AIRTON ALOISIO SCHUTZ
(orientador)
VALDIRENE CÁSSIA DA SILVA
(coorientadora)
RESUMO: O enfoque especial deste tema é a Responsabilidade Civil quanto à aplicação de prisões cautelares indevidas, pois ao observar o sistema judiciário brasileiro no que se refere à decretação de prisões cautelares e os requisitos processuais que autorizam aplicação desta percebe-se que há uma incidência preocupante em relação ao cometimento de erros procedimentais e práticos por parte dos agentes públicos, ocasionando assim, em demasiadas decisões equivocadas, que resultam em prisões cautelares indevidas e consequentemente gera graves prejuízos ao jurisdicionados que deveram ser suportado pelo Estado (art. 5º LXXV, e art. 37, § 6º da Constituição Federal de 1988); esse dispositivo nos revela que o constituinte estabeleceu a todas as entidades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de reparar, inclusive por atos de seus servidores que venham a causar danos a terceiro, independentemente da prova de culpa no cometimento da lesão. Logo, não é necessário que se tenha uma sentença condenatória transitada em julgado, sendo a simples condenação errônea suficiente para a postulação da reparação pelos danos materiais, morais e/ou estéticos que sejam decorrentes da atividade jurisdicional.
Palavras-chave: Prisão cautelar indevida; Agentes Públicos; Responsabilidade estatal; Reparação.
ABSTRACT: The special focus of this theme is Civil Liability for the application of improper restraining orders, as when observing the Brazilian judicial system with regard to the decree of restraining orders and the procedural requirements that authorize the application of this, it is clear that there are a worrying concern in relation to the committing of procedural and practical errors on the part of the public agents, thus causing, in too many wrong decisions, that result in improper precautionary arrests and consequently generates serious damages to the jurisdictional that had to be supported by the State (art. 5 LXXV , and article 37, § 6 of the Federal Constitution of 1988), the provision tells us that the constituent has imposed on all state entities and their administrative dismemberment the obligation to repair, including for acts of their servants that may cause damage to a third party , regardless of the proof of guilt in commenting on the injury. Therefore, it is not necessary to have a condemnatory sentence that is final and unappeasable, being a simple erroneous conviction sufficient for the postulation of recovery for material, moral and / or aesthetic damages that result from the jurisdictional activity.
Keywords: Improper precautionary arrest; Public agents; State responsibility; Repair.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Noções sobre Prisões Cautelares; 2.1 Prisão em flagrante; 2.2Prisão Preventiva; 2.3 Prisão Temporária; 3. Causas da Aplicabilidade da Prisão Cautelar Indevida; 3.1 Falta de pressupostos legais; 3.2 Reconhecimento fotográfico; 3.3 Abuso de Autoridade; 4. Responsabilidade Civil do Estado; 4.1 Dano Patrimonial; 4.2 Dano Moral; 4.3 Dano estético; 5. O Custo da Injustiça: Direito a Indenização; 6. Considerações Finais; 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo dedica-se à análise da responsabilidade civil do estado em decorrência da aplicabilidade de prisões cautelares indevidas. Objetivando assim, estudar as indagações jurídicas pertinentes quanto à responsabilização estatal visando à reparação pelos danos causados ao acusado injustamente. A análise será voltada para decretação de prisões cautelares conhecidas como processuais que auxiliam na fase de persecução e ação penal.
O estudo procura demonstrar que as atuações dos agentes públicos garantidores da justiça, por vezes, geram o encerramento cautelar indevido, causando assim, a antecipação da punição, e a banalização do caráter excepcional das prisões cautelares, o que não pode ser admitido adiante do Estado Democrático de Direito, bem como perante as garantias individuais estabelecidas na Constituição Federal de 1988.
A pesquisa do Departamento Penitenciário (DEPEN 2013) aponta que a população carcerária cresceu 400% em 20 anos, 37,56% são presos que aguardam julgamento, ou seja, estão encarcerados cautelosamente. Percebe-se a existência de um número elevado de prisões cautelares, em que pese parte desse número poderão ser absolvidos por constatar a sua inocência, por falta de provas de autoria ou materialidade, e/ou pela a ocorrência de outros erros judiciários.
A proposta é apresentar conceitos, causas e características de modo a discorrer de maneira didática sobre o tema proposto e expor as atualizações pertinentes, principalmente referentes à Lei n.º 13.964/2019 e a Lei n.° 13.829/2019. Para o desenvolvimento da pesquisa utilizou-se a análise legal, doutrinária, jurisprudencial, bem como do estudo interdisciplinar entre as ciências do direito a fim de compreender as noções sobre as prisões cautelares e suas espécies, descrever as causas e os danos causados pela privação de liberdade ilegal, assim como expor os fundamentos jurídicos que propõem o dever de reparabilidade estatal.
2. Noções sobre Prisões Cautelares
A prisão penal nasce da necessidade de manter o controle social, no qual o Estado é detentor do direito de punir “jus puniendi” e utiliza-se das sanções definidas em lei quando ocorre o cometimento de delitos, de maneira a restringir a liberdade pessoal. O especialista Renato Brasileiro de Lima (2012) determina que a prisão deve ser entendida como a privação de liberdade de locomoção, isto é, da liberdade de ir e vir, com o recolhimento da pessoa humana ao cárcere.
O Código de Processo Penal vigente foi promulgado pelo Decreto-lei n.º 3.689 de 1941, e entrou em vigor no ano subsequente, desde então passou por severas modificações, tendo em vista que foi criado ainda no período do Estado Novo e apresentava um cunho totalitarista e fascista, como elucida Pacelli (2009) é inquestionável a incompatibilidade visto que a configuração política do Brasil de 1940 apontava em direção totalmente oposta ao cenário das liberdades públicas e dos direitos fundamentais abrigados no atual texto constitucional.
Diante da evidente necessidade de atualização do dispositivo em 2011, foi aprovada a lei 12.403, que modificou o Código de Processo Penal no que se refere às medidas cautelares de natureza pessoal, utilizadas para restringir a liberdade de locomoção antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Salienta-se ainda, que houve novidades que reforçam o caráter excepcional das prisões cautelares, trazidas pela lei n.° 13.964/2019 (pacote anticrime), que serão abordadas oportunamente.
As prisões cautelares foram criadas para serem adotadas em último caso, quando não for possível a adoção de medida diversa menos gravosa, em conformidade com os princípios constitucionais da liberdade e da presunção de inocência elucidado pelo artigo 5°, inciso LVII, dispondo que: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória” (BRASIL, 1988). Assim, a liberdade é regra e a prisão é exceção, as medidas cautelares privativas de liberdade podem ser utilizadas durante a persecução penal somente por estrita necessidade, precedida da devida motivação.
A decretação de prisão cautelar exige a presença de elementos que indiquem o envolvimento do investigado na prática do crime, além disso, deve a medida ser imprescindível para assegurar a aplicação da lei penal, prevenindo a fuga, por exemplo, e para garantir que a atividade probatória não tenha interferência do imputado, bem como, para evitar reiteração criminosa. No entanto, qualquer ato em descordo com as formalidades processuais é ilegal, e causa danos ao acusado passíveis de reparação. Quanto às prisões cautelares o legislador as dividiu nas espécies flagrante, preventiva e temporária.
2.1 Prisão em Flagrante
A prisão em flagrante, após o advento da lei 12.403/2011, foi considerada uma medida administrativa, com intuito de resguardar a ordem social, podendo até mesmo ser efetivada por “qualquer do povo”, sendo uma exceção, visto que a prisão por norma se dá mediante decisão judicial escrita e fundamentada. Nucci (2014, p.534) assegura que:
A natureza jurídica da prisão em flagrante é de medida cautelar de segregação provisória do autor da infração penal. Assim, exige-se apenas a aparência da tipicidade, não se exigindo nenhuma valoração sobre a ilicitude e a culpabilidade, outros dois requisitos para a configuração do crime.
Nessa perspectiva, a prisão em flagrante é formalizada no momento da apreensão, mas se torna jurisdicional quando o magistrado toma conhecimento, decidindo assim, de acordo o artigo 310 do Código de Processo Penal, que foi inserido pela lei 12.403/2011, e passa a exigir apresentação ao magistrado no prazo de 24 horas, que deve analisar e deliberar de acordo as hipóteses de relaxamento da prisão, aplicação das medidas cautelares diversas da prisão, concessão da liberdade provisória, com ou sem fiança, ou conversão em prisão preventiva.
O §2º do artigo 310 do Código de Processo Penal foi instituído pela Lei n.º 13.964/2019, e proíbe a concessão de liberdades provisórias nos casos de prisões em flagrante envolvendo 1) a reincidência do agente, 2) agente integrante de organização criminosa armada, e 3) agente flagrado portando arma de fogo de uso restrito. O dispositivo quando publicado atraiu a atenção de parcela da doutrina e dos operadores do Direito, que sustentaram sua inconstitucionalidade por força dos precedentes já adotados pelo STF, como nos autos do HC de n.º 104.339/SP:
“HABEAS CORPUS. PENAL, PROCESSUAL PENAL E CONSTITUCIONAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. SEGREGAÇÃO CAUTELAR. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE SITUAÇÃO FÁTICA. LIBERDADE PROVISÓRIA INDEFERIDA COM FUNDAMENTO NO ART. 44 DA LEI N. 11.343. INCONSTITUCIONALIDADE: NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO DESSE PRECEITO AOS ARTIGOS 1º, INCISO III, E 5º, INCISOS LIV E LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. ORDEM CONCEDIDA. [...] Inexistência de antinomias na Constituição. Necessidade de adequação, a esses princípios, da norma infraconstitucional e da veiculada no artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição do Brasil. A regra estabelecida na Constituição, bem assim na legislação infraconstitucional, é a liberdade. A prisão faz exceção a essa regra, de modo que, a admitir-se que o artigo 5º, inciso XLIII, estabelece, além das restrições nele contidas, vedação à liberdade provisória, o conflito entre normas estaria instalado[...]. (STF - HC: 104.339 SP, Relator: Min. Gilmar Mendes, Data de Julgamento: 10/05/2012, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 06/12/2012)
Cabe ressaltar ainda que o delegado de polícia assim com o juiz deverá avaliar a presença dos pressupostos de legalidade e necessidade da prisão, e somente após análise dos requisitos poderá fazer as determinadas comunicações, pois de acordo Lima (2013) a prisão em flagrante inicia-se com a captura do autor do crime, que é posteriormente conduzido coercitivamente à presença da autoridade policial, que em seguida comunica o juiz, depois ao Ministério Público e sua família, ou pessoa por ele indicada. Vale mencionar que existem dois tipos de flagrante: o próprio e o impróprio, aos quais, Lima (2016, p. 751) elucida que:
O flagrante próprio e a expressão “acaba de cometê-la” deve ser interpretada de forma restritiva, no sentido de absoluta imediatidade (sem qualquer intervalo de tempo). [...] O flagrante impróprio, também chamado de imperfeito, irreal ou quase-flagrante, ocorre quando o agente é perseguido logo após cometer a infração penal. [...] Exige o flagrante impróprio a conjugação de 3 (três) fatores: a) perseguição (requisito de atividade); b) logo após o cometimento da infração penal (requisito temporal); c) situação que faça presumir a autoria (requisito circunstancial).
Dessa forma, a prisão em flagrante é intitulada provisória e visa manter em cárcere o sujeito ativo do delito para assegurar a instrução probatória do crime, sendo dispensável a ordem escrita e fundamentada pela autoridade judiciária competente, de modo que perante qualquer irregularidade na coação caberá ao juiz relaxar a prisão.
2.2 Prisão preventiva
A prisão preventiva, no que lhe concerne, tem natureza cautelar mais ampla, cabível no curso da fase investigativa e da ação penal, e tem por objetivo garantir a eficácia e efetividade do futuro provimento jurisdicional, e deve ser precedida de fundamentação específica. Segundo o doutrinador Fernando Capez (2016, p. 392):
A prisão preventiva é modalidade de prisão provisória, ao lado do flagrante e da prisão temporária. [...]. Trata-se de medida excepcional, imposta somente em último caso (CPP, art. 282, § 6º). Nesse sentido: “A prisão provisória é medida de extrema exceção. Só se justifica em casos excepcionais, onde a segregação preventiva, embora um mal, seja indispensável. Deve, pois, ser evitada, porque é uma punição antecipada” (RT, 531/301). Seus pressupostos são: necessidade, urgência e a insuficiência de qualquer outra medida coercitiva menos drástica, dentre as previstas no art. 319 do CPP.
Com o advento da lei n° 13.964/2019, a prisão preventiva não pode mais ser decretada pelo juiz de ofício, assim, será imposta mediante requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial, conforme a redação do artigo 311 do Código de Processo Penal. Todavia, mesmo havendo a alteração do artigo citado ainda ocorrem decisões equivocadas nesse sentindo como o exemplo a seguir:
HABEAS CORPUS – PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA – TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES – PRETENSÃO – REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA – AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA E DOS REQUISITOS DO ART. 312, DO CPP – CONSTATAÇÃO – ILEGALIDADE RECONHECIDA E DECLARADA – DE OFÍCIO CONCESSÃO – PRISÃO PREVENTIVA – INOBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 310,II, 282, § 2º E 311, AMBOS DO CPP – AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO PRÉVIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO OU DA AUTORIDADE POLICIAL – CONSTRANGIMENTO ILEGAL DEMONSTRADO POR AMBOS OS ASPECTOS – LIMINAR LIBERATÓRIA CONCEDIDA – ORDEM CONCEDIDA EM DEFINITIVO – LIMINAR RATIFICADA. Não demonstrado qualquer fundamento que possa justificar a aplicação da medida extrema ao acusado, legítima a solução de sucedâneo, para impedir-se a manutenção de constrangimento ilegal ao jus ambulandi do beneficiário. O art. 310, inciso II, do Código de Processo Penal, deve ser interpretado juntamente com o art. 282, § 2º e 311, ambos do mesmo diploma legal, de forma que, tanto a conversão quanto a decretação da prisão preventiva não devem ser feitas “ex officio” pelo magistrado, sendo necessário manifestação prévia do Ministério Público ou da Autoridade Policial.(TJ-MT 10185322720208110000 MT, Relator: RUI RAMOS RIBEIRO, Data de Julgamento: 21/10/2020, Segunda Câmara Criminal, Data de Publicação: 28/10/2020). (grifo do autor).
Vale mencionar que a imposição da prisão preventiva exige a presença do fumus comissi delicti, comprovando a materialidade do crime e indícios suficientes da autoria, bem como o Periculum libertatis, como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, conforme explicitados no artigo 312 do Código de Processo Penal. De acordo os ensinamentos do doutrinador Alexandre Reis (2013, p. 477):
Fumus comissi delicti nada mais é do que a exigência de que o fato investigado seja criminoso, bem como da existência de indícios de autoria e prova da materialidade da infração em apuração.[...] Já o periculum libertatis diz respeito à necessidade de segregação do acusado, antes mesmo da condenação, por se tratar de pessoa perigosa ou que está prestes a fugir para outro país, etc.
Entretanto, mesmo a prisão preventiva sendo uma medida excepcional, por vezes é decretada de forma sistêmica e por isso vista por uma parte dos doutrinadores e operadores do direito como uma espécie de antecipação da pena, pois em muitos casos acaba sendo decretada sem observância do caso concreto e dos seus pressupostos legais.
Deste modo, percebe-se a necessidade da presença dos requisitos nos quais autorizam a prisão de cunho preventivo que somente será decretada quando fundamentada em lei e devidamente motivada, para atenuar os riscos na fase processual. No entanto, se aplicada com outro fundamento que não seja a prevenção, ferirá diretamente o princípio da liberdade e da presunção de inocência.
2.3 Prisão Temporária
A prisão temporária poderá ser imposta apenas em fase inquérito policial, com amparo na lei n.º 7.980 de 1989. O artigo 283 do Código de Processo Penal dispõe que a prisão temporária tem por finalidade de assegurar a eficácia da investigação policial, quando se tratar de apuração de natureza grave. Conforme expresso no artigo 1º da Lei n.° 7.960/89, caberá a prisão temporária quando:
I- imprescindível para apuração de inquérito policial; II- o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos de sua identidade, III- houver fundadas em qualquer prova legal, de autoria ou participação do mesmo nos seguintes crimes homicídios dolosos, sequestro ou cárcere privado, roubo, extorsão ou extorsão mediante sequestro, estupro, epidemia ou envenenamento de água, ou alimento, quadrilha, genocídio, tráfico de entorpecentes ou crime contra o sistema financeiro. (BRASIL, 1989)
É importante frisar que como disposto no artigo 3º da Lei n.° 7.960/89, a prisão temporária é uma modalidade de prisão cautelar, com prazo preestabelecido de cinco dias, prorrogáveis por igual período, e se tratando dos crimes hediondos o prazo é de trinta dias, prorrogáveis pelo mesmo período, caso haja extrema necessidade, e desde que fundamentada. Lopes Júnior (2011) discorre que:
Ao contrário da prisão preventiva, em que o sujeito passivo fica em estabelecimento prisional e, se a polícia quiser conduzi-lo para ser interrogado ou participar de algum ato de investigação, deverá necessariamente solicitar autorização para o juiz, a prisão temporária lhes dá plena autonomia, inclusive para que o detido fique preso na própria delegacia de polícia. Significa dizer que ele está 24h por dia à disposição de todo e qualquer tipo de pressão ou maus-tratos, especialmente das ardilosas promessas do estilo “confessa ou faz uma delação premiada que isso acaba”. (2011, p. 144-145)
Desse modo, Capez (2018) ainda explana acerca da Prisão temporária:
A prisão temporária somente pode ser decretada nos crimes em que a lei permite à custódia, pois afrontaria o princípio constitucional do estado de inocência permitir a prisão provisória de alguém apenas por estar sendo suspeito pela prática de um delito grave. Inequivocamente, haveria mera antecipação da execução da pena. Assim, para a decretação da prisão temporária, o agente deve ser apontado como suspeito ou indiciado por um dos crimes constantes da enumeração legal, e deve estar presente pelo menos um dos outros dois requisitos, evidenciadores do periculum in mora. (CAPEZ, 2018, p.347)
Portanto, o surgimento da prisão temporária advém da necessidade de averiguação, ou seja, veio para satisfazer o interesse policial, deixando o imputado à disposição da polícia pelo prazo determinado. Cabe advertir que caso essa modalidade de prisão seja imposta ou mantida sem a observância dos procedimentos os requisitos mencionados, consubstancia-se em constrangimento ilegal.
3. Causas da Aplicabilidade da Prisão Cautelar Indevida
O presente o item procura demonstrar as causas ilegais de aplicação das prisões cautelares, que ocasionam privações de liberdade indevidas, para posteriormente tratar sobre os danos que essas decretações causam, bem como, o dever do Estado de indenizar o indivíduo que teve seu direito lesado.
O doutrinador Ruy Stoco (2004, p. 1.038) conceitua a prisão indevida, “aquela que ocorreu de forma ilegítima e abusiva em desobediência à realidade fática e aos requisitos formais”. Portanto, ocorre a prisão indevida não apenas quando há condenação injusta que já teve o trânsito em julgado, mas em qualquer privação de liberdade inadequada. Posto isto, cabe expor adiante as principais causas de prisões indevidas.
3.1 Falta de Pressupostos Legais
No que se refere às prisões cautelares, nas quais há possibilidade do Estado exercer a pretensão punitiva, mesmo violando os direitos garantidos constitucionalmente, tais como a liberdade e a presunção de inocência, poderá o Ente Estatal ser induzido ao erro e aprisionar alguém sem pressupostos legais, de modo a lesar os direitos mencionados. Quanto aos requisitos das prisões cautelares de natureza provisória:
Para aplicação de medidas cautelares devem possuir alguns pressupostos, quais sejam: a) natureza da infração (alguns delitos não admitem como ocorre com os delitos culposos); b) probabilidade de condenação (fumus boni iuris, ou seja, fumaça do bom direito); perigo na demora (periculum in mora); e d) controle jurisdicional prévio (NUCCI, 2013 apud MARQUES, 2011, p. 604).
Vale salientar que os pressupostos supracitados nem sempre são levados em consideração nas atuações da polícia, que por vezes, utiliza a prisão mesmo quando não há necessidade e adequação, de forma a mitigar a aplicação do rol de medidas cautelares diversas da prisão previsto no artigo 319 do Código de Processo Penal. Assim, a prisão indevida é na verdade um ato atentatório à liberdade do cidadão, a qual vem sendo violada corriqueiramente tendo como cerne a arbitrariedade, a imperícia de alguns e má-fé de outros, constatadas nas apurações equivocadas. Para Plácido Silva (1998, p. 313) o erro judiciário é:
[...] erro de fato ocorrido nos julgamentos penais, em virtude do qual o juiz, fundado num engano ou num erro, referente à falsa ideia das circunstâncias acerca do crime, condena injustamente, o que depois pode motivar uma reparação ao injustiçado, tão logo se verifique a improcedência da condenação.
De forma que, tal equívoco instala-se como um verdadeiro germe do sistema punitivo brasileiro e causa sérias consequências à integridade do indivíduo. Cabe esclarecer que o inciso LXXV do artigo 5º da Lei Maior, disciplina que “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”. (BRASIL, 1988).
Por conseguinte, perante a situação de um cidadão que foi preso não tendo indícios suficientes de autoria ou materialidade do crime, sem analisar a realidade fática e/ou observar os aspectos formais, ocasiona-se, por exemplo, no encadeamento de alguém que sequer cometeu um ilícito penal, ou ainda, na possibilidade de o indivíduo ficar preso por tempo superior determinado. Desse modo, é nítida a existência de uma deficiência na aplicabilidade das prisões cautelares em sua essência.
3.2 Reconhecimento fotográfico
O presente tópico visa debater sobre a decretação da prisão cautelar fundamentada unicamente no reconhecimento fotográfico de pessoas realizado no âmbito dos inquéritos policiais, normalmente utilizando álbuns policiais ou redes sociais. Esse tema vem sendo discutido pelos Tribunais Superiores de maneira a entender que o artigo 226 do Código de Processo Penal não é uma mera recomendação do legislador, mas que sua mitigação gera a nulidade da prova. Segundo Nucci (2011, p. 183):
O reconhecimento pessoal é um ato formal e solene pelo qual uma pessoa afirma como certa a identidade de outra ou a qualidade de uma coisa, para fins processuais penais.[...]Observa-se, entretanto, na prática forense, há décadas, a completa inobservância do disposto legal, enfatizando que o reconhecimento fotográfico é um meio de prova inominado, porém lícito, mas a licitude da produção da prova não pode significar, automaticamente, eficiência e relevância, deve-se conceder com análise cuidadosa e, se viável, admitido em caráter excepcional.
Em um posicionamento mais recente, o Superior Tribunal de Justiça, em outubro de 2020, julgou o emblemático HC 598.886, fundamentando que:
HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO DE PESSOA REALIZADO NA FASE DO INQUÉRITO POLICIAL. INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO NA ART. 226 DO CPP. PROVA INVÁLIDA COMO FUNDAMENTO PARA A CONDENAÇÃO. RIGOR PROBATÓRIO. NECESSIDADE PARA EVITAR ERROS JUDICIÁRIOS. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.1. O reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial.[..] De todo urgente, portanto, que se adote um novo rumo na compreensão dos Tribunais acerca das consequências da atipicidade procedimental do ato de reconhecimento formal de pessoas; não se pode mais referendar a jurisprudência que afirma se tratar de mera recomendação do legislador, o que acaba por permitir a perpetuação desse foco de erros judiciários e, consequentemente, de graves injustiças. (HC n. 598.886-SC, Rel. Ministro Rogério Schietti, Data do Julgamento: 27/10/2020, 6ª Turma, data da publicação 27/10/2020)
De tal forma que STJ ressaltou que a norma inscrita no artigo 226 do Código de Processo Penal tem sido erroneamente interpretada, pois na verdade o reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografia(s) ao reconhecedor deve seguir o mesmo procedimento e ser uma etapa antecedente ao eventual reconhecimento pessoal. Portanto, entendeu-se de forma expressa que o requisito do "indício suficiente de autoria" (artigo 312, caput, do CPP), que autorizaria a decretação da prisão cautelar, não pode ser fundamentado unicamente em reconhecimento fotográfico, decisão tomada com observância ao contraditório e da ampla defesa.
Por mais que essa nova decisão seja uma evolução, elucida-se que o sistema do catálogo de suspeito vem se apresentando em muitos casos falho e sendo um tema fortemente criticado por parte da doutrina. Em um levantamento inédito feito pelo Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais (CONDEGE 2021) e pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro mostra que os negros representam 83% dos presos injustamente após reconhecimento fotográfico. Assim, ocorre o que Zaffaroni e Batista (2011) chamam de “seletividade”:
A seletividade passa a ser a forma de criminalização de grupos fragilizados, aqueles que se encontram em uma posição inferior, mais frágil e que estão mais vulneráveis perante a sociedade, como, por exemplo, as pessoas pobres, negros, analfabetos. Portanto, há uma separação/seleção no momento de atingir, por meio desse controle social, pessoas individualizadas, isto é, grupos já destacados da sociedade.
Além disso, tendo em vista o estado emocional e o clamor por justiça da vítima, destaca-se a necessidade de extrema cautela na aplicação desse dispositivo a fim de reduzir a ocorrência de erros judiciários graves e também de prisões preventivas indevidas.
3.3 Abuso de Autoridade
O abuso a autoridade ocorre quando o agente público se prevalece de seu cargo para fazer valer suas vontades particulares, desvia-se da finalidade pública e atua contra o interesse da coletividade, dessa maneira, verifica-se a existência de alguns injustos penais, tais como a prisão arbitrária e/ou exageradas, no entanto, procurando evitar essas condutas criou-se no período da Ditadura Militar a antiga Lei n.º 4.898/65, que foi recentemente substituída pela nova lei de abuso a autoridade lei n.° 13.829/2019. Maia (2019) esclarece que:
Nas disposições atuais da lei, para a sua incidência exige-se o dolo com finalidade específica, ou seja, o especial fim de agir, constituindo como crime de abuso de autoridade condutas praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal.
No entanto, o elemento subjetivo descrito acima é de difícil demonstração, principalmente considerando o artigo 1º, parágrafo 2º da lei n.° 13.829/2019 que não configura abuso de autoridade as divergências na interpretação da lei, ou na avaliação de fatos e provas. De modo que não será fácil a adequação típica, sendo assim, um fato da norma que beneficia o agente.
O legislador, visando à necessidade de reparar os danos sofridos pelas vítimas de arbitrariedades, dispõe no artigo 7° da lei n.° 13.829/2019 sobre possibilidade de propor ação de responsabilidade civil, após ser decido a questão criminal. Ao fazer uma relação com exposto no artigo 37, §6° da Constituição Federal, entende-se que a ação será proposta contra o estado que responderá pelos danos causados pelos seus agentes. Segundo Bezerra (2019):
[...] diante de uma reflexão mais aprofundada sobre o tema, soa ingênuo apostarmos que mais uma medida simbólica, como tantas outras, seria capaz de mudar esse déficit democrático do nosso sistema de Justiça. A reforma processual capaz de retirar das autoridades judiciárias poderes absolutos e instituir, finalmente, o sistema acusatório no processo penal brasileiro, retirando sua matriz inquisitorial, perpassa por questões mais complexas e a mudança de toda uma cultura jurídica.
Portanto, a lei de abuso a autoridade visa controlar os atos abusivos praticados agentes públicos, servidores ou não, que exceda de maneira ilegal suas atribuições, pois infelizmente há a necessidade de se criar uma lei para os eventuais abusos cometidos por estes agentes, que em regra deveriam ser garantidores dos direitos individuais e coletivos.
A responsabilidade civil trabalha com a ideia de que para uma ofensa há uma reação, ao passo que, cabe aplicá-la para reparação dos danos causados a outrem, visando o ressarcimento para restabelecer o equilíbrio do prejudicado pelo dano injusto. Nesse viés, Maria Helena Diniz (2012, p. 37) define a responsabilidade civil como:
[...]a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal.
Dessa maneira, a responsabilidade civil pode ser conceituada como o estabelecimento de medidas que impõe a reparabilidade pelos danos causados a outrem em decorrência de sua ação ou omissão. Nesse sentido, Sérgio Cavalieri Filho (2009, p. 2) elucida:
A violação de um dever jurídico configura o ilícito, que, quase sempre, acarreta dano para outrem, gerando um novo dever jurídico, qual seja o de reparar o dano. Há, assim, um dever jurídico originário, chamado por alguns de primário, cuja violação gera um dever jurídico sucessivo, também chamado de secundário, que é o de indenizar o prejuízo.
Vale mencionar que a responsabilidade pode ser dividida em contratual e extracontratual, nesta linha, Cavalieri (2005) classifica a transgressão ilegal de um dever gerado pelo negócio jurídico e denominado ilícito contratual; em contrapartida, a transgressão pertinente a um dever estabelecido em lei, o ilícito é extracontratual, por isso, é gerado fora dos contratos.
Em síntese, a responsabilidade civil contratual advém do descumprimento do negócio jurídico convencionado entres as partes, e a extracontratual o agente infringe um dever legal, inexistindo vínculo jurídico entre a vítima e causador. Convém explanar ainda que a responsabilidade poderá ser objetiva ou subjetiva, de acordo a análise de determinados requisitos. Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 48-49):
A classificação corrente e tradicional, pois, denomina objetiva a responsabilidade que independe de culpa.[...] Indispensável será a relação de causalidade entre a ação e o dano, uma vez que, mesmo no caso de responsabilidade objetiva, não se pode acusar quem não tenha dado causa ao evento.[...] A responsabilidade subjetiva encontra-se justificada na culpa ou dolo, por ação ou omissão, que seja lesiva a determinada pessoa.
Posto isto, a responsabilidade civil do estado é extracontratual e objetiva, poderá decorrer de ato ilícito ou lícito, sendo necessário comprovar a relação do nexo de causalidade e o fato gerador do dano; para Cavalieri (2012) o nexo causal é elemento referencial, no qual podemos concluir quem foi o causador do dano. A Constituição Federal no artigo 37, § 6 preconiza que:
“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. (BRASIL, 1988)
Assim sendo, o Estado responderá pelos danos que seus agentes causarem a outrem, independente da culpa, sendo suficiente a existência do dano e o nexo de causalidade entre o fato e o dano, conforme a teoria do risco administrativo, de maneira que o Estado perante as diversas funções exercidas pelos seus agentes públicos expõe-se ao risco danoso que consequentemente terá de ser indenizado.
4.1 Dano patrimonial
Configurada a responsabilidade do Estado, faz-se necessária a ocorrência de um dano indenizável, considera-se dano quando o bem é inutilizado, diminuído ou deteriorado, por ato ilícito e prejudicial, ocasionado pelo delito civil ou penal. Acerca do assunto, Cavalieri (2005, p. 95-96) esclarece que:
[...] Conceitua-se, então, o dano como sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade, etc.
Quanto ao dano patrimonial também conhecido como dano material, consiste em qualquer lesão causada aos interesses de outrem e que venha a causar diminuição corpórea e avaliável. Nesse viés, Maria Helena Diniz (2011, p. 84) assegura:
O dano patrimonial vem a ser a lesão concreta que afeta um interesse relativo ao patrimônio da vítima, consistente na perda ou deterioração, total ou parcial, dos bens materiais que lhe pertencem, sendo suscetível de avaliação pecuniária e de indenização pelo responsável.
O dano patrimonial é subdividido em danos emergentes que se entende aquilo que a vítima do ato danoso efetivamente perdeu, e lucros cessantes, o que razoavelmente deixou de perceber em razão da sua ocorrência, também denominado pela doutrina como sendo a perda do lucro esperado. Nesse sentido, Cavalieri (2005) elucida que:
O dano emergente corresponde ao valor avaliado da diminuição do patrimônio da pessoa, devendo a indenização ser suficiente para restituir integralmente e lucro cessante que tem seus reflexos voltados para o futuro, sendo a perda do ganho esperável, e a frustração da expectativa de lucro.
Ao correlacionar a prisão indevida e o dano patrimonial, o artigo 954 do Código Civil, parágrafo único, III, dispõe que:
A responsabilização na hipótese de prisão ilegal, sendo o mais comum, com relação a modalidade material os prejuízos que decorram da perda de remuneração ou rendimentos devido a impossibilidade de exercício de sua profissão, ou até mesmo, a diminuição patrimonial em razão de depreciação da reputação do ofendido junto ao seu círculo de negócios. (BRASIL, 2002)
Dessa maneira, o Estado deverá indenizar os rendimentos que o ofendido deixou de perceber injustamente por conta da indevida privação de sua liberdade, os prejuízos efetivos ocasionados ao lesado conforme a análise do caso concreto, logo, essa reparabilidade civil deve abranger o dano emergente e o lucro cessante.
4.2 Dano Moral
Diferentemente do dano patrimonial, o dano moral não é avaliado a repercussão pecuniária, caracteriza-se pela ofensa ou violação dos bens de ordem moral de outrem, tais como os que se referem à sua liberdade, à sua honra, à sua saúde mental e/ou física e à sua imagem. Nesta linha, Gonçalves (2009, p. 356) assevera que:
Dano moral é o atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É a lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome e etc., como se infere dos art. 1°, III, e 5°, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação.
Dessa forma, a avaliação do dano moral deve ser de caráter compensatório, em contrapartida, ao mal sofrido pelo ofendido, considerando a apuração do valor da indenização de acordo a gravidade do dano, a situação familiar e social do lesado, assim como, a sua reputação, de maneira que, a quantia imposta deve observar a sua condição pessoal, para que a compensação seja a mais justa possível, impedindo o enriquecimento sem causa do lesado.
A eficácia da indenização visa proporcionar tal satisfação em justa medida, trata-se de uma estimação prudencial, ademais, a composição do dano moral causado pela dor, ou uma valoração do “preço da dor” há de representar para a vítima uma compensação pela perda de um bem insubstituível.
Vale salientar, que não é uma tarefa fácil avaliar a indenização do dano moral nos casos de prisão indevida, portanto, caberá ao juiz arbitrar segundo os direitos da personalidade lesionados e sua extensão. “As prisões trazem hoje, consigo risco de mal grave, perigo de lesão intensa. Sem esquecer a quebra da dignidade da pessoa humana” nas palavras do Desembargador Sérgio Pitombo, assegurado ainda que:
Aquém da grade, o tempo não se conta em dias, nem sequer em horas, porém, em minutos. Prisão é constrangimento físico, pela força ou pela lei, que priva o indivíduo de sua liberdade de locomoção. Prisão indevida, portanto, significa, antes de tudo, ilegalidade e invasão lesante do status dignitatis e libertatis. O dano moral, dela decorrente, é in re ipsa. Vale assentar: surge inerente à própria prisão. Dano que se mostra intrínseco (...).(Voto nº 6276 - Desembargador Sérgio Pitombo, proferido no julgamento da Apelação Cível nº 054.432.5/0-00, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.)
Deste modo, a prisão indevida fere os direitos fundamentais, causando o dano moral ou pessoal presumido, que deverão ser indenizados pelo Estado visto que assume para si a responsabilidade de resolver as mazelas que permeiam a sociedade e aos ônus decorrentes da atuação de seus agentes.
4.3 Dano estético
O dano estético nasceu no âmbito da responsabilidade civil após os danos patrimoniais e morais, no entanto, embora houvesse muitas discussões se os danos estéticos e à integridade física de alguém estariam compreendidos como subcategorias dos danos morais, diante do abalo causado ao sujeito, mas com o passar do tempo e os casos concretos clamavam por uma particularização, de forma que o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento com a Súmula 387, tornado lícito a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral. Maria Helena Diniz (2008) esclarece:
O dano estético engloba toda alteração morfológica do indivíduo que abrange as deformidades, marcas e/ou defeitos, ainda que mínimos, e que impliquem sob qualquer aspecto um “afeamento” da vítima, consistindo numa simples lesão desgostante ou num permanente motivo de constrangimento ou de depreciação, exercendo ou não influência sobre sua capacidade laborativa.
A autora ainda assevera sobre a necessidade de a lesão promovida ter um resultado duradouro ou permanente:
[...] o efeito prolongado ou a permanência dos efeitos deste dano caracterizam o dano estético, uma vez que uma situação em que o dano possa ser revertido totalmente em um prazo razoável de tempo não há o que se falar em dano estético, mas em atentado reparável à integridade física ou lesão passageira que se resolve em perdas e danos. (DINIZ, 2012, p. 47)
Perante isto, o dano estético traz diferença entre o seu estado normal para um estado de inferiorização, sendo de fácil comprovação com o contato visual pessoalmente ou por imagens, sendo nítida sensação desagradável, de maneira que, comprovado o nexo de casualidade é totalmente passível de indenização cumulativa.
5. O Custo da Injustiça: Direito a Indenização
O estado através do poder executivo lhes conferindo, atua como guardião do interesse coletivo, sendo seus agentes e servidores responsáveis por garantir a segurança pública, com encargos como investigar, interrogar, inspecionar, perseguir, punir, julgar e outras atividades que nem sempre são efetuadas de maneira regular. Dessa forma, evidencia-se a teoria do risco, pois como diz José dos Santos Carvalho Filho (2012, p. 546): “à maior quantidade de poderes haveria de corresponder um risco maior”.
Cabe esclarecer que o inciso LXXV do artigo 5º da Lei Maior, disciplina que “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”. Fazendo um paralelo com inciso X, do mesmo artigo, que dispõe que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. (BRASIL, 1988). Cabendo ainda citar o artigo 954 do Código Civil brasileiro:
Art. 954. A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e se este não puder provar prejuízo, tem aplicação o disposto no parágrafo único do artigo antecedente.
Parágrafo único. Consideram-se ofensivos da liberdade pessoal:
I – O cárcere privado;
II – A prisão por queixa ou denúncia falsa e de má-fé;
III – A prisão ilegal. (BRASIL, 2002).
Os artigos acima citados, bem como, os outros mencionados no decorrer do presente trabalho, procuram efetivar de maneira concreta o dever indenizatório perante a prisão indevida e consequentemente o erro judiciário, pois o Estado, ao prender indevidamente o indivíduo, atenta contra seus direitos humanos e provoca danos, com reflexos em suas atividades profissionais e sociais. Hentz (1996, p. 84) apresenta um posicionamento abrangente sobre o tema:
“A prisão indevida praticada pelo Estado se evidencia no cometimento de abuso por órgão ao qual a legislação concede o poder de privação da liberdade[…]. A ocorrência mais corriqueira de indevida privação de liberdade verificar-se-á na prisão cautelar, em que é imposta – dada sua peculiar natureza – sem o aferimento do seu exato cabimento em vista de ter ou não o indiciado cometido o crime que se lhe imputa. Aliás, a análise das condições do delito e a situação do seu autor serão dilucidadas no processo, sendo a prisão antecipada a garantia do seu desenrolar seguro. Trata-se de cautela preventiva em favor da sociedade, mas constitui fonte fértil de erros e causa frequente de prejuízos aos interesses particulares, que o Direito tolera por decorrer do dever estatal de proteção da sociedade”.
Elucidando assim, que legislador constituinte não tinha por intenção retirar da esfera da reparabilidade à prisão indevida não proveniente de uma sentença penal condenatória, pelo contrário, o legislador manteve-se no sentido de abarcada a privação ilícita. Assim, a prisão ilegal e o erro judiciário atenta contra inúmeros dispositivos constitucionais, pode-se destacar a dignidade da pessoa humana, o direito à liberdade, à presunção de inocência, todos passíveis de reparação, seja pelos danos patrimoniais, morais e/ou estéticos. O Dr. Ricardo Augusto Schmitt (2012) esclarece que:
O juiz é livre na apreciação das provas, porém não independe dessas, não podendo dá ensejo a um julgamento incontroverso e/ou arbitrários, mas sim, lógicos, realísticos, analisando o caso concreto sem qualquer preconceito legal no reconhecimento da verdade processual.
Dessa forma, verifica-se que a decisão do magistrado deve ser motivada e conforme a análise do caso fático, sendo imposta sem esses pressupostos deverá ser considerada ilegal. O ilustre civilista Cavalieri (2009, p. 326) indaga:
[...] se cabe indenização por danos morais em razão de prisão preventiva quando o réu venha a ser absolvido por falta de provas, por que não caberia também pelo fato de ter sido processado, ou ainda quando o inquérito vem a ser arquivado? Pois a prisão tanto na fase de inquérito, quanto na fase de ação penal causa aborrecimento, vexame e preocupação [...].
No que se refere à sociedade a sentença penal condenatória traz um sentimento de “justiça”, do mesmo modo, quando há uma sentença absolutória por falta de pressupostos legais, seja materialidade ou autoria, se invertem os papéis, pois o sentimento de “justiça” se impera sobre o acusado, de maneira que, a absolvição seria algo suficiente para recompor o patrimônio e a moralidade do preso indevidamente, sendo um posicionamento contrário os direitos individuais, bem como, a função do processo penal, restando confrontado pelo doutrinador acima, que ressalta a questão dos danos sofridos o “aborrecimento, vexame e preocupação”.
Por conseguinte, havendo a prisão cautelar indevida em que se comprove o nexo causal entre a conduta do agente e o dano causado, caberá ao o Estado o dever de indenizar, considerando a premissa de que este deve ser punido pelos danos causados a qualquer cidadão submetido aos seus julgamentos, de forma a garantir um melhor desempenho dos agentes estatais, bem como, tratar essas situações não apenas objeto de indenização, mas também reconhecer a necessidade da adoção de medidas práticas que venham a impedir tamanhas injustiças.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Partindo do pressuposto de que a liberdade é regra e a prisão é exceção, entende-se que a liberdade é um direito fundamental e indisponível, sendo evidente que o ato praticado perante o cerceamento da liberdade pessoal de maneira arbitrária, além de indevido, representa grave ofensa ao status de dignidade constitucionalmente protegido.
O cidadão que vive em uma sociedade regida pelas regras impostas pelo Estado, principalmente no que diz respeito ao direito penal, quando comente um crime tipificado em lei o indivíduo estar sujeito as sanções impostas pelo ente estatal, sendo em sua maioria, a prisão, que é a privação/retirada do convívio em sociedade daquele que coloca em risco a ordem pública, de maneira a contribuir para o ideal de uma busca incansável pela justiça, que somada à pressão popular, por vezes, geram procedimentos incertos e equivocados, produzindo assim a falsa ilusão de justiça e de eficiência dos serviços públicos de segurança estatais.
Busca-se evidenciar que caso haja irregularidade(s) na prisão restará configurando a prisão indevida, seja durante o inquérito policial ou na fase judicial, ao prender ilegalmente uma pessoa, adota-se a teoria da responsabilidade civil objetiva para apuração do nexo causal entre a conduta dos seus agentes, bem como, os danos que causarem no exercício das respectivas funções estatais, devendo o Estado ser responsabilizado pelos danos causados ao acusado injustamente para que sejam integralmente reparados, adiante dos valores democráticos e das garantias da Carta de 1988, assim como a efetivação do art. 37, § 6º da CF.
Portanto, é inadmissível sustentar a ideia da irresponsabilidade do Estado nos casos de prisão cautelar seguida de sentença absolutória, ou pela inocência, ou pelo arquivamento do caso, visando proteger o cidadão em face de atos arbitrários do Estado, garantindo assim, uma segurança jurídica perante os atos dos entes estatais.
Finalizando, surge o questionamento: A simples sentença absolutória seria o suficiente para restituir o seu estado de liberdade e inocência? Decerto não. Pois, são diversos os danos e dramas pelos quais os indivíduos privados indevidamente de sua liberdade passam, carregando a marca de um passado que jamais será esquecido. Sendo o retorno ao status anterior impossível, de sorte que a única medida de justiça restante é reconhecer o ato indevido, garantindo assim à justa e proporcional reparação, seja de ordem patrimonial ou extrapatrimonial. Negá-la significa legitimar as condutas arbitrárias e ofender a dignidade das vítimas das injustiças Estatais.
7. REFEERÊNCIAS
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Graduanda em Direito pela Universidade Católica do Tocantins - UBEC
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Lorena Lima de. As implicações jurídicas da aplicação de prisões cautelares indevidas frente à responsabilidade civil do Estado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 jun 2021, 04:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56664/as-implicaes-jurdicas-da-aplicao-de-prises-cautelares-indevidas-frente-responsabilidade-civil-do-estado. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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