ENIO WALCACER[1]
(orientador)
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo principal fazer uma análise do Habeas Corpus 164.493 que como remédio constitucional buscava também o reconhecimento da exceção de suspeição do magistrado que julgou o paciente. O estudo realizado aqui tem a intenção de evidenciar e analisar a importância do princípio da imparcialidade do julgador a luz do juiz natural, e como o devido processo legal é vital para a democracia e garantia de direitos de primeira geração. Ademais, traz entendimentos de autores renomados sobre o tema e ao concluir evidenciamos a vital importância da observância dos preceitos legais no processo para salutar ordem jurídica nacional.
Palavras-chave: Exceção de suspeição. STF. Habeas Corpus. Voto. juiz natural. Lava Jato. processo legal. imparcialidade.
ABSTRACT: The main objective of this article is to analyze Habeas Corpus 164.493 which, as a constitutional remedy, also sought to recognize the exception of suspicion of the magistrate who tried the patient. The study carried out here is intended to highlight and analyze the importance of the principle of impartiality of the judge in the light of the natural judge, and how due process is vital to democracy and the guarantee of rights of the first generation. In addition, it brings understandings from renowned authors on the subject and, in conclusion, we highlight the vital importance of observing the legal precepts in the process for the healthy national legal order.
Keywords: Exception of suspicion. STF. Habeas Corpus. Vote. natural judge. Lava Jato. legal process. impartiality.
1 INTRODUÇÃO
A imparcialidade do juiz é um elemento fundamental no processo brasileiro, embora o escopo deste trabalho visa analisar no que diz respeito ao processo penal, a equidistância que deve o magistrado manter em relação as partes na relação jurídica e de relevante importância no curso de qualquer lide.
O objetivo principal da pesquisa visa analisar o julgado Habeas Corpus 164.493 impetrado em face do Supremo Tribunal Federal, e assim identificar os elementos principais dos votos dos magistrados a respeito da suspeição do juiz. A crescente preocupação com a observância dos princípios consagrados pela constituição federal de 1988 e também pelo Código de processo penal, a luz da separação entre sistema acusatório e sistema inquisitório, a gestão da prova e o princípio do juiz natural.
Para pesquisa será utilizado metodologia qualitativa exploratória, descritiva. Como fundamento teórico foi usado, doutrinas, jornais de grande circulação, artigos científicos, bem como estudo do Código de processo penal 1941 e Constituição Federal 1988.
2 A IMPARCIALIDADE DO JUIZ COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL
A Imparcialidade do juiz é um elemento fundamental para o exercício da atividade jurisdicional, pois o pressuposto processual é que o julgamento seja feito por um terceiro que não detém nenhum interesse na causa penal.
No que tange a imparcialidade do juiz, o Código de Processo Penal traz as hipóteses em que há elementos aptos a apontar para a parcialidade do juiz, seja em razão de impedimentos, como o disposto no art. 252 do CPP, seja em razão da suspeição, nas causas dadas pelo art. 253 do CPP.
A ideia principal trazida por esses dispositivos é a manutenção do princípio do juiz natural em que objetiva preservar o papel de imparcialidade e equidistância dentro do processo penal. O poder de decisão do magistrado e limitado, também, pela impedição de atuação de ofício, devendo o magistrado tão somente decidir quando provocado por uma das partes do processo.
A atuação apenas mediante provocação das partes, e a evitação de máculas que impeçam ao juiz de ser visto como imparcial no processo, demandam que elementos objetivos e subjetivos sejam analisados quando de sua atuação no caso concreto, em cada processo em que seja demandado a atuar, em especial em casos penais, em que se encontra em jogo a liberdade.
O juiz de um caso penal deverá ter ingressado de acordo com as previsões processuais legais, preservando assim sua investidura, também deverá ser constituído por órgão previamente instituído para esclarecimento de determinado crime, preservando assim sua competência.
Os desdobramentos sobre imparcialidade e inercia do magistrado ficam a cabo de que o mesmo não deve ter vínculos objetivos ou subjetivos com quaisquer das partes do processo, e não deve agir de ofício, deve decidir somente quando provocado por algum dos sujeitos processuais, a não ser nos casos de garantias de direito fundamental do acusado, esse esquelético desdobramento preserva assim a ideia de equidistância processual.
Como sintetiza Antônio Magalhães Gomes Filho:
a imparcialidade constitui um valor que se manifesta, sobretudo no âmbito interno do processo, traduzindo a exigência de que na direção de toda a atividade processual – e especialmente nos momentos de decisão – o juiz se coloque sempre super partes, conduzindo-se como um terceiro desinteressado, acima, portanto, dos interesses em conflito. (GOMES FILHO, 2001, p. 37)
A Constituição traz em diversos dispositivos a necessidade de um juiz imparcial, inerte, previamente escolhido, como garantia do jurisdicionado de que será julgado ou terá a sua causa julgada por um juiz que não sofra os influxos de pressões externas ou mesmo pressões de preferência pessoais no julgamento das causas a ele submetidas.
Assim sendo, o sujeito só deve ser processado e condenado pela autoridade competente, ou seja, é necessário que, antes da prática do ato criminoso, se possa ter o conhecimento de qual tribunal e quem é o juiz que irá julgar o caso. Para assim evitar tribunal ou julgamento de exceção garantindo que o indivíduo seja julgado por um juiz competente, ou seja, aquele constituído pela lei processual penal antes da prática do ato.
A imparcialidade é garantida pelo modelo acusatório e sacrificada no sistema inquisitório, de modo que somente haverá condições de possibilidade da imparcialidade quando existir, além da separação inicial das funções de acusar e julgar, um afastamento do juiz da atividade investigatória/instrutória (LOPES JR., 2016, p. 63)
Para Lopes Jr. (2021), o juiz assume um novo posicionamento no Estado democrático de direito, e a legitimidade de sua ação não é política, mas constitucional, expressa na função de proteger os direitos fundamentais de todos, ainda que deva se posicionar contra a opinião da maioria, e por isso detém as suas garantias (prerrogativas), mas por outro lado detém vedações de atuação.
2.1 O SISTEMA DE EXCEÇÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL BRASILEIRO
No processo penal podemos dividir a defesa em direta e indireta que como procedimento incidental deve assim ser analisada antes do mérito. No que se entende por defesa direta trata-se da discussão referente ao mérito da questão, da causa penal, do crime em si. Já a respeito da defesa na sua forma Indireta, e a investida a questões formais do processo, que podem acarretar uma extinção do processo sem análise de mérito ou mesmo a sua dilação.
Estas, irão atuar em processo independente do principal, ou seja, em apartado, que não irão possuir em regra efeitos suspensivos. O CPP divide as exceções, que são as questões anteriores ao mérito (preliminares), com a seguinte divisão:
Art. 95. Poderão ser opostas as exceções de:
V - Coisa julgada. (BRASIL, 1941)
Para Lopes Jr., as exceções detêm inspiração nas teorias de Bülow, como explicita em sua doutrina quando aduz que as exceções detêm “[...] clara inspiração em BÜLOW, na clássica obra La teoría de las excepciones dilatorias y los presupuestos procesales, a doutrina costuma classificar as exceções em dilatórias ou peremptórias.” (LOPES JR., 2019, p. 382)
Partindo desta premissa introdutória, e nos afiliando ao defendido por Aury Lopes Jr., as exceções se dividem em dilatórias e peremptórias. As exceções dilatórias expandem o prazo do processo não afetando diretamente o tramite do julgado principal pois não tem força para extinguir o processo em via de regra, mas visam corrigir questão processual causando dilação de caráter incidental a ser tratado em autos apartados. Já as exceções peremptórias objetivam a extinção do processo sem a resolução do mérito, da causa criminal.
No que se diz respeito as exceções, nos casos que geram litispendência e coisa julgada Lopes Jr., cita ainda que:
as exceções peremptórias, na medida em que, uma vez acolhidas, extinguem o processo. São os casos de litispendência e coisa julgada. A litispendência conduzirá inexoravelmente à extinção de um dos processos, daí por que, em que pese a possibilidade de uma dilação, diante da necessidade de resolver quem é o juiz com competência prevalente, ela é, na verdade, uma exceção peremptória. (LOPES JR., 2019, p. 382)
2.1.1 EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO
Esta espécie de exceção tem em sua finalidade atacar desvios de imparcialidade ou mesmo a falta de isenção por questões subjetivas. Podendo ela ser manifestada pelas partes, incluindo o assistente de acusação, de forma pessoal ou por procurador, desde que com poderes especiais. Quando ao acuso podendo se manifestar na defesa inicial e pelo querelante na petição inicial, mesmo assim pode ser manifestada em outro momento no processo quando tomar conhecimento da suspeição.
Determina o art. 96 do CPP que a arguição de suspeição precederá a qualquer outra, salvo quando fundada em motivo superveniente.
A suspeição cria um motivo para imediata cessação de toda interferência ou atuação daquela pessoa (juiz, promotor, perito, intérpretes, serventuários ou
funcionários da Justiça). (LOPES JR., 2019, p. 384)
Para Lopes Jr. (2019), tal sua relevância, que ela precederá a toda e qualquer outra, pois constitui uma questão a ser decidida imediatamente, para só depois de resolvida haver a análise das demais. A exceção de suspeição poderá ser oposta em relação ao julgador, promotor, perito, intérpretes ou servidores da Justiça que tenham qualquer tipo de ingerência sobre aquele processo. A questão é muito relevante, pois envolve, em última análise, a própria credibilidade e legitimidade do sistema de administração da Justiça.
Para que a questão fique mais ilustrativa, as causas de suspeição e impedimento seguem previstas nos artigos 254 do Código de Processo Penal, o qual reproduzimos aqui:
Art. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes:
I – Se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles;
II – Se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver
respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia;
III – Se ele, seu cônjuge, ou parente, consanguíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes;
IV – Se tiver aconselhado qualquer das partes;
V – Se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes;
VI – Se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo. (BRASIL, 1941)
A suspeição pode ser oposta por alguma das partes, sendo que neste caso pode ele aceitar a suspeição e, sendo assim, juntará a petição aos autos e em despacho se declarará suspeito. Caso não aceite a suspeição, a petição será autuada em apartado, como incidente processual, apresentando-se resposta do Juiz em 3 dias e remetida ao tribunal em 24 horas.
No Tribunal será realizada a instrução com oitiva das testemunhas e citando-se as partes para manifestarem-se, sendo as partes o Juiz (exceto) e o excipiente (parte que alegou a suspeição). Caso o tribunal julgue procedente a exceção, ficam anulados todos os atos praticados pelo juiz.
O juiz também pode ele mesmo se declarar suspeito de ofício, fazendo para tal declaração dos motivos legais pelos quais deve se afastar do processo, será nesse caso o processo remetido para o seu substituto legal, sendo esta decisão irrecorrível.
3 A SUSPEIÇÃO NO HC (164493) JUNTO AO STF: A SUSPEIÇÃO DO ENTÃO JUIZ SÉRGIO MORO NO CASO LULA
O Habeas Corpus que alegou a suspeição do agora ex Juiz Sergio moro, foi impetrado pela defesa de Lula em novembro de 2018, data qual ainda não havia sido revelado as conversas hackeadas, expostas no portal Intercept Brasil.
(Habeas Corpus 164.493 Paraná) O Pedido se baseava, entre outras alegações, na nomeação do juiz ao cargo de Ministro da Defesa, no governo do presidente Jair Bolsonaro. Segundo a defesa esta nomeação teria deixado claro interesse político do juiz nas condenações do réu. O HC com pedido de liminar apresentado pela defesa de Lula que soma ao total 73 páginas, traz diversos argumentos para justificar o pedido, um deles se trata da condução coercitiva do réu, mesmo sem prévia negativa de depoimento por parte de Lula, a defesa alega caráter midiático e indício de parcialidade do juiz.
Decorrente dessas condenações decorreu a inelegibilidade de Lula, com base na Lei da Ficha Limpa, sendo que as condenações quando submetidas aos tribunais TRF-4 e posteriormente STJ foram nos dois casos confirmadas, deixando o réu fora do pleito político.
As conversas reveladas e expostas pelo site Intercept, trouxeram novo folego a defesa que a época se manifestou da seguinte forma:
Denotam o completo rompimento da imparcialidade objetiva e subjetiva do então juiz. Os diálogos, caso verdadeiros, indicam Moro teria dado conselhos ao Ministério Público quando era juiz, o que é proibido pela legislação brasileira. (ARBEX, 2019, Online)
A análise do pedido teve início no final de 2018, nesta data já haviam apresentado voto os ministros Fachin e Carmen Lúcia, ambos não reconhecendo a suspeição do juiz mantendo assim as condenações. O Julgado foi interrompido pelo pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.
3.1 OS VOTOS PELA IMPROCEDÊNCIA DA SUSPEIÇÃO DO JUIZ MORO
O Min. Edson Fachin, em seu voto, argumentou que o HC impetrado deveria se atentar aos pedidos da inicial e assim, fundamentado em sete itens apresentados pela defesa em seu pedido:
1. No deferimento da condução coercitiva do paciente e de familiares seus, ocorrida em 4.3.2016, sem que tenha havido prévia intimação para oitiva pela autoridade policial;
2. Na autorização para a interceptação de ramais telefônicos pertencentes ao paciente, familiares e advogados antes de adotadas outras medidas investigativas;
3. Na divulgação, no dia 16.3.2016, do conteúdo de áudios captados em decorrência das interceptações telefônicas autorizadas;
4. No momento histórico em que tais provimentos jurisdicionais foram exarados, pontuando os impetrantes que “[A]s principais figuras públicas hostilizadas pelos apoiadores do impedimento eram a ex-Presidente Dilma e o Paciente”;
5. Na condenação do paciente, reputada injusta pela defesa técnica, em sentença proferida no dia 12.7.2017;
6. Na atuação impeditiva ao cumprimento da ordem de soltura do paciente exarada pelo Desembargador Federal Rogério Favreto, no dia 8.7.2018, em decisão liminar proferida nos autos do HC 5025614-40.2018.4.04.0000;
7. Na aceitação do convite feito pelo Presidente da República eleito no pleito de 2018 para ocupar o cargo de Ministro da Justiça, a indicar que toda essa atuação pretérita estaria voltada a tal desiderato. (STF, 2021, Online)
À luz desses fatos, o Ministro relator entendeu que não conhecia do HC pelos motivos que se seguem.
(STF, 2021, Online) Conforme o ministro indagou, os quatro primeiros argumentos já haviam sido analisados em três outras exceções de suspeições anteriormente opostas, das quais já transitaram em julgado, e ainda, não se encontrava qualquer argumento ou elemento novo nas alegações que permitiam afastar a presunção de imparcialidade do magistrado.
Já sobre os demais argumentos apresentados pela defesa (três), segundo Fachin, além de não se amoldaram as hipóteses taxativas do artigo 254 do CPP não foram apresentados a conhecimento das instâncias inferiores o que já seria motivo para afastar a possiblidade de serem examinados pelo STF.
O Magistrado complementou a sua síntese relatando ver com dificuldade julgar a suspeição com base em uso de material aprendido com os hackers na Operação Spoofing, no entanto, o teor das mensagens é grave segundo o ministro e merecem ser apurados, pois o seu conteúdo pode conferir novo sentido aos fatos, porém para isso deveriam passar por perícia e seguir investigação própria para serem colocadas em contexto.
O voto do ministro Fachin, se assemelha com os argumentos utilizados pelo colega Nunes marques, que enfatizou no voto que o Tribunal regional do trabalho da 4ª Região já havia negado três exceções de suspeição apresentadas pela defesa, desse modo as alegações novamente feitas pela defesa do réu não trazem fato novo e já foram analisadas antes.
Outros pontos importantes do voto do ministro Kassio se deu a respeito das conversas fruto de material da operação spoofing do qual se manifestou:
Se as mensagens trocadas por Moro e os procuradores da Lava Jato em Curitiba tivessem sido obtidas por meio lícito e tivessem tidos o seu teor e autenticidades atestados oficialmente alegadamente teriam aptidão de alegar parcialidade de juiz.
Se aceitasse essas provas, seria uma forma transversa de legalizar a atividade hacker no Brasil. (STF, 2021, Online)
Desta forma, se formou os votos vencidos dos ministros Fachin e Nunes Marques. Conforme visto se assemelham em entendimento intrínseco, trabalhando nos pontos elencados pela defesa e afastando o uso de conversas que deveriam sim, ser analisadas em processo próprio como ressaltou o Ministro Fachin, pois carecem de resposta do judiciário.
3.2 DOS VOTOS QUE FIZERAM MAIORIA E ENTENDERAM PELA SUSPEIÇÃO DO MAGISTRADO.
Dos novos que fizeram maioria para reconhecimento da suspeição, destacamos o volto do ministro Gilmar mendes, por ser aquele que engloba o maior numero de elementos também presentes nos votos dos ministros que entenderam pela suspeição.
O ministro analisou ponto a ponto os fatos trazidos pela defesa do réu, que indicavam a parcialidade do ex-juiz.
O primeiro ponto a condução coercitiva do réu, Gilmar Mendes, lembrou que depois do ocorrido a mesma se manifestou sobre a prática:
No caso específico, já naquela época, a medida foi duramente criticada por membros do Poder Judiciário, da advocacia e até mesmo por vozes isoladas da mídia, considerando que a realização da condução foi objeto de intensa exploração nos meios de comunicação. A decisão de levar o ex-presidente para depor no aeroporto de Congonhas em São Paulo tornou pouco crível a justificativa de que seu intuito seria de evitar tumulto. (STF, 2021, Online)
O Segundo ponto se trata da interceptação telefônica do escritório de advocacia:
No dia 23/02/2015 o juízo tomou conhecimento de que se tratava da sede da advocacia. A autoridade judicial não tomou nenhuma providência, segundo o magistrado interceptação de escritório de advocacia é coisa de estado totalitário. Porque o direito de defesa desaparece, sucumbe.
Havia no âmbito da força tarefa uma verdadeira guerra de versões, os membros do MPF e o próprio juiz Sergio Moro tentavam a qualquer custo justificar a interceptação do advogado, atribuindo-lhe status de investigado. Essa versão dos fatos não explicava, no entanto, a interceptação do ramal tronco do escritório de advocacia. Esse ponto era difícil de ser explicado por qualquer um, afirma Gilmar. (STF, 2021, Online)
O Terceiro ponto indicativo de parcialidade do juiz analisado pelo ministro, diz respeito as divulgações pontuais de áudios:
Mesmo sabedor de que a competência sobre tais atos não era mais sua, tendo em vista a menção de autoridade com prerrogativa de foro, no caso, a ex-presidente Dilma Rousseff, o ex-juiz, em decisão bastante singular e desconectada de qualquer precedente conhecido, levantou o sigilo dos autos com o intuito – hoje relevado inconteste – de expor publicamente o ex-presidente Lula, corroborando uma narrativa de incriminação. O caráter questionável da medida é reforçado pelo fato de ela ter exposto diálogos que foram captados em intervalos de tempo posteriores ao autorizado judicialmente, uma vez que as operadoras de telefonia demoraram a cumprir a ordem do ex-juiz Moro e o sistema usado pela PF continuou captando as ligações. (STF, 2021, Online)
O quanto quesito, atuação do ex-juiz com objetivo de impedir a ordem de soltura do réu, usando para isso estratégia que descumpria a ordem do desembargador Rogério Favreto, do TRF4, segundo o ministro:
Mesmo sem jurisdição sobre o caso e em período de férias, o ex-juiz Sergio Moro atuou intensamente para evitar o cumprimento da ordem, a ponto de telefonar ao então Diretor-Geral da Polícia Federal Maurício Valeixo e sustentar o descumprimento da liminar, agindo como se membro do Ministério Público fosse, com o objetivo de manter a prisão de réu em caso que já havia se manifestado como julgador. Estamos diante do absurdo de um juiz de primeiro grau fazer as vezes da acusação e, sorrateira e clandestinamente, recorrer da decisão proferida pelo Tribunal.
Ainda sobre a questão o ministro complementou que: em atuação de inequívoco desserviço e desrespeito ao sistema jurisdicional e ao Estado de Direito, o juiz irroga-se de autoridade ímpar, absolutista, acima da própria Justiça, conduzindo o processo ao seu livre arbítrio, bradando sua independência funcional. É inaceitável, sob qualquer perspectiva, esse tipo de comportamento. (STF, 2021, Online)
O quinto quesito, versa sobre a condenação imposta pelo togado ao réu, onde no seio da sentença, citou que a defesa teria atuado de modo agressivo, nesse quesito o Magistrado entende que há uma contradição:
De um lado, uma estratégia agressiva de investigação, e de outro, uma sensibilidade de donzela para as palavras da defesa. O ministro disse que a absoluta contaminação da sentença proferida pelo / resta cristalina quando examinado o histórico de cooperação espúria entre o juiz e o órgão da acusação.
Gilmar Mendes citou um dos diálogos do Telegram para exemplificar: Em fevereiro de 2016, quando o reclamante ainda estava sendo investigado, o ex-juiz Sergio Moro chegou a indagar ao procurador Deltan Dallagnol se já havia uma denúncia sólida ou suficiente, o procurador responde apresentando um verdadeiro resumo das razões acusatórias do MP, de modo a antecipar a apreciação do magistrado. (…) A prática de se antecipar o conteúdo de manifestações técnicas fora dos autos fazia parte da rotina do conluio. (STF, 2021, Online)
O sexto elemento, o levantamento do sigilo da delação de Antônio Palocci Filho, onde ficam evidente fortes indícios de parcialidade onde o juiz Moro, determinou o levantamento do sigilo algumas partes dos depoimentos prestados dias antes do primeiro turno das eleições presidenciais da qual Lula era candidato:
Chamam a atenção as circunstâncias em que ocorreram a juntada desta delação. Em primeiro lugar, verifica-se que, quando referido acordo foi juntado aos autos da referida ação penal, a fase de instrução processual já havia sido encerrada, o que sugere que os termos do referido acordo sequer estariam aptos a fundamentar a prolação da sentença. Em segundo lugar, verifica-se que o acordo foi juntado aos autos do processo penal cerca de três meses após a decisão judicial que o homologou.
Para o ministro, essas circunstâncias, quando examinadas de forma holística, são vetores indicativos da quebra da imparcialidade por parte do magistrado. Essa demora parece ter sido cuidadosamente planejada pelo magistrado para gerar um verdadeiro fato político, na semana que antecedia o primeiro turno das eleições presidenciais de 2018, afirmou Mendes. (STF, 2021, Online)
Não obstante o elemento anterior, a de verificar o sétimo fato do writ no voto do ministro Gilmar Mendes, do qual se fez o Ex-juiz assumir ministério da justiça no governo Bolsonaro, o qual em embate político com o réu julgado por Moro, vejamos os ponderadores de Mendes:
Todos estes fatos me levam a indagar: qual país democrático aceitaria como ministro da Justiça o ex-juiz que afastou o principal adversário do presidente eleito na disputa eleitoral? Em qual nação governada sob o manto de uma Constituição isso seria compatível? Em que localidade o princípio da separação dos poderes admitiria tal enredo?
Isso, por si só, já demonstra o interesse político pessoal do ex-juiz
Sergio Moro. Houve evidente atuação inclinada a condenar e prender
Luiz Inácio Lula da Silva a qualquer custo, fazendo o que fosse necessário, até a violação de direito fundamental que eventualmente isso obstar. (STF, 2021, Online)
O voto do ministro Gilmar mendes, se baseia nesses sete elementos, dentro deles a se destacar os fortes indícios de parcialidade encontrados principalmente nos elementos seis e sete do voto. Fizeram frente para encampar a suspeição a ministra Carmem Lucia e o Ministro Ricardo Lewandowski, ainda que os ministros citados endossam a linha de entendimento do writ apresentada por Gilmar mendes, fazendo-se destacar alguns pontos do voto do ministro Lewandowski pelos seguintes trechos:
O ministro Ricardo Lewandowski afirmou que ficou demonstrada a indisfarçada parcialidade de todos os atores institucionais que atuaram na condenação de Lula.
Para o magistrado, Moro não apenas agiu com suspeição e parcialidade como praticou abuso de poder. Segundo Lewandowski, o ex-juiz federal manifestou completo menosprezo pelo sistema processual por meio da usurpação das atribuições do Ministério Público Federal e mesmo da Polícia Federal, além de ofensa aos princípios do juiz natural e do devido processo legal. (STF, 2021, Online)
Por fim e não menos importante, o voto da ministra Cármen Lúcia, inobstante ao já relatado nos outros votos, entendeu que havia elementos suficientes para acolher a suspeição do juiz, do qual podemos destacar o seguinte ponto:
O que se discute basicamente é algo que pra mim é basilar, que está na pauta desde o primeiro momento, foi mudando o contorno, o cenário e a compreensão do que se tinha. Todo mundo tem direito a um julgamento justo, por um juiz imparcial, tribunal independente e, principalmente, no qual possa comprovar todos os comportamentos que foram aos poucos sedimentados. (STF, 2021, Online)
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Contudo, a função do juiz como garantidor dos direitos no processo, é fundamental para o equilíbrio das forças. O Estado como aquele ao qual possui como uma de suas finalidades a de garantir os direitos fundamentais da liberdade e locomoção do indivíduo, garantindo ao mesmo na forma da lei maior que esse direito não será restringido de forma arbitrária pelo Estado, respeitando para tanto o devido processo legal para que se tenha essa grave privação.
O devido processo legal e, portanto, um princípio expresso na constituição, que visa proporcionar segurança jurídica, para que alguém não seja julgando fora do que a lei permite, e para que o réu disponha dos remédios para recorrer quando entender que está sendo vítima de um julgamento eivado de vicio.
Este artigo baseado na análise friamente processual como o tema exige, do Habeas Corpus 164493, traz um demonstrativo claro de suspeição, assim identificado em diversos pontos conforme exposto anteriormente na análise dos votos, devendo ser destacado a importância de punir as práticas de crimes seja eles quais forem, mais a criação de um ambiente orquestrado e artificialmente popularizado para que se posso aceitar a ideia de justiça a qualquer custo, trazer sérios problemas de insegurança jurídica.
REFERÊNCIAS
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LOPES JR, Aury. Direito processual penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
LOPES JR, Aury. Direito processual penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
BADARÓ, Gustavo. A conexão no processo penal, segundo o princípio do juiz natural, e sua aplicação nos processos da Operação Lava Jato. Revista brasileira de ciências criminais, n. 122, p. 171-204, 2016.
STASIAK, Vladimir. O Princípio do Juiz Natural e Suas Implicações no Processo Penal Brasileiro. Revistas de Ciências Jurídicas e Sociais da UNIPAR, v. 3, n. 1, 2000.
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EL PAÍS. Comitê de Direitos Humanos da ONU diz que Brasil deve garantir direitos políticos de Lula. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/08/17/politica/1534523449_561893.html. Acesso em: 1 abr. 2021.
FOLHA DE SAO PAULO. Defesa de Lula diz ao STF que diálogos de Moro revelam imparcialidade rompida. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/06/defesa-de-lula-diz-ao-stf-que- dialogos-de-moro-revelam-imparcialidade-rompida.shtml. Acesso em: 15 mai. 2021.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2021. Habeas Corpus 164.493 Paraná. Paciente: Luiz Inácio Lula da Silva. Coator: Superior Tribunal de Justiça. Relator: Min. Edson Fachin, 23 maio 2021. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5581966 acesso em 01 abr. 2021.
[1] Docente de Graduação da Faculdade Serra do Carmo. E-mail: [email protected]
Bacharelando do Curso de Direito da Faculdade Serra do Carmo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GAMA, Douglasmar do Carmo. Suspeição: uma análise do julgado HC caso Lula Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 jun 2021, 04:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56785/suspeio-uma-anlise-do-julgado-hc-caso-lula. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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