Prof. JOSÉ LUIZ LEITE[1]
(orientador)
RESUMO: O artigo foi elaborado através de estudos sobre a perspectiva dada ao Artigo 155 do Código de Processo Penal, com a nova redação dada ao mesmo pela edição da Lei 11.690/08, que restringiu o uso das provas colhidas em fase inquisitorial às provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Sabendo-se que as provas são preponderantes para o oferecimento as denúncia e o transcorrer do devido processo legal, foram feitas análises da nova redação do artigo supracitado, com finalidade em demonstrar como as provas adquiridas em face de um inquérito policial poderão ser utilizadas, ou não, quando no curso do processo penal.
Palavra-chave: Provas no Processo Penal; Aplicação das provas no crime de tráfico de drogas; Provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
ABSTRACT: The article was elaborated through studies on perspective given to Article 155 of the Code of Criminal Procedure, with the new wording given to it by the edition of Law 11.690 / 08, which restricted the use of evidence collected in the inquisitorial phase non-repeatable and anticipated evidence. Given that the evidence is predominant for the offering of complaints and due process, analyzes were made of the new wording of the aforementioned article, with the purpose of demonstrating how the evidence acquired in the face of a police investigation could be used, or not when in the course of criminal proceedings.
Keyword: Proofs of Criminal Procedure; Application of evidence in the crime of drug trafficking; Precautionary evidence, not repeatable and anticipated.
1. INTRODUÇÃO
Dentro de um processo penal é inconteste dizer que as provas exercem um papel extremamente relevante para ajudar no convencimento acerca da culpabilidade ou não de um réu. A ação de condenar ou absolver, não se trata apenas do fruto resultante da conduta do acusado, mas, como foram às provas obtidas e levadas até o conhecimento de todos através do processo.
Todas as fases que envolvam o crime cometido são importantes, até mesmo a fase inquisitorial - em que não há de se falar em contraditório e ampla defesa, pois se trata de meros procedimentos policiais investigatórios que poderão, ou não, ensejar a denúncia e consequentemente um processo.
Porém, somente as provas que são judicializadas podem fazer parte do lastro probatório processual e delas ser extraído o entendimento para que o réu seja ou não condenado.
O entendimento é que o julgador não poderá conferir valor às provas obtidas em fase inquisitorial de estas não forem devidamente judicializadas, sendo elas, por força da nova redação conferida ao Art. 155 do Código de Processo Penal pela lei 11.690/08, serão desconsideradas, pois, como já referido, não passaram pelo crivo das contestações por parte da defesa do acusado.
A exceção são as provas cautelares, as não repetíveis e as antecipadas, que devido à demora ou por não poderem ser refeitas, devem ser diferenciadas em sua análise.
Diante do exposto, o estudo trouxe à baila a aplicação do Artigo 155 do Código de Processo Penal, em face dos crimes de drogas após a edição da lei 11.690/08, que alterou o dispositivo processual penal, restringindo ao magistrado o uso de provas que foram constituídas durante os procedimentos de investigação policial.
2. A IMPORTÂNCIA DAS PROVAS NO PROCESSO PENAL
A prova no processo penal é o ato, ou o conjunto destes, que buscam estabelecer o que correu de fato ou resultou da prática de uma conduta, e teve como finalidade a convicção da autoridade acerca da existência de determinada situação factual. Como regra, as provas são produzidas no decorrer da fase judicial em que a participação das partes se faz necessária para a obtenção das mesmas.
Dentro de uma lide a prova é o elemento fundamental para que aquela seja decidida. O objeto da prova é a busca por um fato jurídico relevante, ou seja, aquela que realmente possa trazer qualquer contribuição no julgamento do feito.
Logo, a prova não se configura por qualquer fato que possa aparecer e sim, aquele fato que aparecer dentro do processo, possa influenciar da tipificação do crime ou mesmo, na exclusão de sua culpabilidade ou antijuricidade.
Insta aqui ressaltar que o real objeto da prova é o fato e não a opinião, embora que em alguns casos, principalmente quando da aplicação da dosimetria, a opinião da vítima poderá ter um peso a mais na fixação da pena do condenado, por exemplo, que o réu é bom pai, honesto, trabalha, reside em endereço próprio etc.
Dentro do sistema processual penal vigente, há a necessidade, de em caso de uma denúncia ou queixa, se ter um mínimo de coerência entre os fatos, o que costumeiramente chamamos de indício de autoria e da materialidade do delito.
De outro modo, a ausência desses elementos informativos ao crime, poderá promover o trancamento da persecução penal mediante a impetração de remédio constitucional específico, à saber o habeas Corpus, pelo próprio acusado.
Pode-se concluir assim que os chamados elementos informativos do crime gozam de um relevo substancial dentro do processo, sendo eles os primeiros passos dados pela justiça na busca do direcionamento da efetivação da persecução penal.
Desta feita, podem ser conceituados os elementos informativos do crime, como sendo aqueles elementos extraídos na fase investigatória do delito cometido, seja essa fase compreendida pelo Inquérito Policial, as investigações realizadas pelo Ministério Público, as realizadas pelas Comissões Parlamentares de Inquérito, entre outros com mesma finalidade, sem, no entanto, que entre as partes haja qualquer tipo de acareação, ou seja, não existe nessa fase o contraditório e, tampouco, a ampla defesa.
Esses elementos, como regra, são produzidos com independência a autorização judicial. Porém, em ao menos dois casos específicos, há a fuga a essa regra, como por exemplo, na busca e apreensão domiciliar, interceptação telefônica, entre outros que só poderão ser reunidos debaixo da édge da Cláusula Constitucional de Reserva de Jurisdição, a qual consiste em excluir a possibilidade de exercer atributos equiparados aos conferidos ao Poder Judiciário por qualquer outro órgão ou autoridade do Estado.
Tais elementos informativos trazem como desígnio a fundamentação das medidas cautelares assim como a OPINID DELICTI do Ministério Público, vez que o mesmo é apresentado como titular na persecução de uma ação penal pública.
3. APLICAÇÃO DAS PROVAS NO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS COM A NOVA REDAÇÃO DO ART. 155 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Uma alteração marcante feita pela Lei 11.680/08, no tocante as provas arroladas nas investigações realizadas quanto aos crimes de tráfico de drogas, foi à mudança ocorrida na redação do caput do Art. 155 do Código de Processo Penal, competindo ao Juiz formar, pela livre apreciação das provas, para configuração ou não do crime, in verbis:
Art. 155 CPP: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”.
Buscou o legislador com a reforma do referido caput, a vedação à condenação do réu quando a mesma tivesse sido exclusivamente baseada naqueles elementos colhidos pelos policiais civis nas investigações do crime cometido pelo agente infrator.
Defende-se que tal vedação se deu pela obrigatória observância aos princípios constitucionais e que, neste caso, estaria se tratando do Princípio expressamente elencado no Art. 5º, LV, Constituição Federal de 1988, qual seja o Princípio da Ampla Defesa e do Contraditório, que assim determinam: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
Em linhas diretas, a pretensão do legislador não foi outra senão fazer com as provas que foram colhidas na fase da investigação pelos policiais, uma vez que fossem desprovidas de contraditório e de ampla defesa, fossem descartadas de pronto, não podendo ser usadas para lastrear uma possível e eventual sentença condenatória do acusado. Estariam essas provas eivadas de vícios que poderiam comprometer a decisão do magistrado.
No tocante a essa nova interpretação dada ao dispositivo do Código de Processo Penal, vários doutrinadores de renomado conhecimento jurídico se posicionaram quanto ao assunto, dentre eles, Guilherme de Souza Nucci, que traduziu seus apontamentos quanto à nova redação dada ao Art. 155, CPP, conferida pela Lei 11.680/08:
[...] a meta é a formação da convicção judicial lastreada em provas produzidas sob o crivo do contraditório, não podendo o magistrado fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos trazidos na investigação, mormente a policial, que constitui a maior parte dos procedimentos preparatórios da ação penal. Em outros termos, não se trouxe grande inovação, mas apenas se tornou expresso o que já vinha sendo consagrado pela jurisprudência pátria há anos. O julgador jamais pode basear sua sentença, em especial condenatória, em elementos colhidos unicamente no inquérito policial. Não era mecanismo tolerado nem pela doutrina nem pela jurisprudência. Porém, o juiz sempre se valeu de provas colhidas na fase investigatória, desde que confirmadas, posteriormente, em juízo, ou se estivessem em harmonia com as coletadas sob o crivo do contraditório. Ora, nesse contexto, a reforma deixou por desejar, uma vez que somente reafirmou o entendimento já consolidado – logo, inócuo faze-lo – de que a fundamentação da decisão judicial, mormente condenatória, não pode calcar-se exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação. (...) Portanto, a reforma teria sido ousada se excluísse a ressalva “exclusivamente” do art. 155, caput, do CPP. O juiz não poderia formar sua convicção nem fundamentar sua decisão somente com base nos elementos advindos da investigação. (NUCCI, 2017, p. 338)
A partir do trecho destacado em negrito, observa-se que mesmo antes das alterações conferidas ao dispositivo penal pela lei 11.680, a legislação já trazia proibições às formações de convencimento pelo magistrado em face do lastro probatório que eram obtidos de forma exclusiva através do inquérito investigativo policial.
O que ocorreu com a edição da Lei 11.680/08 foi justamente a limitação, pela força da própria lei alteradora, da necessidade de realce do Princípio do Contraditório quando da livre apreciação pelo juiz das provas arroladas dentro do inquérito Policial.
Basicamente o que a lei fez, foi manter o posicionamento da jurisprudência da época, que já estava em vigor, e defendia que apenas as provas do inquérito policial não eram, num todo, suficientes para que o réu fosse condenado, havendo a necessidade de serem produzidas outras mais em contraditório judicial, que deveriam confirmar as provas da fase do inquérito policial.
3.1 Das Provas Cautelares, Não Repetíveis e Antecipadas
É de bom grado trazer à baila que, na confirmação na fase judicial, não serão aplicadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Essa medida fora exigida como ressalva para impedir que com a demora da persecução penal, alguns elementos que comprovem o crime não venham se perder, para que não prejudique o andamento do processo depois.
Nitidamente o dispositivo deixa a entender ser possível que o Juiz forme sua convicção, com base nas provas cautelares, repetíveis e antecipadas, ainda que elas tenham sido produzidas na fase investigatória pela polícia.
Mas afinal, qual seria o conceito aplicado às provas cautelares, não repetíveis e antecipadas? Usando os ensinamentos de Lima (2011, p.55), temos a seguinte definição, começando pelas provas cautelares:
Provas cautelares são aquelas em que há um risco de desaparecimento do objeto da prova em razão do decurso do tempo, em relação às quais o contraditório será deferido. É o que acontece, por exemplo, com uma interceptação telefônica. Tal medida investigatória que tem no elemento da surpresa verdadeiro-pressuposto de sua eficácia, depende de prévia autorização judicial, sendo, que o investigado só terá conhecimento de sua realização após a conclusão das diligências. Quando estamos diante de medidas cautelares Inaudita altera parte, a parte contrária só poderá contraria-la depois de sua concretização, o que é denominado pela doutrina contraditório diferido, postergado ou adiado.
O autor refere-se ainda, sobre as provas repetíveis:
A prova não repetível é aquela que não tem novamente como ser coletada ou produzida, em virtude do desaparecimento, destruição ou perecimento da fonte probatória. Exemplificando, suponha-se que alguém tenha sido vítima de lesões corporais de natureza leve. Caso o exame pericial não seja feito imediatamente, os vestígios deixados pela infração penal irão desaparecer (LIMA, 2011, p. 55).
Logo, faz-se necessário que a produção das provas não repetíveis seja feita independente de autorização, pois, pela sua própria natureza, há o perigo de dispersão de seus elementos probatórios, devendo sua realização ser determinada pela própria autoridade policial que está cuidando do caso concreto, de forma imediata, tão logo tome conhecimento do fato delituoso, conforme preconizado no Art. 6ª, VII, do Código de Processo Penal Brasileiro.
Nesse sentido, Lima (2011), relata que as provas não repetíveis, possam ser utilizadas no curso do processo, imperiosa será a observância do contraditório sobre a prova, permitindo que as partes possam discutir sua admissibilidade, regularidade e idoneidade.
Pode-se usar como um exemplo para o exposto, o Art. 159, §52, I, do Código de Processo Penal, onde o mesmo traz a permissão que as partes requeiram que seja feita oitiva dos peritos para que sejam esclarecidos pontos relevantes das provas ou, para responderem a quesitos, isso tudo durante o processo judicial em andamento.
Também sobre as provas de caráter antecipado, posiciona-se Lima (2011, p. 57):
Provas antecipadas, por sua vez, são aquelas produzidas com a observância do contraditório real, perante a autoridade judicial, em momento processual distinto daquele legalmente previsto, ou até mesmo antes do início do processo, em virtude de situação de urgência e relevância.
É o caso do denominado depoimento ad perpetuam rei memoriam, previsto no Art. 225 do CPP: “Se qualquer testemunha houver se ausentar-se, ou, por enfermidade, ou, por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não existia, o juiz poderá de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, tomar-lhe antecipadamente o depoimento.
Nessa esteira vê-se o quão importe são as provas produzidas na fase do inquérito de investigação policial, as quais, não devem ser desprezadas durante o decorrer do processo judicial propriamente dito. O que se exige, por óbvio, é que tais provas encontrem reverberação junto as que são produzidas em juízo. Se assim não, haver-se-á de convir que para inúmeros processos relacionados aos crimes de tráfico de drogas a condenação poderá ser tida como impossível.
No crime em comento, por exemplo, os testemunhos de civis que se perfazem desfavoráveis ao réu, logo favorável à condenação, terminam por ser modificados na fase judicial do processo, geralmente em decorrência do medo impregnado dos traficantes.
Em juízo, leiam-se, os únicos depoimentos que permanecem até o final são os dos policiais, que, em concordância com o entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal de Justiça, tais depoimentos são dotados de um significativo valor probatório, podendo, sem sombra de dúvidas alguma, servir como um dos elementos que culminem com a condenação do réu. Vejamos:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ALEGAÇÃO DE FLAGRANTE PREPARADO E CRIME IMPOSSÍVEL. NÃO-OCORRÊNCIA. REGIME INTEGRAL FECHADO. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2º, § 1º, DA LEI 8.072/90 PELO STF. ORDEM DENEGADA. WRIT CONCEDIDO DE OFÍCIO, PARA FIXAR O REGIME INICIAL FECHADO PARA O CUMPRIMENTO DA PENA. 2. O depoimento de policiais pode servir de referência ao juiz na verificação da materialidade e autoria delitivas, podendo funcionar como meio probatório válido para fundamentar a condenação, mormente quando colhido em juízo, com a observância do contraditório [...] (HC 109.300/SP–QUINTA TURMA – RELATOR: MIN. ARNALDO ESTEVES LIMA – DATA DO JULGAMENTO: 18.09.2008).
Sob o crivo do Princípio do Contraditório, conforme os elementos produzidos extrajudicialmente, os quais por si só sustentam a versão que a acusação apresenta, conclui-se que as provas produzidas em juízo devem confirmar as provas produzidas na fase de investigação, sendo, por tanto, nesses casos, de suficiente ajudar para a condenação ao agente infrator.
Corroborando com a informação dita, vejamos o entendimento do Superior Tribunal de Justiça em outro julgado sobre o tema:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS – PEDIDO QUE EXTRAPOLA O CONTIDO NA DECISÃO AGRAVADA – IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO – FURTO QUALIFICADO – CONDENAÇÃO QUE SE BASEOU EM ELEMENTOS DE CONVICÇÃO COLHIDOS NO INQUÉRITO POLICIAL – NULIDADE DO ÉDITO CONDENATÓRIO – INOCORRÊNCIA – PROVAS COLHIDAS EM JUÍZO QUE CORROBORARAM A VERSÃO APRESENTADA PELA ACUSAÇÃO – AUSÊNCIA DE AFRONTA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DO CONTRADITÓRIO – ORDEM DENEGADA – AGRAVO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, NEGO PROVIMENTO.1. O agravo regimental se presta unicamente para discutir os fundamentos da decisão monocrática agravada, motivo pelo qual não é dado ao agravante nele inovar, deduzindo pedidos não relacionados com os fundamentos daquela decisão.2. É vedado ao Magistrado proferir sentença condenatória baseada exclusivamente em elementos de convicção colhidos nos autos do inquérito policial. Inteligência do artigo 155 do Código de Processo Penal (com redação dada pela Lei 11.690/2008). 3. Por outro lado, a existência de provas colhidas em juízo, sob o crivo do contraditório, que corroborem a veracidade dos elementos produzidos extrajudicialmente, sustentando a versão apresentada pela acusação, é suficiente para autorizar a manutenção da integridade do édito condenatório. 4. Agravo regimental parcialmente conhecido e, nessa extensão, nego provimento (AGRG NO HC 118.761/MS, REL. MINISTRO CELSO LIMONGI DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, JULGADO EM 19/02/2009).
Enquanto ministra da Corte Maior do Judiciário Brasileiro, a Ministra Ellen Gracie, se posicionou quanto à matéria referendando que "os elementos do inquérito podem influir na formação do livre convencimento do juiz para a decisão da causa quando complementam outros indícios e provas que passam pelo crivo do contraditório em juízo" (RE - AGRG Nº 425.734/MG, RELATORA MINISTRA ELLEN GRACIE, 28.10.05).
4. APLICAÇÃO DO ART. 155 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL NO TRIBUNAL DO JÚRI
Para os crimes dolosos contra a vida e que sejam processados pela Instituição do Tribunal do Júri, onde é preponderante o sistema da livre convicção do Conselho de Sentença, a nova redação dada ao Art. 155 do Código de Processo Penal deverá ser interpretada com reservas observando-se sempre os elementos constitutivos do próprio processo.
Na pronúncia do réu pelo Magistrado, os elementos recolhidos na fase extrajudicial (à saber a fase que antecedo ao processo), mesmo os elementos não ratificados, confirmados em juízo, são suficientes para que o infrator seja pronunciado, posto que quanto a autoria delitiva, exige-se que haja tão somente os indícios de autoria do crime, não sendo, por tanto, a certeza uma regra.
Não por outro motivo e sim, por ser a pronúncia uma decisão interlocutória, com caráter misto e terminativo, o que não traria em hipótese alguma qualquer tipo de prejuízos processuais ao réu, logo, a pronúncia nada mais é que o encerramento da primeira fase do processo penal, para aqueles crimes que são constitucionalmente de competência do referido Tribunal. Não se trata, por tanto, de um juízo de certeza e sim, de uma fundada suspeita de que o réu tenha cometido o crime.
Dentro dessa perspectiva, se em se tratando de condenação por crimes comuns o julgador não poderá apenas tecer suas convicções adstritas apenas aos elementos colhidos no Inquérito Policial, na decisão interlocutória da pronúncia, é exigido apenas que haja os indícios da autoria do crime atribuída ao réu, obviamente que acompanhadas de provas de materialidade do crime.
Entretanto, insta deixar esclarecido aqui, que os indícios podem derivar das provas que foram colhidas durante o transcorrer do Inquérito Policial, mesmo que tais provas não tenham sido retificas em juízo.
Dentro dessa máxima, vem se consolidando o entendimento jurisprudencial que em se tratando da prolação de sentença de pronúncia do réu, pode haver a desnecessidade da prova judicial contido nos autos, porém, ainda na mesma direção de entendimento, as jurisprudências dizem poder assentar-se às pronúncias, a prova extrajudicial In verbis:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. INDÍCIOS DE AUTORIA EXTRAÍDOS DA ETAPA POLICIAL. POSSIBILIDADE DE QUE OS ELEMENTOS FUNDAMENTEM A PRONÚNCIA. EXAME DE PROVAS. DESNECESSIDADE.
1. A pretensão recursal não demanda o revolvimento de prova. Cuida-se apenas de estabelecer, a partir das premissas fáticas firmadas pelo aresto a quo, a possibilidade de que a pronúncia possa ser lastreada em elementos colhidos no inquérito.
2. Nos termos do que dispõe o art. 155 do Código de Processo Penal, o julgador formará a sua convicção pela livre apreciação da prova colhida em contraditório judicial, não podendo basear sua decisão somente nos elementos extraídos da investigação.
3. Tal regra, porém, deve ser aplicada com reservas no tocante à decisão de pronúncia, pois tal manifestação judicial configura simples juízo de admissibilidade da acusação.
4. Nesse sentido, a jurisprudência desta Corte Superior admite que os indícios de autoria imprescindíveis à pronúncia defluam dos elementos de prova colhidos durante a fase inquisitorial.
5. No caso, registra o acórdão a quo que tanto a vítima quanto seu irmão afirmaram em sede policial que foram os recorrentes que efetuaram os disparos em sua direção, havendo a suspeita de que ambos somente se retrataram em juízo em virtude das ameaças que sofreram.
6. Agravo regimental a que se nega provimento (STJ – AGRG NO RESP 1309425/MG, REL. MINISTRO JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, JULGADO EM 07/10/2014)
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 121, § 2º, INCISOS II C/C ART. 14 II E ART. 129, § 6º TODOS DO CÓDIGO PENAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PRONÚNCIA. PROVAS. IN DUBIO PRO SOCIETATE.
[...] II - Ainda que ultrapassado este óbice, a tese sustentada pelo impetrante não merece prosperar pois diferente do que ocorre em relação à sentença condenatória, a decisão que pronuncia o acusado exige, tão somente, a presença de indícios de autoria, além de prova da materialidade do delito. Indícios estes que, por sinal, podem derivar de provas colhidas durante o inquérito policial (PRECEDENTE DO STF E DESTA CORTE - STJ – HC 85077/DF – QUINTA TURMA – RELATOR: MIN. FELIX FISCHER – DATA DO JULGAMENTO: 23.08.2007 P. 265 – GRIFO NOSSO)
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO QUALIFICADO NA FORMA TENTADA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. INCONFORMIDADE MINISTERIAL. PROVA DA MATERIALIDADE E SUFICIENTES INDÍCIOS DA AUTORIA DO CRIME IMPUTADO AO RÉU. PRONÚNCIA. POSSIBILIDADE. SENTENÇA REFORMADA.
Tendo em vista os indícios da existência do crime e da autoria, decorrentes da prova oral produzida na fase do inquérito, a submissão do acusado a julgamento pelo Tribunal Popular é medida que se impõe. Sentença reformada, para pronunciar o réu como incurso nas sanções do artigo 121, parágrafo 2º, incisos II e IV, combinado com o artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal. Inteligência do artigo 408 do Código de Processo Penal. Na fase da pronúncia incide a regra do brocardo in dubio pro societate. [...] (TJRS – RECURSO EM SENTIDO ESTRITO 70023697618 – RELATOR: DES. JAIME PITERMAN – DJ. 26.08.2008 – GRIFO NOSSO).
No mesmo entendimento e usando as linhas de Capez, o autor defende e leciona:
Na fase da pronúncia vigora o princípio do in dubio pro societate, uma vez que há mero juízo de suspeita, não de certeza. O juiz verifica apenas se a acusação é viável, deixando o exame mais acurado para os jurados. Somente não serão admitidas acusações manifestamente infundadas, pois há juízo de mera prelibação (CAPEZ, 2007, p. 652)
Pode-se concluir, devidamente, que o Art. 155 do Código de Processo Penal não goza de aplicação alguma em que tange o processo de pronúncia do réu pelo Magistrado.
Há de se destacar aqui também que ocorre por fundada, exclusiva e íntima convicção dos jurados a decisão que condena ou absolve o réu, não podendo ser possível a identificação dos elementos considerados pelo Júri, com os quais o Conselho de Sentença fez sua decisão.
Logo, de pronto, tonar-se-ia inviável a análise do veredicto popular, vez que o mesmo teve suas bases exclusivamente fundadas nos elementos das provas colhidas na fase inquisitorial do processo.
No mesmo sentido desse entendimento, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça traduz o mesmo senso:
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. CONDENAÇÃO COM BASE EM ELEMENTOS COLETADOS EXCLUSIVAMENTE DURANTE O INQUÉRITO POLICIAL. ART. 155 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. 1. SIGILO DAS VOTAÇÕES. PRINCÍPIO DA ÍNTIMA CONVICÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE IDENTIFICAÇÃO DOS ELEMENTOS UTILIZADOS PELOS JURADOS PARA CONDENAR A PACIENTE. (...).
1. A Lei n.º 11.690/2008, ao introduzir na nova redação do art. 155 do Código de Processo Penal o advérbio "exclusivamente", permite que elementos informativos da investigação possam servir de fundamento ao juízo sobre os fatos, desde que existam, também, provas produzidas em contraditório judicial. Noutras palavras: para chegar à conclusão sobre a veracidade ou falsidade de um fato afirmado, o juiz penal pode servir-se tanto de elementos de prova - produzidos em contraditório - como de informações trazidas pela investigação. Apenas não poderá se utilizar exclusivamente de dados informativos colhidos na investigação.
2. Os jurados julgam de acordo com sua convicção, não necessitando fundamentar suas decisões. Em consequência, é impossível identificar quais elementos foram considerados pelo Conselho de Sentença para condenar ou absolver o acusado, o que torna inviável analisar se o veredicto baseou-se exclusivamente em elementos coletados durante a investigação criminal ou nas provas produzidas em juízo. [...] (HC 173.965/PE, REL. MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, JULGADO EM 01/03/2012, DJE 29/03/2012 – GRIFOS NOSSOS).
HOMICÍDIO QUALIFICADO. JÚRI. DECISÃO FUNDAMENTADA EM PROVA TESTEMUNHAL COLHIDA NO INQUÉRITO POLICIAL. POSSIBILIDADE. SOBERANIA DO VEREDICTO. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. Não há falar em ausência de fundamentação, nem em decisão manifestamente contrária à prova dos autos, em hipótese em que o Conselho de Sentença, acolhendo uma das versões apresentadas no julgamento, concluiu pela autoria do crime, com base nas provas testemunhais colhidas na fase investigatória. O Tribunal de Apelação somente poderia anular o julgamento do júri se a decisão do Conselho de Sentença, distanciando-se da prova dos autos, fosse absurda, arbitrária, teratológica, o que não ocorreu na espécie (HC 44374/SP, REL. MIN. ARNALDO ESTEVES DE LIMA, QUINTA TURMA, DJE 10/12/2007 – GRIFOS NOSSOS).
Relacionado ao Instituto do Tribunal do Júri, observa-se que a obrigatoriedade do lastro probatório que passa pelo crivo do contraditório, atinge apenas a sentença de mérito que será proferida ao final pelo Magistrado. Entretanto, o Conselho de Sentença poderá fazer uso das provas que foram produzidas no Inquérito Policial, desde que estas sejam confirmadas na fase judicial, tomando o status de legalidade da prova.
A exceção que recai sobre a aplicação do Art. 155 do Código de Processo Penal é exclusiva para a decisão interlocutória do juiz em face da pronúncia, por ser esta terminativa e não trazer nenhum prejuízo ao réu. A pronúncia não comina em nenhum tipo de sanção. Os indícios de autoria do delito e as provas da materialidade do crime podem ser usados como provas às colhidas no decorrer do Inquérito Policial.
Outro aspecto interessante tratado neste tópico é de que o Art. 155 do Código de Processo Penal não tem aplicabilidade nas decisões do Conselho de Sentença, justamente por não haver possibilidade de identificação dos elementos que os jurados utilizaram para condenar ou absolver o réu. Logo, as provas colhidas no Inquérito Policial devem obrigatoriamente passar por uma análise bem mais apurada a exemplo do que ocorre na fase judicial.
Em se tratando das competências do Tribunal do Júri, ao qual é competente para julgar os crimes dolosos contra a vida, em concordância com as peculiaridades atinentes ao rito, a aplicação do Art. 155 do Código de Processo Penal, deverá ser visto com ressalvas.
5. A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO ART 155 DO CPP
No ano de 2008, foi apresentado um Projeto de Lei com alterações substanciais ao código de processo penal vigente. Basicamente, a proposta tendia a alterar, de forma direta, a apreciação das provas dentro do processo em andamento, com a finalidade que os Princípios do Contraditório e da ampla Defesa, ambos contidos expressamente no Art. 5º, LV, da Constituição Federal de 1988, fossem realçados e observados de forma contundente no decorrer dos procedimentos processuais penais. Tal projeto deu origem à Lei 11.690.
Entretanto, a alteração substancial ocorreu na verdade no Art. 155 do diploma processual penal, pois, de acordo com o projeto de lei apresentado e aprovado, no que tange os princípios constitucionais referidos alhures, não foram recepcionados na redação do artigo processual penal quando de sua edição, o que ensejou diversas análises críticas à Lei 11.690, pivô de tal alteração no diploma.
Antes, porém, de tecermos os comentários acerca da inconstitucionalidade da referida alteração ensejada pela Lei 11.690/08, é de bom grado trazer à baila alguns conceitos teóricos no que se refere às provas dentro do processo penal, vez que a construção teórica da prova ao longo desta pesquisa ao longo da história foi satisfatória, onde houve o rompimento dogmático um tanto casuístico da matéria probatória, com a finalidade de dar um contorno a mais que a discussão merece.
Em primeiro ponto, é bom ressalvar aqui que as escolas teóricas tiveram a preocupação nítida em conceituar a prova com a finalidade de correção e minimização nas distorções que eram aplicadas ao instituto, dispensado principalmente na Santa Inquisição pela Igreja Católica da época.
A partir desse exposto, usando os ensinamentos lecionados pelo renomado professor Mirabete, in verbis:
[...] produzir um estado de certeza, na consciência e mente do juiz, para sua convicção, a respeito da existência ou inexistência de um fato, ou da verdade ou falsidade de uma afirmação sobre uma situação de fato, que se considera de interesse para uma decisão judicial ou a solução de um processo (MIRABETE, 2005, p. 254).
Em outra ótica, outro reconhecido e renomado doutrinador, Nucci, assevera que:
[...] prova origina-se do latim probatio que, significa ensaio, verificação, inspeção, exame, argumento, razão, aprovação ou confirmação. Dele deriva o verbo provar probare, significando ensaiar, verificar, examinar, reconhecer por experiência, aprovar, estar satisfeito com algo, persuadir alguém a alguma coisa ou demonstrar (NUCCI, 2017, p. 341).
Ainda no mesmo intuito de conceituar a prova, Capez (2007) tece a seguinte afirmação sobre tal instituto: “é o conjunto de atos praticados pelas partes, pelo juiz e por terceiros (p. ex., peritos), destinados a levar ao magistrado a convicção acerca da existência ou inexistência de um fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmação”
Ante as definições dadas à prova pelos reconhecidos, renomados e consolidados doutrinadores dentro da seara penal, há de se concluir que tal instituto, em uma acepção ampla e simplória, será tudo aquilo que puder ser usado para atestar ou não a existência de uma alegação.
Após a compreensão teórica e conceitual do instituto da prova, inicialmente, com a finalidade de se fixar a problemática do tema proposto no referido trabalho, faz-se necessário se fazer uma criteriosa analise da nova redação atribuída ao Art. 155 pela Lei 11.690/08, após a reforma do Código de Processo Penal, que passou a ter as seguintes linhas:
Art. 155 CPP: O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Em primeiro momento, o legislador tem o cuidado de reafirmar que há a necessidade da formação do lastro probatório e a sua validação na fase posterior ao inquérito, a fase processual. A validação então torna-se condição necessária para a aplicação do princípio do contraditório e da ampla defesa, na medida em que é de ciência de todos, que as provas produzidas no decorrer do Inquérito Policial, possui um caráter unilateral, sem, no entanto, oportunizar a parte contrária a ampla defesa e ao contraditório, princípios estes garantidos na redação do texto constitucional.
Desta feita, a necessidade da confirmação da prova na fase judicial, é condição que a fará ser de efetiva aplicação dentro de um Estado Democrático de Direitos. Entretanto, a conclusão que pode ser extraída do referido artigo não é a mesma referida acima. O que o legislador na verdade quis deixar entendido ao mencionar a expressão exclusivamente, que é possível, com base em elementos colhidos na fase inquisitorial, onde não há o contraditório e a ampla defesa, apoiar uma decisão que enseje uma decisão condenatória em desfavor do réu, o que constituiria na verdade, uma inversão do nosso sistema constitucional.
Dessa forma, o legislador deixa a permissão para que as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas, as quais são produzidas sem as devidas garantias constitucionais na fase policial, o julgador possa delas fazer uso para formar seu entendimento e decisão sem a devida confirmação das mesmas na fase judicial, sendo então criada uma exceção, dentro do exposto, contrária aos direitos e garantias constitucionais.
É inconteste dizer, no entanto, que o sistema processual penal brasileiro, vigente desde 1941, encontra-se defasado em face da pós-modernidade e logo, da efetiva aplicação por parte de um estado democrático de direito, não ofertando ao acusado e ao seu advogado, o devido acompanhamento à produção das provas durante a fase inquisitorial, não repetível, cautelares e antecipadas, o que, de forma fatal, caracterizaria um estado de exceção ao individuo que até então é o detentor de direitos.
Dentro desse entendimento, entende-se por inconstitucional parte relevante do artigo, com a nova redação dada pela Lei 11.690/08, cabendo ao intérprete da lei, dentro de uma releitura criteriosa do referido artigo, tecer entendimento convergente ou divergente à inconstitucionalidade suscitada dentro destas linhas.
Ademais, espera-se que o Supremo Tribunal Federal, como guardião da constituição e poder, a partir de então, declarar norma constitucional ou inconstitucional, agregar uma correta interpretação a parte final de tal dispositivo, sugerindo de que ao se constatar caso a caso, a produção de provas cautelares ou não repetíveis na fase policial, seja de forma imediata, dada oportunidade à parte contrária de acompanhar, juntamente com seu advogado e assistente técnico, as perícias realizadas e no mais que couber à espécie. Isso porque não poderá ocorrer a duplicidade da prova na fase judicial e, por conta disso, a sua confirmação pode não ocorrer, o que, a nosso ver, afastaria a inconstitucionalidade, atribuída aqui, ao presente artigo.
Dentro ainda dessa ótica racional, sobre tudo na utilização das provas que forem produzidas na fase policial e sua aplicação no Tribunal do Júri, com finalidade de assegurar a ampla defesa ao acusado, entendemos que todas as provas produzidas nessa fase devem ser mantidas em sigilo e segredo de justiça, até que possa ser manifesta a defesa técnica do acusado, pois, sendo dadas as devidas divulgações dos resultados das investigações nos meios de comunicação, estando as provas colhidas ainda não contraditadas, sobre tudo quando “valoradas”, são fontes permanentes de intranquilidade para o trabalho processual.
Ademais, ainda tem-se a eventualidade da implicação da sanção de linchamento moral por parte da sociedade e, logo, a antecipada condenação social e, ainda, por consequência, pelos seus pares que posteriormente realizarão o possível julgamento no Tribunal do Júri, o que, de forma clara, fica demonstrada a incompatibilidade do referido sistema com o Estado Democrático de Direito.
Portanto, entendemos restar claro, no presente tópico, a inconstitucionalidade do Art. 155 do Código de Processo Penal, com a nova redação dada pela edição da Lei 11.690/08, e que o lastro probatório obtido dentro da fase inquisitorial e quando não confirmadas na fase processual, não poderão ser utilizadas nas fases posteriores, inclusive no Tribunal do Júri e, muito menos pelo juiz na formação de seu entendimento e de uma decisão condenatória, vez que ferem os princípios constitucionais, em especial, o direito a ampla defesa e ao contraditório.
Por outra ótica, tem-se também que a veiculação de tais provas produzidas na fase de inquérito policial nos meios de comunicação de massa, sem que tenham sido contraditadas pela defesa técnica do acusado, terminam por ser valorado, o que, de forma fatal, geraria uma enorme comoção dentro do seio social e, por consequência de tal comoção, ter-se-ia a antecipada condenação do acusado pelos seus parres sem que se tenha dado observância dos princípios constitucionais que devem ser garantidos a todos os cidadãos dentro do Estado Brasileiro.
CONSIDERAÇOES FINAIS
Antes de qualquer outra consideração, há de se convir que as provas dentro de um processo penal, figuram como condições preponderantes para que seja atribuída ao acusado uma pena, a qual poderá culminar por sua absolvição ou condenação, a depender do que pesará contra ele no decorrer dos procedimentos processuais.
É inconteste dizer, no entanto, que existam provas colhidas na fase inquisitorial que podem responder pela culpabilidade do acusado em face de um crime por ele cometido e que se não forem dadas como recepcionadas dentro de um processo, podem de pronto, ensejar uma decisão que não corresponda à realidade dos fatos.
A restrição conferida aos magistrados no uso das provas colhidas na fase inquisitorial que não forem judicializadas coloca em risco, além dos trabalhos da acusação em provar a suposta autoria ao réu, a sua própria defesa, pois, tratar-se-ia de uma “mão-dupla”, ou seja, tanto a prova poderia ensejar a condenação como a absolvição do acusado em face das denúncias a ele conferidas.
Vislumbra-se também que tais lastros probatórios não podem ser usados pelos jurados que virem a compor o Conselho de Sentença e assim, ajudarem no entendimento e decisão dos mesmos para que possam proferir seus veredictos de forma independente.
Após todo o exposto, conclui-se que as provas colhidas dentro da fase inquisitorial devem sim ser usadas dentro da fase processual, mesmo que a elas não seja conferido o contraditório e a ampla defesa e algumas não sejam judicializadas, pois na fase do inquérito policial a contestação das provas que estão sendo colhidas não se faz necessária vez que ainda não se fala nessa fase em processo e, as provas colhidas ainda não tem o status de judiciais, por tanto, não fazem parte do processo em si. As provas colhidas nessa fase são meramente usadas para que a denúncia seja oferecida pelo Parquet.
Insta ressalvar aqui que a atribuição da inconstitucionalidade dada à parte final do Art. 155 do Código de Processo Penal, conferido pela nova redação dada pela Lei 11.690/08, é entendimento do autor desta pesquisa, que entende ser possível que todas as provas colhidas dentro da fase inquisitorial devem ser usadas no processo, mesmo que não tenham sido judicializadas mas que tenham relação direta com o crime imputado ao acusado e que transpareça a inconteste autoria do mesmo.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Constituição da República Federativa. Editor Antônio de Paulo. 19ed.Rio de Janeiro, 1988
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 652
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 17ed. Rio de Janeiro, Forense, 2017
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LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 1ed, 2011
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. 17ed. rev. Atual São Paulo: Atlas, 2005, p. 274.
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[1] Professor Docente, Advogado, Mestre em Garantias Constitucionais pelo Instituto Toledo de Ensino-ITE, pós graduado em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito Previdenciário
Bacharel em Direito, formado pelo Centro Universitário Luterano de Manaus –ULBRA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Luan Ladislau da. A eficácia da prova nos crimes de drogas em face do artigo 155 do Código de Processo Penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 abr 2021, 04:59. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56321/a-eficcia-da-prova-nos-crimes-de-drogas-em-face-do-artigo-155-do-cdigo-de-processo-penal. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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