RESUMO: Como se perceberá, o estudo proposto por este artigo, visa buscar uma forma para que o princípio da soberania dos veredictos e a Revisão Criminal, possam ser harmonizados em busca da garantia da justiça ao indivíduo. Desta feita, veremos o posicionamento de renomados autores, sendo que alguns se posicionam no sentido de que não é possível a Ação Revisional no Tribunal do Júri em virtude da soberania dos veredictos. A grande discussão se amplia porque a Revisão Criminal tal como a concebemos não divide o seu julgamento em juízo rescindente e rescisório, logo, os desembargadores responsáveis pelo julgamento do processo, ao julgarem procedente a ação revisional, deverão promover a reforma da decisão proferida pelos jurados. Entretanto, veremos também, em contrapartida, que existem outros juristas que defendem veemente a sua admissibilidade por entenderem que a liberdade é o bem maior do indivíduo, chegando-se ao final a conclusão da necessidade de harmonização entre o princípio da soberania dos veredictos e a Revisão Criminal no Tribunal do Júri.
Palavras-chave: Tribunal do Júri; Revisão Criminal; Soberania dos Veredictos; Harmonização.
ABSTRACT: As notice, the proposed study, for this work, is to seek a way so that the principle of sovereignty of the verdicts and the Criminal Review, to be harmonized in search of justice guarantee to the individual, this time we will see the position of renowned authors, and some are positioned in the sense that it is not possible revision action in the jury because of the sovereignty of the verdicts. The big debate is extended because the Criminal Revision as we conceive it is not divided in its judgment in rescindente judgment and severance, so the judges responsible for the judgment of the case, the judge upheld the revision action should promote the reform of the decision rendered by the judges. However, we will also see, however, that there are other lawyers who vehemently defend their admissibility to understand that freedom is the greatest good of the individual, coming to the end of the completion of the need for harmonization between the principle of sovereignty of the verdicts and criminal review of the jury.
Keywords: Jury court; Criminal Review; Sovereignty of the verdicts; Harmonization.
SUMÁRIO: Introdução. 1. 1.A Revisão Criminal no Tribunal do Júri. 1.1. Considerações iniciais. 1.2 A possibilidade de atenuação do Princípio da Soberania dos veredictos na Revisão Criminal. Conclusão. Referências.
Introdução
A presente pesquisa visa demonstrar a possibilidade do uso da Revisão Criminal, nas decisões do Tribunal do Júri, enquanto Ação Autônoma de Impugnação, visando desconstituir a coisa julgada, em virtude de um erro judiciário, encontrando, para tanto, respaldo na busca pela verdade real, prevalecendo assim a justiça, a qual se prima dentro da sociedade e, sobretudo, em um Estado Democrático de Direito.
Ao decorrer do presente estudo, será evidenciado que apesar da suprema importância da ação revisional, no combate à perpetuação no tempo de uma decisão eivada de erro judiciário, não se pode permitir sua utilização de forma indiscriminada, precipuamente, para atacar as decisões proferidas pelo Tribunal do Júri, posto que estas se encontram revestidas pela garantia constitucional da soberania dos veredictos.
E, neste contexto, demonstrará a discussão maior desta pesquisa, qual seja a compatibilidade entre a soberania dos veredictos, atribuída pela CF ao Tribunal do Júri, e a revisão criminal. Defendendo-se o manejo desta para as decisões proferidas pelos jurados, desde que seja possível sua harmonização com a referida garantia, de modo que não sejam corrompidos os princípios previstos na Constituição Federal, todavia, garantido que, de igual forma, não sejam também os princípios utilizados em desfavor do condenado.
Deste modo, ao final, se demonstrará uma maneira de harmonizar o princípio da soberania dos veredictos e a Revisão Criminal, garantindo a justiça ao ordenamento jurídico brasileiro, bem como ao indivíduo e a sociedade, analisando o posicionamento de renomados autores, alguns que se posicionam no sentido de que não é possível a Ação Revisional no Tribunal do Júri em virtude da soberania dos veredictos, e outros juristas que defendem veemente a sua admissibilidade por entenderem ser a liberdade o bem maior do indivíduo.
1.A Revisão Criminal no Tribunal do Júri
1.1. Considerações iniciais
A Revisão Criminal tem o intuito de não permitir que uma decisão injusta se perpetue no tempo, trazendo efeitos negativos perpetuamente ao condenado, simplesmente em virtude da proteção jurídica dos efeitos da coisa julgada, ou no caso em estudo, pela soberania dos veredictos.
Ademais, há de se ressaltar que, no processo penal, o que está em jogo é a liberdade, um bem jurídico de importância substancial ao homem e consagrado ao longo dos anos, persistindo, inclusive à intensas transformações dos ordenamentos jurídicos. Deste modo, não se mostra plausível tutelar a preservação de um princípio constitucional em prejuízo do direito à liberdade.
Além disso, como poderia o judiciário ao aplicar o direito o fazer às cegas, aplicando-o na sua literalidade de forma a abstrair o contexto jurídico em que cada princípio, cada obrigação, e cada direito contido na norma constitucional está inserido.
Desta forma, importante notar que a soberania dos veredictos deve ser preservada, no entanto, não deve ser interpretada como obstáculo aos outros direitos garantidos ao réu julgado perante o Tribunal do Júri, devendo o referido princípio ser ajustado de forma a poder ser aplicado de forma harmônica com os demais princípios e direitos, uma vez que não se sobrepõe aos demais, haja vista a inexistência de hierarquia entre os princípios que devem respeitar, tão somente, a razoabilidade e proporcionalidade quando da sua aplicação.
1.2 A possibilidade de atenuação do Princípio da Soberania dos veredictos na Revisão Criminal
Este artigo visa demonstrar a possibilidade da admissão da Revisão Criminal nos processos de competência do Tribunal do Júri, contrapondo-se ao princípio soberania dos veredictos que, visando proteger a decisão dos jurados, não permite que a deliberação destes seja substituída por juízes togados, em contraposição à a ação revisional, pela qual a decisão dos jurados será revista e julgada por juízes togados em segunda instância, com o intuito de não permitir a perpetuação no tempo de uma decisão manifestamente injusta, a qual, apesar de encoberta pelo manto da coisa julgada, merece ser modificada em prol da justiça e da liberdade.
Como se perceberá, o foco será a busca por uma maneira de harmonizar o princípio da soberania dos veredictos e a Revisão Criminal, garantindo a justiça ao ordenamento jurídico brasileiro, bem como ao indivíduo e a sociedade, analisando o posicionamento de renomados autores, alguns que se posicionam no sentido de que não é possível a Ação Revisional no Tribunal do Júri em virtude da soberania dos veredictos, e outros juristas que defendem veemente a sua admissibilidade por entenderem ser a liberdade o bem maior do indivíduo.
Neste ínterim, cabe dizer que, apesar da Constituição Federal garantir a soberania dos veredictos entre os direitos constitucionais, há de se entender que essa regra não pode ser considerada absoluta, de modo a colocar em risco outras normas constitucionais e perturbando, desta forma, a ordem pública, pelo contrário, havendo conflitos entre direitos e garantias constitucionais, deverá ser aplicada a teoria da proporcionalidade a fim de que os valores em conflito sejam sopesados e aplique-se o que for mais razoável ao caso concreto. (SILVA, 1999).
Sendo assim, em uma análise mais profunda, chega-se a conclusão que a divergência não surge, especificamente, no que diz respeito a admissibilidade da Revisão Criminal no Tribunal do Júri, mas sim, uma vez conhecida a Revisão Criminal, a quem caberá o julgamento de mérito da mesma, o próprio órgão revisor ou um novo júri.
No entanto, primordialmente, é de se colacionar a colocação de Genney Randro Barros de Moura (2002), ao concluir o seu artigo, cujo título é em defesa da soberania dos veredictos no júri, afirmando que a “[...] soberania dos veredictos não pode ser confundida com o poder absoluto, incontrastável e ilimitado, o que estaria na contramão dos fins não só da própria constituição, mas do próprio Estado Democrático de Direito.” (p. 501). Portanto, não se pode permitir que a soberania seja um princípio prevalecente sobre todo e qualquer direito.
Sob esse aspecto, há grandes doutrinadores, como Hermínio Alberto Marques Porto (2005) que defendem que a Revisão Criminal pode ser utilizada para atacar as decisões proferidas pelo Tribunal do Júri, afirmando, ainda, que a soberania dos veredictos somente se aplica a relação jurídica processual ainda não decidida.
Contudo, não acreditamos que a posição do citado autor seja a mais correta, e acerca deste assunto, apesar de se posicionar de maneira contrária ao tema em questão, o pensamento de Guilherme de Souza Nucci (2008), nos parece o mais acertado, asseverando o d. doutrinador que “ dizer que a soberania acompanha o réu somente até o trânsito em julgado da sentença é negar vigência à Constituição Federal.” (2008, p. 454).
O entendimento de Guilherme de Souza Nucci, sob esta ótica, se apresenta mais admissível, uma vez que nenhum dispositivo constitucional, ou infraconstitucional, prevê uma limitação dos efeitos das garantias individuais inerentes ao júri, dentre as quais insere- se a soberania dos veredictos.
Deste modo, ao aceitar-se a afirmação de que a soberania só se aplica nos processos de competência do júri enquanto estiverem em andamento, ou seja, até a prolação da sentença, é ferir a Constituição haja vista que esta não dispõe desta forma, todavia a CF assegura ao júri o direito desta soberania nos veredictos dos jurados, superando assim os limites temporais que os defensores da relativização do referido princípio procuram impor.
Apesar do princípio da soberania não poder ser considerado absoluto, há que se ponderar acerca da sua mitigação, certo é que o legislador ao prevê-lo na Constituição Federal, como garantia da instituição do Júri, buscou garantir uma maior proteção às decisões proferidas neste Tribunal, apesar disso, isto não quer dizer que as decisões ali proferidas serão imutáveis.
No que diz respeito a esta afirmação, a primeira prova robusta da mesma é que o próprio Código de Processo Penal possibilita que o condenado, ou até mesmo a acusação, recorra da decisão dos jurados por meio do recurso de apelação, previsto no art. 593,III do CPP, “b” e “c”, no qual o tribunal ad quem ao dar provimento ao recurso irá promover a devida retificação da sentença. Restando comprovado, portanto, que a soberania dos veredictos não esta acima dos diretos à liberdade, a defesa e justiça daquele que se vê condenado em virtude de um erro judiciário.
No entanto, a questão não é tão simples assim, pois ao assegurar a garantia de soberania dos veredictos no tribunal do júri, a Constituição Federal obstou que a decisão dos jurados fosse substituída por decisão de juízes togados, e é sob esta ótica que surgem inúmeras discussões acerca recorribilidade das decisões proferidas pelo conselho de sentença, bem como do uso da ação revisional nos processos submetidos a esta competência.
Contrariamente ao que parece, não se está diante de um caso em que a liberdade do réu deva prevalecer acima de tudo, mas sim diante de um caso em que se trata de uma instituição garantida constitucionalmente e preservada ao longo dos anos e um direito do réu de recorrer de uma decisão considerada injusta, de forma contrária, se apresenta o entendimento de Greco Filho (2004), ao afirmar que:
São revisíveis, também, as sentenças proferidas pelo Tribunal do Júri, porque o direito de liberdade e a necessidade de correção de erro judiciário prevalecem sobre a soberania. Entre dois Princípios constitucionais prevalece o de maior valor, no caso a liberdade (p. 397).
Por conseguinte, o posicionamento do referido doutrinador, é de que as sentenças proferidas pelo Tribunal do Júri serão sempre revisíveis, uma vez que o direito de liberdade deve prevalecer sobre os demais indiscriminadamente. Entretanto, não nos parece apropriado coadunar com tal entendimento, porquanto, conforme esclarecido anteriormente no caso de conflitos deverá ser analisado o caso concreto a fim de se ponderar os direitos em confusão.
Uma primeira afirmação se faz necessária, nas palavras de César Dario Mariano da Silva (1999, p. 53) “[...] Se por um lado as decisões do júri são soberanas, por outro o direito de liberdade é um dos mais importantes da Magna Carta.” Logo, ocorrido um erro judiciário que faça surgir um conflito entre o direito a liberdade e a soberania do júri, deverá sobressair o primeiro em face do segundo, haja vista que a função primordial do Estado é assegurar a justiça, todavia tal deve se dar de forma razoável e não indistinta.
Em sentido contrário aos referidos doutrinadores, surge o posicionamento de Guilherme de Souza Nucci avaliando que:
O grande desvio, comum nos dias atuais, é especialmente, em revisão criminal, ingressar-se no mérito, desprezar-se a decisão soberana do povo, absolvendo-se o réu. São variados os argumentos para que tal se dê [...] adiantamos: inexiste, em nosso sentir, uma única justificativa plausível para que a vontade soberana do povo não deva prevalecer (2008, p. 32).
Logo, para Nucci, não existem motivos que justifiquem que a soberania dos veredictos seja transponível, nem ainda que o seja com o intuito de ponderar outros direitos, considerados mais importantes no caso concreto.
Asseverando, inclusive, que apesar de ser totalmente defensor da plenitude de defesa, acredita que proferida decisão condenatória pelos jurados, não existem motivos autorizadores para que qualquer tribunal modifique esta decisão, se fundamentado na premissa de que soberania é um termo intenso e que deve ser respeitado integralmente, sob pena de, seu desrespeito, configurar uma extrema inversão de valores (NUCCI, 2008).
Em contrapartida é entendimento majoritário, que é possível a Revisão Criminal nos Processos de competência do Tribunal do Júri, de modo brilhante Carlos Roberto Ceroni resume os principais fundamentos autorizadores da utilização da Revisão Criminal com o intuito de desconstituir uma decisão proferida neste Tribunal:
a) a soberania do júri é garantia constitucional de liberdade do réu e se ela é desrespeitada , em nome dessa mesma liberdade, atentado algum se comente contra o texto constitucional;
b) a soberania distingue-se do conceito de poder absoluto oriundo do direito constitucional, ou seja é relativa- não representa poder incontrolável, sem limites e absoluto- e, portanto, passível de correção, caso contrário não se poderia admitir os recursos de apelação e o protesto por novo júri;
c) a soberania tem um principio próprio- impossibilidade de outro órgão jurisdicional modificar a decisão dos jurados- e seus efeitos etão restritos ao processo enquanto relação jurídico- processual não decidida;
d) a soberania é estabelecida justamente em favor do réu, não podendo, pois ser invocada contra ele e impedi-lo de exercer plena defesa, com os recursos a ela inerentes, entre os quais a revisão criminal;
e) a norma que consagra a soberania dos veredictos não pode sobrepujar o clamor da sociedade, sob pena de consagração da injustiça; (CERONI, 2005, p. 198/199).
Portanto, verifica-se inegável a admissão da revisão criminal nos processos de competência do Tribunal do Júri, uma vez que não se pode atribuir um caráter imutável às decisões proferidas pelos jurados, bem como não se pode permitir que as sentenças proferidas neste Tribunal sejam perpetuadas no tempo se estiverem eivadas de flagrante injustiça.
Por mais que o último entendimento seja o mais correto, Guilherme de Souza Nucci (2008) parece propor outra solução para o referido caso, ao assumir posição contrária a desconstituição da coisa julgada no júri por magistrados, firma entendimento no sentido de que se o réu restar, de forma comprovada, condenado injustamente, deverá o tribunal utilizar o juízo rescindente e devolver o processo ao júri popular para que seja feito o juízo rescisório, asseverando que se houve ou não erro judiciário quem deverá decidir se o sentenciado é ou não culpado deverão sem os jurados, a quem cabe o julgamento dos crimes de competência do Tribunal do Júri.
Neste sentido nota-se que até o ano de 2011 havia nos tribunais superiores um certo receio em aplicar o instituto da revisão criminal para realizar o exame de mérito da questão às decisões do tribunal do júri, conforme jurisprudências que seguem:
Apelação Criminal. Júri. Homicídio duplamente qualificado Absolvição. 'Parquet' busca a renovação do julgamento, por ser o veredicto manifestamente contrário à prova dos autos. Admissibilidade. A opção do Conselho de Sentença pela tese de negativa de autoria conflita com a versão sustentada pelo réu, que em seu interrogatório afirma ter ocorrido legítima defesa. Várias testemunhas o teriam apontado como o autor do crime. Decisão, ademais, tomada por apertada maioria de votos (4x3). Recomendável a renovação do julgamento. Apelo Ministerial provido, para submeter o réu a novo Júri. (grifo nosso) .(495519360000000 SP , Relator: Péricles Piza, Data de Julgamento: 09/02/2009, 1ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 11/03/2009) (BRASIL, 2016a).
REVISÃO CRIMINAL - Júri - Réu que responde ao processo por um crime consumado e três crimes tentados - Alegação de legítima defesa- Prova testemunhal nesse sentido - Prova desconsiderada por serem as testemunhas"altamente suspeitas" - Ausência de contradita ou argüição de suspeição ao tempo oportuno - Testemunho prestado sob compromisso formal - Prova válida que não pode, por isso, ser desconsiderada - Prova constante nos autos que autoriza a realização de novo julgamento - Revisão deferida, pelo mérito, para submeter o réu a novo julgamento –(grifo nosso) (voto n. 8358)* (1235107520088260000 SP 0123510-75.2008.8.26.0000, Relator: Newton Neves, Data de Julgamento: 18/01/2011, 8º Grupo de Direito Criminal, Data de Publicação: 11/02/2011)- grifo nosso (BRASIL, 2016b).
Vê-se que existia resistência na aplicação do instituto revisional, permitindo ao órgão ad quem a realização dos juízos rescindentes e rescisórios, entretanto a posição assumida por Nucci (2007) não se apresentava como a mais plausível, sendo mais aceitável a avocada por Cesar Dario Mariano da Silva ao afirmar que levar o réu a novo julgamento pelo júri não é apropriado, uma vez que a nova decisão poderia ser novamente contrária a prova dos autos ocasionando uma perpetuação da injustiça.
Deste modo, insta salientar, que na Revisão Criminal, no Brasil, o juízo rescindente e o rescisório deverão ser realizados pelo tribunal ad quem, não se pode, portanto, comparar a ação revisional à apelação, uma vez que nesta o tribunal superior irá submeter o apelante a novo julgamento pelo Tribunal do Júri.
Fazendo-se, neste quesito, salutar a afirmação de Sérgio de Oliveira Médici no sentido de que não há possibilidade de separação do julgamento da revisão criminal no ordenamento jurídico brasileiro, afirma que: "[...] O tribunal competente, ao julgar a revisão, pode: confirmar a condenação, alterar a classificação da infração, reduzir a pena, absolver o condenado ou anular o processo." (MEDICI, 2000, p. 198).
Portanto, nos parece de suma importância trazer o entendimento firmado no STF na seguinte jurisprudência acerca do tema:
E M E N T A: "HABEAS CORPUS" - JÚRI - GARANTIA CONSTITUCIONAL DA SOBERANIA DO VEREDICTO DO CONSELHO DE SENTENÇA - RECURSO DE APELAÇÃO (CPP, ART. 593, III, "D") - DECISÃO DO JÚRI CONSIDERADA MANIFESTAMENTE INCOMPATÍVEL COM A PROVA DOS AUTOS - PROVIMENTO DA APELAÇÃO CRIMINAL - SUJEIÇÃO DO RÉU A NOVO JULGAMENTO - POSSIBILIDADE - AUSÊNCIA, EM TAL HIPÓTESE, DE OFENSA À SOBERANIA DO VEREDICTO DO JÚRI - RECEPÇÃO, PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988, DO ART. 593, III, "D", DO CPP - ALEGAÇÃO DE FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A INSTAURAÇÃO DA PERSECUÇÃO PENAL - PROVA DA MATERIALIDADE DO CRIME E DE EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS IDÔNEOS DA AUTORIA DO FATO DELITUOSO - EXAME APROFUNDADO DAS PROVAS - INVIABILIDADE NA VIA SUMARÍSSIMA DO "HABEAS CORPUS" - EXISTÊNCIA DE EXAME DE CORPO DE DELITO DIRETO - ALEGAÇÃO DE IMPRESTABILIDADE DO LAUDO PERICIAL - INOCORRÊNCIA - EXAME TÉCNICO ELABORADO POR PROFISSIONAIS MÉDICOS - RECONHECIMENTO DE OCORRÊNCIA DE VESTÍGIOS MATERIAIS PECULIARES À PRÁTICA DO CRIME DE ABORTO - PEDIDO INDEFERIDO. A SOBERANIA DO JÚRI E O RECURSO DE APELAÇÃO FUNDADO NO ART. 593, III, "D", DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. - A soberania dos veredictos do Júri - não obstante a sua extração constitucional - ostenta valor meramente relativo, pois as decisões emanadas do Conselho de Sentença não se revestem de intangibilidade jurídico-processual. A competência do Tribunal do Júri, embora definida no texto da Lei Fundamental da República, não confere, a esse órgão especial da Justiça comum, o exercício de um poder incontrastável e ilimitado. As decisões que dele emanam expõem-se, em conseqüência, ao controle recursal do próprio Poder Judiciário, a cujos Tribunais compete pronunciar-se sobre a regularidade dos veredictos. A apelabilidade das decisões emanadas do Júri, nas hipóteses de conflito evidente com a prova dos autos, não ofende o postulado constitucional que assegura a soberania dos veredictos do Tribunal Popular. - A mera possibilidade jurídico-processual de o Tribunal de Justiça invalidar, em sede recursal (CPP, art. 593, III, "d"), a decisão emanada do Conselho de Sentença, quando esta se achar em evidente conflito com a prova dos autos, não ofende a cláusula constitucional que assegura a soberania do veredicto do Júri. É que, em tal hipótese, o provimento da apelação, pelo Tribunal de Justiça, não importará em resolução do litígio penal, cuja apreciação remanescerá na esfera do Júri. Precedentes. Doutrina. - Inexiste, entre o art. 593, III, "d", do CPP e o texto da Constituição promulgada em 1988 (CF, art. 5º, XXXVIII, "c"), qualquer relação de incompatibilidade vertical. Conseqüente recepção, pelo vigente ordenamento constitucional, da norma processual em referência. A VIA SUMARÍSSIMA DO "HABEAS CORPUS" É INCOMPATÍVEL COM O EXAME APROFUNDADO DA PROVA PENAL. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem acentuado que o exame aprofundado das provas não encontra sede juridicamente adequada no processo de "habeas corpus". A postulação que objetive ingressar na análise, discussão e valoração da prova será plenamente admissível na via recursal ordinária, de espectro mais amplo, ou, ainda, na via revisional. A condenação penal definitiva imposta pelo Júri é passível, também ela, de desconstituição mediante revisão criminal, não lhe sendo oponível a cláusula constitucional da soberania do veredicto do Conselho de Sentença. Precedentes. O caráter sumaríssimo de que se reveste a via processual do "habeas corpus" não permite que, no âmbito estreito do "writ" constitucional, discutam-se questões de natureza essencialmente probatória, tais como aquelas pertinentes à materialidade do delito ou à configuração de sua autoria. Precedentes. EXAME DE CORPO DE DELITO - CRIME DE ABORTO - PRESSUPOSTO ESSENCIAL: A EXISTÊNCIA DO ESTADO DE GRAVIDEZ - CONSTATAÇÃO PERICIAL, NO CASO, FUNDADA EM LAUDO SUBSCRITO POR DOIS PROFISSIONAIS MÉDICOS - NULIDADE PROCESSUAL INOCORRENTE - A QUESTÃO DO EXAME DE CORPO DE DELITO INDIRETO NO CRIME DE ABORTO – PRECEDENTES (H, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma, julgado em 21/09/1993, DJ 06-11-2006 PP-00037 EMENT VOL-02254-02 PP-00292 RTJ VOL-00201-02 PP-00557) (BRASIL, 2016c).
Apesar do referido acórdão se tratar uma de decisão decorrente do julgamento de Habeas Corpus, tratou com clareza da possibilidade da utilização da ação revisional em harmonia com a soberania dos veredictos. E neste mesmo sentido, foi evoluindo a jurisprudência dos Tribunais superiores, para permitir a realização do juízo rescisório e rescindente em sede de Revisão Criminal, vejamos os julgados mais atuais acerca do tema:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. RECURSO MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE. PENAL E PROCESSO PENAL. REVISÃO CRIMINAL. FRAGILIDADE DO ARCABOUÇO PROBATÓRIO. CABIMENTO. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. REEXAME DE PROVA. ABSOLVIÇÃO EM CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA. POSSIBILIDADE.
1. Não há ofensa ao princípio da colegialidade quando a decisão monocrática é proferida em obediência ao artigo 557 do Código de Processo Civil, que franqueia ao relator a possibilidade de negar seguimento ao recurso quando manifestamente inadmissível ou improcedente.
2. O reconhecimento da fragilidade do arcabouço probatório se ajusta à previsão trazida no inciso I do artigo que trata da revisão criminal, na medida em que uma condenação nestes termos encontra-se inequivocamente contrária à evidência dos autos.
3. O exame do arcabouço probatório deve ser feito nas instâncias ordinárias, não competindo a esta Corte Superior de Justiça, que não constitui instância revisora, o reexame das provas dos autos.
4. "É possível, em sede de revisão criminal, a absolvição, por parte do Tribunal de Justiça, de réu condenado pelo Tribunal do Júri." 5. Agravo regimental desprovido (REsp 964.978/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Rel. p/ Acórdão Ministro ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RJ), QUINTA TURMA, julgado em 14/08/2012, DJe 30/08/2012). (grifo nosso) (BRASIL, 2016d).
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. RECURSO MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE. PENAL E PROCESSO PENAL. REVISÃO CRIMINAL. FRAGILIDADE DO ARCABOUÇO PROBATÓRIO. CABIMENTO. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. REEXAME DE PROVA. ABSOLVIÇÃO EM CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA. POSSIBILIDADE. (...) 4. 'É possível, em sede de revisão criminal, a absolvição, por parte do Tribunal de Justiça, de réu condenado pelo Tribunal do Júri'. (REsp 964.978/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Rel. p/ Acórdão Ministro ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RJ), QUINTA TURMA, julgado em 14/08/2012, DJe 30/08/2012) 5. Agravo regimental desprovido".
(AgRg no REsp 1154436/SP, de minha relatoria, SEXTA TURMA, julgado em 11/12/2012, DJe 17/12/2012) (BRASIL, 2016e).
PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL E CONTRARIEDADE AO ART. 621, I, DO CPP. TRIBUNAL DO JÚRI. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. VEDAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. DISSENSO PRETORIANO E NEGATIVA DE VIGÊNCIA AO ART. 626 DO CPP. CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA. TRIBUNAL DO JÚRI. CONDENAÇÃO. REVISÃO CRIMINAL. ABSOLVIÇÃO. POSSIBILIDADE. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. DECISÃO Trata-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, com fundamento nas alíneas "a" e "c" do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal, manejado contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que julgou procedente ação de revisão criminal aviada pelo acusado, a fim de o absolver da imputação de homicídio qualificado. (fls. 32/45) Em seu recurso especial às fls. 48/102, sustenta o recorrente, além de dissídio jurisprudencial, negativa de vigência ao artigo 621, inciso I, do Código de Processo Penal, por entender que a revisão criminal não poderia ter sido julgada procedente, ao argumento de condenação manifestamente contrária à prova dos autos, já que "neste caso, conforme perfeitamente indicado pelo veredicto, existem ponderáveis evidências que incriminam seriamente o imputado, não havendo suporte para a inferência a que chegou o acórdão recorrido".Além disso, aponta dissenso pretoriano e violação ao artigo 626 do Código de Processo Penal, sob o fundamento de que, em sede de revisão criminal, o tribunal de origem não poderia ter absolvido o acusado, ferindo assim a soberania constitucional atribuída ao júri, mas tão somente determinado a submissão do réu a novo julgamento perante o tribunal popular.Não houve apresentação de contrarrazões. (fl. 130) O recurso foi admitido pelo Tribunal de origem às fls. 132/133.O Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 142/145, pelo conhecimento e não provimento do recurso especial, nos seguintes termos: "RECURSO ESPECIAL. CONDENAÇÃO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. REVISÃO CRIMINAL. ABSOLVIÇÃO PELO TRIBUNAL ESTADUAL. DECISÃO DOS JURADOS MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. POSSIBILIDADE. ART. 626 DO CPP. PARECER NO SENTIDO DO DESPROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL".É o relatório. Razão não assiste ao recorrente. Inicialmente, quanto à aventada contrariedade ao artigo 621, inciso I, do Código de Processo Penal, verifica-se que o recorrente, em verdade, procura rediscutir a decisão do Tribunal de origem que entendeu estar a decisão dos jurados em total descompasso com o caderno probatório dos autos, no sentido da condenação do acusado.Ocorre que a análise da referida violação demandaria, necessariamente, o reexame dos fatos e das provas produzidas nos autos.É assente que cabe ao aplicador da lei, em instância ordinária, fazer um cotejo fático e probatório a fim de analisar se, por ocasião do julgamento perante o Tribunal Popular, a opção dos jurados encontra ou não ressonância no conjunto probatório dos autos. Nesse contexto, verifica-se não possuir esta senda eleita espaço para a análise da matéria suscitada pelo recorrente, cuja missão pacificadora restara exaurida pela instância ordinária.De fato, para se chegar a conclusão diversa da que chegou o Tribunal de origem, seria inevitável o revolvimento do arcabouço carreado aos autos, procedimento sabidamente inviável na instância especial. Não se mostra plausível nova análise do contexto probatório por parte desta Corte Superior, a qual não pode ser considerada uma terceira instância recursal.
Nesse contexto, verifica-se não possuir esta senda eleita espaço para o exame da matéria suscitada pelo recorrente, cuja missão pacificadora restara exaurida pela instância ordinária. Não se mostra, portanto, plausível nova análise do arcabouço carreado aos autos por parte desta Corte Superior, a qual não pode ser considerada uma terceira instância recursal.
No mais, referida vedação encontra respaldo no enunciado nº 7 da súmula desta Corte, verbis: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja Recurso Especial". Confiram-se, nesse sentido, os precedentes da Corte:
"RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. CONDENAÇÃO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. PEÇA QUE ATENDE AOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 41 DO CPP. CONSELHO DE SENTENÇA. DECISÃO CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. INCOMPATIBILIDADE ENTRE O LIBELO E A PRONÚNCIA. INOCORRÊNCIA. 1. (...). 2. (...). 3. (...). 4. No que concerne à invocada contrariedade ao art. 593, III, "d", do CPP, vislumbra-se que a questão foi dirimida à luz do contexto fático-probatório da lide, cujo reexame é defeso a esta Corte, nos termos da Súmula nº 7/STJ. 5. (...). 6. (...). 7. Recursos especiais a que se negam provimento". (REsp 303.557/PB, Rel. Min.OG FERNANDES, SEXTA TURMA, DJe 22/02/2010). (BRASIL, 2016f).
Ademais, conforme afirma Julio Fabrini Mirabete (2006), a possibilidade da revisão criminal não fere o princípio da soberania dos veredictos, portanto, ainda que modifique o mérito da decisão, é admissível o seu manejo desde que em favor do condenado, até porque a modificação da decisão em seu favor não lesa nenhum direito do réu, mas sim o beneficia.
Nesta senda José Augusto Delgado (2001 apud SILVA, 2004, p. 214) afirma que “‘a coisa julgada não deve ser via para o cometimento de injustiças’”. Segue nessa linha Humberto Theodoro Júnior (2002 apud SILVA, 2004, p. 217) sustentando que, “a segurança e a certeza almejadas pelo Direito não pode conviver com uma decisão que contenha uma ‘séria injustiça’.
Conquanto, neste sentido necessária se faz uma ponderação, no que diz respeito à instituição do Júri, bem como as garantias a ela abonadas que não podem ser consideradas apenas um direito do condenado, uma vez posta dentro de uma Constituição Federal, estas podem ser invocadas, também , em favor da sociedade, não podendo o Júri ser considerado tão somente para garantia da liberdade, mas sim com o intuito maior de garantir uma justiça em prol de todos e não só do réu.
Como vimos a coisa julgada não é absoluta. No dizer de Alexandre Câmara (2004, p. 19) “[...] nem mesmo as garantias constitucionais são imunes à relativização.”. Desse modo, devem ser observados os princípios da razoabilidade, proporcionalidade, legalidade não se permitindo a perpetuação de uma decisão que desrespeita o direito positivo, ou que seja injusta, em vista da proteção da coisa julgada (MARINONI, 2004).
Dentro dessa discussão com sabedoria Marcos Sampaio Souza esclarece que:
A coisa julgada é instrumento de concreção da segurança jurídica, e que somente deve ser afastada em casos extremos, quando sua manutenção importar em situação teratológica, na qual, realmente, não faça sentido e seja de extrema inconveniência à sociedade o respeito a ela [...] Também não se pode deixar de repudiar absurdos agressivos à inteligência e aos sentimentos do homem comum, sendo absurdo eternizar injustiças para evitar a eternização de incertezas [...] A aparente tensão entre os princípios da segurança jurídica e da justiça, se resolve pela busca da convivência de ambos em uma relação de verdadeira complementariedade e interdependência, já que, em essência, a plenitude do cumprimento do objetivo de cada um não prescinde de um respeito mínimo do outro (SOUZA 2004, p. 114-115).
Certo é que, não obstante algumas resistências jurisprudenciais e doutrinárias, o entendimento firmado, majoritariamente, é de que seja permitida a utilização da Revisão Criminal nos processos de competência do Tribunal do Júri, e até mesmo que esta seja modificada pelo próprio tribunal superior que julgará o mérito da Ação revisional.
Assim sendo, conforme demonstrado, não se pode acreditar que uma decisão proferida pelo Conselho de Sentença, seja imutável, a ponto de se perpetuar no tempo em virtude da proteção da soberania dos veredictos, haja vista a existência da Revisão Criminal com o objetivo de sanar os erros judiciários, evitando assim que ele cause danos ainda maiores àquele que se vê condenado injustamente.
Sendo, neste ponto, apropriada a afirmação de Guilherme de Souza Nucci (199, p. 123): “Dizer que ‘decisões injustas’ contra o acusado não podem ser mantidas por conta da soberania dos veredictos é, no mínimo prepotente [...]”. Logo, não há motivos que justifiquem a manutenção de uma decisão injusta, simplesmente pela existência da soberania.
Neste sentido também Paulo Rangel (2011, p. 1057): "A absolvição como efeito da revisão ocorre, inclusive, das decisões emanadas do Tribunal do Júri, pois não há que se falar em ofensa à soberania dos veredictos, pois este foi criado em favor do réu e, nesse caso, não pode haver ofensa àquilo que está sendo 'desrespeitado' para lhe proteger".
Ou seja, não se pode invocar um direito estabelecido para garantia do réu para lhe privar de outros também constitucionalmente garantidos e que podem, no caso concreto, serem de maior relevância para o réu do que a soberania dos veredictos, a esse respeito Mirabete ensina que:
"É admissível a revisão da sentença condenatória irrecorrível proferida pelo Tribunal do Júri, pois a alegação de que o deferimento do pedido feriria a 'soberania dos veredictos', consagrada na Constituição Federal, não se sustenta. A expressão é técnico-jurídica e a soberania dos veredictos é instituída como uma das garantias individuais, em benefício do réu, não podendo ser atingida enquanto preceito para garantir sua liberdade. Não pode, dessa forma, ser invocada contra ele. Aliás, também a Magna Carta consagra o princípio constitucional da ampla defesa, com os recursos a ela inerentes (art. 5º, LV), e entre estes está a revisão criminal. Cumpre observar que, havendo anulação do processo, o acusado deverá ser submetido a novo julgamento pelo Tribunal do Júri, enquanto a prova da inocência redunda em absolvição do condenado" (2001, p. 1603).
Resta concluir, que aqueles doutrinadores que defendem a Revisão Criminal no Tribunal do Júri, fundamentam-se na afirmação que a soberania dos veredictos é um direito instituído pela Constituição Federal em favor da liberdade do réu, logo poderá ser desconsiderada se em prol da liberdade.
Ademais afirmam que a soberania dos veredictos não é absoluta, motivo pelo qual poderá ser ponderado em determinados casos concretos, que assim o exijam, ousando, inclusive Alberto Hermínio Marques Porto (2005) afirmar que a soberania dos veredictos está restrita a existência de uma relação jurídica processual ainda não decidida, no entanto com este último entendimento não coadunamos, conforme explanado.
Contrariamente, existem aqueles entre os quais Guilherme de Souza Nucci e outros renomados juristas, como Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró, que amparam a tese de que o órgão ad quem não poderá, em hipótese alguma, substituir a decisão dos jurados, estes não se opõe ao uso da Revisão Criminal, mas afirmam veementemente que quando comprovada a existência do erro judiciário pelo pelo tribunal, este deverá fazer a remessa dos autos afim de que seja realizado novo julgamento pelo Tribunal do Júri, fazendo prevalecer assim a soberania dos veredictos.
Para estes, é possível uma harmonização entre o princípio supramencionado e a Ação Revisional, desde que o juízo rescisório seja realizado pelos jurados, de modo a assegurar a soberania do veredicto popular. E é, neste ponto que para este estudo fica demonstrada a impossibilidade de prevalecer tal entendimento, uma vez que não existe, no ordenamento jurídico brasileiro, uma separação entre o juízo rescindente e o rescisório.
Contudo, não se pode negar a importância da existência do Tribunal do Júri que estabelecido em um Estado Democrático de Direito, permaneceu firme nas Constituições promulgadas ao longo dos anos e se mantém até os dias atuais. Portanto, não há que se conferir ínfima importância a esta instituição, ao contrário, deseja-se com este trabalho demonstrar a sua importância e a necessidade de ser respeitada a soberania dos veredictos, desde que tal respeito não se dê cegamente de modo a impossibilitar a defesa, e, até mesmo, a correção de um erro judiciário presente nas decisões do Conselho de sentença.
Deste modo, conclui-se que é plenamente possível a utilização da Revisão Criminal para modificar as decisões dos jurados, devendo, no entanto, ser analisado o caso concreto pelo tribunal ad quem, possibilitando-se, desta maneira, que em determinadas situações a soberania dos veredictos seja atenuada em benefício do próprio acusado, titular maior do referido direito, até porque a Ação revisional será manejada em seu favor, e por conseqüência beneficiará a própria sociedade, até porque esta será, também, prejudicada se impedir a imposição da segurança jurídica , não permitindo, desta forma, que uma condenação injusta perpetue no tempo.
Conclusão
Em síntese, evidenciou-se com este artigo o valor que a soberania dos veredictos possui nas decisões proferidas pelo Conselho de Sentença, revelando-se a essência do Tribunal do Júri, qual seja o julgamento do réu pelos seus pares, por jurados leigos.
Imediatamente a essas afirmações, nos deparamos com os conflitos estabelecidos pelas características da Revisão Criminal que se contrapõe a garantia constitucional da soberania dos veredictos no Tribunal do Júri, demonstrando-se que é impossível retirar do condenado o direito de ter revista uma condenação injusta, todavia não se pode negar que a revisão realizada pelo tribunal ad quem é contrária ao conceito da soberania dos veredictos, pela qual a decisão proferida pelos jurados não poderá ser modificada por juízes togados.
No entanto, o que se espera é que a utilização da Revisão Criminal para modificar a decisão dos jurados não seja acolhida sob todo e qualquer fundamento, até porque, como demonstrado, as decisões proferidas no tribunal do júri são revestidas de uma extrema proteção insinuante maior do que as demais, uma vez que as decisões do Conselho de sentença são provenientes do convencimento de “juízes” leigos, buscando, desta forma, uma sentença mais justa, carecendo, deste modo, de gozar da proteção que a Constituição Federal as atribuiu.
Portanto, se faz relevante dizer que não se pretendeu com este artigo, defender a extinção da soberania dos veredictos sempre que for suscitada uma Revisão Criminal nos processos de competência do Júri, tão pouco se tem a pretensão de afirmar que esta, por proteger o direito de defesa, deverá sobrepor-se àquele princípio indiscriminadamente. Todavia, buscou-se demonstrar que em determinados casos concretos existe a necessidade de uma atenuação do princípio da soberania dos veredictos, em face do direito a liberdade, a ampla defesa e a justiça, garantidos pela Ação Revisional, ao desconstituir uma condenação injusta.
Para tanto é necessário que os operadores do direito, ao se depararem com situações concretas se libertem das suas raízes, sejam elas quais forem, analisando as particularidades do caso concreto, para desta forma poderem decidir qual a posição deverão adotar para a situação apresentada no caso real, fazendo desta forma que o direito seja aposto como um sistema de normas e não simplesmente se resuma a aplicação de uma norma de maneira isolada, e por conseguinte teremos um direito mais palpável e um sistema de regras que concatenadas podem existir em harmonia umas com as outras.
Referências
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Advogado. Mestre em Segurança Pública pela Universidade Vila Velha. Pós-graduado em Direito Processual Penal pela Faculdade Damásio. Pós-graduado em Direito Civil e Empresarial pela Faculdade Damásio.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODRIGUES, Lucas Amadeu Lucchi. A Revisão Criminal no Tribunal do Júri face ao Princípio da Soberania dos Veredictos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 maio 2021, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56428/a-reviso-criminal-no-tribunal-do-jri-face-ao-princpio-da-soberania-dos-veredictos. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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