resumo: o presente texto visa a fornecer um resumo e tecer considerações a respeito da obra “Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil” do estudioso inglês Thomas Hobbes. Referido autor, ao contrário dos antigos defensores da teoria teleológica, sustentou a teoria mecanicista dos indivíduos, pois acreditava que os seres humanos são abastecidos por matéria e movimento, sendo então regidos pelas mesmas leis da natureza que os objetos físicos. O livro aqui retratado expõe que o poder político pode ser entendido como a coerção de um indivíduo sobre o outro e que sociedades carecem de uma autoridade, de maneira que todos abdiquem o suficiente de sua liberdade natural: assim um poder absoluto e centralizado pode assegurar a paz interna e a defesa comum. Tal autoridade inquestionável e soberana é o Estado, representado pela entidade metafórica do Leviatã. Neste sentido, enquanto atividade humana, a política está intimamente associada ao poder.
Palavras-chave: Estado; Hobbes; Leviatã; liberdade; resumo.
abstract: This text aims to provide a summary and make considerations about the work “Leviathan or The Matter, Forme and Power of a Commonwealth Ecclesiasticall and Civil” by the english scholar Thomas Hobbes. This author, unlike the old defenders of the teleological theory, supported the mechanistic theory of individuals, because he believed that human beings are supplied by matter and movement, being then governed by the same laws of nature as physical objects. The book portrayed here exposes that political power can be understood as the coercion of an individual over the other and that societies lack an authority, so that everyone abdicates enough of their natural freedom: thus an absolute and centralized power can ensure the internal peace and common defense. Such an unquestionable and sovereign authority is the State, represented by the metaphorical entity of Leviathan. In this sense, as a human activity, politics is closely associated with power.
Keywords: freedom; Hobbes; Leviathan; Summary; State.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Sobre a obra. 3. Conclusão. 4. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO:
Este artigo tem como finalidade apresentar anotações sobre a obra “Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil”. O autor do referido livro, Thomas Hobbes, nascido no ano de 1588 em Westport, na Inglaterra e falecido aos 91 anos em 1679 em Hardwick Hall, foi um matemático, filósofo e pensador político. Sua obra mais conhecida, além da que aqui será tratada, é a intitulada “Do cidadão”. Foi filho de um vigário e foi criado por seu tio, que lhe proporcionou uma boa educação. Dedicado desde cedo aos estudos e à leitura dos clássicos escritos, aos 14 anos de idade já havia traduzido para versos latinos a obra “Medéia” de Eurípedes e aos 15 anos de idade já havia sido admitido na Magdalen Hall, uma das faculdades constituintes da Universidade de Oxford, instituição que lhe proporcionou o aprendizado científico escolástico e da Filosofia, com ênfase na escola aristotélica.
De maneira geral, Thomas Hobbes foi defensor da teoria mecanicista do universo, conceito que era predominante na época, em contrariedade à teoria teleológica defendida por Aristóteles e escolástica. O autor teve o privilégio de conhecer pessoalmente Galileu Galilei em viagem à Itália em 1636 e sob sua influência elaborou a filosofia social, pautada nos conceitos da geometria e ciências naturais. Em 1646, Hobbes foi professor de matemática do Príncipe de Gales, o futuro rei Carlos II, que estava exilado em Paris em virtude da Guerra Civil Inglesa (HOBBES, 2008).
Foi defendido por Thomas Hobbes o conceito de que só é possível aos homens viverem em paz se concordassem em se sujeitar a um poder central e total. Assim, não pode haver sujeição do Estado às leis por ele mesmo impostas, afinal isso significaria transgredir sua soberania. Segundo ele, a Igreja cristã e o Estado cristão constituíam o mesmo corpo, liderado pelo monarca, tendo este a aptidão de interpretar as Escrituras, definir questões de religião e dirigir o culto. Ele afirmou que somente é possível o conhecimento do mundo exterior por meio das impressões de sentido que temos a seu respeito, afinal só pode existir aquilo que os sentidos percebem. Tal modelo filosófico é entendido como uma tentativa de justificar que a formação social se dá puramente no seio das impressões pessoais e sensoriais, afinal estas são o bastante para que o homem aja na intensão de conservar sua própria existência. A partir desta base, foi construída por Hobbes sua filosofia política.
Para Thomas Hobbes, o ser humano não vem ao mundo livre, afinal apenas se é realmente livre quando se pode mensurar as consequências de nossos atos, sejam eles bons ou reprováveis. Diversos outros escritos foram concebidos por Hobbes, não só apenas sobre filosofia política, com a intenção de descrever a natureza humana como cooperativa em prol de interesses próprios. Sua idade de falecimento é considerada muito elevada para os padrões da época, afinal a expectativa de vida média girava em torno dos 40 anos. O ponto de vista hobbesiano pode ser entendido como detestável ou chamativo e suas teorias são apreciadas por pessoas de todos os campos políticos (BOBBIO, 1991).
SOBRE A OBRA:
É possível ser dito que a obra “Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil” é um dos mais importantes textos de filosofia política em idioma inglês. Foi elaborada em um momento de enorme conturbação política, tendo sido publicado no momento da tomada do poder na Inglaterra por Oliver Cronweel, quando este país deixa de ser uma monarquia e adota o regime republicano liderado por um militar em 1651. O país tornou-se então uma república denominada Commonwealth of England, mais de cem anos antes da Revolução Francesa, em que pese nove anos depois a monarquia tenha sido restaurada até a ocorrência da Revolução Gloriosa em 1688. Como Hobbes conviveu em época de considerável instabilidade política, sua abordagem foi canalizada no alcance da paz pessoal, política e social. O “Leviatã” é um ensaio em prol da obediência à autoridade e se pauta na abordagem da natureza do ser humano (MONTEIRO, 1998).
De acordo com o que escreveu Hobbes, os seres humanos são seres dotados de matéria e movimento, obedecendo às mesmas leis da natureza que os objetos físicos, o que constitui uma visão mecanicista dos homens. Então, o autor buscou o entendimento de como seria a vida entre os homens sem que existisse a política, situação em que denominou de “estado de natureza”. Partindo deste pensamento, o estado de natureza seria um cenário de guerra de todos contra todos, afinal se não houvesse uma comunidade política, todas as pessoas teriam autorização para terem a posse de tudo o que há, sem que fossem impostos limites, inclusive quanto aos resultados de seus próprios trabalhos. Na ausência de limites e restrições, os seres humanos praticariam sem freios suas paixões e desejos em situação que contemplaria não só a guerra entre particulares quanto à disputa e adversidade máximas em geral.
Segundo Thomas Hobbes, qualquer situação em que há ausência de um governo que estabeleça uma ordem pode ser entendida como “Estado de Natureza”. Como todos os seres humanos são igualmente egoístas, a ação de um homem sempre será limita pela força de outro. A expressão mais conhecida da obra de Thomas Hobbes é a de que “o homem é o lobo do homem”: os seres humanos vivem permanentemente em estado de guerra, para que possam satisfazer seus interesses próprios e pessoais. Preocupados sempre em defender-se ou em atacar-se mutuamente, todos os seres humanos tornam-se incapazes de gerar riquezas, no sentido amplo da palavra. Para que os seres humanos não se matassem mutuamente em prol de seus interesses mesquinhos e individuais e para que todos tivessem o mínimo de segurança, um Estado (instituição de poder comum) se fez extremamente necessário (HOBBES, 2004).
O poder político pode ser compreendido como o poder do homem sobre o outro homem. Tal poder foi definido por Hobbes como “consistente nos meios adequados à obtenção de qualquer vantagem”. Para Hobbes, o início de sociedades amplas e duradoras se deu não pela boa vontade de determinados homens pelos demais, mas sim por um medo latente recíproco. Sociedades necessitam de uma autoridade em que todos devem abdicar o suficiente de sua liberdade natural, de forma que um poder absoluto e centralizado consiga assegurar a paz interna e a defesa comum. Tal autoridade inquestionável e soberana é o Estado, representado pela figura emblemática do Leviatã. A política então, como atividade humana, está intimamente relacionada ao poder.
Hobbes identifica o Leviatã como uma figura monstruosa bíblica, sendo um tipo de enorme hipopótamo tratado no Livro de Jó e não haveria poder sobre o mundo que fosse possível a comparação. No livro, é traçada análise do comportamento do ser humano em seu estado natural até que se encontre com o homem artificial caracterizado pelo Estado que é próprio Leviatã. A respeito do ser humano em seu estado de natureza, foi ressaltado que ele é egoísta e luxurioso e tende a agredir aos semelhantes, sendo condenados por esta razão à existências solitárias, pobres, breves, animalescas e degradantes (MONTEIRO, 1998).
No estado natural do ser humano não há noção do que é justo ou injusto, tampouco daquilo que se pode ou não fazer, afinal os homens sobrevivem em sintonia com suas paixões e necessidades almejando seus anseios e em virtude de terem propósitos próximos, permanecem em habitual conflito. Entretanto, por serem dotados de racionalidade, os homens percebem que não é desejável querer para os outros aquilo que não almejam pra si e portanto é necessário renunciarem a seus direitos, passando-o a um outro poder que os dirija e os controle. Surge então a figura do homem artificial por meio de um acordoe espontâneo celebrado entre os homens, tendo como objetivo seu próprio acolhimento e para que seja possível sua fuga do estado de natureza, que é caracterizado pela instabilidade, visando à libertação e a salvação.
É defendido no livro que a natureza não inseriu no ser humano a noção de sociabilidade, afinal o homem só procura parcerias buscando a satisfação de seus interesses, de tal forma que a sociedade política é o pseudo-produto de um acordo voluntário decorrente de um entendimento interesseiro. Através deste contrato celebrado, o ser humano concede a um terceiro a gestão de seus interesses, que sobreporá a vontade de todos. Este terceiro, é possuidor de tanta energia e poder que torna-se hábil, em virtude de todo o terror e pânico que emana, de conduzir os anseios de todas as pessoas em direção da paz no interior e em direção à cooperação coletiva perante os inimigos do exterior. Importante notar que tal contrato não é celebrado com este terceiro possuidor do poder, mas sim entre os seres humanos que renunciam a favor desde entre todo aquele direito e liberdade que são prejudiciais à paz. Forma-se então a sociedade civil, que é entendida como a reunião de homens perante uma autoridade soberana, a qual todos concordam em transferir alguns de seus direitos naturais sobre todas as coisas em troca de proteção e acolhimento, principalmente por meio da garantia dos acordos entre as pessoas (HOBBES, 2004).
Thomas Hobbes manifestou sua preferência à forma de governo monarquista. Entende-se que esta predileção é devida ao fato de seu livro ter sido escrito em meio à Guerra Civil Inglesa. Para ele em uma monarquia os anseios da coletividade se assemelham aos anseios do privado e assim a satisfação das inclinações dos súditos é facilitada, já que para a manutenção do seu próprio bem-estar, o governante precisar garantir o bem-estar de seus governados. O contrato celebrado caracteriza-se pela renúncia total e irretratável, caso contrário a situação de guerra se perpetuaria entre os seres humanos por menor que fosse a conservação a liberdade natural. Dessa forma, a igualdade de todos perante a lei seria garantida pelo soberano, já que poder absoluta não significa inexistência de arbítrio, afinal é por meio da legalidade que se concretizam as demandas dos homens. Com tal concretização, o Estado atinge a conquista da paz social e o Leviatã deixa de ser o temível monstro e constitui-se em um ser humano (BOBBIO, 1991).
Faz parte da adesão a uma monarquia absolutista o resguardo de um governo centralizado que possa ser apto a impedir guerras civis. Para Hobbes, não pode haver a alegação de que somos coagidos pela autoridade formada, porque isso significaria dizer que somos coagidos por nós mesmos, o que é impossível. Assim, ao não reconhecer a ocorrência de abuso de poder por parte da autoridade soberana, é defendido que seu poder se estende aos campos eclesiásticos, incluindo as forças armadas e o Judiciário, ou seja, se expande além da política (HOBBES, 2004).
CONCLUSÃO:
É apresentada na obra “Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil” a argumentação de que nenhum dos grandes feitos dos homens seria viável sem que existisse tal pacto social. Tudo o que é produzido e elaborado pelos seres humanos depende em maior ou menor grau de segurança para as atividades e para a conservação daquilo que se produz, o que é inviável no estado de natureza. Se estivessem acuados de forma permanente pelo risco de uma morte violenta ou pela hipótese de perda de sua produção, nada seria produzido pelos homens e isso inclui a literatura, as artes e sociedade organizada.
Para Thomas Hobbes, a propriedade privada só é viável perante um Estado que exerce sua tutela, afinal em um estado de natureza os homens teriam direitos sobre todas as coisas existentes, o que significa que no final das contas não teriam nada. Assim sendo, somente o Estado pode garantir por meio de sua força, que é superior a força conjunta de todos, que aquilo que pertença a um lhe seja exclusivo, de forma que é garantido o sistema individual de propriedade. Em relação ao direito sobre a propriedade, o Leviatã é bastante claro, no sentido de que todo o direito dessa esfera provém do soberano, ou seja, do Estado detentor de todo e qualquer poder.
Neste sentido, não há espaço para consentir que a propriedade privada seja reivindicada como condição de sobrevivência. Em relação a isso pode-se depreender um dos pontos mais protuberantes da ideologia de Estado de Hobbes: da mesma forma que os direitos políticos são cedidos aos cidadãos quando o soberano fortuitamente determina, os direitos econômicos também se localizam integralmente na posse do Estado, em conformidade com o previsto no pacto hobbesiano. Nesse sentido, ao soberano convém autorizar ou não que os governados possuam propriedades, se a ele soar conveniente. Isto porque, em tese, todos os tipos de propriedade pertencem em último grau ao Estado e o soberano pode, desde que entenda ser proveitoso para a manutenção da paz e da segurança de sua nação, vir a admitir e a regular os tratos mercantis entre os seus governados, consentindo com a acumulação capitalista e, de maneira geral, com a detenção de meios privados produtivos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes. Rio de Janeiro: Campus, 1991.
HOBBES, Thomas. Do cidadão. São Paulo: Martin Claret, 2008.
HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. São Paulo: Martin Claret, 2004.
MONTEIRO, João Paulo. A Ideologia do Leviatã Hobbesiano. In QUIRINO, Célia Galvão; BRANDÃO, Gildo Marçal; VOUGA, Claudio (orgs.). Clássicos do Pensamento Político. São Paulo: Edusp, 1998.
Doutorando, mestre e graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Especialista em Ciência Política pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e em Direito Processual Civil pela Escola Paulista da Magistratura (EPM). Oficial da Reserva do Exército Brasileiro pelo Centro de Preparação de Oficiais da Reserva de São Paulo (CPOR-SP). Servidor do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LABRUNA, Felipe. Anotações sobre a obra “Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil” de Thomas Hobbes Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 maio 2021, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56461/anotaes-sobre-a-obra-leviat-ou-matria-forma-e-poder-de-um-estado-eclesistico-e-civil-de-thomas-hobbes. Acesso em: 22 nov 2024.
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