea de seus filiados, a exemplo das diversas ações judiciais que buscam pleitos remuneratórios em favor dos integrantes de determinada categoria profissional. Nestas situações, o título prolatado na ação coletiva precisa ser liquidado e executado de forma individualizada, considerando a natureza divisível do direito. Então, o problema a ser aqui investigado é justamente acerca da possibilidade desse título, prolatado em ação coletiva, ser individualmente executado no Juizado Especial da Fazenda Pública, quando o valor individualizado não ultrapassar 60 (sessenta) salários mínimos.
O ponto inicial da discussão aqui aventada reside no fato da competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, onde ele estiver instalado, ser absoluta, nos termos do § 4º do art. 2º da Lei 12.153/2009. Em consequência, passou-se a questionar se o cumprimento de sentença oriunda de Ação Coletiva, em que o valor da causa seja inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, deve seguir o rito sumaríssimo da Lei 12.153/2009.
De outra banda, o artigo 2º, § 1º, I, da Lei Dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, dispõe que não se incluem na competência do Juizado as demandas sobre direitos ou interesses difusos e coletivos. Então, diante desta aparente antinomia normativa, cumpre ao operador do direito, com as ferramentas disponíveis no sistema, soluciona-la, indicando o Juízo competente para processar o cumprimento de sentença prolatada em sede de demanda coletiva, quando o montante individualizado não for superior a 60 (sessenta) salários mínimos.
Ao que parece, esse aparente confronto normativo é meramente ilusório, sendo facilmente elucidado pela interpretação sistemática e teleológica do sistema processual aplicável aos Juizados Especiais que, adiante-se, mostra-se incompatível com a tutela reclamada pelas demandas de natureza coletiva.
Nesta perspectiva, é possível perceber de antemão que o regramento processual desenhado para os Juizados Especiais não foi concebido para tutela de direitos coletivos, sendo, em verdade, projetado para demandas de menor complexidade, o que, a priori, não alcançaria das demandas de índole coletiva.
Outrossim, a própria Lei 12.153/2009, em seu artigo 2º, I, é taxativa em afastar da competência dos Juizados as demandas sobre direitos ou interesses difusos e coletivos, in verbis:
Art. 2o É de competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública processar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos.
§ 1o Não se incluem na competência do Juizado Especial da Fazenda Pública:
I – as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, por improbidade administrativa, execuções fiscais e as demandas sobre direitos ou interesses difusos e coletivos;
II – as causas sobre bens imóveis dos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios, autarquias e fundações públicas a eles vinculadas;
III – as causas que tenham como objeto a impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou sanções disciplinares aplicadas a militares.
Não obstante essa clara vedação legal indicada, poder-se-ia argumentar que as execuções de sentenças referentes a direitos individuais homogêneos não estariam abarcadas no conceito de demanda coletiva propriamente dito, por refletir apenas a pretensão executória individualizada.
Todavia, com a devida vênia aos que comungam pensamento em sentido diverso, esse argumento não se sustenta, já que o Juizado, por expressa disposição legal, apenas detém competência para executar seus próprios julgados, a teor do artigo 3º, § 1º, da Lei 9.099/1995, que assim dispõe:
Art. 3º O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas:
(...)
§ 1º Compete ao Juizado Especial promover a execução:
I - dos seus julgados;
II - dos títulos executivos extrajudiciais, no valor de até quarenta vezes o salário mínimo, observado o disposto no § 1º do art. 8º desta Lei.
Então, ao que vê, a execução individual de sentença coletiva nos Juizados Especiais da Fazenda não encontra respaldo legal no sistema normativo de regência. Neste propósito, cumpre destacar que a matéria ora em debate foi objeto do Tema de Recurso Repetitivo n° 1.029 do Superior Tribunal de Justiça, onde se fixou a tese no sentido de não ser possível a propositura nos Juizados Especiais da Fazenda Pública de execução de título executivo formado em Ação Coletiva que tramitou sob o rito ordinário, assim como impor o rito sumaríssimo da Lei 12.153/2009 ao juízo comum da execução.
Assim, se dúvidas ainda restavam, o julgado acima referido, proferido em sede de Recurso Repetitivo, veio para encerra-las de forma definitiva, com a fixação da tese de que não é possível propor nos Juizados Especiais da Fazenda Pública a execução de título executivo formado em Ação Coletiva que tramitou sob o rito ordinário, assim como impor o rito sumaríssimo da Lei 12.153/2009 ao juízo comum da execução.
Nestes termos, é possível concluir pela impossibilidade de ajuizamento nos Juizados Especiais da Fazenda Pública de execução de título executivo formado em Ação Coletiva que tramitou sob o rito ordinário.
Então, seja pela incompatibilidade axiológica ou pela falta de respaldo normativo, a propositura de procedimento de cumprimento de sentença coletiva em sede de Juizado Especial da Fazenda Pública deve ser prontamente rechaçada, conforme acertadamente decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no julgado que resultou no TEMA 1.029.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. Bauru, SP: Edipro, 2001.
_______.Teoria do Ordenamento Jurídico. Trad. Maria celeste Cordeiro Leite dos Santos.10ª ed. Brasília: Editora UNB, 1999.
DIDIER Jr, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Processo Coletivo. 11ed. Salvador: JusPODVUM, 2017.
FILHO, Rodolfo Pamplona; GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil, Volume II – Das Obrigações. 4ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2004.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Volume V, Direito das Coisas. São Paulo: ED. Saraiva, 2006.
MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: Plano da Existência. 12ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2003.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições do Direito Civil. Volume III - Contratos. ed 12º. Rio de Janeiro: ED. Forense, 2005.
VIGLIAR, José Marcelo. Interesses Difusos, Coletivos, e Individuais Homogêneos. Salvador: ED. JusPODIVM, 2005
Precisa estar logado para fazer comentários.