IGOR DE ANDRADE BARBOSA [1]
(orientador)
RESUMO: O presente artigo tem como finalidade demonstrar as mudanças de entendimento do Supremo Tribunal Federal em relação ao cumprimento antecipado da pena. Serão analisadas as decisões e argumentos proferidos ao longo dos anos na Suprema Corte, bem como as consequências geradas no Poder Judiciário e na sociedade devido às diversas mudanças. Pretende-se ainda citar os impasses que enfrenta o sistema prisional e as dificuldades dos detentos no processo de ressocialização. Logo, será necessário analisar as alterações nas jurisprudências da maior corte do Brasil, e entender como as indecisões do Supremo afetam de forma direta ou indiretamente todos os cidadãos, independentemente do Estado em que se encontram.
Palavras-chaves: Execução Provisória da Pena; Instabilidade; Sistema Prisional; Supremo Tribunal Federal.
ABSTRACT: The purpose of this article is to demonstrate the great instability of the Federal Supreme Court with regard to the early fulfillment of the sentence. It will analyze the arguments and decisions that have been made over the years in the Supreme Court, as well as the consequences generated in the judiciary and in society due to the various changes. It is also intended to mention the impasses faced by the prison system and the difficulties faced by inmates in the re-socialization process. Therefore, it will be necessary to analyze the instability of the highest court in Brazil and understand how the Supreme Court's indecisions affect directly or indirectly all citizens, regardless of the state in which they find themselves.
Keywords: Provisional Execution of the Penalty; Instability; Prison System; Supreme Court.
Sumário: Introdução. 1. Crise no Sistema penitenciário Brasileiro. 2. A prisão e seus impactos no sistema penal Brasileiro. 3. (in) constitucionalidade da execução provisória da pena e seus impactos sobre as mudanças de entendimento do STF. 4. Considerações finais. 5. Referências.
INTRODUÇÃO
O cumprimento antecipado da pena tornou-se um tema polêmico e um dos assuntos mais discutidos no ano de 2019, quando ocorreu o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 43, 44 e 54, nas quais o Supremo decidiu pela inconstitucionalidade da matéria, pois a antecipação da execução da pena seria uma violação ao princípio da presunção de inocência. Dessa forma, a prisão só será possível após todos os recursos cabíveis se esgotarem e o processo transitar em julgado.
Entretanto, a prisão após condenação criminal em segunda instância causou grandes impactos no Poder Judiciário, pois muitas foram as mudanças na jurisprudência acerca do assunto. Essas alterações ocasionaram diversos impasses na sociedade, como, por exemplo, a insegurança jurídica e o agravo na crise do sistema prisional. Diante disso, o presente artigo tem como objetivo principal demonstrar os impactos penais e sociais da instabilidade causada pela jurisprudência Zigue-Zague do Supremo Tribunal Federal na aplicabilidade da execução provisória da pena.
Inicialmente, o artigo apresenta os grandes problemas que são enfrentados dentro dos presídios brasileiros e as dificuldades que os detentos enfrentam no processo de ressocialização. Posteriormente, serão abordadas as diversas mudanças de interpretação do STF em relação ao cumprimento antecipado da pena, além de apresentar os impactos gerados em razão das modificações da Suprema Corte. Sendo assim, o tema é de suma importância social, pois circunda todo o Ordenamento Jurídico Brasileiro e se faz presente na vida de todos os cidadãos.
A pesquisa é de caráter descritivo, pois foi feita uma análise dos conceitos e decisões do Supremo Tribunal Federal, e de caráter bibliográfico, pois foi baseada em livros e artigos científicos, proporcionando, assim, a familiaridade do aluno com a área de estudo na qual está interessado. Como instrumento de coleta de dados foram utilizados revisão da literatura específica, obras de renomados juristas penais e constitucionais, legislação, artigos científicos, revistas, jurisprudências, entre outros.
1. CRISE NO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO
Há muito tempo o sistema carcerário enfrenta diversos problemas, e a cada ano as estatísticas demonstram que esses impasses só aumentam. A superlotação nas prisões vem crescendo muito, sendo que o Brasil está entre os cincos países com a maior população carcerária do mundo, ultrapassando, desta forma, a capacidade de presos para cada cela.
A superlotação produz várias dificuldades na ressocialização dos detentos, pois a maior parte das prisões não realizam a separação entre presos provisórios e definitivos, possibilitando, desta maneira, o aumento de facções que tendem a cometerem crimes mais graves, crescendo a violência no país e o número de reincidentes. “O objetivo da ressocialização é esperar do delinquente o respeito e a aceitação de tais normas com a finalidade de evitar a prática de novos delitos.” (BITTENCOURT, 2011, p. 139).
Além disso, a lotação promove muitas outras consequências, como as condições desumanas que essas pessoas vivem dentro dos presídios, falta de higiene, propagação de doenças, brigas entre os detentos, entre outras dificuldades. A má estrutura demonstra o descaso do poder público para com esses indivíduos, que são esquecidos pela sociedade e pelas autoridades. Neste contexto, Greco afirma:
O Estado faz de conta que cumpre a lei, mas o preso, que sofre as consequências pela má administração, pela corrupção dos poderes públicos, pela ignorância da sociedade, sente-se cada vez mais revoltado, e a única coisa que pode pensar dentro daquele ambiente imundo, fétido, promíscuo, enfim, desumano, é fugir e voltar a delinquir, já que a sociedade jamais o receberá com o fim de ajudá-lo” (GRECO, 2011, p. 501).
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, atualmente, no Brasil, existem cerca de 42,5% de presos reincidentes. Dessa forma, o número de reincidentes certifica que as prisões não oferecem uma boa condição de ressocialização aos detentos, que ao sair, retornam à criminalidade.
A presença de educação básica e trabalho dentro dessas instituições são de suma importância, uma vez que através dessas atividades, os presos poderão voltar a sociedade com mais entusiasmo. Atualmente, os presos lidam com outros obstáculos, como a falta de assistência médica.
No momento, o mundo enfrenta uma pandemia e com isso a situação dos detentos é de mais vulnerabilidade diante desta doença. O Conselho Nacional de Justiça verificou que, no momento atual, existem cerca de 45.032 casos de Covid-19 entre os presos, além de outras doenças existentes que levam ao óbito por falta de tratamento básico.
Aqueles que já se encontravam presos e no curso do cumprimento de sua pena forem acometidos por doença, deverão receber tratamento adequado à curada enfermidade, devendo contar com a visita diária de um médico até que sua saúde seja restabelecida (PIRES, 2010, p.34).
Vale lembrar que muitas detentas precisam de assistência médica durante o período de gestação. Porém, isso não vem acontecendo. O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) registrou que a maior parte das presas gestantes não realizam o pré-natal de forma correta, e por isso muitas detentas sofrem com problemas sérios durante este período. Portanto, é nítido a falta de uma boa admiração e investimento por parte do estado.
Os direitos e garantias dos presos são estabelecidos na legislação constitucional e infraconstitucional, como na Constituição Federal de 1988, na Lei de Execução Penal e também na Declaração Universal dos Direitos Humanos. A partir do momento em que um cidadão comete um crime e é preso, ele não perde apenas o direito à liberdade, mas também à sua dignidade e personalidade, como afirma Assis:
A partir do momento em que o preso passa à tutela do Estado ele não perde apenas o seu direito de liberdade, mas também todos os outros direitos fundamentais que não foram atingidos pela sentença, passando a ter um tratamento execrável e a sofrer os mais variados tipos de castigos que acarretam a degradação de sua personalidade e a perda de sua dignidade, num processo que não oferece quaisquer condições de preparar o seu retorno útil à sociedade (ASSIS, 2007, p. 03).
A maioria das cadeias não oferecem o básico para a existência desses indivíduos, como por exemplo: cama, higiene e alimentação. Desta forma, o estado acaba realizando duas punições, privando os indivíduos de sua liberdade e de seus direitos que lhes são assegurados. Assim como relata Barros:
O princípio da dignidade da pessoa humana assegura e determina os contornos de todos os demais direitos fundamentais. Quer significar que a dignidade deve ser preservada e permanecer inalterada em qualquer situação em que a pessoa se encontre. A prisão deve dar-se em condições que assegurem o respeito à dignidade (BARROS, 2006, p. 03).
A Constituição Federal traz de forma expressa alguns direitos básicos para os detentos, como o direito à alimentação, vestimenta, ala arejada e higiênica, visitas, receber e escrever cartas, integridade física e moral, trabalho remunerado, assistência médica, judiciária, social, religiosa e educacional. A violação desses direitos muitas vezes resulta em rebeliões dentro dos presídios, as quais levam à morte de vários presos.
Segundo a Constituição Federal, em seu Art. 5º, inciso III e XLIX, não importa a condição que estas pessoas se encontram, seus direitos e garantias devem ser prioridade. A falta de fiscalização do Ministério Público nos presídios vem dificultando a situação dos presos. Neste sentido, Greco discorre que o Poder Judiciário e o Ministério Público devem supervisionar estas instituições, para que não haja desrespeito com estes detentos, que já estão sendo punidos com a falta de sua liberdade. Assim, a fiscalização por parte dos poderes competentes é imprescindível para que estes desvios não ocorram.
A culpa por essa ineficiência não deve ser creditada somente ao Poder Executivo, ou seja, aquele Poder encarregado de implementar os recursos necessários ao sistema penitenciário. A corrupção, o desvio de verbas, a má administração dos recursos, enfim, todos esses fatores podem ocorrer se, para tanto, não houver uma efetiva fiscalização por parte dos órgãos competentes. (GRECO, 2015, p.227).
Ou seja, a falta de fiscalização impossibilita que os recursos liberados cheguem ao seu destino correto.
2. A PRISÃO E SEUS IMPACTOS NO SISTEMA PENAL BRASILEIRO
A prisão é uma das formas que o Estado tem para repreender o agente condenado pela infração penal praticada, com intuito de restaurar a ordem jurídica que foi descumprida. Porém, para decretar a prisão, devem ser analisadas primeiro as regras que a Constituição Federal estabelece no Art. 5º, inciso LIV.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LVI - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; (BRASIL, 1988, grifo nosso).
O agente infrator só poderá ser privado de sua liberdade nas hipóteses previstas em Lei. Caso contrário, a prisão será ilegal. Ademais, a Constituição Federal traz no Art. 5º, inciso LVII, que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Porém, existem prisões que poderão acontecer antes do trânsito em julgado, que são chamadas de prisões cautelares. São elas: prisão temporária, prisão preventiva e prisão em flagrante.
A prisão temporária está prevista na Lei 7.960/89 e só será possível na fase de investigação, na qual o preso é mantido sob custódia da polícia, com a finalidade de obter informações que comprove a materialidade e autoria do crime. Neste contexto Demarcian e Maluly:
A prisão temporária representa um avanço no combate à criminalidade, máximo á organizada, na medida em que se assegura à Polícia Judiciária instrumento para, legalmente, custodiar suspeitos durante as investigações (evitando a execrada “prisão para averiguação”, uma forma explícita de abuso de autoridade), embora o açodamento do legislador, diante dos emergentes reclamos sociais existentes, redundou numa lei que, no mínimo peca pela ausência de técnica processual penal. (MALULY; DEMARCIAN, 2005, p.1)
O Art. 2º da Lei nº 7.960/89 dispõe que a decretação da prisão temporária só poderá ser realizada pelo juiz, em face da representação da autoridade policial ou a requerimento do Ministério Público, tendo o prazo de cinco dias, que poderá ser prorrogado por mais cinco, caso seja certificado sua necessidade.
A prisão preventiva, diferentemente da anterior, poderá ocorrer em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal e sua disposição legal encontra-se nos Art.s 311 e 316 do CPP. O juiz só será capaz de decretar a prisão preventiva se for a requerimento do Ministério Público, do querelante, assistente ou por representação da autoridade policial.
Art. 311. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, ou do querelante, ou mediante representação da autoridade policial. (BRASIL, 1941)
Art. 316. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no correr do processo verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. (BRASIL, 1941)
Existem requisitos que precisam ser demostrados para decidir este tipo de prisão. São eles: garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, e para assegurar a aplicação da lei penal sempre que houver provas que demostrem a materialidade e indícios suficientes de autoria em relação ao imputado, ou em caso de descumprimento de outras medidas impostas pelo juiz. Contudo, há outras condições que são necessárias para decretação da prisão preventiva, as quais se encontram no Art. 313 do CPP.
Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:
I - Nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;
II - Se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;
III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; (BRASIL, 1941)
O Art. 315 do Código de Processo Penal exige que para o juiz deliberar, rejeitar ou substituir a prisão preventiva, terá que apontar a existência de fatos novos para esclarecer a aplicabilidade da medida adotada. Portanto, esses são alguns elementos que devem ser considerados sobre esta ação.
Já a prisão em flagrante será cabível somente nas formas previstas em Lei. O Art. 5º, inciso LXI da Constituição Federal define que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.”. Ao contrário das medidas anteriores, essa poderá ser decretada por qualquer pessoa do povo, não havendo necessidade de autorização judicial.
Prisão em flagrante é uma medida pré-cautelar, de natureza pessoal, cuja precariedade vem marcada pela possibilidade de ser adotada por particulares ou autoridade policial, e que somente está justificada pela brevidade de sua duração e o imperioso dever análise judicial em até 24h. (LOPES JR, 2018)
O Art. 302 do CPP estipula algumas hipóteses que podem ser consideradas flagrantes: flagrante próprio (art. 302 I e II do CPP), quando o agente é pego cometendo o ato criminoso ou logo depois de cometê-lo; flagrante impróprio (art. 302 III do CPP), quando há perseguição, logo após o fato, o qual diante das circunstâncias presume-se ser o autor; e o flagrante presumido (art. 302 IV do CPP), quando o agente é encontrado logo após o acontecimento na posse de objetos que façam presumir ser a autor da infração. Vale ressaltar que quando o agente cometer o ato ilícito e se apresentar de forma direta às autoridades não será considerado flagrante, pois não está previsto nas hipóteses do Art. 302 do CPP.
O Art. 303 do CPP estabelece como será o flagrante para os crimes permanentes. Nesse sentido, Lopes Jr explica que este “se prolonga no tempo, fazendo com que exista um estado de flagrância igualmente prolongado. Enquanto durar a permanência, pode o agente ser preso em flagrante de delito, pois, considera-se que o agente está cometendo a infração penal” (2010, p, 80).
Embora essas medidas preventivas sejam muito importantes, podem ser substituídas por outras medidas contrárias ao encarceramento. Porém, segundo Santin, hoje, a privação de liberdade tornou-se uma forma de salvação para a sociedade contra os criminosos.
Em virtude de suas rotineiras intervenções, conjugadas com suas distorções da realidade, tem produzido uma evidente mudança comportamental nos cidadãos, que pretendem fazer da lei penal a salvação da sociedade contra os criminosos. (SANTIN, 2006, P.94)
O Conselho Nacional de Justiça registra anualmente um número enorme de presos no Brasil. Segue abaixo uma tabela para demostrar esses números:
Tabela 1: Quantidade de presos
Provisórios |
407.443 |
Em execução provisória |
196.943 |
Em execução definitiva |
293.447 |
Fonte: Dados da Pesquisa (2021).
Além disso, o Conselho Nacional de Justiça traz relatórios daqueles que se encontram pendentes de cumprimento. O número de foragidos hoje no brasil é de 21.323 pessoas, e de procurados são 314.994 pessoas. Enfim, a cada ano esses índices só aumentam, resultando assim em celas cada vez mais lotadas.
3. (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA E SEUS IMPACTOS SOBRE AS MUDANÇAS DE ENTENDIMENTO DO STF
A primeira discussão sobre a execução provisória da pena ocorreu na década de 90, quando foram impetrados no Supremo os Habeas Corpus 71.723/SP, 79.814/SP e 80.174/SP, que foram julgados todos juntos e obtiveram decisões favoráveis à execução provisória da pena. Diante dessas decisões, foram criadas duas súmulas:
Súmula 716/STF, segundo o qual "admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória".
Súmula 717/STF, não impede a progressão de regime de execução da pena, fixada em sentença não transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar em prisão especial (BRASIL, 2003, p. 6, grifo nosso).
A partir da interpretação do Supremo, surge a discussão doutrinária sobre esse assunto, e muitos doutrinadores se manifestam expondo seus posicionamentos que versam entre favoráveis e contrários. Parte dos doutrinadores declaram que a execução provisória da pena violaria o Princípio da Presunção de Inocência, nesse contexto, Celso Antônio Bandeira de Melo elucida que:
Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada (MELLO, 2000, p. 747).
Em 2009, foi impetrado o Habeas Corpus 84.078/MG no Supremo, a fim de admitir que Omar Coelho Vitor recorresse da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, às instâncias superiores em liberdade. Omar foi condenado à pena de sete anos e seis meses de reclusão, pela tentativa de homicídio duplamente qualificado, de acordo com o Art. 121, parágrafo 2º, Inciso IV e Art. 14 Inciso II, do Código Penal. O Supremo julgou e decidiu por sete votos a quatro pelo não cumprimento imediato da pena após condenação em segunda instância, visto que violaria o Princípio da Presunção de Inocência.
Por sete votos a quatro, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu, nesta quinta-feira (5), o Habeas Corpus (HC) 84078 para permitir a Omar Coelho Vítor – condenado pelo Tribunal do Júri da Comarca de Passos (MG) à pena de sete anos e seis meses de reclusão, em regime inicialmente fechado –que recorra dessa condenação, aos tribunais superiores, em liberdade (SUPREMO TRIBUNAL FEFERAL, 2009).
Neste contexto, Celso de Mello dispõe acerca da decisão:
Há, portanto, um momento claramente definido no texto constitucional, a partir do qual se descaracteriza a presunção de inocência, vale dizer, aquele instante em que sobrevém o trânsito em julgado da condenação criminal. Antes desse momento, o Estado não pode tratar os indiciados ou réus como se culpados fossem. A presunção de inocência impõe, desse modo, ao Poder Público, um dever de tratamento que não pode ser desrespeitado por seus agentes e autoridades (MELLO, 2011, p. 14).
Entretanto, a decisão supracitada foi contrária à Súmula 267 do Supremo Tribunal Federal, que apresenta expressamente em seu texto de lei que os recursos que não obtiverem efeitos suspensivos não impossibilitariam que o condenado em segunda instância comece a cumprir a pena. Os Ministros Joaquim Barbosa e Menezes seguem a mesma linha de entendimento:
Viável a execução da pena privativa de liberdade depois de esgotadas às duas instâncias ordinárias de jurisdição. Decisões proferidas pelo juízo de primeiro e/ou segundo graus de jurisdição, no sentido da condenação do réu, devem ser respeitadas e levadas a sério, pois, os órgãos judiciários prolatores de decisões de mérito são presumidamente idôneos para o ofício que lhes compete exercer. (BARBOSA, 2009).
Em 2016, foi julgado o Habeas Corpus 126.292/SP, no qual mais uma vez o entendimento foi alterado com sete votos favoráveis ao cumprimento antecipado da pena, e apenas 4 votos contrários que foram proferidos pelos Ministros Celso de Mello, Rosa Weber, Marco Aurélio e Lewandowski.
Ao negar o Habeas Corpus (HC) 126292 na sessão desta quarta-feira (17), por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a possibilidade de início da execução da pena condenatória após a confirmação da sentença em segundo grau não ofende o princípio constitucional da presunção da inocência (SUPREMO TRIBUNAL FEFERAL, 2016).
O Ministro Teori Zavascki esclareceu que a sentença proferida em grau de apelação, mesmo que sujeito a recurso extraordinário ou especial, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência acolhido pelo Art. 5º, inciso LVII da Constituição Federal. Em contrariedade a esse entendimento o Ministro Marco Aurélio expõe:
Eu me recordo que, daquela feita, naquela oportunidade, o Ministro Eros Grau, com muita propriedade, a meu ver, disse que nem mesmo constelações de ordem prática — dizendo que ninguém mais vai ser preso, que os tribunais superiores vão ser inundados de recursos — nem mesmo esses argumentos importantes, que dizem até com a efetividade da Justiça, podem ser evocados para ultrapassar esse princípio fundamental, esse postulado da presunção de inocência (MARCO AURÉLIO, 2016).
Com base em todas essas mudanças de interpretação, percebe-se que a matéria gera muita discussão no Supremo. A cada ação impetrada na Suprema Corte sobre a execução provisória da pena, um novo posicionamento diferente é apresentado.
Em 2019, foram impetradas no Supremo as Ações Direta de Inconstitucionalidade nº 43, 44 e 54, as quais obtiveram a decisão favorável à inconstitucionalidade do cumprimento antecipado da pena.
O Tribunal, por maioria, nos termos e limites dos votos proferidos, julgou procedente a ação para assentar a constitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011, vencidos o Ministro Edson Fachin, que julgava improcedente a ação, e os Ministros Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia, que a julgavam parcialmente procedente para dar interpretação conforme. Presidência do Ministro Dias Toffoli. (SUPREMO TRIBUNAL FEFERAL, 2019).
Ricardo Lewandowski declara sobre a importância de o réu começar a cumprir a pena apenas quando todos os recursos se findarem, pois, o respeito ao princípio da presunção de inocência é uma garantia dos cidadãos:
A presunção de inocência, com toda a certeza, integra a última dessas cláusulas, representando talvez a mais importante das salvaguardas do cidadão, considerado o congestionadíssimo e disfuncional sistema judiciário brasileiro, no bojo do qual tramitam atualmente perto de 100 milhões de processos a cargo de pouco mais de 17 mil juízes, obrigados, inclusive, a cumprir metas de produtividade, fixadas pelo Conselho Nacional de Justiça (LEWANDOWSKI, 2019, p. 3).
Indo de acordo, o Ministro também critica a decisão do Supremo em 2016, quando o Habeas Corpus 126.292/SP, foi julgado procedente, passando a permitir o cumprimento antecipado da pena. A partir dessa decisão, o número de presos cresceu consideravelmente. Assim explica Lewandowski:
Lamentavelmente, a partir desse entendimento precário e efêmero do STF, um grande número de prisões passou a ser decretado, após a prolação de decisões de segunda instância, de forma automática, sem qualquer fundamentação idônea, com simples remissão a súmulas ou julgados, em franca violação ao que dispõe o art. 5º, LXI, segundo o qual “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiaria competente”. Esse retrocesso jurisprudencial mereceu o repúdio praticamente unânime dos especialistas em direito penal e processual penal, particularmente daqueles que militam na área acadêmica (LEWANDOWSKI, 2019, p. 4).
Existem doutrinadores que divergem do pensamento anterior e esclarecem que os recursos nas instâncias superiores não impedem a execução provisória da pena, e afirmam que da sentença condenatória confirmada por Tribunal de Justiça ou Regional Federal já haveria o trânsito em julgado.
[...] reafirmamos o entendimento de que tendo havido confirmação de condenação por tribunal (de Justiça do estado ou Regional Federal ou equivalente) já terá havido o trânsito em julgado, porque os recursos de natureza ordinária se esgotam. Recursos de natureza extraordinária e habeas corpus, substitutivos ou complementares a eles não deveriam sustar a execução”. (BATISTI, 2012, p. 36-37).
Ou seja, o acusado não precisaria esperar o recurso ser julgado nos tribunais superiores para começar a cumprir a pena. Ademais, as decisões tomadas nas instâncias inferiores deverão ser suficientes para o cumprimento imediato da sanção estabelecida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo analisou diversas mudanças de entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a execução provisória da pena, e expôs as consequências que essas modificações na jurisprudência do STF causaram na execução penal. Além disso, demonstrou como a instabilidade da Suprema Corte atinge de forma direta os presídios brasileiros e sua contribuição para a crise no sistema prisional.
Foram abordadas decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a execução provisória da pena e os argumentos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal sobre a (in)constitucionalidade da execução antecipada. Além disso, ficou demonstrada como essa instabilidade gera insegurança para o sistema judiciário.
Nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade julgadas em 2019, o Supremo decidiu que o cumprimento antecipado da pena é inconstitucional, pois fere o princípio da presunção de inocência. Porém, é preciso deixar claro que com a entrada de novos Ministros esse entendimento poderá sofrer mais uma alteração. Vale ressaltar que, até o momento, não houve nenhuma mudança na jurisprudência. Portanto, por meio do presente estudo, se pôde verificar as mudanças na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e seus impactos na sociedade.
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[1] Defensor Público Federal de 1º categoria no Estado do Tocantins. Professor de graduação e pós-graduação do curso de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins – UniCatólica.
Bacharelanda em Direito pelo Centro Universitário Católica do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NUNES, Karina Pereira. (In)constitucionalidade da execução provisória da pena: insegurança jurídica e a jurisprudência zigue-zague Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jun 2021, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56668/in-constitucionalidade-da-execuo-provisria-da-pena-insegurana-jurdica-e-a-jurisprudncia-zigue-zague. Acesso em: 22 nov 2024.
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