RUBENS ALVES DA SILVA[1]
(Orientador)
RESUMO: A pesquisa objetiva analisar a produção de provas de ofício pelo juiz durante a persecução penal, aludindo a sua constitucionalidade/inconstitucionalidade e o entendimento traçado pelo Supremo Tribunal Federal. A pesquisa é justificadamente relevante tanto para os operadores do Direito quanto para a sociedade, pois visa debater um tema considerado polêmico tanto na doutrina quanto na jurisprudência, levando em consideração o princípio da busca da verdade real, onde se tem conotação afirmativa de que o juiz além de não poder ser inerte entro do processo penal, tal princípio poderia fazer com que este pudesse investigar de fato o crime. Utilizou-se como metodologia, a pesquisa bibliográfica, a qual permitiu-nos reunir livros, artigos e entendimentos jurisprudenciais para que fosse realizado um debate sobre o tema. Dividiu-se a pesquisa em seis itens, quais sejam, o Estado Democrático de Direito e o devido processo legal; sistemas processuais penais; princípio da verdade real; a doutrina que defende a constitucionalidade; a doutrina que defende a inconstitucionalidade e o; posicionamento do STF. Diante disso, entende-se que a pesquisa alcançou devidamente o objetivo ora traçado.
Palavras-chave: Provas; Produção; Juiz; Persecução Penal.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO - 2. O ESTADO DEMOCRÁTICO DO DIREITO E O DEVIDO PROCESSO LEGAL - 3. SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS - 4. O PRINCÍPIO DA BUSCA DA VERDADE REAL - 5. DOUTRINA DEFENSORA DA INCONSTITUCIONALIDADE - 6. DOUTRINA DEFENSORA DA CONSTITUCIONALIDADE - 7. POSICIONAMENTO DO STF - 8. CONCLUSÃO - 9. REFERÊNCIAS
Existe uma divergência tanto doutrinariamente quanto jurisprudencialmente sobre se há legalidade quando juiz solicita de ofício a produção de provas, por conta dos princípios constitucionais da imparcialidade, devido processo legal, ampla defesa e etc. Deste modo, o estudo dará enfoque nas divergências, e se é possível que haja essa produção legalmente.
A pesquisa é justificadamente relevante tanto para os operadores do Direito quanto para a sociedade, pois visa debater um tema considerado polêmico tanto na doutrina quanto na jurisprudência, levando em consideração o princípio da busca da verdade real, onde se tem conotação afirmativa de que o juiz além de não poder ser inerte entro do processo penal, tal princípio poderia fazer com que este pudesse investigar de fato o crime.
Desta feita, torna-se imperioso fazer uma análise do tema, visto que sua aplicabilidade pode trazer mudanças significativa no paradigma jurídico de julgamento/condenação.
Tem como objetivo geral a discussão sobre a legalidade da produção de provas de ofício pelo Juiz na persecução penal. De forma específica busca-se: revisar a bibliografia sobre provas do Processo Penal; coletar jurisprudência sobre o tema em questão.
Como problemática, o ato do juiz de ofício para que se produza provas no processo penal é constitucional?
Dividiu-se a pesquisa em seis itens, quais sejam, o Estado Democrático de Direito e o devido processo legal; sistemas processuais penais; princípio da verdade real; a doutrina que defende a inconstitucionalidade; a doutrina que defende a constitucionalidade e; posicionamento do STF.
2. O ESTADO DEMOCRÁTICO DO DIREITO E O DEVIDO PROCESSO LEGAL
Vivemos uma época neste país em que há uma grande preocupação dos responsáveis pelo funcionamento do sistema jurídico, com sua maior e eficiência, tendo em vista o acúmulo de processos e a morosidade no Judiciário, bem como a forma abusiva de recursos e procedimentos protelatórios ou impeditivos da prestação jurisdicional.
Preconiza-se como uma das soluções a reforma constitucional do Judiciário, e cremos que ela, como outras reformas da Constituição, é necessária para permitir o desenvolvimento econômico e social do país, contribuindo para que o Estado possa efetivamente exercer o seu papel de promover a segurança, a justiça e o bem-estar, num regime democrático participativo e estável.
Não há dúvidas da necessidade premente de modernizar o Poder Judiciário e o Ministério Público, aparelhando-os com os meios materiais e os recursos humanos necessários e eliminando-se anacronismos legislativos e administrativos que geram a morosidade na prestação jurisdicional e o acúmulo de processos. Os interessados na presteza e na eficácia da máquina judiciária buscam soluções alternativas, como a arbitragem e os acordos extrajudiciais, na seara civil. No campo trabalhista, tentam-se soluções negociadas entre trabalhadores e empregadores sem a interveniência da Justiça do Trabalho. Enquanto isso, na área criminal, verificamos reclamações generalizadas sobre a insegurança e a impunidade.
É preciso que, ao lado das garantias da forma, disponha o processo judicial de eficiência e funcionalidade. Nesse sentido, os processualistas brasileiros têm dado significativas contribuições à doutrina hodierna. A modernização do processo, todavia, não deve significar a redução pura e simples de formalidades e a diminuição de recursos, a qualquer custo, em nome de suposta eficácia da prestação jurisdicional, sem a prudente e cautelosa análise de sua essencialidade. É preciso todo o cuidado para não incidir no grave erro das soluções simplistas em prejuízo de princípios constitucionais do Estado Democrático de Direito.
Não obstante, tais preceitos encontram gizo no artigo 5o , inciso LIV, da Constituição Federal de 1988, da qual consagra o princípio do devido processo legal, sendo que suas origem remontam à cláusula do due process of law do Direito Anglo-Americano, que deve ser associado aos princípios constitucionais do controle judiciário – não permitindo à lei excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito – e das garantias do contraditório e da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, segundo o disposto nos incisos XXXV e LV do mesmo artigo da Constituição.
A garantia da prestação jurisdicional, com a devida presteza e sem procrastinações, é corolário do devido processo legal. E, quando a expressão refere-se a processo e não a simples procedimento, alude sem dúvida ao processo judicial pelo Estado, segundo os imperativos da ordem jurídica, e com as garantias da isonomia processual, da bilateralidade dos atos procedimentais, do contraditório e da ampla defesa.
A igualdade perante a lei e o devido processo legal são princípios constitucionais complementares entre si, pois os princípios da legalidade e da isonomia – essenciais ao Estado Democrático de Direito – não fariam qualquer sentido sem um poder capaz de fazer cumprir e pôr em prática, para todos, com a necessária presteza, a Constituição e as leis do país. Acerca do devido processo legal, Nelson Nery é conciso em seu entendimento:
O princípio do due process of law caracteriza-se pelo trinômio vidaliberdade-propriedade, vale dizer, tem-se o direito de tutela àqueles bens da vida em seu sentido mais amplo e genérico. Tudo o que disser respeito à tutela da vida, liberdade ou propriedade está sob a proteção da due process clause. Direito à liberdade, por exemplo, significa liberdade de opinião, de imprensa e de religião. O progresso mais notável da Suprema Corte americana, quanto à aplicação da cláusula due process aos casos concretos que lhe chegaram a julgamento, é relativo à extensão da privacidade ao conceito de direito à liberdade (NERY JUNIOR, 2012).
No Direito Constitucional Americano, no qual inspira-se o princípio do devido processo legal introduzido no Brasil pela Constituição de 1988, as cláusulas do due process of law e da igual proteção das leis, complementam-se, reciprocamente, a partir da 14ª Emenda à Constituição de 1787 dos Estados Unidos, ratificada pelo Congresso em 1868.
Tão importante princípio – o do devido processo legal – teve sua origem histórica, como se sabe, na Magna Carta de 1215, que se referia inicialmente ao processo na expressão, cujo seu significado ninguém pode ser processado “senão mediante um julgamento regular pelos seus pares ou em harmonia com a lei do país” (GRINOVER, 2012). A 5ª Emenda à Constituição Americana de 1787 foi, porém, a que introduziu a expressão due process of law, estabelecendo que nenhuma pessoa pode ser privada da vida, liberdade e propriedade, sem o devido processo legal. E a 14ª Emenda, em 1868, vinculou os Estados da Federação à cláusula, o que permitiu à Suprema Corte americana, especialmente nos anos 60, durante o período do Chief Justice Earl Warren, desenvolver jurisprudência de proteção aos direitos civis assegurados no Bill of Rights.
A cláusula do devido processo legal no Direito Constitucional americano referese, inicialmente, apenas a garantias de natureza processual propriamente ditas, relativas ao direito e procedimentos ordenados por princípios como, no campo processual penal, a proibição de ato legislativo que importa considerar alguém culpado pela prática de crime sem a precedência de um processo e julgamento regular em que lhe seja assegurada ampla defesa e de leis retroativas ex post facto law, além da vedação de autoincriminação forçada, do julgamento duas vezes pelo mesmo fato e do direito à ampla defesa e ao contraditório.
No campo processual civil, como no processo trabalhista, do direito constitucional à tutela jurisdicional do Estado e do devido processo legal resultam a instrução contraditória, o direito de defesa, o duplo grau de jurisdição e a publicidade dos julgamentos, dentre outras garantias. Segundo sua concepção originária e adjetiva, portanto, a cláusula do devido processo legal não tinha por escopo questionar a substância ou o conteúdo dos atos do Poder Público, mas sim a assegurar o direito a um processo regular e justo. Por isso, nesse sentido, aplica-se a denominação procedural due processo (MARQUES, 2010).
A partir de 1890, incorporou-se à cláusula do due process of law, já na vigência da 14ª Emenda à Constituição americana, o sentido de proteção substantiva dos direitos e liberdades civis assegurados no Bill of Rights. A Suprema Corte dos Estados Unidos, por meio de construção jurisprudencial e, baseando-se em critérios de razoabilidade, passou a promover a proteção dos direitos fundamentais contra ação nada razoável e de cunho arbitrário
A Constituição Brasileira de 1988, inspirada na jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos, adota, no seu artigo 5o, inciso LVI, o princípio da invalidade no processo, de provas obtidas por meios ilícitos. O princípio do devido processo legal nos Estados Unidos também tem sido aplicado em muitos casos pela jurisprudência, especialmente da Suprema Corte, para limitar a ação administrativa do Estado na esfera individual e o poder de polícia, garantindo aos cidadãos a proteção contra os abusos e a violação de garantias procedimentais e de direitos fundamentais. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, o contraditório e a ampla defesa.
Finalmente, a importância da garantia constitucional do due process of law é reconhecida no Direito Comparado e no Direito Internacional, ao incluí-la na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, das Nações Unidas, segundo dispõem os seus artigos 8 e 10, expressamente:
Toda pessoa tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes recurso efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela Constituição ou pela lei; e, Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ela.
Não se devem, porém, esquecer jamais as lições do passado para não cometer os mesmos erros dos julgamentos sumários e tribunais de exceção nos regimes autoritários. A história constitucional brasileira e de sua democracia demonstram a necessidade de superar as dificuldades tradicionais da cultura política, realizando mudanças para a consolidação do regime democrático no País. E o Estado Democrático de Direito não pode prescindir do respeito à Constituição, aos princípios da legalidade, da igualdade e do devido processo legal.
3. SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS
Em seu desenvolvimento histórico, o processo penal se manifestou mediante três sistemas, cada qual com singulares características: o acusatório, o inquisitivo e o misto. Cabe afirmar, singelamente, contraporem-se os dois primeiros, enquanto intente o terceiro constituir fusão de ambos
No ensinamento de Tourinho Filho, até o século XII o processo era de tipo acusatório: não havia juízo sem acusação. O acusador devia apresentar aos bispos, arcebispos ou oficiais encarregados de exercerem a função jurisdicional a acusação por escrito e oferecer as respectivas provas. Punia-se a calúnia. Não se podia processar o acusado ausente.
Ainda segundo Tourinho Filho, com o passar do tempo, e do aprimoramento intelectual dos homens, notou-se que o crime não ofendia somente ao cidadão vitimado, mas sim, a toda a coletividade, momento em que a ação poderia ser proposta por qualquer do povo. Somente depois de feita a acusação é que se ia pesquisar a autoria e a materialidade do delito. Surgiu, então, a figura do Inquérito, mas o mesmo somente se iniciava após a acusação.
As investigações necessárias eram levadas a termo pelo próprio acusador, que recebia uma espécie de mandado, expedido pelo magistrado, com o qual efetuava as buscas e apreensões, oitivas de testemunhas, exame de documentos, e a colheita de todos os dados que pudessem servir à prova do crime, como hoje se faz no inquérito policial.
Tourinho elenca, então, os traços profundamente marcantes do processo acusatório, a saber:
“1. O contraditório, como garantia político-jurídica do cidadão;
2. As partes acusadora e acusada, em decorrência do contraditório, encontramse no mesmo pé de igualdade;
3. O processo é público, fiscalizável pelo povo;
4. As funções de acusar, defender e julgar são atribuídas a pessoas distintas, e, logicamente, não é dado ao juiz iniciar o processo;
5. A iniciativa do processo cabe à parte acusadora, que poderá ser o ofendido ou seu representante legal, qualquer cidadão do povo ou o órgão do Estado”.
Acrescenta Tornaghi:
“1. A prova dos fatos compete às partes. O juiz não tomava a iniciativa de apurar coisa alguma, até porque os fatos não controvertidos não precisam ser provados;
2. As partes tinham disponibilidade do conteúdo do processo;
3. Se o réu se confessava culpado, era condenado sem mais indagações;
4. Dominava a publicidade e a oralidade;
5. O réu aguardava a sentença em liberdade”.
Ainda, segundo o mesmo mestre, este sistema, tal como se apresentava em sua primeira fase histórica, oferecia gravíssimos inconvenientes, a saber:
1. impunibilidade do criminoso;
2. facilitação da acusação falsa – o fato só era investigado depois;
3. desamparo dos fracos – não havia como acusar aquele de quem se dependia;
4. deturpação da verdade – dependia da ação das partes interessadas;
5. impossibilidade eventual de julgamentos – havia carência de provas;
6. inexeqüibilidade da sentença – o réu, em liberdade, podia fugir.
Continua Tornagui a prelecionar que o processo inquisitório apareceu como subsidiário do acusatório e os dois coexistiram durante muitos séculos; ao tempo de Diocleciano ele passou a ser de iure, a forma normal, ordinária, mas de fato os encarregados de investigar e denunciar os crimes, isto é, os quaesitores e, nas províncias, os irenarchae, os curiosi, os stationarii, somente tomavam a iniciativa do inquérito quando não se apresentava um acusador. Aos poucos foi caindo em desuso o processo acusatório e firmando-se o inquisitório.
Nesse sistema processual, ao contrário do que ocorria no acusatório, o juiz não ficava inerte no tocante às investigações necessárias para a determinação da materialidade e autoria do delito; não assistia como mero espectador, mas tomava a iniciativa de determinar o que entendesse, com o intuito de conhecer a verdade dos fatos, onde todos os atos eram documentados pela escrita, e o processo se tornou secreto, a fim de preservar o bem andamento das investigações. Tudo aquilo que não estivesse reduzido a escrito no bojo dos autos era como se não existisse no mundo, advindo daí o brocardo latino: “Quod non est in actis nos est in mundo”.
Tourinho Filho, citando Garcia-Velasco, assinala os traços básicos do processo inquisitório:
“concentração das três funções: acusadora, defensora e julgadora, em mãos de uma só pessoa; sigilo; ausência de contraditório; procedimento escrito; os juízes eram permanentes e irrecusáveis; as provas eram apreciadas de acordo com umas curiosas regras, mais aritméticas que processuais; a confissão era um elemento suficiente para a condenação – a rainha das provas; admitia-se apelação contra a sentença; ao acusado não era conferida nenhuma garantia individual”.
Assim, o processo inquisitivo, que surgiu para evitar injustiças notadas no processo acusatório, tornou-se um verdadeiro instrumento de tortura e opressão. Tornaghi salienta que:
Infelizmente o segredo, o uso da tortura, a concentração de poderes na mão do juiz, transformaram o processo inquisitório em instrumento superlativamente perigoso para a segurança dos indivíduos, dando lugar a abusos que a objetividade científica, a probidade histórica e, sobretudo, o dever de justiça mandam proclamar e até profligar, com veemência.
Durante a persecução penal, é fundamental que o juiz não seja inerte durante o processo. Desta forma, o princípio da verdade real em tese possibilita que o juiz tenha o direito a investigar o crime, quando houver necessidade.
De acordo com o Capez (2008, p. 28) quando os fatos se passam no decorrer do processo, e não há conformidade com a verdade formal que sobrevieram, os juiz tem o dever de investigar. Assim, no curso da instrução, antes que seja proferida a sentença, pode o juiz de ofício, determinar que se realize diligências para que seja dirimido dúvida sobre ponto relevante.
Sobre o princípio da verdade real, Nucci analisa que (2010, p. 105):
"[...] o magistrado deve buscar provas, tanto quanto as partes, não se contentando com o que lhe é apresentado, simplesmente.
I-ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;
II-determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante” grifamos), (“não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa”, destaque nosso) do Código de Processo Penal, ilustrativos dessa colheita de ofício e da expressa referência à buscada verdade real [..]”
Deste modo, o princípio permite que o juiz faça busca nas provas levantadas pelas partes no processo penal, de acordo com os liames citados pelo supramencionado autor.
Em virtude da mudança da redação do artigo 156, inciso I, do Código de Processo Penal, por meio da Lei 11.690/08, é permitido que o juiz venha a buscar provas que não foram eventualmente requeridas pelas partes, o que faz com que o próprio juízo seja um investigador, onde este fará o julgamento de provas apresentadas por ele mesmo, o que nos remete a entender um sistema inquisitivo.
Pacelli (2012, p.83) argumenta:
"[...] da nova redação do art. 156, I, CPP, dada pela Lei 11.690/08, ao prever que poderá o juiz, de ofício, ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida. O retrocesso, quase inacreditável, é também inaceitável. A inconstitucionalidade da novidade é patente."
O autor acima mencionado defende a inconstitucionalidade por entender que o fato de trazer essa possibilidade, haveria um evidente retrocesso. Além disso, insta salientar que a Carta Magna deixa claro mesmo que de forma implícita sobre o sistema que é processo penal é regido, qual seja acusatória, onde há uma natural repartição de funções. A alteração da referida lei, portanto, faz com que haja uma alma inquisitorial, notadamente inspirado pelo regime fascista italiano.
No mais, o fato do juiz poder ir atrás de elementos probatórios faz com que ele não seja inerte, ferindo, por consequência a sua imparcialidade, podendo, diante disso, interferir diretamente na sentença do referido processo.
6. DOUTRINA DEFENSORA DA CONSTITUCIONALIDADE
Mesmo que seja de forma minoritária no ordenamento jurídico brasileiro, os doutrinadores que defendem a constitucionalidade do artigo em questão do Código de Processo Penal, se fundamentam no princípio da verdade real. Para eles, o juiz não deve se condicionar as provas apresentadas pelas partes, e que, quando este acreditar ser necessário que haja a produção de outras provas fundamentais para o processo, que venha a agir de ofício, em virtude da verdade real que deve ser vista como o elemento fundamental no processo.
Deste modo, Nucci (2010) entente que quando o juiz não está se contentando a aquilo que fora apresentado durante a instrução, tem o dever de agir em ofício para que haja a busca de mais provas, sendo, portanto, o co-partícipe. Silva (2008) nesse mesmo sentido, afirma que não pode haver limitação em que relação a missão do magistrado, pelo fato de haver suposição de que haja de certa forma uma imparcialidade no julgamento do processo.
O mesmo autor faz um destaque, afirmando que não como haver uma confusão no sentido de que o juiz seja inquisidor, visto que ele está apenas cumprindo a sua função. Denota que, o juiz inquisidor busca o que convém. Já o cumpridor de função, busca aquilo que acredita que seja a melhor forma de julgar atrelado a verdade real.
7. POSICIONAMENTO DO STF
O STF ainda não se pronunciou diretamente sobre o artigo 156, inciso I do Código de Processo Penal. Porém fez um julgamento análogo, ao artigo 3º da Lei 9.034/95, onde havia a previsão de que o juiz pudesse atuar como investigador de forma ampla, podendo ter acesso a dados e informações fiscais.
Neste caso especificamente, O Supremo Tribunal Federal decidiu pela inconstitucionalidade, conforme se observa abaixo:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 9034/95. LEI COMPLEMENTAR105/01. SUPERVENIENTE. HIERARQUIA SUPERIOR. REVOGAÇÃO IMPLÍCITA. AÇÃO PREJUDICADA, EM PARTE. "JUIZ DE INSTRUÇÃO". REALIZAÇÃO DE DILIGÊNCIAS PESSOALMENTE. COMPETÊNCIA PARA INVESTIGAR. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. IMPARCIALIDADE DO MAGISTRADO. OFENSA. FUNÇÕES DE INVESTIGAR E INQUIRIR. MITIGAÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DAS POLÍCIAS FEDERAL E CIVIL.
1. Lei 9034/95. Superveniência da Lei Complementar 105/01. Revogação da disciplina contida na legislação antecedente em relação aos sigilos bancário e financeiro na apuração das ações praticadas por organizações criminosas. Ação prejudicada, quanto aos procedimentos que incidem sobre o acesso a dados, documentos e informações bancárias e financeiras.
2. Busca e apreensão de documentos relacionados ao pedido de quebra de sigilo realizadas pessoalmente pelo magistrado. Comprometimento do princípio da imparcialidade e conseqüente violação ao devido processo legal.
3. Funções de investigador e inquisidor. Atribuições conferidas ao Ministério Público e às Polícias Federal e Civil (CF, artigo 129, I e VIII e § 2o; e 144, § 1o, I e IV, e § 4o). A realização de inquérito é função que a Constituição reserva à polícia. Precedentes. Ação julgada procedente, em parte.”
(ADIn nº 1.570, Rel. Min. Maurício Corrêa, em 12.2.2004)
O STF entendeu que nesse caso especificamente, os poderes instrutórios do juiz violavam diretamente a imparcialidade do juiz, tendo uma afronta direta a Carta Magna.
8. CONCLUSÃO
Se observou no decorrer da pesquisa, que há uma corrente doutrinária a favor da aplicação da lei em que o juiz poderá de ofício requerer a produção de provas, bem como há uma corrente contrária a esse tipo de requerimento.
A primeira faz alusão ao princípio da verdade real, em que o magistrado, quando não convencido por aquilo que fora apresentado em instrução pelas partes, poderá de ofício buscar mais elementos probatório. Todos os doutrinadores que defendem a constitucionalidade do artigo 156, inciso I do Código de Processo Penal, afirmam que a verdade real deve sempre prevalecer para que haja um julgamento mais justo.
Por outro lado, a segunda corrente acredita que há inconstitucionalidade da Lei e, que o juiz não pode buscar provas, devendo se manter inerte durante a instrução do processo, para que não haja parcialidade no julgamento. Acreditam que o fato do juiz ter a possibilidade de agir de oficio, pode haver uma confusão na característica do sistema processual vigente, visto que, este é acusatório e não inquisitório.
No mais, a pesquisa atendeu rigorosamente o seu objetivo, e que este artigo sirva a comunidade cientifica, no sentido de haver cada vez mais diálogo entre a sociedade civil, pesquisadores e juristas para que leis como essas possam ser melhor aplicadas.
BRASIL. Decreto Lei n. 3689, de 3 de Outubro de 1941 – Código de Processo Penal. Vade Mecum. 13. Ed. Atual. E ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. 1.983 p.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição federal. 4. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. 261 p.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. -15. Ed. Rev. E atual. – São Paulo: Saraiva, 2008. 767 p.
GRINOVER, Ada Pellegrini. O Princípio do Juiz Natural e sua Dupla Garantia. Revista de Processo, São Paulo, n. 29, p. 12, jan. mar. 1983.
MARQUES, José Frederico. Instituições de Direito Processual Civil Vol. 1. São Paulo: Millennium, 2010, p. 179.
NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 35
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo e execução penal. 6. Ed. Rev. Atual. E ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. 1.070 p.
SILVA, Ivan Luís Marques da. Reforma processual penal de 2008. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, pagina 190.
TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo Penal. Vol. 1., 5. ed., São Paulo: Saraiva, 1988, p. 11-14.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. V. 1., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 61.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. V. 1., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 73.
Graduando em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus - CEULM/ULBRA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOPES, Marcus Francisco Medeiros. A produção de provas de ofício pelo juiz na persecução penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 abr 2021, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56410/a-produo-de-provas-de-ofcio-pelo-juiz-na-persecuo-penal. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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