RESUMO: As convenções processuais vêm ganhando bastante espaço no judiciário, este procedimento decorre de um novo formato de processo, dando as partes a liberalidade de disposição de alguns direitos processuais ou a alteração do procedimento já previsto em lei. Este artigo tem como objetivo abordar o tema trazido pelo Código de Processo Civil, caracterizado como um novo procedimento no CPC, denominado “Procedimentos Especialíssimos”, disposto nos artigos 190 e 191, com o intuito de esclarecer acerca da cláusula geral de negócios jurídicos processuais, além de abordar temas diversos como os limites das disponibilidades processuais entre as partes litigantes e as prerrogativas dos juízes de direito.
Abstract: Procedural conventions have been growing in the judiciary, this procedure comes from a new process format, giving the entities the disposition liberality relative to some procedural rights or changing the procedure already foreseen for by law. This article aims to discuss the theme brought up by the Brazilian Code of Civil Procedure, marked as a new procedure in the CPC, called “Very Special Procedures”, referred in articles 190 and 191, in order to clarify about the general clause of procedural legal affairs, in addition to board many topics such as the limits of procedural availabilities between the litigants entities and the prerogatives of the judges of law.
Palavras-chave: Convenções Processuais. Negócios Jurídicos Processuais. Novo Código de Processo Civil.
Sumário: 1 Introdução. 2 Convenções Processuais. 3 Princípios que Regem as Convenções Processuais. 4 Atos jurídicos e Negócio jurídicos. 4.1 Atos de disposição processual. 4.2 Acordos. 4.3 Calendário. 5 Limites da disponibilidade processual. 6 Conclusão. 7. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
Através da visão do senso comum, o que se imagina é que, no momento da propositura de uma demanda judicial até o julgamento final da lide, as partes entrarão em um longo litigio, tendo o juiz que resolver o conflito dando fim ao litigio.
Ocorre que, a cada dia, o mundo evolui um pouco mais, sendo que esta evolução chegou também ao Poder Judiciário brasileiro. Para isso, o primeiro passo dessa evolução veio através do Código de Processo Civil de 1973, em seu art. 331, que dava às partes a hipótese de chegarem a um acordo na audiência preliminar, em matérias onde havia litigio que versasse acerca de direitos que admitiam transação.
Com a vinda do Código de Processo Civil de 2015, a lei flexibilizou ainda mais a possibilidade de as partes transacionarem no curso da demanda judicial. Essa possibilidade foi denominada de negócios jurídicos processuais, que permite que às partes litigantes estabeleçam acordos quanto ao direito material e quantos aos procedimentos do direito processual.
Este artigo tem como objetivo abordar o tema trazido pelo Novo Código de Processo Civil - CPC, caracterizado como um novo procedimento processual, denominado “Procedimentos Especialíssimos”, disposto nos artigos 190 e 191, com o intuito de esclarecer acerca da cláusula geral de negócios jurídicos processuais, além de abordar temas diversos como os limites das disponibilidades processuais entre as partes litigantes e as prerrogativas dos juízes de direito.
2. CONVENÇÕES PROCESSUAIS
Tradicionalmente, a legislação processual determina em seu texto, normas e regras a serem seguidas pelo magistrado, pelos advogados e pelas partes litigantes em uma demanda judicial. Tais normas eram impostas pelo legislador e cabiam às partes apenas segui-las.
Tal determinação não impediu que, no que tange ao direito material, as partes pudessem por fim a uma demanda processual, por meio de normas do processo civil.
Ocorre que, no Novo Código de Processo Civil, há vários dispositivos que sugerem às partes, com intermédio do juiz e dos seus respectivos advogados, a realização da chamada composição processual, para que haja a solução consensual dos conflitos de forma amigável entre às partes.
Tal possibilidade é realizada através dos meios consensuais de solução de conflitos, denominada pelo CPC de mediação e conciliação. Esta possibilidade de solucionar um conflito, está previsto no §3º, do art. 3º, que determina que tal solução seja proposta pelos magistrados e advogados, conforme se mostra a seguir: “A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial’’
Pois bem, essa não foi a única novidade inserida no CPC. O ato normativo também contempla, no art. 190, do CPC, a possibilidade de as partes convencionarem entre si, estipulando mudanças no procedimento para ajustá-las com as especificidades da causa e convencionarem também sobre ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, com e sem intervenção do magistrado.
Nesse sentido, tem sido o entendimento jurisprudencial:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL - EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE - AJUIZAMENTO POSTERIOR DE EMBARGOS À EXECUÇÃO - PEDIDO DE DESCONSIDERAÇÃO DA EXCEÇÃO - CONCORDÂNCIA DA PARTE EXEQUENTE - POSSIBILIDADE - NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL. I- Considerando-se que a parte executada apresentou embargos à execução que retomaram, com profundidade, matéria anteriormente impugnada por meio de exceção de pré-executividade, esvaziando, assim, o interesse na análise do incidente apresentado, inexiste óbice à desistência do meio impugnativo anterior, mormente se considerando a concordância da parte exequente; II- O negócio jurídico processual trata da liberdade conferida às partes para transacionarem mudanças no procedimento, dentro dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, com fulcro no Art. 190 do CPC, e configura fonte de norma jurídica processual, vinculando, assim, o órgão julgador, que, em um Estado de Direito, deve observar e fazer cumprir as normas jurídicas válidas, inclusive as convencionais.
O presente julgamento do recurso de Agravo de Instrumento versa sobre Ação de Execução de Título Extrajudicial, no qual o Juízo de Primeira Instância rejeitou a exceção de pré-executividade apresentado pela parte Agravante, e o condenou ao pagamento de custas e despesas processuais além dos honorários advocatícios, após seu pedido de desistência. Em Segunda Instância, o Desembargador relator entendeu que a exceção de pré-executividade não enseja sucumbência da parte Impugnante, uma vez que se trata de um mero incidente processual. Assim, o Desembargador relator deu provimento ao recurso para reformar a decisão agravada.
Mas, no que tange aos negócios jurídicos processuais, o presente julgamento aborda a possibilidade das partes em desistir do incidente processual, com a concordância do impugnado. Assim, o Desembargador relator homologou a desistência do incidente processual e reformou a decisão no que tange ao pagamento de custas, despesas processuais e os honorários de sucumbência.
Além disso, é possível, também, conforme prevê o art. 191 do CPC, fixarem, em comum acordo, calendário para a prática dos atos do procedimento em conjunto com o magistrado. Veja-se:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - RESCISÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - REALIZAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL - CONCESSÃO DE PRAZO E SUSPENSÃO DO PROCESSO ATÉ O PAGAMENTO DO VALOR NOMINAL DO CONTRATO - INADIMPLÊNCIA - CONCESSÃO DE LIMINAR DE REINTEGRAÇÃO DA POSSE - AUSÊNCIA DE DISPOSIÇÃO CONVENCIONAL - AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO, À LUZ DOS REQUISITOS - ANULAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA. Os sujeitos processuais podem, de comum acordo, fixar calendário para a prática dos atos processuais, sendo lícita a suspensão do processo ou diferimento do exame de pedido de antecipação da tutela acaso desatendido o ajuste para pagamento, espontâneo do valor de face do contrato. Se a reintegração de posse não foi prevista como consequência do inadimplemento, sua concessão exige o enfrentamento dos requisitos legais da antecipação da tutela, devendo ser anulado o pronunciamento judicial que, por se embasar em disposição consensual inexistente, é considerada como desprovida de fundamento.
O presente Agravo de Instrumento trata-se de decisão proferida em ação de rescisão de contrato c/c reintegração de posse e indenização por perdas e danos e pedido de antecipação de tutela. A decisão versava acerca da possibilidade de reintegração de posse diante do inadimplemento do Agravante.
Nos autos do presente recurso, as partes comunicaram a realização de acordo extrajudicial para pagamento dos débitos pendentes, pedindo, assim, sua homologação, mas o acordo não foi cumprido na data previamente estipulado pelas partes. Assim, o Desembargador relator julgou o recurso entendendo pela necessidade de anulação da decisão agravada.
Quanto aos negócios jurídicos processuais, o desembargador relator entendeu que, diante do não pagamento do acordo e da não reintegração da posse, ocorreu no processo o sobrestamento dos autos a fim de que as obrigações fossem cumpridas espontaneamente pelo Agravante.
Ambos os julgados fundamentam suas decisões nos arts. 190 e 191 do CPC/15, prestigiando a possibilidade de convenção processual entre as partes litigantes.
3. PRINCÍPIOS QUE REGEM AS CONVENÇÕES PROCESSUAIS
No direito, os princípios são utilizados desde a Roma Antiga e, ainda hoje, influenciam diversas culturas estabelecendo normas que regem as relações humanas na sociedade.
Os princípios são pilares da norma jurídica e podem ser vistos como um meio alternativo no qual encontra sustentação para realização da sua aplicação diante da falta de norma ou, até mesmo, em conjunto com a norma. Os princípios participam também na formulação das leis, tendo um papel muito importante para a construção normativa no ordenamento jurídico brasileiro.
No Brasil, a aplicação dos princípios é bastante comum e eles estão previstos na Lei 4.657/42, que trata da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. O art. 4º dispõe que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
Ocorre que, com o passar dos anos e com as alterações legislativas, os princípios continuam bastante presentes no ordenamento jurídico sendo encontrados também nos negócios jurídicos processuais.
No que tange ao procedimento comum e nas convenções processuais, o que se espera das partes litigantes é que ambas respeitem um dos princípios fundamentais do direito que é o princípio da boa-fé, que dispõe acerca do dever ético e moral, das partes para que a demanda em curso seja resolvida da melhor forma possível.
É necessário também que às partes observem os princípios da cooperação, previsto no art. 6º do CPC, que dispõe acerca da cooperação entre as partes, para que se obtenha, em tempo razoável, uma decisão de mérito justa e efetiva. Assim, é preciso que as partes cooperem entre si para um procedimento célere e justa visando um bem comum.
Nos negócios jurídicos processuais, se analisa de forma mais atenta o princípio da autonomia da vontade, que se trata da possibilidade de as partes definir regras no procedimento para atender as necessidades da lide. Mas este princípio, até mesmo no procedimento comum, encontra óbice quanto a sua aplicação, uma vez que há limites na legislação e na Constituição da República de 1998, quanto a possibilidade de disposição de determinados direitos.
Além disso, as convenções processuais dão ainda mais ênfase ao princípio da duração razoável do processo, ao princípio da eficiência e da economia processual, uma vez que os acordos firmados entre as partes podem acarretar um procedimento mais célere e econômico.
Antonio do Passo Cabral cita em sua obra que os acordos processuais trazem “previsibilidade ao processo, permite uma melhor avaliação de custo-benefício, reduz o estado de incertezas e diminuem os custos de transação, tornando as relações econômicas mais interessantes, gerando economia no processo.” (ANTONIO DO PASSO CABRAL. 2020. P.252).
Por fim, segundo Fredie Didier Jr., em seu livro acerca dos negócios jurídicos processuais, ele vê a necessidade de inserir o chamado “respeito ao autorregramento da vontade no processo civil” como um princípio fundamental do direito processual nas convenções processuais. O autor entende que: “esse princípio visa “a obtenção de um ambiente processual em que o direito fundamental de autorregular-se possa ser exercido pelas partes litigantes sem restrições irrazoáveis ou injustificadas”. (FREDIE DIDIER JR. 2019. p. 38 e 39). Tornando o processo jurisdicional um espaço propicio para exercício da liberdade.
O autor Leonardo Cunha também defende a criação do referido princípio, uma vez que o autorregramento da vontade se assemelha muito com a autonomia privada, “que permite a autorregulação, autodeterminação e autovinculação, podendo as partes criar fontes normativas e definir a produção de certos efeitos sobre situações jurídicas”. (LEONARDO JOSÉ CARNEIRO DA CUNHA. 2015. P.3)
4. ATOS JURÍDICOS E NEGOCIOS JURÍDICOS
Para que seja caracterizado como um ato jurídico, a legislação brasileira aponta a necessidade de haver manifestação de vontade do agente, sendo ela expressa ou tácita.
O conceito de ato jurídico é dividido em duas espécies, sendo atos jurídicos lato sensu e atos jurídicos stricto sensu. O primeiro decorre da vontade humana, de forma manifestada, não sendo necessário interferência da natureza. Já os atos jurídicos stricto sensu decorrem da vontade do agente, mas sua vontade deve estar de acordo com o que a lei estabelece. Assim, declarada a vontade da parte os efeitos produzidos serão aqueles preestabelecido em lei.
Já os negócios jurídicos estão associados à autonomia privada, onde, através da manifestação de vontade as partes podem constituir, modificar ou extinguir atos processuais, alterando o procedimento previsto em lei.
Diante disso, nota-se que a eficácia dos atos jurídicos e dos negócios jurídicos não são os mesmos, pois no ato jurídico não é possível que as partes estabeleçam como o processo será conduzido, uma vez que está liberdade está prevista apenas nos negócios jurídicos.
4.1. Atos de Disposição Processual
Conforme dispõe o art. 200, do CPC, “os atos das partes consistem em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade produzem imediatamente a constituição, modificação ou extinção de direitos processuais.”
Com o sistema processual adotado pelo CPC, o que predomina é a autonomia da vontade das partes com intermédio do juiz. Essa faculdade dada às partes deve ser harmônica e trabalhar em conjunto com os poderes do juiz para que se atinja uma finalidade da prestação jurisdicional mais eficiente e justa.
Diante da possibilidade de manifestação de vontade das partes, várias nomenclaturas vêm sendo usadas para tratar dos atos de disposição processual, uma delas é a “autonomia privada”, a “autonomia da vontade” e até mesmo “autorregramento da vontade”. (TRÍCIA NAVARRO XAVIER CABRAL. 2019. P.50)
Porém, o autor Leonardo Greco preferiu adotar a terminologia que entendia ser mais ampla “atos de disposição processual”, uma vez que ele entende que tal expressão abrange todas as vontades das partes. (LEONARDO GRECO. 2007. Revista Eletrônica)
Para Trícia Cabral, os atos de disposição processual “consistem no exercício da liberdade dentro do processo, por meio de condutas omissivas ou comissivas que indicam uma manifestação de vontade do sujeito processual e objetivam uma consequência para o processo.” (TRÍCIA NAVARRO XAVIER CABRAL. 2019. P.52)
Por fim, entende-se que o ato de disposição processual pode produzir efeitos meramente processuais, como a desistência da lide e a renúncia ao direito de recorrer, ou de direito material, com a realização de um acordo nos autos, por exemplo.
Assim os atos de disposição devem ser garantidos e estimulado pelos juízes, para garantir a efetividade da relação jurídica.
4.2. Acordos
Os acordos são atos de disposição processuais unilaterais ou bilaterais, onde a(s) parte(s) pode(m) dispor de seus direitos materiais ou processuais frente a uma demanda judicial, com objetivo de por fim à lide. Tais acordos são formas de autocomposição em que a solução do conflito é obtida por decisão consensual entre as partes envolvidas na lide.
Assim, em um acordo, pode ocorrer de apenas uma das partes conceder uma oferta financeira de acordo ou, ceder algum direito e abdicar de outros, sobre partes ou em sua totalidade, com objetivo de por fim à lide.
A realização de acordos pode ocorrer em qualquer fase do processo, inclusive se já houver sentença e o processo estiver em fase recursal. Veja-se:
APELAÇÃO. AÇÃO DE COBRANÇA. ACORDO FIRMADO ANTES DO JULGAMENTO DO RECURSO. COMUNICAÇÃO DE DESISTÊNCIA DESTE. BAIXA DOS AUTOS PARA HOMOLOGAÇÃO PELO JUÍZO MONOCRÁTICO. DESISTÊNCIA DO RECURSO HOMOLOGADA.
A ementa acima trata-se de recurso de apelação interposta por R&D Serviços de Aluguel de Roupas LTDA contra sentença proferida nos autos de ação de cobrança ajuizada por Companhia Ultragaz S.A. Nos presentes autos do recurso, o Apelante comunica a realização do acordo extrajudicial firmado entre as partes e requer a desistência do recurso por perda do objeto. Assim, o Desembargador Relator homologou o pedido de desistência do recurso e determina a remessa dos autos para que o juízo de primeira instância homologue o acordo extrajudicial.
Quanto as previsões legais acerca da realização de acordos, a Constituição da República prevê em seu art. 4º, VII, a solução pacifica dos conflitos. Mas esta determinação só foi incentivada no CPC de 1973, em seu art. 331, que dava às partes a hipótese de chegarem a um acordo na audiência preliminar, em matérias onde havia litigio que versasse acerca de direitos que admitiam transação.
Após, foi sancionado no direito brasileiro a Lei 9.099/95 que dispõe acerca dos juizados especiais cíveis e criminais. Com a vinda da Lei dos juizados especiais, a realização de acordos foi ganhando força, uma vez que ela incentiva a autocomposição, diante da necessidade de realização de audiência de conciliação no início do procedimento judicial.
Com a chegada do CPC em 2015, a prática de realizações de acordos através da conciliação e mediação ganharam ainda mais força, estimulando em seu art.3º, §3º, a utilização dos métodos adequados de solução consensual de controvérsias. Estimulando também no art. 190, onde há a possibilidade de as partes convencionarem entre si, estipulando mudanças no procedimento para ajustá-las com as especificidades da causa e convencionarem também sobre ônus, poderes, faculdades e deveres processuais.
O ordenamento jurídico não especifica todas as possibilidades de autocomposição, mas elenca algumas dessas possibilidades, como a renúncia ao direito de recorrer e a possibilidade de desistência da lide, por exemplo. Mas tais acordos podem versar acerca de qualquer direito disponível, material e processual, uma vez que não contrarie os direitos fundamentais previstos na Constituição da República.
Porém, mesmo não sendo expresso as possibilidades de convenção entre as partes, há enunciados[1] do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC)[2] que tratam de matérias acerca das convenções entre as partes, veja-se:
6. (arts. 5º, 6º e 190) O negócio jurídico processual não pode afastar os deveres inerentes à boa-fé e à cooperação.
17. (art. 190) As partes podem, no negócio processual, estabelecer outros deveres e sanções para o caso do descumprimento da convenção.
20. (art. 190) Não são admissíveis os seguintes negócios bilaterais, dentre outros: acordo para modificação da competência absoluta, acordo para supressão da primeira instância, acordo para afastar motivos de impedimento do juiz, acordo para criação de novas espécies recursais, acordo para ampliação das hipóteses de cabimento de recursos.
115. (arts. 190, 109 e 110) O negócio jurídico celebrado nos termos do art. 190 obriga herdeiros e sucessores.
Assim, com a implementação do art. 190, as partes têm a liberalidade de ajustarem o procedimento de acordo com as especificidades de cada caso, seja restringindo fases, limitando prazos, limitando os meios de provas e até mesmo limitando atos processuais.
4.3. Calendário
O calendário processual é uma flexibilização criada pelo CPC para que as partes, em conjunto com o juiz, fixem prazos para os cumprimentos dos atos processuais.
O CPC inseriu a possibilidade de as partes adaptarem o procedimento para permitir que os prazos sejam fixados de maneira adequada às especificidades da lide, para que sejam cumpridos facilmente pelas partes, sem a necessidade de sucessivas intimações ou pedidos de dilação de prazos.
Assim, além de permitir que as partes convencionem no curso da demanda judicial, os negócios jurídicos processuais permitem também que elas estabeleçam calendário processual em conjunto com o magistrado para a pratica de atos processuais, conforme prevê o art. 191, do CPC, “de comum acordo, o juiz e as partes podem fixar calendário para a prática dos atos processuais, quando for o caso”.
Neste caso, o calendário processual não vincula somente as partes, mas também o magistrado, determinando que os prazos fixados só serão modificados em casos excepcionais, conforme determina o §1º deste artigo “o calendário vincula as partes e o juiz, e os prazos nele previstos somente serão modificados em casos excepcionais, devidamente justificados”.
Com o calendário previamente determinado, o procedimento fica mais econômico e célere, uma vez que o §2º dispensa a intimação previa das partes: “dispensa-se a intimação das partes para a prática de ato processual ou a realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário.”
5. LIMITES DA LIBERDADE PROCESSUAL
Apesar da liberdade processual conferida às partes nos negócios jurídicos processuais, há limitações para a pratica das convenções, uma vez que nenhum direito é absoluto e ilimitado. Como os negócios jurídicos processuais é um tema recente, o maior desafio é identificar quais são seus limites, mas é notório que para que haja as convenções processuais os direitos fundamentais devem ser protegidos, havendo assim, segurança jurídica às partes.
Leonardo Greco, ao analisar os atos de disposição processual e seus limites, indica três fatores para vinculação desses limites, sendo:
“à disponibilidade do próprio direito material posto em juízo; o respeito ao equilíbrio entre as partes e a paridade de armas; e por fim, a preservação da observância dos princípios e garantias fundamentais do processo no Estado Democrático de Direito”. (LEONARDO GRECO. 2008. P.4-6)
Já para Antonio do Passo Cabral, os limites seriam:
“a identificação das garantias processuais afetadas pela convenção; os parâmetros das convenções típicas; e, a proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais processuais, que são as garantias mínimas do devido processo legal, sob pena de invalidade”. (ANTONIO DO PASSO CABRAL. 2018. P. 360-390)
Diante das visões apresentadas, nota-se as várias hipóteses e possíveis critérios para limitar as disponibilidades processuais.
Uma vez que o tema não foi tão abordado nas normas brasileiras, houve a necessidade de debate de algumas limitações pela FPPC, onde se destaca os seguintes enunciados:
Enunciado nº 06: “O negócio jurídico processual não pode afastar os deveres inerentes à boa-fé e à cooperação”
Enunciado nº 18: “Há indício de vulnerabilidade quando a parte celebra acordo de procedimento sem assistência técnico-jurídica”.
Enunciado nº 20: “Não são admissíveis os seguintes negócios bilaterais, dentre outros: acordo para modificação da competência absoluta, acordo para supressão da 1ª instância”;
“Enunciado nº 132: “Além dos defeitos processuais, os vícios da vontade e os vícios sociais podem dar ensejo à invalidação dos negócios jurídicos atípicos do art. 191”
Dessa forma, para que o objeto da convenção processual seja licito, sem possiblidade de anulação, devem os requisitos dos negócios jurídicos processuais seguir os requisitos gerais de todo e qualquer negocio jurídico, devendo as partes ser agente capaz, devendo o objeto ser lícito e sua forma prescrita ou não defesa em lei, além de seguir todos os princípios do direito, inclusive o da boa-fé.
Mas, quanto às limitações descritas nas normas brasileiras, deve-se levar em consideração as limitações já preestabelecidas, como a vedação para criação de outros órgãos do Poder Judiciário, já que tais órgãos são estabelecidos pelo art. 92 da Constituição da República.
Além disso, as partes não poderão convencionar acerca da criação de um novo recurso, uma vez que os recursos são taxativos. Também não podem convencionar acerca da utilização da língua estrangeira no processo judicial, uma vez que o art. 192, do CPC, determina a obrigatoriedade da utilização da língua portuguesa.
Assim, nota-se que as partes não poderão convencionar sobre questões já regulamentadas e determinadas pela norma jurídica.
Quanto ao juiz de direito, com a implantação do CPC, o juiz deixa de exercer o papel central na relação processual e passa a exercer o papel de facilitador para cumprimento das regras, e às partes passa de figuras processuais para protagonistas da ação processual.
Ocorre que o juiz tem várias prerrogativas elencadas no CPC, como a possibilidade de interrogatório das partes a qualquer momento (art. 139, VIII, CPC), a alteração da ordem e produção dos meios de provas (art. 139, VI, CPC), a possibilidade de determinar de ofício a realização de nova perícia quando a matéria não estiver esclarecida (art. 480, CPC), por exemplo. Mas, com a cláusula geral dos negócios jurídicos processuais, às partes puderam em comum acordo convencionar sobre muitos dessas normas.
Assim, ao que tange ao juiz de direito, vale destacar que este deverá, de ofício, controlar a validade dos negócios jurídicos, declarando a nulidade do ato caso viole a ordem pública e os direitos fundamentais das partes, em caso de má-fé ou vulnerabilidade, julgando o caso à luz das provas produzidas nos autos.
6. CONCLUSÃO
A cláusula geral dos negócios jurídicos processuais parte da necessidade de adequar o processo a uma nova visão da realidade social. Sua real implementação vem no Código Civil de 2015 com possibilidade de adequar o procedimento as especificidades da causa e dos interesses das partes para incentivar a solução consensual de conflitos, através da autocomposição. Com sua implementação, ocorreu ainda a flexibilização procedimental no curso da demanda judicial, objetivando o alcance à máxima eficiência do processo.
Nos negócios jurídicos processuais, a participação do juiz é de extrema relevância, pois este agirá como fiscal da lei, observando os cumprimentos dos requisitos, dos prazos estabelecidos pelas partes e dos limites impostos aos atos de disposição processual.
Ocorre que as convenções processuais é um procedimento recente e ainda há muito que evoluir, pois há necessidade de apresentação de novos formatos de solução de conflitos e de determinar limites dos atos de disposição processuais impostos pelo direito brasileiro.
No mais, a aceitação do novo procedimento vem ganhando força e efetiva aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro, fazendo com que as partes entre em um acordo antes de proferida a sentença, tornando o processo judicial mais célere e econômico para as partes.
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[1] . Os enunciados não se tratam de jurisprudência, pois possuem um caráter doutrinário, mas são utilizados de maneira recorrente em petições, sentenças, acórdãos como se fossem, na medida em que para a formulação de um enunciado ocorrem ricos debates sobre a prática jurídica processual.
[2] . Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) é um grupo de advogados processualistas que, inicialmente, se reuniram para debater a versão do projeto de lei do novo Código de Processo Civil. Atualmente, são travados diálogos com a comunidade jurídica, em especial dos processualistas civis, sobre a aplicação do CPC/2015 e promovidos encontros com todos que se dedicam ao processo civil.
Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Una (Belo Horizonte/MG)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Letícia Millena Fernandes. A atuação do juiz cível e os limites da cláusula geral de negócios jurídicos processuais previsto no novo Código de Processo Civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 jun 2021, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56609/a-atuao-do-juiz-cvel-e-os-limites-da-clusula-geral-de-negcios-jurdicos-processuais-previsto-no-novo-cdigo-de-processo-civil. Acesso em: 22 nov 2024.
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