RESUMO: Este artigo objetiva analisar a Lei Anticorrupção americana: Foreign Corrupt Pratices Act – FCPA, promulgada com a finalidade de combate os casos de corrupção e pagamento de propina à agentes públicos, tanto nos Estados Unidos como no exterior. Analisa as condições em que a lei foi criada, como foi estruturada e quais os órgãos responsáveis pela sua aplicação, com foco principal em sua abrangência extraterritorial e apresentação de casos práticos
PALAVRAS-CHAVE: Corrupção; Suborno; FCPA.
ABSTRACT: This article aims to analyze the Foreign Corrupt Practices Act - FCPA, promulgated for the purpose of combating cases of corruption and payment of bribes to public agents, both in the United States and abroad. It analyzes the conditions under which the law was created, how it was structured, and which agencies are responsible for its enforcement, with a main focus on its extraterritorial scope and with the presentation of practical cases.
KEYWORDS: Corruption; Bribery; FCPA.
1. Introdução
O Congresso americano promulgou a U.S. Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) em 1977 após o escândalo político de Watergate. Na ocasião a U.S. Securities and Exchange Commission (SEC), descobriu o pagamento de centenas de milhões de dólares em subornos, para autoridades governamentais estrangeiras afim de garantir negócios no exterior, por mais de 400 empresas norte-americanas. A SEC informou que as empresas usavam fundos suspeitos para realizarem contribuições ilegais às campanhas nos Estados Unidos e para pagamentos de funcionários estrangeiros corruptos, bem como falsificavam suas finanças corporativas e registros para ocultar esses pagamentos.
O Congresso americano entendeu que a aprovação da FCPA era necessária para evitar o suborno corporativo. O escândalo prejudicou a imagem e a confiança na integridade e transparência financeira de empresas norte-americanas, bem como o afetou o funcionamento da livre concorrência. O Congresso americano reconheceu que a corrupção tem alto custo aos Estados Unidos e ao estrangeiro, pois leva à ineficiência e instabilidade do mercado, bem como o torna um campo de concorrência desleal para empresas que respeitam a letra da lei.
Ao promulgarem uma lei robusta de combate ao suborno de funcionários públicos estrangeiros, o Congresso americano buscou minimizar os efeitos destrutivos da corrupção e ajudar as empresas a resistirem a eventuais demandas corruptas. A mesma lei também proibiu a contabilidade “off-the-books”, ou seja, também prevê disposições destinadas a garantir a precisão dos registros contábeis, e restabelecer a confiabilidade nas contas das empresas por meio de maior transparência nos livros e registros corporativos.
O FCPA foi a primeira norma voltada para o combate às práticas de corrupção. Apesar de não ter provocado efeitos imediatos foi o início de uma grande mudança, de impacto global. Com base na FCPA muitas leis foram promulgadas em diversos países. A Lei das Empresas Limpas brasileira e seu Decreto Regulamentador trouxe alguns elementos da lei americana para aplicação no Brasil, como a implementação de programas de compliance.
2. Órgãos responsáveis pelo enforcement
A Securities and Exchange Commission (SEC), equivalente à Comissão de Valores Mobiliários brasileira, e o Departamento de Justiça americano (DOJ), são as agências responsáveis pela aplicação da FCPA. Outras agências federais, como o Federal Bureau of Investigation (FBI), auxiliam nas investigações e implementação de medidas para promover o livre e justo mercado, ao mitigar o pagamento de suborno e reprimir casos de corrupção.
A SEC é responsável pela execução civil contra pessoas jurídicas, bem como contra seus diretores, empregados, agentes e acionistas, que agem de forma ilegal em nome da empresa, por meio de seus dispositivos de combate ao suborno e acerca da precisão dos livros e registros. Em 2010 foi criada uma unidade especial para tratar de FCPA. Essa unidade tem como objetivo investigar possíveis violações da FCPA, facilitar a coordenação com outros órgãos de aplicação da lei, como DOJ e outros parceiros nacionais e internacionais, analisar denúncias e alegações de suborno no estrangeiro, bem como conduzir a divulgação pública para aumentar a conscientização sobre os esforços de combate à corrupção e promover bons programas de governança corporativa.
O DOJ é o responsável pela aplicação criminal da lei contra as pessoas jurídicas, seus diretores, empregados, agentes e acionistas. O Departamento também é responsável por aplicação civil e criminal de responsabilidade sob os delitos de suborno e corrupção previstos na FCPA.
3. Abrangência da Lei
As disposições anti-suborno da FCPA aplicam-se amplamente três categorias de pessoas e entidades: (i) "issuers" e seus diretores, diretores, funcionários, agentes e acionistas; (ii) "domestic concerns" e seus dirigentes, diretores, funcionários, agentes e acionistas; e (iii) pessoas e entidades, que não sejam issuers e domestic concerns, enquanto atuantes no território dos Estados Unidos.
Issuers são as empresas com valores mobiliários listados em uma bolsa de valores dos Estados Unidos, ou empresas com uma classe de valores mobiliários cotada no mercado de balcão dos Estados Unidos e que devem a submeter relatórios periódicos à SEC. Uma empresa, portanto, não precisa ser uma empresa americana para configurar como issuer. Os diretores, conselheiros, funcionários, agentes, ou acionistas que atuam em nome de um issuer (seja nos EUA ou no estrangeiro), e quaisquer coparticipes, também podem ser processados sob a FCPA.
Domestic concern é qualquer indivíduo que se configure como cidadão, nacional, ou residente dos Estados Unidos, ou qualquer corporação, parceria, associação, sociedade anônima, consórcio, organização, ou pessoa jurídica, organizada sob as leis dos Estados Unidos ou seus estados, territórios, possessões ou commonwealths. ou que tenham nos Estados Unidos sua principal local de negócios. A lei prevê também estrangeiros que atuem em nome de um domestic concern, sejam esses diretores, funcionários, agentes ou acionistas ou pessoas jurídicas.
A FCPA também se aplica a certos cidadãos estrangeiros ou entidades que não são issuers e domestic concerns. Em 1998, as disposições anti-suborno da FCPA foram expandidas para permitir a aplicação da norma à pessoas e entidades estrangeiras não issuers que, diretamente ou indiretamente, participem em qualquer ato de pagamento corrupto (uma oferta, promessa ou autorização para pagar) enquanto estiver no território dos Estados Unidos. Além disso, diretores, funcionários, agentes ou acionistas que atuam em nome dessas pessoas ou entidades podem estar sujeitos às proibições anti-suborno da FCPA.
As disposições anti-suborno da FCPA podem ser aplicadas tanto dentro como fora dos Estados Unidos. Issuers e domestic concerns - bem como seus diretores, funcionários, agentes ou acionistas - podem ser processados para usar os e-mails dos EUA ou qualquer meio ou instrumento de logística interestadual para promover pagamento de suborno para agente público estrangeiro. A lei define "logística interestadual" como “comércio, logística, transporte ou comunicação entre os vários Estados, ou entre qualquer país estrangeiro e qualquer Estado ou entre qualquer Estado e qualquer local ou navio estrangeiro”. O termo também inclui o uso de qualquer meio interestadual de comunicação, ou qualquer outra instrumentalidade interestadual. Assim, fazer uma chamada telefônica ou envio de um e-mail, mensagem de texto ou fax de ou para os Estados Unidos envolvem logística interestadual – como enviar uma transferência eletrônica de ou para um banco dos EUA ou de outra forma usando o sistema bancário dos EUA ou viajando através de fronteiras estaduais ou internacionalmente para ou dos Estados Unidos.
4. Casos concretos
Diversos casos de empresas e pessoas físicas estrangeiras que foram responsabilizadas na jurisdição americana por atos de corrupção corroboram o previsto na FCPA quanto à extraterritorialidade da lei. Abaixo foram selecionados alguns exemplos para entendermos a atuação do long arm na prática.
(i) Caso da Petróleo Brasileiro S.A (Petrobras):
A Petrobras, empresa estatal brasileira, com ações na Bolsa de Valores de Nova York, teve membros da Diretoria envolvidos no desvio de milhões de dólares em pagamentos de suborno para políticos e seus partidos no Brasil. Os diretores também estavam envolvidos na facilitação de subornos para um contratante da Petrobras, que repassou valores aos políticos brasileiros. Durante esse período, por exemplo, um executivo da Petrobras dirigiu pagamentos ilícitos para impedir uma investigação parlamentar sobre contratos da Petrobras, e o executivo também determinou que pagamentos recebidos de empresas contratadas pela Petrobras fossem usados de forma corrupta para pagar milhões de dólares à campanha de um brasileiro político que supervisionava o local onde estava sendo construída uma das refinarias da Petrobras.
A empresa admitiu que não conseguiu criar e manter livros, registros e contas que refletissem de forma precisa e justa a capitalização de ativos imobilizados da empresa como resultado do suborno gerado pelos contratados da empresa com a cooperação de certos executivos da Petrobras. A Petrobras entrou em um acordo de não-acusação e concordou em pagar uma multa criminal de US $ 853,2 milhões para resolver o problema. Isso reflete um desconto de 25% sobre o limite inferior da faixa de multa de diretrizes de condenação dos EUA aplicável para a total cooperação e remediação da empresa. Em processos relacionados, a Petrobras chegou a um acordo com a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC).
(ii) Caso Credit Suisse (Hong Kong):
A Credit Suisse Hong Kong (CSHK), uma subsidiária da Credit Suisse Group AG (CSAG), empresa suíça de ações negociadas na Bolsa de Valores dos Estados Unidos, chegou a um acordo com o DOJ e concordou em pagar uma penalidade criminal de US $ 47 milhões por ter feito parte em um esquema de negócios bancários, de forma corrupta, ao conceder a amigos e familiares de funcionários chineses.
De acordo com as alegações do CSHK, entre 2007 e 2013, vários gerentes seniores do banco, na região Ásia-Pacífico, forem responsáveis pela contratação, promoção e retenção de candidatos indicados por ou relacionados a autoridades governamentais e executivos de entidades estatais. Os empregos dessas “contratações por indicação” eram parte de esquema onde os agentes públicos encaminhavam os candidatos para o emprego, por meio dos quais os banqueiros da CSHK obtinham e mantinham negócios com as entidades estatais. Os funcionários de outras subsidiárias da CSAG estavam cientes dessas contratações e facilitaram a conduta.
O DOJ e o CSHK firmaram um acordo, e o CSHK concordou em pagar uma multa penal de US $ 47.029.916 para resolver o assunto. Como parte do acordo, a CSHK e sua matriz Credit Suisse AG também concordaram em continuar a cooperar com o Departamento em quaisquer investigações e processos relacionados à conduta, aprimorar seus programas de conformidade e relatar ao Departamento sobre a implementação de suas políticas.
(iii) Caso Jose Manuel Gonzalez Testino:
De acordo com a queixa criminal, Gonzalez e um partícipe pagaram pelo menos US$ 629.000 em propinas a um ex-funcionário da Petroleos de Venezuela S.A. (PDVSA) em troca do funcionário tomar medidas para (1) direcionar contratos da PDVSA para as empresas de Gonzalez, (2) dar prioridade às empresas de Gonzalez sobre outras fornecedores para receber pagamentos e (3) conceder contratos PDVSA às empresas Gonzalez em dólares americanos em vez de bolívares venezuelanos.
E maio de 2019 Gonzalez declarou-se culpado no tribunal federal de Houston das acusações de conspiração para violar FCPA, de violação da FCPA e de não declarar suas contas bancárias estrangeiras. De acordo com as confissões feitas, entre 2012 e 2018, Gonzalez conspirou com outros para subornar funcionários da PDVSA. Gonzalez admitiu que entre novembro de 2012 e até junho de 2013, ele e seu partícipe pagaram pelo menos 629.000 dólares em subornos a Cesar Rincon David Godoy (Rincon), o antigo diretor-geral da Bariven, a filial de compras da PDVSA. Gonzalez também admitiu que ele e os seus partícipes pagaram subornos a Alfonso Eliezer Gravina Munoz (Gravina) durante o tempo em que Gravina era funcionário da PDVSA na PDVSA Services Inc., outra filial da PDVSA sediada em Houston. Em troca, a Rincon e a Gravina forneceram à Gonzalez informações internas sobre os processos de aquisição da PDVSA e tomaram medidas para dirigir os contratos da PDVSA às empresas da Gonzalez e para dar às empresas da Gonzalez outras vantagens comerciais. Gonzalez admitiu que estas incluíam prioridade sobre outros vendedores para receber pagamentos.
Gonzalez também admitiu fazer pagamentos de suborno a vários funcionários da PDVSA que estavam sediados em Houston e empregados da Citgo. Embora a Citgo atuasse principalmente como refinaria, transportadora e comerciante de produtos derivados do petróleo, também adquiriu bens e serviços em nome da PDVSA através do seu grupo de Projetos Especiais. Gonzalez admitiu que ele e os seus partícipes pagaram pelo menos quatro funcionários da Citgo no grupo de Projetos Especiais e ofereceram presentes e outras coisas de valor a um executivo sénior da Citgo. Em troca, Gonzalez admitiu que os funcionários da Citgo ajudaram as suas empresas a obter contratos para novos negócios, forneceram informações internas relativas ao processo de concurso da PDVSA e deram prioridade de pagamento as suas faturas pendentes da PDVSA. Gonzalez admitiu também que tinha interesses financeiros ou autoridade signatária sobre múltiplas contas bancárias estrangeiras e não apresentou um relatório de conta bancária estrangeira, ou "FBAR", em 2017.
5. Conclusão
O FCPA foi criado como forma de recuperar a confiança da sociedade nas empresas e no mercado americano que se viu envolvido em um grande escândalo público de corrupção. Também serviu de instrumento para evitar o suborno como prática anticompetitiva, que muitas vezes determina a empresa contratada ou vencedora de alguma licitação com base no ganho do particular, em detrimento da avaliação da qualidade do produto/serviço e do preço oferecido, sendo assim a corrupção uma grande inimiga do livre mercado.
Apesar de ter sido criada no final da década de 70, e editada na década de 90, apenas em 2000 a sua aplicação passou a ser efetiva. Muitos casos milionários ganham a mídia, como a Siemens, e trouxeram a atenção para essa importante questão. Os infratores da FCPA podem ser condenados ao pagamento de multas milionárias, sanções administrativas e penais. À SEC cabe a apresentação de ações civis e o controle dos livros e registro contábeis das empresas, com a finalidade de evitar fraudes e registros imprecisos. O DOJ foca em investigar e punir os casos de suborno e corrupção sob a FCPA.
Como discutido e exemplificado acima a abrangência da FCPA é global, visto como o long arm do dispositivo legal pode atingir grande parte das empresas multinacionais, muitas negociadas em bolsas americanas por questões de estratégias financeiras. O uso difundido dos instrumentos americanos de logística, comunicação e financeiros também impõe o cumprimento da FCPA a empresas estrangeiras. Por exemplo, provedores de e-mail sediados nos EUA, e a realização de pagamentos de propina em dólar, podem acarretar responsabilização sob a FCPA.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Criminal Division of the U.S. Department of Justice and the Enforcement Division of the U.S. Securities and Exchange Commission. A Resource Guide to the U.S. Foreign Corrupt Practices Act, 2017.
Department of Justice and Securities and Exchange Commission. A Resource Guide to the FCPA U.S. Foreign Corrupt Practices Act, 2015.
Department of Justice. Case: IN RE PETRÓLEO BRASILEIRO S.A. (2018), 2018.
Department of Justice. Case: Credit Suisse Hong Kong (CSHK), 2018.
Department of Justice. Case: Jose Manuel Gonzalez Testino, 2018.
Bacharel em Direito com especialização em Compliance pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARROS, Gisela Pires Foz de. A lei anticorrupção americana e sua abrangência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 maio 2021, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56599/a-lei-anticorrupo-americana-e-sua-abrangncia. Acesso em: 24 nov 2024.
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