Embora por muito tempo a tese que preconizava a responsabilização subsidiária da Administração Pública por débitos trabalhistas devidos por empresa de terceirização contratada tenha preponderado, a atual jurisprudência que se consolida no âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior do Trabalho trilha em sentido diverso.
Não se pode negar, todavia, que a jurisprudência até então predominante na Justiça do Trabalho curvava-se por atribuir a responsabilidade subsidiária por débitos trabalhista de empresa terceirizadas ao Ente Público contratante e tomador dos serviços, não obstante a Lei Geral de Licitações, desde sua redação originária, fosse expressa em atribuir à empresa de terceirização contratada a responsabilidade pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato, prescrevendo que o inadimplemento do contratado, com referência às verbas indicadas, não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nos termos seguintes:
Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
§ 1o A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.
Apesar da clareza do dispositivo legal supracitado, a linha decisória majoritária da justiça trabalhista era no sentido de atribuir uma espécie de culpa in vigilando genérica ao Poder Público em relação à fiscalização dos contratos de terceirização, de modo a se presumir uma falha da fiscalização em razão do mero inadimplemento das verbas trabalhistas devidas aos trabalhadores terceirizados.
É verdade que a Súmula 331 do TST já preconizava que os entes integrantes da Administração Pública, direta e indireta, deveriam responder subsidiariamente, acaso evidenciada sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora, ressaltando que aludida responsabilidade não decorreria do mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. Todavia, na prática, a Administração Pública vivenciava uma grande dificuldade no que tange à aplicação do disposto no artigo 71, § 1º da Lei 8.666/93, tendo em vista que dificilmente conseguia se desvencilhar do ônus probatório que lhe era imposto em relação à comprovação da fiscalização.
No contexto dessa discussão, em novembro de 2010, o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995, conforme se vê da ementa do julgado abaixo transcrito:
EMENTA: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. Subsidiária. Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art., 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666/93. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995.
(ADC 16, Relator(a): CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 24/11/2010, DJe-173 DIVULG 08-09-2011 PUBLIC 09-09-2011 EMENT VOL-02583-01 PP-00001 RTJ VOL-00219-01 PP-00011)
Ocorre que, não obstante o Supremo Tribunal Federal tenha se pronunciado de forma definitiva acerca da constitucionalidade da norma inscrita no art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666/93, a Administração Pública continuou tendo muita dificuldade para afastar sua responsabilidade pelo pagamento das verbas trabalhistas de seus terceirizados, já que, na grande maioria dos julgados se atribuía ao Ente Público uma culpa genérica na fiscalização, da qual era praticamente impossível se desvencilhar.
Diante desta realidade, o Supremo Tribunal Federal, apreciando diversas Reclamações por ofensa ao que restou decidido na ADC 16, reafirmou o entendimento no sentido de que a responsabilização subsidiária da Administração Pública, embora possível, é excepcional e condicionada à respectiva culpa, devidamente comprovada nos autos, sendo insuficiente a mera afirmação genérica de culpa in vigilando ou a presunção de culpa embasada exclusivamente na ausência de prova da fiscalização do contrato de terceirização, conforme se vê da ementa do julgado abaixo transcrita:
Ementa: AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. CONSTITUCIONAL. TRABALHISTA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO. AFRONTA AO QUE DECIDIDO NO JULGAMENTO DA AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE 16. IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO AUTOMÁTICA DA ADMINISTRAÇÃO PELO INADIMPLEMENTO DE OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS POR PARTE DA EMPRESA CONTRATADA. ARTIGO 71, PARÁGRAFO 1º, DA LEI 8.666 /1993. PRECEDENTES. AGRAVO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. 1. No julgamento do Recurso Extraordinário 760.931, Tema 246 da Repercussão Geral, que interpretou o julgamento desta Corte na ADC 16, o STF assentou tese segundo a qual “o inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93". 2. Consequentemente, a responsabilização subsidiária da Administração Pública, embora possível, é excepcional e condicionada à respectiva culpa, devidamente comprovada nos autos. 3. In casu, a decisão reclamada atribuiu à União a responsabilidade subsidiária omissiva pelos encargos trabalhistas decorrentes da contratação de serviços por intermédio de empresa terceirizada, conquanto inexistente prova taxativa de culpa in vigilando. 4. Neste contexto, é insuficiente a mera afirmação genérica de culpa in vigilando ou a presunção de culpa embasada exclusivamente na ausência de prova da fiscalização do contrato de terceirização. Precedentes. 5. Agravo a que se dá provimento a fim de cassar a decisão reclamada, na parte em que atribui responsabilidade subsidiária ao ente administrativo.
(Rcl 16777 AgR, Relator(a): ROSA WEBER, Relator(a) p/ Acórdão: LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 05/05/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-155 DIVULG 19-06-2020 PUBLIC 22-06-2020)
No mesmo toar, o Supremo Tribunal Federal, em outra Reclamação Constitucional, foi expresso em afirmar que a culpa in vigilando da Administração não pode ser presumida, indicando que o ônus probatório não pode recair sobre o Poder Público, conforme abaixo se vê:
Ementa: AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. CONSTITUCIONAL. TRABALHISTA. TERCEIRIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DECISÃO RECLAMADA QUE A ADMITE A EXISTÊNCIA DE PRESUNÇÃO DE CULPA IN VIGILANDO. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO QUE DECIDIDO NO JULGAMENTO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 760.931 – TEMA 246 DA REPERCUSSÃO GERAL. OCORRÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO AUTOMÁTICA DA ADMINISTRAÇÃO PELO INADIMPLEMENTO DE OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS POR PARTE DA EMPRESA CONTRATADA. NECESSIDADE DE EXISTÊNCIA DE PROVA TAXATIVA. ÔNUS DE PROVA QUE NÃO RECAI SOBRE A ADMINISTRAÇÃO. ARTIGO 71, PARÁGRAFO 1º, DA LEI 8.666/1993. PRECEDENTES. AGRAVO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. 1. No julgamento do Recurso Extraordinário 760.931, Tema 246 da Repercussão Geral, que interpretou o julgamento desta Corte na ADC 16, o STF assentou tese segundo a qual “o inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93". 2. Consequentemente, a responsabilização subsidiária da Administração Pública por débitos de empresa contratada para com seus empregados, embora possível, é excepcional e condicionada à existência de prova taxativa da existência de culpa in vigilando. 3. A leitura do acórdão paradigma revela que os votos que compuseram a corrente majoritária no julgamento do RE 760.931 (Tema 246 da sistemática da repercussão geral) assentaram ser incompatível com reconhecimento da constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/1993 o entendimento de que a culpa do ente administrativo seria presumida e, consectariamente, afastaram a possibilidade de inversão do ônus probatório na hipótese. 4. In casu, a decisão reclamada atribuiu à agravante a responsabilidade subsidiária pelos encargos trabalhistas decorrentes da contratação de serviços por intermédio de empresa terceirizada conquanto inexistente prova taxativa de culpa in vigilando, fundando-se exclusivamente na inversão do ônus probatório. Verifica-se, destarte, o descompasso entre a decisão reclamada e o paradigma invocado, haja vista ser insuficiente para a responsabilização a mera afirmação genérica de culpa in vigilando ou a presunção de culpa embasada exclusivamente na ausência de prova da fiscalização do contrato de terceirização. 5. Agravo a que se dá provimento, a fim de julgar procedente a reclamação, determinando a cassação da decisão reclamada na parte em que atribui responsabilidade subsidiária ao ente administrativo.
(Rcl 40137 AgR, Relator(a): ROSA WEBER, Relator(a) p/ Acórdão: LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 30/06/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-200 DIVULG 10-08-2020 PUBLIC 12-08-2020)
Desta forma, ao que se viu, a responsabilidade de Administração Pública por débitos trabalhistas decorrentes de contratos de terceirização é excepcional, dependendo da cabal comprovação falta de fiscalização culposa do Poder Público.
Então, consoante firme jurisprudência no âmbito do Supremo Tribunal Federal, não se admite a presunção de culpa in vigilando, devendo a falta de fiscalização ser devidamente comprovada nos autos, sendo insuficiente a mera afirmação genérica de falta de fiscalização ou a presunção de culpa embasada exclusivamente na ausência de prova da fiscalização do contrato de terceirização, ressaltando ainda que o ônus probatório em relação à falta de fiscalização não pode recair sobre a Administração.
Assim, ao que se viu, está a se formar nova linha jurisprudencial no sentido de afastar a responsabilidade subsidiária do Poder Público por débitos trabalhistas de empresas de terceirização de mão de obra, quando não restar demostrada a falta ou deficiência da fiscalização no cumprimento do contrato, de modo que o mero inadimplemento de verbas trabalhistas não pode ser tido como suficiente para imputação de responsabilidade à Administração, sob pena de ofensa ao disposto no artigo 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93 .
Referências Bibliográficas:
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 10º ed, São Paulo: LTr, 2005.
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Sistema de Registro de Preços e Pregão Presencial e Eletrônico, 10ªed, Belo Horizonte: Fórum, 2015.
_______ . Contratação Direta Sem Licitação, 10ªed, Belo Horizonte: Fórum, 2016.
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 20ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2008.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 4ª ed.São Paulo: LTr, 2006.
Procurador do Estado de Alagoas, ex-Procurador do Estado de Pernambuco, ex-Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade do Sul de Santa Cataria, Pós-Graduado em Direito Administrativo e Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera-Uniderp.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEDROSA, Danilo França Falcão. A responsabilidade subsidiária do ente público por débitos trabalhistas de empresa terceirizada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 abr 2021, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56364/a-responsabilidade-subsidiria-do-ente-pblico-por-dbitos-trabalhistas-de-empresa-terceirizada. Acesso em: 22 nov 2024.
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