RESUMO: Não é novidade que o judiciário do Brasil está claramente em colapso e grita por socorro há tempos. Sabemos que há empenho para conseguir alternativas ao tramite processual tradicional para que assim, pudesse ajudar a desafogá-lo e ainda assim, trazer respostas positivas tanto para a resolução de conflitos quanto para mudar a percepção que a sociedade tem do acesso à justiça. A Mediação surge como uma das alternativas para ajudar a tratar essa morosidade, mas, além disso, surge também como uma releitura da solução de conflitos, que busca o equilíbrio entre as partes, restaurando relações interpessoais e o processo de comunicação e diálogo que se perdeu ao longo do tempo desconstruindo ideias tradicionalistas onde apenas o que importa é solução da lide.
PALAVRAS-CHAVE: Mediação. Conflito. Diálogo. Comunicação Não Violenta. Poder Judiciário.
Sumário: 1. Introdução; 2. O CPC de 2015 e a Mediação; 3. A mediação; 3.1. O incentivo a prática da mediação; 4. Cultura do conflito x cultura do Diálogo; 5. Considerações Finais; 6. Referências
1.INTRODUÇÃO
“Não necessitamos de caridade, o que queremos é uma justiça que se cumpra e um direito que nos respeite”[1], a verdade é que esse tem sido o desejo de milhares de pessoas ao longo dos anos, ou melhor, desde que o mundo é mundo. O ser humano vive conflitos desde sempre, sejam eles internos ou externos, porém, desde que o homem passou a se organizar e conviver em grupos sociais pode-se afirmar que os conflitos externos passaram a ter um maior destaque, afinal, ajustes de convivência e de vida aconteciam muito rapidamente, de uma forma que o homem não estava acostumado, os choques culturais sofridos por conta da evolução e revoluções que aconteciam ao longo dos anos afetaram frontalmente o que o homem entendia por liberdade, convivência e trabalho, assim passaram a buscar a solução da situação, e ver concretizado o que se entendia por justiça e a garantia de direitos dos envolvidos da melhor forma possível.
Certo é que, em tempos remotos, a violência, em todas as suas formas, era um dos meios mais empregados para a resolução das divergências vividas por esses grupos sociais, quantos casos não se solucionaram com brigas, guerras, duelos, etc., entretanto, com o passar dos anos, a sociedade e seus indivíduos como um todo, foram evoluindo, e formas mais pacíficas foram sendo utilizadas para solução dos conflitos, e quase que por instinto, a mediação ou procedimentos análogos a este surgiram como meios disponíveis para resolver as questões.
Mediação, vem de MEDIARI, “intervir, colocar-se entre duas partes”, de MEDIUS, “meio”[2], é considerada como uma atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia[3], é uma das alternativas de resolução de conflitos judiciais que já existem há alguns anos, seja pela prática extra judicial, seja apenas como uma opção expressa na lei, esta ultima que ganhou mais visibilidade no meio jurídico e maior ênfase com advento do Código Civil de 2015.
Este trabalho tem por base a pesquisa bibliográfica e não tem como pretensão esgotar todas as possibilidades de questionamentos e reflexões sobre a aplicação efetiva da Mediação, mas sim, reforçar e contribuir como um documento para agregar valor para futuras pesquisas e estudos, conscientizando os pesquisadores ou interessados pelo assunto sobre a importância da continuidade de se buscar incentivar a prática dessas soluções alternativas de conflitos, e assim colaborarmos para um judiciário mais humano, eficaz, barato e saudável em todos os aspectos.
2.O CPC DE 2015 E A MEDIAÇÃO
Não há como falar sobre a mediação sem antes fazer uma passagem, mesmo que bem simples e objetiva, pela atualização sofrida pelo Código de Processo Civil de 2015 que foi o grande responsável pela visibilidade que o instituto da mediação tornou a ter. Um código que mesmo anos depois de sua promulgação, ainda gera incontáveis debates por conta das diversas modificações e inovações que foram trazidas com seu advento.
É certo que o direito brasileiro requeria urgentemente uma atualização, visto que o código anterior datava de 1973 e ao longo dos 40 anos de toda sua existência passou por mais de 70 minirreformas, se assim podemos chamar, por conta de todas as legislações que foram sendo criadas, alteradas ou modificadas, causando um impacto direto ao código que precisava se adequar a elas para um melhor funcionamento do sistema jurídico e aplicabilidade aos anseios da sociedade. A rapidez com que esta vem se atualizado, se modificando ao longo dos anos é um grande desafio para o organismo jurídico como um todo que precisa acompanhar essa evolução para que não fique obsoleto e cause certa insegurança jurídica.
Essa foi a árdua missão dos juristas envolvidos na organização do anteprojeto que deu origem ao Código de Processo Civil de 2015, pois precisavam adequar, da melhor maneira possível, o sistema jurídico em vigor a realidade vivida pela sociedade brasileira como um todo.
A todo modo, apesar do esforço e estudo aplicado pelos nobres juristas, podemos dizer que o CPC de 2015, ao mesmo tempo em que modernizava o Código anterior, de 1973, já nascia velho para a sociedade, visto que o anteprojeto do código iniciou-se em 2010, código foi promulgado em 2015 e só entrou em vigor em 2016, e isso graças a toda burocratização e lentidão nos trâmites processuais que é de praxe em todo ordenamento jurídico brasileiro, além de podermos ressaltar o apego a tradicionalismos que impedem que certos avanços na legislação aconteçam, e também as diversas questões políticas envolvidas.
Aqui, ressaltamos que dentre as inovações que o Código trouxe uma das que mais chamou atenção foi à valorização recebida para a utilização e o incentivo de meios consensuais para a resolução de conflitos, principalmente a prática da Mediação. Uma vitória para os ávidos, com razão, defensores dos métodos de autocomposição, mas, que ao mesmo tempo, iniciou-se um período de certa preocupação e de um olhar mais atento dos operadores do direito e juristas que passariam a ter que observar normas, agora devidamente codificadas, e seus modos de aplicação que gerariam um grande quebra de paradigmas e crenças, além das mudanças que poderiam ocasionar no efetivo modo de trabalho com seus clientes.
Em uma breve pesquisa, podemos constatar que o CPC de 2015, faz menção ao termo mediação 39 vezes, enquanto seu antecessor não mencionava tal instituto, apenas a Conciliação era mencionada, por 10 vezes.
Logo no primeiro capítulo, que versa sobre as Normas Fundamentais do Processo Civil, a primeira menção acontece no §3º do art. 3º, logo depois o instituto ganha uma seção no Capítulo III que trata dos Auxiliares da Justiça, com 10 artigos versando sobre o tema[4], percebe-se aqui que a função de mediador foi alçada a Auxiliar da Justiça[5]. Logo depois vemos menção à mediação passeando por diversos dispositivos do código, que tratam de procedimentos quanto a prazos, citação, procedimentos de tutela antecipada, procedimentos de tutela cautelar, petição inicial, da audiência de conciliação e mediação, da contestação, da audiência de instrução e julgamento, da manutenção e reintegração de posse e das ações de família[6].
Sem dúvidas, esse destaque colabora para que o uso de meios de autocomposição seja visto com outros olhos, ou seja, realmente como uma opção para que se alcance uma solução para os conflitos sem a necessidade de um rito processual desgastante para todos. Mais do que simplesmente solucionar conflitos, a mediação quer alcançar esse objetivo com qualidade. Embora antes da promulgação do Código de 2015, já tivéssemos a Resolução 215/2010 do CNJ que já tratava de uma política pública para o tratamento adequado de conflito de interesses[7] e de termos a lei 13.140 de 2015, mesmo ano em que o código foi promulgado, tratando sobre esse assunto, não víamos uma boa prática e aceitação no meio jurídico desses institutos consensuais, principalmente na esfera pública, apesar de terem sido alcançados avanços consideráveis.
De um modo geral, quando analisamos o sistema processual civil brasileiro, vemos que ele foi idealizado para incentivar a autocomposição, o que não acontece com muita frequência, porém, para isso se tornar mais real no meio jurídico, é necessário um esforço e colaboração de todos os envolvidos, e assim colocar em prática o que já se tem e buscar sempre a adequação a realidade social vivida pela sociedade a tempo.
3.A MEDIAÇÃO
Quando as pessoas se deparam com situações em que sintam prejudicas, que tenham seus direitos violados, ou qualquer outra forma de prejuízo, a primeira solução que lhes ocorre é procurar o judiciário. Seja por meio particular ou público, cedo ou tarde mais um processo entra na fila para análise e julgamento do magistrado. Geralmente as pessoas não estão dispostas a conversar e chegar num acordo preferem se arrastar em longas disputas judiciais que causam mais desgaste emocional e financeiro, muitas vezes até já com intuito de ter algum benefício a mais na causa, do que se apenas cogitassem a ideia de tentar conversar e resolver a situação. Essa deficiência que existe nas pessoas de não querer, ou não saber conversar com o outro, interfere drasticamente em todo o ordenamento jurídico que a cada dia vai se tornando mais lento, mais desgastado e mais caro para todos.
Não é novidade para ninguém, que, mesmo apesar dos esforços contínuos com mutirões, o judiciário brasileiro está saturado, só no ano de 2019 foram 31.532.863 casos novos, e isso só na justiça estadual[8]. É um fato preocupante, o tempo médio de uma sentença em 1º grau na justiça estadual brasileira é de 2 anos e 5 meses[9].
A ideia de conseguir resolver conflitos baseado em conversas e entendimentos é antiga, apenas passa a ser redescoberta em meio a uma crise profunda dos sistemas judiciários de regulação de litígios.
Sendo assim, apresentada como um dos institutos da justiça consensual, a mediação tornou-se uma forte aliada para combater essa morosidade judiciária. A própria Resolução 125 do CNJ orienta que métodos consensuais devem ser preferenciais aos tradicionais. Esse tipo de prática traz respostas mais rápidas e eficientes na solução de conflitos já que é algo pactuado entre as partes, feito de vontade própria e mais do que isso, essa prática tende a possibilitar a restauração dos relacionamentos pós-conflito. Mais do que resolver aquela situação, a mediação age de maneira que possa impossibilitar que as partes voltem a ter um novo conflito, seja da mesma ou de outra natureza, já que ambos entenderam e reaprenderam uma forma de resolver suas questões sem necessitar dos tramites tradicionais do judiciário. Nesse modelo, além da celeridade processual, busca-se a retomada do diálogo entre as partes.
Até 2015, a mediação vinha sendo realizada: (a) por programas de acesso à justiça desenvolvido por tribunais que promoviam a mediação judicial; (b) por entidades não governamentais realizadoras de medição comunitária; (c) por câmaras de mediação e arbitragem (prestadoras de serviços de mediação); (d) por mediadores privados independentes (profissionais de serviços atuantes em diversas áreas como familiar, cível e empresarial[10]. Essa não era uma prática costumeira e não encontrava um apoio forte e mais formal na esfera pública, muito timidamente, a prática da Conciliação, que é outro instituto consensual e não se confunde com a mediação, era mais utilizada na tratativa dos conflitos, porém a mediação ainda era algo mais restrito e distante da realidade do jurisdicionado para que fosse colocada em prática, seja na fase pré-processual ou mesmo em um processo já em curso, bastando assim interesse das partes.
É preciso conhecer bem as diretrizes para a prática da mediação para não haver deslizes e prejuízos às partes. Atualmente nossas principais bases além do CPC de 2015, são a Resolução 125 de 29/11/2010 do CNJ e a Lei 13.140 de 26/11/2015, que norteiam a aplicabilidade, a maneira de conduzir além de princípios que regem a Mediação.
A mediação é orientada pelos princípios da imparcialidade do mediador, isonomia entre as partes, oralidade, informalidade, autonomia de vontade das partes, busca do consenso, confidencialidade e boa−fé. Ela tem como objeto direitos disponíveis e os direitos indisponíveis que admitam transação.
Na era da globalização e com isso o consequente e rápido acesso as informações, a divulgação dos métodos alternativos aplicados para solução de conflitos de outras culturas permitiram que o instituto da mediação ganhasse destaque mundial. Este tema é bem desenvolvido em outros países como os Estados Unidos, que inclusive possui diversas escolas que tratam do assunto. Na América do Sul Colômbia e Argentina foram pioneiras na prática da mediação, esta possui atualmente uma rica e avançada legislação sobre resolução de e solução de conflitos e aquela possui um dos mais avançados trabalhos no setor privado.
3.1 O incentivo a prática da mediação
Ao mesmo tempo em que o Código de Processo Civil de 2015 em seu §3º do art. 3º afirma que: “A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”[11] também instrui que: “Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição”[12], isso demonstra que a Mediação não deve ser praticada em salas de audiência comum, mas sim em locais apropriados, já que por possuir formato diferenciado das audiências, não pode ser pública devido ao compromisso de confidencialidade sobre todas as informações explanadas por partes, advogados e interessados[13]. Também já é de conhecimento dos operadores do Direito que esse fomento à prática da mediação já é previsto no Código de Ética, sendo deveres do advogado “estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios e aconselhar o cliente a não ingressar em aventura judicial”[14], ou seja, tudo já bem orientado para que o sistema judiciário possa ter uma maior fluidez, entretanto não é o que acontece na prática.
Ao mesmo tempo em que o código prevê outros métodos de solução de conflitos, ele dá as partes a possibilidade de se recusar a tal método[15], o problema em questão é que muitas vezes as partes não são bem orientadas quanto ao procedimento da Mediação, e são facilmente levadas por seus patronos a recusarem tal instituto sem nem saber do que realmente se trata. O que poderia ser resolvido se houvesse um serviço para esclarecimento sobre os meios de autocomposição de conflito prestado de maneira imparcial, sanando todas as possíveis dúvidas. Mas por que vemos tanta resistência para a utilização de meios consensuais, já que todos os envolvidos, partes, magistrados, advogados, membros do Ministério Público e Defensoria estão em busca de uma resolução do conflito de maneira justa e equilibrada para ambas as partes? Fato que, processualmente falando este é um mundo que tem uma prática desconhecida dos operadores do direito que estão acostumados com os tradicionalismos que são implantados desde os tempos de faculdade, orientados apenas a questões processuais, o modus operandi do direito. Com isso, fatalmente, muitos operadores do direito expressam certo receio de utilizar os modos consensuais e assim ‘perderem clientes’, por exemplo, e ainda há a preocupação com que a pessoa que conduzirá o modelo consensual seja efetivamente preparada para atuar e promover esse método, isso inclui toda técnica e controle emocional e psicológico para não se envolver ao caso e assim ajudar a guiar as partes ao diálogo necessário para um possível acordo.
A utilização da mediação deveria ser vista como um complemento da atividade jurisdicional, mas sem correr o risco de torná-la apenas um mero instrumento a serviço deste sistema que vem sendo sufocado e morre aos poucos por conta dos inúmeros processos novos a cada ano, não se deve esquecer que a mediação trabalha para que o diálogo seja restabelecido, mais do que resolver uma lide, ela tenta fazer com que as partes entendam o porquê da situação e aprendam da melhor forma a lidar com ela para não haja uma reincidência, é uma busca colaborativa por uma paz social que o conflito exacerbado tem tirado da sociedade.
Apesar de conter certas formalidades e peculiaridades, não se deve permitir que a mediação torne-se extremamente formal como a justiça comum, as legislações existentes, ou aquelas que ainda possam surgir, não devem fazer com que ela perca sua qualidade não decisória e nem autoritária no tratamento de conflitos, ela precisa manter a habilidade que a possibilita ir se adequando as mais diversas situações e conflitos. É necessário que haja uma cooperação de todos os envolvidos, uma pré-disposição a quebrar paradigmas e se lançar ao “novo”, que na verdade não é tão novo apenas estava em desuso, e assim alcançar um melhor funcionamento do judiciário e da sociedade satisfazendo ao fim tanto a lide judiciária quanto o conflito social subentendido.
4.CULTURA DO CONFLITO X CULTURA DO DIÁLOGO
Vivemos uma realidade social que as pessoas, de um modo geral, não sabem, ou desaprenderam, a conversar e expressar o que querem e o que sentem, apenas partem do princípio de que o outro deve saber e entender (adivinhar) o que elas querem ou sentem, e isso em regra é a base geradora dos mais diversos tipos de conflitos. Percebemos isso com frequência, por exemplo, em casos familiares, em discussões empresariais, no âmbito do trabalho. As pessoas não conseguem se comunicar. A velocidade com que as informações são transmitidas, com que somos bombardeados com novidades, a facilidade e praticidade com que as coisas chegam até nós são tamanhas que nos levam a um colapso, nos transformam em robôs sem percebemos e assim vamos deixando de entender o outro, nos fechamos num mundinho só nosso e perdemos o básico de uma vida saudável, o contato físico, o olhar, o prestar atenção nas reações e emoções do outro enquanto se convive. É certo que a era tecnológica em que vivemos também trouxe avanços e melhorias fundamentais para a qualidade de vida, quem ainda não sabe dosar o equilíbrio entre a tecnologia e o mundo real para uma boa vida é o ser humano.
Partindo dessas observações, entendemos que, apesar de tudo, o conflito é algo natural da convivência humana, somos seres diferentes, há uma multiplicidade de percepção da vida que é de cada um. Nenhum indivíduo conhece a totalidade do outro, cada ser entende de uma forma a mesma situação, ou seja, não há apenas uma verdade absoluta. Diante dessa multiplicidade entendemos que situações incompatíveis podem surgir e que precisam ser solucionadas, e justamente por conta das pessoas não conseguirem conversar elas buscam um terceiro desconhecido para decidir por elas o que fazer com suas vidas, e com isso vemos o judiciário inflar a cada dia. São disputas das mais variadas que chegam ao ponto de levar ao juiz para decidir quem ficará com o faqueiro de prata que foi presente de casamento, porque o agora ex-casal não consegue conversar e resolver sozinho a situação. Outro ponto que se ressalta é o fato da cultura brasileira sempre querer instigar a pessoa a se dar bem, a levar vantagem, ou até mesmo agir pura e simplesmente por vingança, é o pensamento de que a sua verdade é mais importante que a do outro, a sua dor dói mais do que a do o outro, ou seja, a forma que eu lido com o conflito muda de acordo com a forma que eu me relaciono com o outro.
Essa falta do diálogo não é diferente nas universidades de Direito, o estudante é formado apenas para ganhar as causas, ele precisa ser bom o bastante para nunca perder, apesar de alguns professores se esforçarem para mudar esse tipo de pensamento e ensinar um Direito mais humanista, esse tipo de conduta tem afastado a possibilidade de se ter uma conversa, da aplicação da mediação, ou de qualquer outro método consensual de resolução de conflitos. No I Fórum Nacional de Mediação e Conciliação, o ministro Ricardo Lewandowski, grande entusiasta da mediação, contou sobre sua experiência como ministro no STF, relatando a situação política e social no Brasil. “Nós vivemos numa explosão de litigiosidade, numa cultura do embate, do conflito”, cujos problemas são transferidos ao Judiciário antes mesmo de um processo de conciliação. Dessa maneira, o Ministro considerou a mediação como um “instrumento de pacificação” do país, que finalmente coloca em prática aquilo que prevê a Constituição de 88 – o Brasil como uma democracia participativa. “O povo vai participar da solução dos próprios conflitos”, afirma o presidente do STF[16]. Mas para isso se tornar real, as pessoas precisam estar dispostas a conversar. Grande parte, para não dizer todo problema, está na base, na formação pessoal, isso vem desde criança. É preciso que pais conversem mais com seus filhos, não para julgá-los ou apenas para repreendê-los, mas para ouvi-los, saber o que se passa e entender o que e como ele se sente. Criar pessoas mais comunicativas, sem receio de se expressar e expor o que sente, isso é fundamental para uma sociedade melhor como um todo. Por outro lado, fica a cargo dos mais tradicionalistas, rígidos operadores do direito se darem a chance de entender que a sociedade está em constante mudança, que nem sempre métodos mais rigorosos são os mais eficazes, que caso não se resolva o problema pela raiz, nada mudará e além de um judiciário abarrotado de causas que poderiam ser resolvidas numa conversa, teremos a cada dia uma sociedade mais e mais doente emocionalmente.
Não há como se negar que a solução do problema passa pelo diálogo. E no cenário da mediação, é necessário um terceiro imparcial que esteja capacitado para facilitar essa comunicação que foi obstruída e construir um clima favorável ao consenso. A esse mediador que age como facilitador do diálogo entre os litigantes, não compete oferecer a solução do conflito, mas é de sua atribuição à manutenção e a orientação do procedimento com neutralidade, cabendo somente às partes construir suas respostas a partir do que se ouviu do outro e assim encontrar as melhores alternativas para a solução do conflito, chegar a um meio termo. Aqui não existirá um vencedor ou perdedor, mas sim uma oportunidade de solucionar questões importantes de um modo cooperativo e construtivo.
Em todo esse processo de diálogo que se tenta restaurar através da mediação, a preocupação vai além de olhar apenas o direito em questão, mas sim de buscar alcançar uma satisfação dos envolvidos com o resultado atingido. De um modo geral, são as razões emocionais dos indivíduos que os trazem até judiciário, não importa qual o tipo de caso, muitas vezes a resolução material da questão não é o mais importante para a parte, mesmo que inconscientemente, ela quer falar, quer encontrar no judiciário, o apoio que não encontrou no seu contendor e assim dar mais legitimidade aos ajustes e mais chances de acabar em definitivo com o dilema gerado. É a prática de uma comunicação não violenta que as partes buscam, e não nos referimos apenas a um modo de falar mais ríspido, mas sim com o conteúdo do que se é falado, as marcas causadas por abusos psicológicos, são mais doloridas do que aquelas causadas no físico. E junto com a comunicação não violenta, vem também a escuta não violenta, que não julga, não compara, não interrompe o outro enquanto este fala por exemplo. É uma reeducação de costumes e hábitos que são destrutivos e não nos damos conta. Tomamos por exemplo algo que muito provavelmente muitas pessoas já vivenciaram ao ter um problema, geralmente se busca um amigo, alguém de confiança para desabafar, e em certas ocasiões a pessoa fala tanto que o tal amigo não consegue expressar qualquer opinião, mas só o fato da pessoa ter conseguido falar, desabafar a fez escutar o seu problema enquanto falava, e sozinha, encontrar a melhor solução.
Não há que se falar em que se pretende transformar os institutos consensuais em sessões de terapia em grupo, o que se objetiva demonstrar é que o problema vai muito além do material, e só a prática, a colaboração das pessoas envolvidas, do próprio Estado pode ajudar a transformar essa situação. Conforme afirmou o então ministro Dias Toffoli: “Se tudo for parar no Poder Judiciário, isso demonstra um fracasso da sociedade, das outras instituições e dos outros poderes na resolução dos conflitos. Nós temos de investir numa mudança de cultura. A cultura da judicialização dos conflitos, que é fruto da necessária universalização do acesso à Justiça, não pode ser reforçada pela administração pública. É preciso criar a cultura do diálogo para que o Poder Judiciário seja árbitro somente na exceção” [17].
Entretanto, deixa-se claro que nem todo procedimento restará em acordo entre as partes, o que não significará que a mediação não obteve êxito. Se tivermos um canal de comunicação, de diálogo restabelecido entre as partes, o procedimento cumpriu seu principal papel.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando se alcança uma justiça restaurativa, consegue-se alterar a realidade social e consequentemente as relações entre os indivíduos vão mudando também. A falha estrutural que a justiça vem enfrentando, torna cada vez mais imperioso encontrar e estimular meios para resolução de conflitos de maneira satisfatória e célere. A mediação é uma das melhores formas encontrada para suprir essa demanda e cooperar para a continuidade da segurança jurídica, previsibilidade e certeza jurídica para cumprir com objetivos inerentes a autonomia a cidadania e aos direitos humanos. Ela é um procedimento essencialmente democrático. Diante disso cabe ao Estado assumir seu papel e estimular a autocomposição, atuando desta forma como um filtro e catalisador do acesso a justiça e da prestação jurisdicional, atuando também fora do Poder Judiciário junto à sociedade, já que a implantação de políticas públicas que incentivem a autocomposição, o diálogo, como por exemplo, na educação básica para que estes desde já tentem solucionar problemas antes de se valer do Judiciário, são situações que por mais que a criança ou o jovem não encontre dentro de casa a estrutura familiar necessária para esse tipo de formação educacional, com o exemplo aprendido nas escolas eles podem levar pra dentro de casa o aprendizado e assim ajudar na desconstrução da ideia de que tudo precisa ser levado ao judiciário, é uma proposta que pode ajudar a desafogar o sistema, deixando-o agir apenas onde for estritamente necessário. A Constituição garante o acesso à justiça, porém não se pode transferir para o Judiciário a resolução de todo e qualquer problema, a sociedade precisa ter responsabilidade sobre seus atos e assim conseguir resolver seus próprios conflitos. O ingresso ao Judiciário se torna ineficiente se não houver uma solução satisfatória, rápida e efetiva dos conflitos em pauta, e para que isso não ocorra e a segurança jurídica se mantenha estabelecida precisamos conversar mais, escutar mais o outro, ser mais responsáveis por nossas atitudes, ter empatia não significa ser bonzinho, significa se colocar no lugar do outro, pensar antes de agir, compreender outro e a si mesmo, é uma grande mudança de hábitos, mas que se não acontecerem, mesmo que aos poucos, nossa sociedade estará em colapso e será muito mais difícil contornar a situação. É necessário que seja um esforço coletivo para que toda essa mudança aconteça.
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[1] Saramago, J. (1997). Prefácio. In: S. Salgado, Terra. São Paulo: Companhia das Letras.
[2] Fonte: Origem da Palavra, 2018. Disponível em: <https://origemdapalavra.com.br/palavras/mediacao/>. Acesso em: 27 de ago. 2020.
[3] Brasil. Lei nº 13.140 de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. Parágrafo Único, art. 1º. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13140.htm>. Acesso em 27 de ago. de 2020.
[4] Arts. 165 a 175, CPC 2015.
[5] Art. 149,CPC 2015.
[6] §3º do Art. 231; IV do art. 250; II e III, §1º do art. 303; §§ 3º e 4º do art. 308; VII do art. 319; art. 334; art. 335 e §§3º e 4º do art 340; art. 359; art. 565; art. 694, art. 695 e 696 todos do CPC 2015, respectivamente.
[7] CNJ - Resolução 215 de 29 de novembro de 2010. Disponível em: < https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/156>. Acesso em 16 de set. 2020.
[8] CNJ. Painéis Interativos. Justiça em números Digital. Justiça em números ano base 2019. Disponível em: <https://paineis.cnj.jus.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=qvw_l%2FPainelCNJ.qvw&host=QVS%40neodimio03&anonymous=true&sheet=shResumoDespFT> Acesso em 21 de dez. 2020.
[9] CNJ. Painéis Interativos. Justiça em números Digital. Justiça em números ano base 2019. Disponível em: < https://paineis.cnj.jus.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=qvw_l%2FPainelCNJ.qvw&host=QVS%40neodimio03&anonymous=true&sheet=shResumoDespFT> Acesso em 21 de dez. 2020.
[10] TARTUCE, Fernanda.Mediação nos conflitos civis. 2. ed. São Paulo: Método, 2015, p. 251
[11] § 3º, Art. 3º do CPC 2015.
[12] Art. 165. Seção V – Dos Conciliadores e Mediadores Judiciais, CPC 2015.
[13] TJRJ. Espaço do Mediador. Orientação aos Observadores. Disponível em: <http://www.tjrj.jus.br/web/guest/institucional/mediacao/espaco-mediador/orientacao-aos-observadores>. Acesso em 22 dez. de 2020.
[14] Código de Ética e Disciplina da OAB. Art. 2º. Inc. VI e VII, § único, Art. 2º.
[15] Inc. I, §4º, Art. 334 – CPC. A audiência não será realizada:
I - se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual.
[17] STF. Em seminário na AGU, presidente do STF defende mudança na cultura da judicialização. Notícias STF. 2018. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=396981>. Acesso em 24 dez 2020.
Advogada, formada pela Universidade Gama Filho, Especialista com Pós graduação Latu Sensu em Direito Militar e Direito e Processo Civil pela Faculdade UniBF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DANIELE LISBOA DA CONCEIçãO, . Mediação e o Processo Civil brasileiro: cultura do conflito vs. cultura do diálogo. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 mar 2021, 04:44. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56266/mediao-e-o-processo-civil-brasileiro-cultura-do-conflito-vs-cultura-do-dilogo. Acesso em: 25 nov 2024.
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