RESUMO: O presente trabalho visa dissertar sobre a execução provisória da pena nos casos de condenação pelo tribunal do júri, com o advento da Lei nº 13.964/2019, que modificou significativamente o Código Penal e o Código de Processo Penal, sendo especificamente tratado aqui o art. 492, I, “e”, do CPP, bem como suas inconstitucionalidades e incongruências, que causou grande impacto aos princípios constitucionais, pois a garantia da efetividade do processo penal em conjunto com a duração razoável do processo como justificativa para admissão de execução de uma pena sem que haja o trânsito em julgado como meio de atender ao clamor do senso comum, seria ultrapassar o limite do ativismo judicial ao consentir que uma lei ordinária tivesse o poder de mudar o marco da culpabilidade de um indivíduo o que, consequentemente, ocasionaria uma enorme insegurança jurídica. Além do mais, também já foi decidido pelo STF, em novembro de 2019, no julgamento das ADCs 43, 44 e 54, em que o Supremo se posicionou contra a prisão após condenação em 2ª instância por ferir o Princípio Constitucional da Presunção de Inocência.
Palavras-chave: Execução Provisória da Pena; Inconstitucionalidade; Presunção de Inocência; Insegurança Jurídica.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2.BREVE HISTÓRICO DO CONSTITUCIONALISMO NO BRASIL. 3. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS. 4.PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. 5. HISTÓRICO DAS JURISPRUDÊNCIAS DO STF ANTE À PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA. 7. PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO 199/2019. 8. CONCLUSÃO. 9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
A proteção dos direitos e garantias fundamentais ganhou maior destaque na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 como forma de garantir, resguardar e proteger a dignidade da pessoa humana de todo e qualquer indivíduo, principalmente aquele figurado no polo passivo nos autos de um processo penal, quando, ante o Princípio da Presunção de Inocência, deverá ser previamente considerado inocente, cabendo à acusação demonstrar as circunstâncias de fato e de direito na tentativa de provar a culpabilidade do agente.
Assim, o objetivo principal deste trabalho é explicar, com uma abordagem constitucional e técnica do Processo Penal, as problemáticas e incongruências trazidas pela Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime) no âmbito penal e processual penal. Os objetivos específicos são dissertar sobre de que modo a execução provisória atua em relação ao Princípio Constitucional da Presunção de Inocência, contrapor a problemática trazida na possibilidade de interposição de recursos protelatórios com o intuito de alcançar a prescrição e conjugar o Princípio da Presunção de Inocência com a efetividade da lei penal e da razoável duração do processo.
A metodologia a ser utilizada será a qualitativa, posto que o trabalho se desenvolverá com uma abordagem teórica e técnica, colhendo dados de forma aberta, utilizando como base posicionamentos doutrinários, trabalhos de especialistas a respeito do conteúdo, como também artigos e entrevistas, de modo a fornecer melhores informações sobre o que será discutido, no sentido de propiciar uma compreensão de forma aprofundada sobre o tema.
Desse modo, este estudo foi organizado em seis capítulos. Logo no primeiro capítulo, o qual tratamos aqui, houve o zelo em introduzir o leitor sucintamente ao tema, de forma clara e objetiva, o segundo capítulo tratará de uma breve contextualização político-histórica do Constitucionalismo Brasileiro, desde a Carta Imperial de 1824 até a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
No terceiro capítulo será comentado acerca dos Direitos e Garantias Fundamentais, sua importância para o nosso ordenamento jurídico, as balizas limitadoras do núcleo essencial dos direitos fundamentais através do controle concentrado de constitucionalidade, as chamadas cláusulas pétreas.
O quarto capítulo contará com a explanação do Princípio da Presunção da Inocência, sua previsão constitucional e legislativa, o direito à reanálise do mérito com previsibilidade na Constituição Interamericana de Direitos Humanos e a exigência do trânsito em julgado para que o indivíduo seja considerado culpado.
No quinto capítulo trataremos de um histórico das jurisprudências do Supremo Tribunal Federal, desde o julgamento do HC 68.726, de 1992, em que se admitiu a execução provisória da pena sem a exigência do trânsito em julgado da sentença penal condenatória e a edição das súmulas 716, 717 pelo STF no mesmo sentido, as mudanças de posicionamento do STF quanto ao tema, até o julgamento das ADCs 43, 44 e 54, no final do ano de 2019, quando o Supremo mudou novamente sua percepção quanto à execução provisória da pena e passou a entender que a não ocorrência do trânsito em julgado da sentença condenatória afrontaria o Princípio da Presunção de Inocência.
No sexto capítulo será dissertado acerca da execução provisória da pena nos casos de condenação pelo tribunal do júri, inovação trazida pela Lei nº 13.964/2019, abarcando antinomias existentes entre a referida Lei e o Texto Constitucional, como por exemplo a violação do Princípio da Presunção de Inocência.
Por fim, no sétimo capítulo, será destacado também a Proposta de Emenda à Constituição 199/2019, cujo principal objetivo é acabar com os Recursos Especial e Extraordinário como forma de antecipar o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
2.BREVE HISTÓRICO DO CONSTITUCIONALISMO NO BRASIL
O Constitucionalismo no Brasil inicia-se com a desvinculação do país em relação a Portugal, marcando uma novo período político com a promulgação da Carta Imperial de 1824. Na vigência de um período imperioso, que concentrava todo poder político-jurídico nas mãos do monarca, a Constituição de 1824 definiu, em seu art. 178, quais seriam as matérias de ordem Constitucional (os limites e atribuições respectivas dos poderes políticos, e os direitos políticos e individuais dos cidadãos), sendo estas passíveis de modificação somente por um rigoroso processo de alteração. Por sua vez, as demais matérias consideradas como não constitucionais poderiam ser alteradas através de mero processo legislativo ordinário. Em razão disso, a Constituição de 1824 foi considerada como semirrígida (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2019, p. 241). Neste sentido, o art. 178 da Carta Imperial de 1824:
“É só constitucional o que diz respeito aos limites e atribuições respectivas dos poderes políticos, e aos direitos políticos e individuais dos cidadãos; tudo o que não é constitucional pode ser alterado, sem as formalidades referidas, pelas legislaturas ordinárias”.
No ano de 1891 foi promulgada a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, neste momento, a era monárquica do governo brasileiro chega ao fim, tornando-se uma República. Assim sendo, as principais inovações trazidas pela Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, tratando-se de uma redação rígida, suas matérias só poderiam ser modificadas mediante um procedimento qualificado, e não simplesmente seguindo os trâmites de um processo ordinário. Além disso, também trouxe a forma presidencialista de governo, adotou um Estado laico, instituiu o habeas corpus, catalogou os direitos e garantias fundamentais e instituiu a criação do Supremo Tribunal Federal com a indicação de seus ministros pelo Presidente da República passando pelo crivo do Senado Federal.
Com grande influência do corporativismo fascista, foi promulgada a Constituição de 1934, que ratificou a organização constitucional anterior, não deixando de ser uma República, Federação, marcada pela separação de poderes e forma presidencialista de governo (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2019, p. 247). Nessa época, a responsabilidade com os direitos sociais tomaram forma com a Subcomissão do Itamarati[1], destacando-se os direitos econômicos, sociais e o da família, educação e cultura.
Contrapondo-se à Constituição de 1934 (“A Polaca”) que trouxera grandes avanços no âmbito dos direitos sociais, em 1937, inicia-se uma forma autoritária de governo a partir do golpe praticado pelo próprio chefe de governo, criando-se o chamado “Estado Novo” cujo principal marco foi a ausência da democracia e a instituição de uma forma ditatorial de se governar, autoritária e controladora. Dessa forma, fortaleceu o Poder Executivo, dando a ele maior autonomia na elaboração de leis e decretos-leis. Dentre tantas outras mudanças trazidas pela Constituição de 1934, um outro marco digno de nota diz respeito à declaração de inconstitucionalidade de uma lei em que, caso o Presidente entendesse ser esta lei necessária, ela seria novamente submetida ao Parlamento com o intuito de ser declarada constitucional. Além disso, foi vedado a interferência do Poder Judiciário em questões de ordem política (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2019, p. 250).
Preservando a base do texto constitucional da Constituição de 1934 referente ao sistema normativo, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946, houve o esforço em restaurar o federalismo de 1891 e reinserir o Senado como segunda Câmara Legislativa do Congresso Nacional, também preservou os direitos sociais, garantiu os direitos individuais com a inafastabilidade do controle jurisdicional, e na esfera econômica e social, instituiu meios de proteção da Amazônia e Nordeste (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2019, p. 251).
A partir do ano de 1964 o Brasil esteve sob o comando da ditadura militar (que persistira até o ano de 1985), e o país passou a ser governado por meio de Atos Institucionais e Complementares à Constituição que buscava “drenar o bolsão comunista” que afligia o Brasil (LENZA, 2019, p. 225). Na Carta de 1967, como característica do regime ditatorial vigente, houve a substituição da palavra “democracia” por “regime representativo”, e com a edição e promulgação do Ato Institucional 5, os direitos e garantias fundamentais dos quais ainda pudesse haver algum resquício, foram completamente ignorados com a “prática de tortura aos presos políticos, censurando a imprensa e reprimindo a atividade político-partidária” (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2019, p. 253).
De todos os AIs impostos como meio de governo, o mais agressivo e radical foi o AI-5 de 13/12/1968, o qual instituía o seguinte:
a) formalmente, foram mantidas a Constituição de 24.01.1967 e as Constituições Estaduais, com as modificações constantes do AI-5;
b) o Presidente da República poderia decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por ato complementar em estado de sítio ou fora dele, só voltando a funcionar quando convocados seus membros pelo Presidente da República;
c) o Presidente da República, no interesse nacional, poderia decretar a intervenção nos Estados e Municípios, sem as limitações previstas na Constituição;
d) os direitos políticos de quaisquer cidadãos poderiam ser suspensos pelo prazo de 10 anos e cassados os mandatos eletivos federais, estaduais e municipais;
e) ficaram suspensas as garantias constitucionais ou legais de vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade, bem como a de exercício em funções por prazo certo;
f) o Presidente da República, em quaisquer dos casos previstos na Constituição, poderia decretar o estado de sítio e prorrogá-lo, fixando o respectivo prazo;
g) o Presidente da República poderia, após investigação, decretar o confisco de bens de todos quantos tivessem enriquecido ilicitamente, no exercício do cargo ou função;
h) suspendeu-se a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular (art. 10 do AI-5);
i) finalmente, a triste previsão do art. 11 do AI-5: “excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato Institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos” (LENZA, 2019, p. 228, 229).
Este Ato Institucional teve vigência até a promulgação da EC n. 11, de 17/10/1978, em que revogou por completo o AI-5, além de suspender todas as medidas que com base neste Ato cassaram os direitos políticos, previu a impossibilidade de suspensão do Congresso Nacional pelo Presidente da República e extinguiu alguns poderes presidenciais (LENZA, 2019, p. 231).
Com a queda do regime militar (1964/1985), marcado pela expansão do autoritarismo e pela abertura política, surge a necessidade de resguardar e garantir os direitos fundamentais como forma de proteção à cidadania e à dignidade da pessoa humana, sinalizando o início de um processo de redemocratização do Brasil com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (a “Constituição Cidadã”).
Ocorrendo essa “evolução”, a Constituição de 1988 marca uma nova fase de comprometimento com o Estado Democrático de Direito, tanto é que como bem frisou Sarlet, Marinoni e Mitidiero (2019, p. 258),
“[...] a Constituição Federal de 1988 pode ser considerada como a mais democrática e avançada em nossa história constitucional, seja em virtude do seu processo de elaboração, seja em função da experiência acumulada em relação aos acontecimentos constitucionais pretéritos, tendo contribuído em muito para assegurar a estabilidade institucional que tem sido experimentada desde então no Brasil”.
Como exemplo dessa “evolução”, podemos destacar a importância dada aos direitos humanos como base em todo o texto constitucional e principalmente no título dos Princípios Fundamentais, além da amplitude e atualidade dos Direitos e Garantias Fundamentais, que passamos à análise a seguir.
3.DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
Os direitos e garantias fundamentais elencados no Art. 5º da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988, on-line) são o resultado de uma incansável luta pelo reconhecimento dos direitos do homem a partir de toda construção histórico-política vivenciada pelo país, como por exemplo, o regime ditatorial sofrido pelo Brasil nos anos de 1964 a 1985. A partir daí, os direitos e garantias fundamentais no Brasil começam surgir como uma resposta, impondo limites à atuação do Estado perante a sociedade como forma de proteger o indivíduo de ataques desumanos, respeitando os direitos políticos e sociais da pessoa humana.
Seguindo o entendimento de Mendes e Branco (2014, p. 200), os direitos fundamentais devem ser entendidos como uma evolução, marcada por três gerações.
Inicialmente é importante destacar, como bem lembrado por Zouein (2020), as críticas doutrinárias no que diz respeito à nomenclatura “gerações” dos direitos fundamentais, pois nos remeteria a uma ideia de evolução em que se excluiria a geração anterior, quando, na verdade, o que há é um acréscimo direitos. Por isso, a maioria dos autores optam pela terminologia “dimensões” de direitos fundamentais (ZOUEIN, 2020), razão pela qual adotaremos, a seguir, a expressão “dimensão de direitos fundamentais” ao invés de “gerações”.
A primeira dimensão diz respeito aos primeiros direitos positivados, como o direito de reunião, liberdades individuais e inviolabilidade de domicílio, em que “pretendia-se, sobretudo, fixar uma esfera de autonomia pessoal refratária às expansões do Poder” (MENDES e BRANCO, 2014, p. 200), com foco central na preocupação das desigualdades sociais, são os direitos referidos na Revolução Francesa (1789-1799) e Revolução Americana (1775-1783). Estes direitos consistem em prestações negativas em que o Estado deverá agir de modo a proteger a esfera de autonomia do indivíduo (ZOUEIN, 2020).
A segunda dimensão é marcada pelo princípio da igualdade no que tange ao surgimento dos direitos sociais, cujo conceito, seguindo as palavras de José Afonso da Silva, em seu livro Direito Constitucional Positivo (2013, p. 288), são:
“[...] prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de Igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade”.
Dessa forma temos os direitos de segunda geração, ou direitos sociais, instituídos de forma positiva em nossa Constituição, visando proteger direitos a fim de dar maior liberdade a todos, sem distinção, exigindo um “fazer” do Estado. Nas palavras de Zouein (2020), os direitos de segunda geração:
“[...] compõem-se dos direitos de igualdade em sentido amplo, a saber, os direitos econômicos, sociais e culturais, cujo adimplemento impõe ao poder público a satisfação de um dever de prestação preponderantemente positiva, consistente num facere. São os reconhecidos direitos à saúde, à educação, à previdência, etc”.
Enquanto a terceira dimensão é caracterizada pela aparição dos direitos difusos e coletivos, objetivando proteger os direitos do homem em âmbito coletivo, como “[...] o direito à paz, ao desenvolvimento, à qualidade do meio ambiente, à conservação do patrimônio histórico e cultural” (MENDES; BRANCO, 2014, p. 201).
Havendo, ainda, os direitos de quarta e quinta dimensões trazidos por Paulo Bonavides. Para ele, a quarta dimensão compreende os direitos “[...] à democracia (sobretudo direta), à informação, ao pluralismo e, para alguns (como Norberto Bobbio), a bioética” (ZOUEIN, 2020). Enquanto os direitos de quinta dimensão diz respeito ao reconhecimento do direito à paz (ZOUEIN, 2020).
Ainda é válido ressaltar que uma das principais características dos direitos e garantias fundamentais trazida por Mendes e Branco (2014, p. 208) é a capacidade de mudarem no tempo, surgirem novos ou até mesmo se extinguirem a partir do transcorrer dos anos, citando como exemplo prático dessa evolução, a vedação da prisão perpétua.
Além disso, há que se falar da indisponibilidade e inalienabilidade desses direitos, o que significa dizer que não podem ser deixados de lado, sendo simplesmente ignorados, para o cumprimento de um fim comum, seus limites devem ser interpretados por disposição constitucional, tendo aí uma restrição imediata, ou então por lei ordinária promulgada com fundamento na Constituição, tendo, a partir daí, uma restrição mediata (MENDES; BRANCO, 2014, p. 283).
Contudo, conforme dispõe Mendes e Branco (2014, p. 292), em se tratando do tribunal do júri, temos um “inequívoco” exemplo de “reserva legal qualificada, uma vez que a atuação conformadora/limitadora do legislador deverá ficar restrita aos conteúdos e aos fins enunciados pela Constituição”.
É importante salientar que, em que pese a possibilidade de conflitos entre direitos fundamentais e a necessidade de intervenção do legislador com o intuito de solucionar tal conflito, existe o limite material atinente à Constituição quanto ao poder de reforma, estabelecido no seu art. 60, §4º, CF (BRASIL, 1988, on-line), devendo haver a observância do princípio da proporcionalidade, quando, ainda no Direito Português, no art. 18º, 2, do Texto Magno, já estabelecia que
“[...] a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (MENDES; BRANCO, 2014, p. 312).
Nessa esteira, quanto ao poder de reforma, é vedado ao legislador quaisquer influência tendente a aniquilar o núcleo essencial de direitos e garantias fundamentais elencados no art. 60, §4º, da CF, quando, nestes termos, diz o seguinte:
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais (BRASIL, 1988, on-line).
Ou seja, o legislador somente poderia interferir para restringir direitos nos casos em que fosse imperiosa a proteção de outros direitos ou interesses protegidos pela Constituição, interpretando-se, desse modo, a impossibilidade de o legislador intervir na Constituição com a simples finalidade de restringir determinado direito do indivíduo ou da coletividade como forma de resposta à pressão ocasionada pelo senso comum. Pois, conforme cita o Ministro Rodrigues Alckmin na Representação n. 930 sobre a liberdade de conformação do legislador, defende não ser essa liberdade do legislador (de poder interferir no texto constitucional) absoluta, porque, em suas palavras, “se assim fosse, a garantia constitucional seria ilusória e despida de qualquer sentido” (MENDES; BRANCO, 2014, p. 301).
Portanto, esse sobejo do Legislativo ante à Constituição, segundo Mendes e Branco (2014, p. 303):
“É possível que o vício de inconstitucionalidade substancial decorrente do excesso de poder legislativo constitua um dos mais tormentosos temas do controle de constitucionalidade hodierno”.
Conforme já dissertado, no ordenamento jurídico brasileiro existem balizas de proteção ao poder constituinte originário, as chamadas “cláusulas pétreas”. Elas buscam manter a ordem de proteção do texto constitucional evitando que ocorra uma reforma ampla e ilimitada, não estando à mera disposição da vontade do legislador para agir conforme bem entender, garantindo, ademais, a finalidade constitucional. Também, para Sarlet et al. (2018, p. 148), “as cláusulas pétreas além de assegurarem a identidade da Constituição, podem ser elas próprias consideradas parte integrante desta identidade”.
“Tais cláusulas de garantia traduzem, em verdade, um esforço do constituinte para assegurar a integridade da Constituição, obstando a que eventuais reformas provoquem a destruição, o enfraquecimento ou impliquem profunda mudança de identidade. Daí falar-se de inconstitucionalidade de normas constitucionais, seja em razão de afronta ao processo de reforma da Constituição, seja em razão de afronta às chamadas cláusulas pétreas” (MENDES; BRANCO, 2014, p. 1396).
As cláusulas pétreas se fazem presentes no art. 60, §4º, da CF, trazendo um núcleo indisponível de direitos e garantias essenciais, nestes termos:
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais (BRASIL, 1988, on-line).
Desse modo, temos que a Constituição somente poderá ser emendada, nos moldes do art. 60, CF:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;
II - do Presidente da República;
III - de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.
§ 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.
§ 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.
§ 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
§ 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa (BRASIL, 1988, on-line).
Contudo, trazendo o destaque para o §4º deste artigo, no qual proíbe, em específico, a proposta de emenda à Constituição em que o legislativo pretenda abolir qualquer dos itens elencados nos incisos deste parágrafo, como por exemplo, os direitos e garantias fundamentais, a discussão que surge diz respeito ao texto em que veda a proposta de emenda “tendente a abolir”, entende-se, portanto, ser possível proposta de emenda que modifique um desses direitos. Porém, seguindo o entendimento do STF, essa modificação somente poderia ser feita para ampliar direitos, e nunca para reduzir (FERREIRA, 2019).
Em suma, não seria possível, na atual Constituição de 1988, qualquer emenda à Constituição e muito menos lei ordinária que tenha por objetivo abolir ou reduzir a amplitude dos direitos e garantias fundamentais já adquiridos pelo indivíduo e resguardados/protegidos pela Lei Maior (vedação ao retrocesso).
Nesse sentido, Shamara Ferreira: “Assim, em que pese ser possível alterar a Carta Magna, as Emendas Constitucionais sempre deverão observar as balizas que foram traçadas nas cláusulas pétreas” (FERREIRA, 2019).
No que tange ao Princípio da Presunção de Inocência ou Não Culpabilidade, é importante, de forma preliminar, trazer à baila da discussão sobre o tema, a sua classificação como norma-regra ou norma-princípio. Para diferenciação dos dois institutos, adotando a tese de distinção qualitativa, cumpre-nos citar a Teoria de Alexy, baseada no “tudo ou nada” ao referir-se a uma norma-regra. Para ele, princípios são mandamentos de otimização, ao passo que as regras são normas que serão satisfeitas ou não satisfeitas. “Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos” (ALEXY, 2006, p. 91).
Introduzindo essa linha de raciocínio à nossa Constituição, é cristalino que se perceba a interpretação da Presunção de Inocência pelo Constituinte como uma norma-regra reafirmada pela exigência do trânsito em julgado (art. 5º, LVII, CF (BRASIL, 1988)) para que seja o indivíduo inserido no rol de culpados, como muito bem preceituou o Min. Luiz Fux:
“A presunção de inocência consagrada no art. 5º, LVII, da Constituição Federal deve ser reconhecida, segundo a lição de HUMBERTO ÁVILA (Teoria dos Princípios. 4. edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2005), como uma regra, ou seja, como uma norma de previsão de conduta, em especial a de proibir a imposição de penalidade ou de efeitos da condenação criminal até que transitada em julgado a decisão penal condenatória” (COUTO, 2018).
A Presunção de Inocência, ou Presunção da Não Culpabilidade, tem sua previsibilidade na Constituição Federal (1988), especificamente em seu art. 5º, LVII (BRASIL, 1988, on-line), que diz:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
Assim sendo, o art. 5º, LVII, CF (BRASIL, 1988) nos traz como requisito para que uma pessoa seja considerada culpada, o marco do trânsito em julgado de uma decisão penal condenatória. Com inocência presumida, ocorre a inversão do ônus da prova, cabendo ao Ministério Público alegar a culpa (LENZA, 2019, p. 1.920). De tal modo, é lícito dizer que não há dúvidas quanto à ocorrência do trânsito em julgado, que acontecerá quando daquela sentença não couber mais recurso, tendo sido esgotadas todas as instâncias possíveis de reanálise do mérito.
Art. 6º, LINDB: A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. §3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso (BRASIL, 1942).
No decorrer deste trabalho de pesquisa, foi vislumbrado que qualquer alteração em que pese a Constituição ser sofrida, deverá ser feita por Emenda Constitucional como forma de protegê-la e evitar os efeitos negativos do ativismo judicial exacerbado, através das balizas do controle de constitucionalidade.
Dessa forma, o marco da culpabilidade está elencado no art. 5º da CF (BRASIL, 1988, on-line) que elegeu o trânsito em julgado como requisito para que o indivíduo seja considerado culpado para que, efetivamente, comece a cumprir a pena que lhe foi imposta, sendo interpretado como inconstitucional qualquer outro marco delimitado pelas leis infraconstitucionais ou ordinárias. Pois caso seja acatada tais deliberações que imponham um marco diverso presumindo a culpabilidade daquele agente, acarretaria uma insegurança jurídica indiscutível no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro. Neste sentido, temos:
“[...] se a supremacia da Constituição deixar de ser admitida, por exemplo, em favor da teoria da aparência para fins de proteção de terceiros de boa-fé ou do equilíbrio financeiro, na verdade, o Judiciário estaria abandonando o direito e passando a operar exclusivamente por meio de argumentos pragmáticos ou políticos” (PEIXOTO, 2012, p. 47).
Portanto, se temos o art. 5º da Constituição (BRASIL, 1988, on-line) e o art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (BRASIL, 1942), aquele estabelecendo como critério principal para a culpabilidade do agente o marco do trânsito em julgado, e este iluminando o conceito de coisa julgada, não há dúvidas quanto à interpretação do art. 283 do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941, on-line), quando se trata da execução da pena em detrimento de uma condenação criminal:
Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado.
Diferentemente da prisão cautelar em que a exigência para o seu cumprimento é o flagrante delito ou ordem escrita devidamente fundamentada pela autoridade judiciária competente, para a condenação criminal definitiva e o início da execução da pena, é de exigência também da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84) o trânsito em julgado para que a pena comece a ser executada, como dispõe os arts. 105, 106, III, LEP (BRASIL, 1984, on-line):
Art. 105. Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução.
Art. 106. A guia de recolhimento, extraída pelo escrivão, que a rubricará em todas as folhas e a assinará com o Juiz, será remetida à autoridade administrativa incumbida da execução e conterá: III - o inteiro teor da denúncia e da sentença condenatória, bem como certidão do trânsito em julgado;
Além disso, há que se defender o direito fundamental ao duplo grau de jurisdição, em que apesar de existirem os casos de competência penal originária do Supremo Tribunal Federal, é direito da pessoa humana a reanálise de mérito, como prevê a Constituição Interamericana de Direitos Humanos, para que se tenha um processo justo.
“[...] a Convenção Interamericana de Direitos do Homem prevê expressamente o direito ao duplo grau de jurisdição no processo penal, de modo que é possível afirmá-lo como elemento essencial para conformação do processo justo no âmbito penal” (SARLET, et al, p. 905).
Em suma, com a exigência do trânsito em julgado pela Constituição para que o indivíduo seja considerado culpado, a conceituação de coisa julgada trazida pela LINDB (Decreto-Lei nº 4.657/42) e a imprescindibilidade do trânsito em julgado para a execução da pena, conforme determina a LEP, qualquer outro marco de culpabilidade ou que imponha o início da execução penal, não deve prosperar, uma vez que estaria em total desconformidade com a Lei Maior. E, como nos é lembrado pelo Ministro Luís Roberto Barroso, os magistrados e tribunais estão sujeitos à Constituição e às leis, não podendo decidir questões meritórias por vontade própria ou pressão política, pois estão vinculados às normas do nosso ordenamento jurídico, cuja postura contrária nos traz riscos, como “[...] a politização da justiça e a falta de capacidade institucional do Judiciário para decidir determinadas matérias” (BARROSO, 2012, p. 31). Pois em que pese a Constituição transformar Política em Direito, a ação somente pode ocorrer dentro dos limites abertos pelo nosso legal system[2].
5.HISTÓRICO DAS JURISPRUDÊNCIAS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ANTE À PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA
O Supremo Tribunal Federal durante um longo período vem, de forma corriqueira, mudando seu entendimento a respeito da execução provisória da pena à luz do Princípio da Presunção de Inocência previsto no art. 5º, LVII, CF (BRASIL, 1988, on-line).
Inicialmente, no julgamento do HC 68.726, no ano de 1992, o Supremo entendeu que a execução da pena poderia se dar antes do esgotamento das instâncias recursais. Denegando a referida ordem de habeas corpus e, com o surgimento de novos precedentes, o STF editou as Súmulas 716 e 717 cujo tema central era a progressão de regimes e a não exigência do trânsito em julgado das sentenças (LENZA, 2019, p. 1.921).
HABEAS CORPUS. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA EM SEGUNDO GRAU. MANDADO DE PRISÃO DO PACIENTE. INVOCAÇÃO DO ART. 5, INCISO LVII, DA CONSTITUIÇÃO. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, ART. 669. A ORDEM DE PRISÃO, EM DECORRÊNCIA DE DECRETO DE CUSTODIA PREVENTIVA, DE SENTENÇA DE PRONUNCIA OU DE DECISÃO DE ÓRGÃO JULGADOR DE SEGUNDO GRAU E DE NATUREZA PROCESSUAL E CONCERNE AOS INTERESSES DE GARANTIA DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL OU DE EXECUÇÃO DA PENA IMPOSTA, APÓS O DEVIDO PROCESSO LEGAL. NÃO CONFLITA COM O ART. 5, INCISO LVII, DA CONSTITUIÇÃO. DE ACORDO COM O PAR. 2 DO ART. 27. DA LEI N 8.038/1990, OS RECURSOS EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL SÃO RECEBIDOS NO EFEITO DEVOLUTIVO. MANTIDA, POR UNANIMIDADE, A SENTENÇA CONDENATÓRIA, CONTRA A QUAL O RÉU APELARA EM LIBERDADE, EXAURIDAS ESTAO AS INSTANCIAS ORDINARIAS CRIMINAIS, NÃO SENDO, ASSIM, ILEGAL O MANDADO DE PRISÃO QUE ÓRGÃO JULGADOR DE SEGUNDO GRAU DETERMINA SE EXPECA CONTRA O RÉU. HABEAS CORPUS INDEFERIDO. (HC 68726, Relator(a): NÉRI DA SILVEIRA, Tribunal Pleno, julgado em 28/06/1991, DJ 20-11-1992 PP-21612 EMENT VOL-01685-01 PP-00209).
Súmula 716: Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória (BRASIL, 2003a).
Súmula 717: Não impede a progressão de regime de execução da pena, fixada em sentença não transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar em prisão especial (BRASIL, 2003b).
Após, no ano de 2010, salvo os casos em que se façam presentes os requisitos que ensejam a prisão cautelar do réu, o STF retifica seu entendimento quanto à execução provisória da pena e apreende que este posicionamento adotado anteriormente contraria o Princípio da Presunção de Inocência trazido pela Constituição Federal em seu art. 5º, LVII, (BRASIL, 1988, on-line), ao conceder ordem de Habeas Corpus nº 84.078, defendendo que a prisão antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória somente poderá ser admitida em caráter cautelar.
EMENTA: HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA "EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA". ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O art. 637 do CPP estabelece que "[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença". A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". 2. Daí que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP. 3. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. 4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. 5. Prisão temporária, restrição dos efeitos da interposição de recursos em matéria penal e punição exemplar, sem qualquer contemplação, nos "crimes hediondos" exprimem muito bem o sentimento que EVANDRO LINS sintetizou na seguinte assertiva: "Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinqüente". 6. A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados --- não do processo penal. A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e extraordinários e subseqüentes agravos e embargos, além do que "ninguém mais será preso". Eis o que poderia ser apontado como incitação à "jurisprudência defensiva", que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço. 7. No RE 482.006, relator o Ministro Lewandowski, quando foi debatida a constitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impõe a redução de vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime funcional [art. 2º da Lei n. 2.364/61, que deu nova redação à Lei n. 869/52], o STF afirmou, por unanimidade, que o preceito implica flagrante violação do disposto no inciso LVII do art. 5º da Constituição do Brasil. Isso porque --- disse o relator --- "a se admitir a redução da remuneração dos servidores em tais hipóteses, estar-se-ia validando verdadeira antecipação de pena, sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal, e antes mesmo de qualquer condenação, nada importando que haja previsão de devolução das diferenças, em caso de absolvição". Daí porque a Corte decidiu, por unanimidade, sonoramente, no sentido do não recebimento do preceito da lei estadual pela Constituição de 1.988, afirmando de modo unânime a impossibilidade de antecipação de qualquer efeito afeto à propriedade anteriormente ao seu trânsito em julgado. A Corte que vigorosamente prestigia o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da propriedade não a deve negar quando se trate da garantia da liberdade, mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as elites; a ameaça às liberdades alcança de modo efetivo as classes subalternas. 8. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual Ordem concedida. (HC 84078, Relator(a): EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 05/02/2009, DJe-035 DIVULG 25-02-2010 PUBLIC 26-02-2010 EMENT VOL-02391-05 PP-01048).
E foi no ano de 2016, quando o STF denegou novamente uma ordem de Habeas Corpus (HC 126.292) sob os mesmos fundamentos utilizados no julgamento do HC 68.726, retomando o entendimento adotado em 1992. Na fundamentação em que denega a ordem, o Min. Relator Teori Zavascki delibera que, quando se executa um acórdão penal proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a REsp e RE, não confronta inconstitucionalidade em relação ao art. 5º, LVII, CF, (BRASIL, 1988, on-line).
Ementa: CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. 1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal. 2. Habeas corpus denegado. (HC 126292, Relator(a): TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 17/02/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-100 DIVULG 16-05-2016 PUBLIC 17-05-2016 RTJ VOL-00238-01 PP-00118).
Recentemente, no final do ano de 2019, o STF novamente muda seu entendimento no julgamento das ADCs 43, 44 e 54, que tinham por objeto a declaração de constitucionalidade do art. 283, CPP (BRASIL, 1941, on-line), no tocante ao trânsito em julgado da condenação criminal.
Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado.
Aqui, mostra-se necessário destacar que o art. 283, CPP (BRASIL, 1941, on-line) encontra-se em perfeita consonância constitucional, refletindo, quase de forma literal, o mesmo texto presente no art. 5º, LVII, CF (BRASIL, 1988). Desse modo, admitir a inconstitucionalidade deste dispositivo seria declarar como inconstitucional a própria Constituição Originária e estaríamos diante de uma total contradição normativa. Em caso positivo, nos encontraríamos na posição de reconhecimento da existência de normas constitucionais originárias inconstitucionais, teoria levantada pelo alemão Otto Bachof e rechaçada pelo STF através do princípio da unidade da Constituição. Além do mais, acatar o entendimento da possibilidade de existência de normas constitucionais inconstitucionais, provocaria um enorme sentimento de insegurança jurídica, “[...] porque o Poder Constituinte originário, ao invés de se configurar como poder de fato, autônomo e incondicionado, acabaria por se configurar como um poder legiferante ‘qualquer’ [...]” (PASSOS; PESSANHA, 2008, p. 19).
Nesse contexto, faz-se imperiosa a constatação de que a prisão em segunda instância conforme admitida anteriormente pelo próprio STF, segundo o mesmo, é inconstitucional diante dos fundamentos supracitados, sendo ratificado este posicionamento em novembro de 2019 quando, ao julgar as ADCs 43, 44 e 54, o Supremo entendeu que para ser executada a pena, é imprescindível que se esgote todas as instâncias que forem passíveis de recurso em prol da reanálise do mérito para que assim ocorra o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, sendo qualquer entendimento contrário violador do Princípio da Presunção de Inocência/Não Culpabilidade, afrontando um direito e garantia fundamental. Extrai-se, portanto, a seguinte ementa de julgamento:
Ementa: MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE. ART. 283 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. EXECUÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE APÓS O ESGOTAMENTO DO PRONUNCIAMENTO JUDICIAL EM SEGUNDO GRAU. COMPATIBILIDADE COM O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DO HC 126.292. EFEITO MERAMENTE DEVOLUTIVO DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS E ESPECIAL. REGRA ESPECIAL ASSOCIADA À DISPOSIÇÃO GERAL DO ART. 283 DO CPP QUE CONDICIONA A EFICÁCIA DOS PROVIMENTOS JURISDICIONAIS CONDENATÓRIOS AO TRÂNSITO EM JULGADO. IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS GRAVOSA. INAPLICABILIDADE AOS PRECEDENTES JUDICIAIS. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 283 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. MEDIDA CAUTELAR INDEFERIDA. 1. No julgamento do Habeas Corpus 126.292/SP, a composição plenária do Supremo Tribunal Federal retomou orientação antes predominante na Corte e assentou a tese segundo a qual “A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal”. 2. No âmbito criminal, a possibilidade de atribuição de efeito suspensivo aos recursos extraordinário e especial detém caráter excepcional (art. 995 e art. 1.029, § 5º, ambos do CPC c/c art. 3º e 637 do CPP), normativa compatível com a regra do art. 5º, LVII, da Constituição da República. Efetivamente, o acesso individual às instâncias extraordinárias visa a propiciar a esta Suprema Corte e ao Superior Tribunal de Justiça exercer seus papéis de estabilizadores, uniformizadores e pacificadores da interpretação das normas constitucionais e do direito infraconstitucional. 3. Inexiste antinomia entre a especial regra que confere eficácia imediata aos acórdãos somente atacáveis pela via dos recursos excepcionais e a disposição geral que exige o trânsito em julgado como pressuposto para a produção de efeitos da prisão decorrente de sentença condenatória a que alude o art. 283 do CPP. 4. O retorno à compreensão emanada anteriormente pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de conferir efeito paralisante a absolutamente todas decisões colegiadas prolatadas em segundo grau de jurisdição, investindo os Tribunais Superiores em terceiro e quarto graus, revela-se inapropriado com as competências atribuídas constitucionalmente às Cortes de cúpula. 5. A irretroatividade figura como matéria atrelada à aplicação da lei penal no tempo, ato normativo idôneo a inovar a ordem jurídica, descabendo atribuir ultratividade a compreensões jurisprudenciais cujo objeto não tenha reflexo na compreensão da ilicitude das condutas. Na espécie, o debate cinge-se ao plano processual, sem reflexo, direto, na existência ou intensidade do direito de punir, mas, tão somente, no momento de punir. 6. Declaração de constitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal, com interpretação conforme à Constituição, assentando que é coerente com a Constituição o principiar de execução criminal quando houver condenação assentada em segundo grau de jurisdição, salvo atribuição expressa de efeito suspensivo ao recurso cabível. 7. Medida cautelar indeferida. (ADC 43 MC, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 05/10/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-043 DIVULG 06-03-2018 PUBLIC 07-03-2018)
Corroborando com o raciocínio, enfatizamos o voto do Min. Celso de Mello no julgamento das ADCs:
“[...] no que concerne à interpretação do art. 283 do CPP, na redação dada pela Lei nº 12.403/2011, a tese segundo a qual a execução provisória (ou prematura) da sentença penal condenatória, mesmo aquela emanada do Tribunal do Júri, revela-se frontalmente incompatível com o direito fundamental do réu de ser presumido inocente até que sobrevenha o trânsito em julgado de sua condenação criminal, tal como expressamente assegurado pela própria Constituição da República (CF, art. 5º, LVII)” (MIGALHAS, 2019).
6.EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA NOS CASOS DE CONDENAÇÃO PELO TRIBUNAL DO JÚRI (ART. 492, I, “E”, CPP)
O Supremo Tribunal Federal, no final do ano de 2019, pacificou entendimento no sentido de somente ser admitida a execução da pena após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, pois até que este marco da culpabilidade seja fixado, o acusado será presumivelmente considerado inocente, ressalvados os casos em que se possibilita as prisões preventivas e temporárias. Assim sendo, qualquer outro marco diferente do trânsito em julgado da sentença penal condenatória consistiria em afronta aos direitos fundamentais importantemente previstos em nossa Constituição.
Contudo, com o advento da Lei nº 13.964/2019, mudanças significativas surgiram nos âmbitos penal e processual penal, com destaque para execução provisória da pena, cujo art. 492, I, “e”, do CPP, com a redação nova, estabelece o seguinte:
Art. 492. Em seguida, o presidente proferirá sentença que:
e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos;
A partir daí, surgem questionamentos passíveis de menção neste tópico, que serão explanados a seguir, dentre eles: poderia uma norma infraconstitucional mudar o marco da culpabilidade do agente, indo contra cláusulas pétreas previamente estabelecidas na Lei Maior que rege o país? O juiz presidente da sessão plenária estaria obrigado a decretar a prisão do réu apenas pelo fato de a condenação preencher o requisito de pena igual ou superior e 15 anos de reclusão? A Presunção de Inocência deve ou não prevalecer sobre a soberania dos vereditos?
Como vimos anteriormente, a nossa Constituição prevê o Princípio da Presunção de Inocência (art. 5º, LVII), vedando, dessa forma, o início da execução de uma pena sem que haja o trânsito em julgado como marco da culpabilidade do agente, ressalvados os casos em que são admitidas as prisões preventivas quando estiverem presentes o fumus commissi delicti e periculum libertatis, como bem dispõe o art. 312 do CPP (BRASIL, 1940, on-line). Pode-se destacar também a constitucionalidade declarada do art. 283, caput, do CPP (BRASIL, 1940, on-line) pelas ADCs 43, 44 e 54, cujo texto traduz, quase de forma literal, o dispositivo constitucional. Vejamos:
Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado.
Nessa esteira, seria inconstitucional qualquer outro marco que decretasse a culpabilidade do agente sem que fosse o trânsito em julgado, uma vez que se trata de norma constitucional amparada pela dignidade da pessoa humana e pelos direitos e garantias fundamentais, sendo estes cláusulas pétreas que somente seriam passíveis de alteração mediante proposta de emenda constitucional, contudo, somente para ampliar a abrangência desses direitos, nunca para restringir.
Nota-se, portanto, antinomias entre a Lei nº 13.964/2019 e diversos dispositivos constitucionais. Ao prever a execução provisória da pena de forma automática quando houvesse condenação pelo tribunal do júri resulta em um afronto aos direitos e garantias fundamentais que tanto lutou o nosso país para que hoje se tornasse um país democrático, onde até mesmo um dito “criminoso” pela sociedade, é considerado sujeito de direitos, os quais devem ser resguardados, tratando-o com respeito e dignidade. Além de afrontar esses direitos, destacamos também o perigo do ativismo judicial quando o legislativo pressionado pelo senso comum age de forma equivocada, como no caso em questão, ao determinar o início da execução da pena para os casos em que houvesse condenação superior a 15 anos de reclusão com privação de liberdade, ou seja, inobservando normas constitucionais e interferindo em uma cláusula pétrea de modo a modificá-la através de uma norma infraconstitucional, alimentando a insegurança jurídica.
Quando falamos de Tribunal do Júri, é imprescindível que falemos também da soberania dos vereditos, previsto no art. 5º, XXXVIII, alínea “c”, da CF (BRASIL, 1988).
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
c) a soberania dos veredictos;
Como conceituação, a soberania dos vereditos
“[...] consiste na autoridade plena que qualifica a decisão proferida pelo Tribunal do Júri, deferindo-se aos jurados a prerrogativa de decidir, conforme a melhor prova do processo, na direção que entenderem mais justa e coerente” (HABIB, 2020, p. 42).
Ainda nas palavras de Habib (2020, p. 44) esta soberania existe para dar maior garantia de direitos ao acusado, “podendo ceder diante de norma que visa exatamente a garantir os direitos de defesa e a própria liberdade”, e vincular o juiz togado à decisão do conselho de sentença, soberania esta que pode ceder em favor do acusado para garantir sua defesa e liberdade, além da previsão processual penal, no art. 593, III, “d” (BRASIL, 1940, on-line) que permite a interposição de recurso de apelação contra sentença proferida em sede de tribunal do júri para rediscutir o mérito quando a decisão dos jurados for manifestamente contrária às provas nos autos, em que o tribunal irá cassar a decisão proferida em 1º grau e determinará que seja realizado novo júri.
Cumpre destacar também a possibilidade de ser interposta revisão criminal, nos moldes do art. 621 do CPP (BRASIL, 1940, on-line), em que o tribunal ao julgar a revisão, com destaque para a vedação da reformatio in pejus, nas palavras de Lopes Junior (2020, p. 1735),
“Nenhum óbice existe para que o tribunal possa alterar a classificação da infração, absolver o réu, modificar a pena ou anular o processo nas decisões proferidas pelo Tribunal do Júri, de modo que a soberania das decisões do júri deve ceder diante do interesse maior de corrigir uma decisão injusta. Esclarecemos que o tribunal, julgando a revisão, poderá absolver o autor sem a necessidade de novo júri, que somente ocorrerá quando houver a anulação do processo, em que todo ou parte do processo deverá ser repetido”.
Assim, depreende-se que a soberania dos veredictos pode encontrar-se, em razão das circunstâncias do caso concreto, abaixo do Princípio-regra da Presunção de Inocência.
Ademais, ressalta-se, ainda, que determinar a execução imediata da pena nestes casos fere o art. 313, §2º, do CPP (BRASIL, 1940, on-line) que diz: “§2º Não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia”, nota-se então que além de inconstitucionalidades, o Pacote Anticrime também traz incongruências dentro do próprio Código de Processo Penal, trazendo insegurança jurídica para o ordenamento brasileiro. A título de exemplo, digamos que o indivíduo, condenado a 15 anos de prisão, imediatamente posto a executar a pena, interpõe recurso de apelação fundamentado no art. 593, III, “a”, do CPP (BRASIL, 1988, on-line) que após admitido e julgado pelo tribunal, é determinado que seja realizado um novo júri, e neste novo júri o então acusado é absolvido, tendo ficado preso indevidamente, pois ainda não haviam sido esgotadas todas instâncias recursais, caracterizando-se injustiça e ferindo o núcleo dos direitos fundamentais. Como também no caso em que o indivíduo, condenado a 17 anos de prisão, é colocado para executar a pena de forma provisória, e após o início da execução, o tribunal entenda que deveria haver uma reforma da sentença e que a pena devida seria a de 14 anos, hipótese em que nesse caso o réu não deveria ser colocado para executar a pena imediatamente, não havendo como apagar esses efeitos ilegítimos.
A execução provisória também não pode ser justificada com base na soberania dos vereditos, uma vez que no §3º do mesmo dispositivo penal prevê a hipótese de mitigação da execução provisória nos casos em que o juiz vislumbre um possível êxito em um recurso defensivo. Veja-se:
“§ 3º O presidente poderá, excepcionalmente, deixar de autorizar a execução provisória das penas de que trata a alínea e do inciso I do caput deste artigo, se houver questão substancial cuja resolução pelo tribunal ao qual competir o julgamento possa plausivelmente levar à revisão da condenação” (BRASIL, 1940, on-line).
Destaca-se que essa hipótese de prisão preventiva trazida pela lei só pode ser admitida quando preenchidos todos os critérios da cautelaridade previstos no art. 312 e 313 do CPP (BRASIL, 1940, on-line), pois:
“ao não se revestir de caráter cautelar, sem, portanto, analisar o periculum libertatis e a necessidade efetiva da prisão, se converte em uma prisão irracional, desproporcional e perigosíssima, dada a real possibilidade de reversão já em segundo grau (sem mencionar ainda a possibilidade de reversão em sede de recurso especial e extraordinário” (LOPES JUNIOR, 2020, p. 1.333).
Admitida a prisão sem esta observância, além de ferir o Princípio Constitucional da Presunção de Inocência, feriria também o princípio da isonomia, pois crimes com penas ainda mais gravosas não admitem essa hipótese de execução provisória (LOPES JUNIOR, 2020, p. 1.334), como no caso do crime de latrocínio, previsto no art. 157, §3º, II, do Código Penal (BRASIL, 1940, on-line), cuja pena mínima perfaz o quantum de 20 anos de reclusão e multa, não havendo a imposição de execução provisória da pena para punição deste crime. Nesse sentido, nas palavras de Lopes Junior (2020, p. 1334):
“o só fato de o réu sofrer uma condenação mais ou menos grave não o faz mais ou menos culpado, já que a culpabilidade tem a ver com a prova produzida nos autos e com os critérios de valoração da prova, não com o quanto de pena aplicado”.
7.PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO 199/2019
esta linha de visada, surge também a PEC 199/2019, cujo objetivo principal é acabar com a possibilidade de REsp e RE ao STJ e STF, de modo a antecipar o trânsito em julgado da sentença condenatória, a fim de que seja novamente rediscutida a possibilidade de prisão em 2ª instância. A PEC encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados e terá sua admissibilidade analisada junto à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Nota-se que a proposta não é permitir que haja a execução provisória da pena sem a ocorrência do trânsito em julgado (até porque estaríamos diante de uma inconstitucionalidade), mas sim acabar com a possibilidade de REsp e RE ao STJ e STF, fazendo com que tenham natureza jurídica de ação revisional sendo interpostos somente perante TJ ou TRF, esgotando ali as instâncias recursais e permitindo o adiantamento da ocorrência do trânsito em julgado e, consequentemente, o início do cumprimento da pena.
"(...) a transformação dos recursos extraordinário (art. 102, caput, III) e especial (art. 105, caput, III) em ações revisionais, possibilitando que as decisões proferidas pelas cortes de segunda instância transitem em julgado já com o esgotamento dos recursos ordinários" (LEAL, 2020).
Obviamente alvo de críticas, já que estaria, em linhas gerais, acabando com os recursos especiais e extraordinários, pois para Alex Manete (deputado que apresentou esta PEC à Câmara), a interposição desses recursos constituem apenas caráter protelatório, visando alcançar a prescrição acarretando na certeza da impunidade. Porém, em contraponto temos o direito a duração razoável do processo e o Princípio da Presunção de Inocência, alterar o marco decisório para a ocorrência do trânsito em julgado, mitigando o direito ao duplo grau de jurisdição pela análise de um recurso ao STJ ou STF, fazendo nascer uma errônea ideia de celeridade processual ignorando direitos fundamentais já adquiridos, corre o risco de se ocasionar completa insegurança jurídica, uma das maiores consequências do ativismo judicial desenfreado. Nesse contexto, ressaltamos, Min. Luís Roberto Barroso:
“[...] o ativismo judicial, até aqui, tem sido parte da solução, e não do problema. Mas ele é um antibiótico poderoso, cujo uso deve ser eventual e controlado. Em dose excessiva, há risco de se morrer da cura. A expansão do Judiciário não deve desviar a atenção da real disfunção que aflige a democracia brasileira: a crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade do Poder Legislativo. Precisamos de reforma política. E essa não pode ser feita por juízes” (BARROSO, 2012, p. 32).
Após o deslinde de todo trabalho de pesquisa é de fácil constatação que desde a existência da primeira Constituição quando ainda não havia total notoriedade e importância dada aos direitos e garantias fundamentais, diferentemente do que ocorre agora em nossa Constituição de 1988, mesmo assim, o seu texto somente poderia ser modificado mediante rigoroso processo de alteração. A história do constitucionalismo no Brasil nos remonta a um processo de redemocratização brasileira com a Constituição Federal de 1988, quando os direitos humanos tomaram o seu devido lugar no Texto Constitucional embasando-o de modo a garantir uma maior proteção aos direitos e garantias fundamentais, vedando a atuação do legislador que for contrária a Lei Maior ou que visar aniquilar o núcleo essencial dos direitos fundamentais, protegidos, sendo cláusulas pétreas presentes no art. 60, §4º, da CF (BRASIL, 1988). As cláusulas pétreas além de protegerem a Carta Magna de ações arbitrárias do Poder Estatal, também visam garantir a vedação ao retrocesso, quando, seguindo o entendimento do STF, a possível modificação aceitável à Constituição, a qual não é vedada pelo art. 60, §4º, CF (BARSIL, 1988), seria aquela que objetivasse ampliar direitos já garantidos, e nunca para reduzir, só podendo ser modificada através de Emenda Constitucional, jamais por lei infraconstitucional. Além do mais, há que se falar também do Princípio da Presunção de Inocência, que deve ser entendido como princípio-regra ao aplicá-lo ao caso concreto, pois como muito bem preceitua o art. 5º, LVII, da CF (BRASIL, 1988), e art. 283, do CP (BRASIL, 1940, on-line), a pessoa humana deverá ser tida como presumivelmente inocente, havendo a inversão do ônus da prova em que incumbirá ao Ministério Público toda alegação de culpabilidade, até que ocorra o trânsito em julgado. A partir daí surge a indagação: “O que seria, portanto, o trânsito em julgado?”, sem rodeios, em nosso ordenamento jurídico também há a conceituação do que é o trânsito em julgado e quando ele ocorre logo no art. 6º, §3º, da LINDB (BRASIL, 1942, on-line), que expressamente prevê que coisa julgada/trânsito em julgado é a decisão da qual não caiba mais recurso.
Apesar de ser simples a interpretação do texto constitucional combinado com todo nosso ordenamento jurídico, quando falamos de trânsito em julgado, o STF, insistentemente, desde o ano de 1992, vem mudando seu posicionamento quanto a possibilidade de prisão em segunda instância, firmando posicionamento no final do ano de 2019, no julgamento das ADCs 43, 44 e 54, pacificando entendimento ao declarar a constitucionalidade do art. 283, do CP (BRASIL, 1940, on-line) e vedar a possibilidade de prisão em segunda instância, ratificando a imprescindibilidade do trânsito em julgado da sentença penal condenatória para marcar a culpabilidade do agente e dar início à execução da pena, já que o trânsito em julgado também é requisito para o cumprimento da pena imposta, de acordo com os arts. 105, 106, III, LEP (BRASIL, 1984, on-line).
A partir da construção de todo o raciocínio elucidado, com a promulgação e entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019, que trouxe vultosas mudanças para o Código de Processo Penal, como é especificamente tratado aqui o caso do art. 492, I, “e”, do CPP (BRASIL, 1941, on-line), não há que se falar em execução “provisória” da pena para os casos de condenação pelo tribunal do júri quando a condenação for superior a 15 anos de reclusão, quiçá justificar tal imposição alegando a soberania dos vereditos. Posto que a soberania dos vereditos deve ser interpretada, porque assim é, forma de proteção ao acusado, visando garantir seus direitos, vinculando o juiz togado ao que for decidido pelo conselho de sentença e vedando a reformatio in pejus em caso de interposição de recurso de revisão criminal. Admitir essa execução provisória, afrontaria incisivamente o Princípio da Presunção de Inocência, inobservando a imprescindibilidade do trânsito em julgado para executar a pena, desrespeitando a Carta Magna. Nota-se que o constituinte poderia ter elegido qualquer outro marco de culpabilidade do agente, mas optou pela escolha do trânsito em julgado e não há dúvidas quanto a sua ocorrência, não havendo motivos para interpretação diferente nos casos de crimes de competência do tribunal do júri em relação aos crimes comuns. Visto que existem crimes com uma pena muito mais gravosa do que a estabelecida no art. 492 do CPP (BRASIL, 1941, on-line) com a redação nova, como é o caso do latrocínio, cuja pena mínima perfaz o montante de 20 anos de reclusão (art. 157, §3º, II, do CP (BRASIL, 1940, on-line)), em que o indivíduo não será posto desde logo a executar sua pena caso não estejam presentes o fumus comissi delicti e periculum libertatis.
Destaca-se ainda, a PEC 199/2019, que propõe o adiantamento da coisa julgada ao acabar com a possibilidade de REsp e RE para STJ ou STF, modificando a natureza destes recursos para ação revisional, o que possibilitaria e execução da pena logo em segunda instância. Incongruente e inconstitucional, a PEC 199 ao extinguir a possibilidade de impetração destes recursos às instâncias hierarquicamente superiores, ofenderia o direito ao duplo grau de jurisdição e de reanálise do mérito, como também dificultaria ou até mesmo extinguiria o controle difuso por parte do STF, quando teria que analisar o caso concreto em sede de ação revisional.
Dessa forma, concluímos que o trânsito em julgado não é um problema, mas um direito constitucionalmente garantido e respaldado por cláusula pétrea, e sua violação ou interpretação equivocada do que é literal e isento de qualquer sombra de dúvidas, acarretaria injustiça e insegurança jurídica, fazendo com que a Constituição deixe de ser Lei Maior, autônoma e plena, e passe a ser um texto qualquer.
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Bacharela em Direito pelo Centro Universitário Redentor - UNIREDENTOR.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VICENTE, Caroline Pinheiro. A execução provisória da pena nos casos de condenação pelo Tribunal do Júri: uma abordagem da Lei nº 13.964/2019 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 abr 2021, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56388/a-execuo-provisria-da-pena-nos-casos-de-condenao-pelo-tribunal-do-jri-uma-abordagem-da-lei-n-13-964-2019. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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