O meio ambiente se insere no âmbito dos direitos coletivos de natureza difusa, considerado bem jurídico transindividual e indivisível, cuja titularidade reside em pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.
Por serem difusos, os direitos de índole ambiental não comportam a determinação pessoal de seus titulares, sendo, em verdade, pertencentes a um grupo indeterminado de pessoas. A esse respeito, precisas são as lições do renomado processualista Fredie Didier Jr que, com a sabedoria que é peculiar, assim leciona:
“Assim, reputam-se direitos difusos (art. 81, par. ún.,I, do CDC) aqueles transindividuais (metaindividuais, supraindividuais), de natureza indivisível (só podem ser considerados como um todo), titularizados por um grupo composto por pessoas indeterminadas (ou seja, indeterminabilidade dos sujeitos, não havendo individuação) ligadas por circunstâncias de fato”.
O meio ambiente, enquanto bem jurídico tutelado pelo Direito, então, apresenta um elevado grau de dispersão em relação a sua titularidade, de modo que, regra geral, quando se lesiona um bem de natureza ambiental, não é possível determinar um sujeito específico como vítima do ato hostil.
Na seara do Direito Penal, costuma-se classificar o sujeito passivo do ilícito penal em sujeito passivo mediato e imediato. O Primeiro é personificado na figura do Estado, detentor do ius puniendi e interessado no respeito à ordem jurídica vigente. Já o sujeito passivo imediato é comumente identificado na figura da vítima, ou seja, a pessoa física ou jurídica ofendida pela conduta criminalmente tipificada. Antes de prosseguir, todavia, é necessário esclarecer que, na perspectiva que por ora nos interessa, trataremos do sujeito passivo imediato dos crimes de natureza ambiental.
Como já pontuado, os bens jurídicos de natureza ambiental estão relacionados a direitos de natureza difusa, onde não é possível identificar pessoalmente seus titulares. Nesta perspectiva, cumpre investigar como se comporta o direito penal no que tange à definição do sujeito passivo dos crimes de natureza ambiental.
Diferentemente do que ocorre nos crimes onde o bem jurídico tutelado corresponde a um direito individual, nos crimes contra o meio ambiente a lesão volta-se para direitos pertencentes a uma coletividade indeterminada. No crime de roubo, por exemplo, o sujeito passivo é aquele que teve seu bem subtraído mediante grave ameaça ou violência. Já nos tipos penais ambientais não é possível a identificação pessoal da vítima, já que o sujeito passivo é de natureza coletiva indeterminada.
A título ilustrativo, no tipo penal de provocar, pela emissão de efluentes ou carreamento de materiais, o perecimento de espécimes da fauna aquática existentes em rios, lagos, açudes, lagoas, baías ou águas jurisdicionais brasileiras, ao contrário do que ocorre no crime de roubo ou homicídio, não há uma determinabilidade em relação à pessoa da vítima.
Ressalte-se que, não obstante os crimes contra o meio ambiente sejam de ação pública incondicionada, em sintonia com a indeterminabilidade do sujeito passivo, a Lei dos Crimes Ambientais estabelece que qualquer pessoa, constatando infração ambiental, poderá dirigir representação às autoridades competentes, para efeito do exercício do seu poder de polícia.
Neste mesmo toar, não obstante não se reporte à matéria criminal propriamente dita, a Constituição Federal atribui legitimidade a qualquer cidadão para propor ação popular visando anular ato lesivo ao meio ambiente, justamente em consideração à natureza difusa dos direitos ambientais. Vejamos, então, o que dispõe a Constituição da República:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;
Nesta perspectiva, é possível perceber que a legitimidade ampla conferida a qualquer cidadão para, por meio de ação popular, buscar a tutela judicial sobre direitos ambientais constitui reflexo da natureza difusa desses direitos.
Na mesma linha, o artigo 225, da Constituição Federal, prescreve que o meio ambiente ecologicamente equilibrado constitui bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, nos seguintes termos:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Então, mostra-se evidente a opção normativa brasileira no que se refere a atribuição de natureza transindividual aos direitos ambientais. Em consequência, por exemplo, o crime de caçar espécimes da fauna silvestre em uma área particular de preservação não pode ficar à mercê da vontade do proprietário do imóvel onde o crime se consumou, já que o bem tutelado não é de titularidade do proprietário da área, mas sim da coletividade, em razão de sua natureza difusa.
Nestes termos, é possível concluir que os crimes contra o meio ambiente possuem como sujeito passivo uma coletividade indeterminada, considerando a natureza difusa dos direitos ambientais. Em consequência, a ação penal em matéria de crimes ambientais será sempre pública e incondicionada, ainda que o ilícito penal tenha se dado em área particular de preservação, pois, como antes pontuado, o bem jurídico em jogo pertence à coletividade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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_______.Teoria do Ordenamento Jurídico. Trad. Maria celeste Cordeiro Leite dos Santos.10ª ed. Brasília: Editora UNB, 1999.
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