WELLSON ROSÁRIO SANTOS DANTAS [1]
(orientador)
RESUMO: Introduzido no ordenamento jurídico brasileiro no ano de 2020, o acordo de não persecução penal tem semelhanças com o plea bargain norte-americano, uma espécie de “barganha” do réu com o Ministério Público onde o mesmo confessa as acusações feitas pela promotoria e repara o dano causado para receber uma pena mais branda. Tal inovação no Processo Penal traz consequências positivas como a celeridade processual e uma maior eficiência para haver menos processos sobrecarregando o judiciário. Entretanto esse novo instituto levanta dúvidas acerca de como será a sua aplicabilidade prática no Brasil. Levanta-se a hipótese de eventuais injustiças e ainda se os efeitos realmente serão positivos. Logo, o presente trabalho desenvolverá uma análise dessa aplicabilidade do acordo de não persecução penal no ordenamento jurídico brasileiro, fazendo um estudo comparado com a legislação norte americana, com outros institutos similares no ordenamento e colhendo opiniões doutrinarias.
Palavras-chave: Plea Bargain. Processo Penal. Acordo de não persecução penal. Justiça negociada.
ABSTRACT: Introduced into the brazilian legal system in 2020, the non-criminal prosecution agreement has similarities with the north american plea bargain, a kind of "bargain" between the defendant and the District Attorney where he confesses the accusations made by the prosecution and repairs the damage caused to receive a milder penalty. Such innovation in the Criminal Procedure brings positive consequences such as procedural speed and greater efficiency so that there are fewer processes overloading the judiciary. However, this new institute raises doubts about how its practical applicability in Brazil will be. It raises the hypothesis of possible injustices and even if the effects will really be positive. Therefore, this work will develop an analysis of the applicability of the non-criminal prosecution agreement in the brazilian legal system, making a study compared with the north american legislation, with other similar institutes in the legal system and gathering doctrinal opinions.
Keywords: Plea Bargain. Criminal Procedure. Non-criminal prosecution agreement. Negotiated justice.
Sumário: Introdução. 1. Origem histórica do Plea Bargain nos Estados Unidos da América. 2. Primeiras influências do Plea Bargain na legislação brasileira. 2.1. A Transação Penal. 2.2. A Colaboração Premiada. 3. O acordo de não persecução penal na lei 13.964/2019. 4. A aplicabilidade do acordo de não persecução penal: benefícios e malefícios. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
O objetivo deste artigo científico se volta para a discussão acerca dos reflexos do instituto do Plea Bargain e sua aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro. O Plea Bargain é um termo advindo da legislação estadunidense, no qual o acusado confessa os crimes e ao invés de responder um processo judicial, opta por um acordo, sendo responsável por 90% dos procedimentos judiciais nos Estados Unidos da América.
As pesquisas feitas sobre o referido tema permitiram constatar a existência de controvérsias substanciais acerca dessa possível introdução no ordenamento jurídico brasileiro. Ressalte- se que a ausência de uniformidade de posicionamento acerca do tema é deveras prejudicial, tendo em vista que isso gera insegurança jurídica.
As referidas controvérsias residem precipuamente nas possíveis problemáticas jurídicas que o plea bargain traria ao ordenamento jurídico brasileiro. Há divergências entre o Legislativo e o Executivo, não tendo sido aceito integralmente na reforma penal e processual penal, advinda da Lei n° 13.964, conhecida como Pacote Anticrime, somente em partes, na figura do art. 28-A do Código de Processo Penal.
Fazendo uso de uma abordagem metodológica dedutiva, por meio de pesquisas bibliográficas e jurisprudenciais, o presente trabalho busca discutir e analisar as mudanças e os reflexos no ordenamento jurídico com a possível introdução do Plea Bargain. Ademais, a despeito das divergências concernentes ao tema, faz-se imperiosa uma padronização do entendimento jurídico mais correto, no sentido de evitar inseguranças para os envolvidos.
1 ORIGEM HISTÓRICA DO PLEA BARGAIN NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
O acordo de não persecução penal, também chamado de plea bargain, está previsto na Rule (regra) 11 das Regras Federais de Processo Penal (Federal Rules of Criminal Procedure) dos Estados Unidos da América (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1790), o qual conceitua o sistema como um acordo entre a acusação e a defesa, no qual o acusado admite a sua culpa, renunciando seu direito de ser julgado, para receber uma pena mais branda, ao invés do processo seguir o rito no tribunal, mais demorado e, possivelmente ao final, ter uma sentença mais pesada.
Segundo Maynard apud Souza (1998), há vestígios de que o plea bargain já era utilizado antes mesmo da Guerra Civil dos Estados Unidos da América (1861) e, posteriormente, acabou sendo consolidado por juristas como um tema de relevância no território nacional, consolidando-se tanto como um verdadeiro auxiliar de investigações como de resolução de conflitos. Jonh Langbein, por outro lado defende uma origem diversa, citando um estatuto inglês de 1485 onde já havia uma premissa do acusado confessar o crime para ter uma atenuante de pena (LANGBEIN, apud CRUZ, 2019). São diversas as origens que o instituto supracitado encontra na literatura acadêmica, fato é que atualmente o plea bargain é reconhecido internacionalmente como um grande método de resolução de conflitos.
É notório destacar que a expansão da população americana, resultante de imigrações e êxodo para as cidades gerou uma necessidade de se utilizar tanto guilty pleas, que seria uma espécie de declaração de culpa bem como o plea bargains, integrando mais ainda esse instituto no ordenamento estadunidense.
A figura do plea bargain consolidou-se também, com o surgimento, na década de 60, do denominado “criminal wave” que abalou o processo penal americano, aumentando significativamente o número de processos nos tribunais, os EUA também começaram uma guerra às drogas, condutas que não eram crimes passaram a ser criminalizadas (RAPOZA, 2013), logo houve uma necessidade de uma solução rápida para esse rápido aumento de casos na justiça, sendo o plea bargain a solução encontrada (ALBERGARIA, 2007). A importância desse instituto nos Estados Unidos é tamanha que chegou, inclusive, a ser reconhecido pela Suprema Corte Americana em 1971, no emblemático caso Santobello v. New York (404 U.S 257) como “um componente essencial da administração da justiça”.
Vale ressaltar que o direito norte-americano é baseado no sistema commow law, que nada mais é que um sistema baseado em costumes de casos anteriores, para se proporcionar uma continuidade para os casos futuros, seria, por exemplo, resolver conflitos se baseando mais em jurisprudências do que a legislação em si (WAMBIER, 2009). Lembrando que esses “casos anteriores” podem variar conforme a esfera legislativa (federal ou estadual). Todavia, o Brasil, assim como outros países é integrante de outro sistema, chamado civil law, em que as leis são a base para a aplicação do direito, pois representa a vontade do povo (WAMBIER, 2010).
O plea bargain está ligado diretamente ao sistema commow law, uma vez que o permitiria a utilização dos precedentes (jurisprudências) para a aplicação da pena mais branda para o acusado confesso. Na Rule 11 das Regras Federais de Processo Penal norte-americana, anteriormente citada, há três tipos de “declaração” ou também chamado de “apelo”, são eles: guilty plea, plea of nolo contendere e o plea of not guilty (CAMPOS, 2012).
O objeto de estudo desse artigo é a Rule 1, alínea a, também chamado de guilty plea, que é quando o acusado confessa a autoria do ato a ele imputado, gerando assim uma pena mais branda e afastando um julgamento, algo somente possível no commow low, já que o civil law necessita de um julgamento, mesmo após a confissão (CAPPELLETTI, 1993).
Sendo assim é nítido que o plea guilty gera uma economia processual, uma vez que irá reduzir a duração do processo e gerar uma pena mais reduzida para o executado. Quando se pensa na justiça criminal norte-americana atualmente o que se visualiza é justamente o acusado, a defesa e a acusação informando ao juiz acerca do acordo o qual as partes chegaram em consenso para gerar uma pena mais branda ao acusado. Como o Professor George Fisher da Stanford Law School tão magnificamente apontou, o plea bargaining substitui uma “nobre disputa pela verdade” por uma decisão pacifica e harmoniosa entre as partes (FISHER, 2000).
2 PRIMEIRAS INFLUENCIAS DO PLEA BARGAIN NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
O direito brasileiro não é estático, logo, está aberto há mudanças conforme a modernização tanto do sistema jurídico, como da sociedade, o civil law adotado pelo ordenamento enfraqueceu ao longo dos anos, abrindo espaço para formas de justiça negociada entrarem no sistema normativo jurídico brasileiro, na forma da Lei n° 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais), Lei n° 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), Lei 9.613/1998 (Lei de Lavagem de Dinheiro), na Lei 11.343/2006 (Lei do Narcotráfico) e noutros diplomas esparsos, e o mais recente a Lei n° 13.964/19 (Pacote Anticrime). Podemos observar que, embora distante do modelo norte-americano, a legislação brasileira vem gradativamente se abrindo para os modelos da justiça negociada.
1.1. A TRANSAÇÃO PENAL
O processo penal brasileiro, nos anos 90, trouxe uma figura de justiça negociada com algumas semelhanças com o plea bargain já citado, na forma do art. 76 da Lei n° 9.099 de 1995, chamado de transação penal, que dispõe:
Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.
§ 1º Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade.
Podemos depreender que, no caso da lei brasileiro, a transação só pode ser aplicada pra crimes de menor potencial ofensivo, cuja pena máxima não seja superior a 2 (dois) anos, além de que, diferentemente do plea bargain, não há confissão, e, claro, só se aplica a penas restritivas de direito, não a penas privativas de liberdade.
O Ministério Público, como titular da ação penal pública, tem em suas mãos o direito de dispor acerca de oferecer a denúncia, atendidos aos requisitos legais gerando uma celeridade e economia processual para os crimes de menor potencial ofensivo (MIRABETE, 200). Ao acusado, ao receber a proposta e, se aceitá-la, tem o dever de cumpri-la, para ter a sua punibilidade extinta, caso descumpra o Ministério Público vai oferecer a denúncia.
O instituto da transação penal é a primeira semente da justiça negociada a germinar no ordenamento jurídico brasileiro, uma de suas flores é a própria suspensão condicional do processo, outro instituto presente na Lei 9.099/95, na qual o Ministério Público pede a suspensão do processo, nos casos cabíveis em lei, por um certo período, onde o acusado deve cumprir para que o juiz possa extinguir a pena.
Da mesma forma que a transação penal, o acusado não confessa pena na suspensão condicional do processo, Segundo Aury Lopes, a natureza da confissão é nolo contendere, umas das formas de plea previstas na Rule 11, anteriormente mencionada, o quer dizer que o acusado não admite culpa, apenas não nega a acusação (LOPES, 2014).
1.2. A COLABORAÇÃO PREMIADA
A colaboração premiada já é um pouco diferente uma vez que o acusado confessa que participou de determinado ato, só que nesse instituto ele também fornece para as autoridades investigadoras informações para que elas possam solucionar os crimes (BONOLDI, 2015). A colaboração premiada por mais que seja um instrumento para a solução e obtenção de provas, é uma forma de justiça negociada, uma vez que o acusado recebe uma redução da pena, se não a sua total extinção. Assim dispõe, por exemplo, a Lei 12.850/13:
Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:
[...]
§ 1º Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.
§ 2º Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).
Aras, em seus estudos, sintetiza que a colaboração premiada vai além de um instituto de fornecer provas e materialidade de delitos, mas também serve para preservar algum bem jurídico, seja a vida ou um bem material, vindo até mesmo a prevenir outra infração penal (ARAS, 2015). Ademais, Aras também visualiza que a confissão apresentada na delação não é algo que o ordenamento brasileiro desconhece, pois já há formas de confissão para redução da pena, como o arrependimento eficaz e posterior.
Ressalta-se também que, mesmo com a possibilidade de utilização da delação premiada no ordenamento jurídico brasileiro, são poucas as vezes que vimos ser usada, costuma-se utilizar apenas em crimes de grandes proporções como nos delitos de lavagem de dinheiro (Lei 12.683/12) ou de Tráfico de Drogas (Lei 11.343/06). Além do fato também do Ministério Público e a Defesa não chegarem a um consenso, acabando por prorrogar ainda mais a ação penal que poderia já estar produzindo benefícios para o acusado.
Tal cenário modificou-se, entretanto, com o advindo da Lei 9.807/99, conhecida como Lei de Proteção a Vítimas, Testemunhas e ao Réu Colaborador, a qual modificou o tratamento da colaboração premiada, permitindo uma maior interação e pactuação entre acusação e defesa. A civil law enfraquecida mais uma vez permitiu a entrada do commow law norte-americano, o plea bargain se fortelece cada vez mais com um instituto no ordenamento jurídico brasileiro, não sendo mais uma exclusividade dos países anglo-saxônicos.
3 O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL NA LEI 13.964/2019
Foi recentemente que o instituto do plea bargain chamou atenção do até então Ministro da Justiça do Brasil (2018 – Abril 2020) Sérgio Fernando Moro, que apresentou no dia 19 de Fevereiro de 2019 ao Congresso Nacional o projeto de Lei n° 882/2019, que visava o combate ao crime organizado, à corrupção e demais delitos, apresentando também a possibilidade de um acordo de não persecução penal, na forma do art. 28-A do Código de Processo Penal, com o objetivo de conferir maior agilidade ao processo penal, aplicando-se a realidade brasileira.
Primeiramente, vale destacar que o Conselho Nacional do Ministério Público, por meio da Resolução n° 181, de 7 de agosto de 2017, que posteriormente foi alterado pela Resolução n° 183 de 24 de janeiro de 2018, já havia criado esse instituto chamado de acordo de não persecução penal, para crimes que atendessem certos requisitos, porém, não trataremos desse acordo criado pelo CNMP neste presente artigo, uma vez que há regulamentação legislativa acerca do assunto agora.
Alguns doutrinadores consideram que esse projeto surgiu como uma maneira de controlar as “massas”, dando a entender que haveria um maior combate ao crime e resolução nos tribunais, gerando assim um apelo da população para que o projeto fosse aprovado (SCHIAVONE, 2019).
É notório destacar que, nesse projeto, o acordo de não persecução penal caberia para qualquer delito, sem analisar penas abstratas máximas ou mínimas, alguns juristas como Pierre Amorim, criticaram a nomenclatura dada a essa nova modalidade de justiça negociada, por entender que cabe ao Ministério Público oferecer o acordo já que haveria uma persecução penal, uma vez que se o acordo tivesse êxito, uma sanção seria aplicada (AMORIM, 2019).
O projeto de lei supracitado foi arquivado, sendo, posteriormente, outro projeto de lei o n° 10.372, que já estava em tramitação desde o dia 06 de junho de 2018, revisado por juristas e doutrinadores, juntamente com o até então Ministro da Justiça e hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, sendo aprovado pelo Congresso Nacional na forma da Lei 13.964/2019 e entrando em vigor no dia 23 de janeiro de 2020, também chamada de Pacote Anticrime, o qual trouxe uma nova redação para o art. 28-A, o qual ficou como:
Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:
I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;
II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;
III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);
IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou
V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.
A redação aprovada para o art. 28-A não é muito diferente da proposta pelo até então Ministro da Justiça, porém mudanças sutis com a finalidade de afastar alguns impedimentos e abrir maior espaço para que os acordos possam ser celebrados.
A confissão do acusado só servirá para a homologação do ANPP (acordo de não persecução penal), em hipótese alguma pode servir como meio de prova caso haja o descumprimento do fixado em acordo, por se tratar de uma confissão extrajudicial, segue o rito previsto no art. 155 do Código de Processo Penal (LENIESKY, 2020).
Podemos considerar então o acordo de não persecução penal, como um negócio jurídico pré-processual, ou seja, só pode ser feito o acordo antes do oferecimento da denúncia, de natureza extrajudicial, que tem como fim a melhora do sistema penal brasileiro, com uma medida reprovativa e preventiva a um crime (SILVA, 2020). Não é algo que o Ministério Público como autor da ação penal pública pode deixar de oferecer, se o acusado cumpre todos os requisitos elencados pelo art. 28-A é dever da acusação propor a não persecução penal.
O acordo de não persecução penal tem vários embasamentos constitucionais, como o princípio da eficiência, previsto no art. 37, caput da Constituição Federal, além de demais princípios como o da proporcionalidade (art. 5, LIV, CF); da celeridade (art. 5, LXXVIII CF) e do acusatório (art. 129, I, VI e VII, CF).
4 A APLICABILIDADE DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL: BENEFÍCIOS E MALEFÍCIOS
Diversos são os pensamentos doutrinários que surgiram com essa nova modalidade de plea bargain na justiça criminal brasileira. Alguns vislumbram que pode haver a melhora de fato na celeridade dos processos penais, todavia alguns vislumbram que pode ocorrer o oposto, o Estado pode utilizar da sua posição para forçar confissões indevidas, o fato de que não haveria o devido processo legal, entre outros exemplos.
O acordo de não persecução penal não se trata mais de algo completamente absurdo para o ordenamento jurídico brasileiro, representa mais uma forma de justiça negocial no processo penal, indo ao encontro da globalização de redução da necessidade de judicialização para resolução dos feitos criminais e otimização da própria justiça penal (BRANSALISE, 2019). Ou seja, o direito brasileiro já está familiarizado com o plea bargain, seja no instituto da transação penal, na colaboração premiada e, agora, no acordo de não persecução penal, portanto não há o que se falar em novidade para a doutrina.
Algumas problemáticas que podemos visualizar em relação ao acordo de não persecução penal são, por exemplo, a necessidade de se homologar o ANPP perante o juízo das execuções penal disposta no § 6º do art. 28-A, a escolha do legislador de impor a necessidade de que o acordo seja executado perante a esse juízo não é isenta de críticas, haja vista que as condições exigidas aos investigados/acusados não possuem natureza de sanções penais. Além disso, criou-se uma regra extremamente burocrática, considerando que os autos devem ser devolvidos ao Parquet para que este ingresse com um novo pedido perante ao juízo de execução com o fim de serem executadas as condições pactuadas, o que vai de encontro aos princípios da celeridade e economia processuais (Rodrigues, 2020). Tal fato gera estranheza doutrinária, uma vez que na transação penal e na delação premiada, uma vez celebrados acordos, eles são executados pelo próprio juiz que homologa.
Por outro lado, temos um benefício advindo do Direito Processual Intertemporal, o qual podemos definir como “regras de sobre direito, isto é, regras cuja incidência se dá não sobre relações jurídicas, mas sobre as próprias normas destinadas a regê-las” (MEDINA, 2017). Que nada mais é que a aplicação do ANPP para casos em curso por delitos cometidos antes da vigência da Lei n° 13.964/2019. O acordo de não persecução penal é uma norma processual penal material, isto é, está no âmbito das normas penais mistas ou híbridas, ou seja, tem em si conteúdos tanto de Direito Penal como de Direito Processual Penal e, para grande parte da doutrina, quando houver uma lei mista, a parte penal tende a prevalecer. Nesse sentido, a norma retroagirá se a parte penal for mais benéfica ao réu; e não retroagirá se for prejudicá-lo (CAPEZ, 2007).
A possibilidade de execução do acordo de não persecução penal em processos que envolvam fatos criminosos anteriores à vigência da lei supracitada já encontra respaldo na jurisprudência, tendo o Tribunal Regional Federal da 4ª Região reconhecido essa possibilidade em, pelo menos, duas oportunidades .
Vislumbra-se que há eixos opostos acerca de como a ANPP irá impactar na realidade do ordenamento jurídico brasileiro, se dará mais poderes ao Parquet, se o acusado vai confessar de forma espontânea e não forçada, mas também se ele terá o benefício de uma pena branda e poder se reintegrar na sociedade mais facilmente, acusados que estavam com processos penais em andamento por fatos anteriores a vigência da ANPP poderão utilizar-se do acordo e ter a sonhada celeridade processual
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se, portanto, a relevância do presente estudo uma vez que o acordo de não persecução penal é uma novidade no direito penal brasileiro, como visualizamos pela sua vigência apenas ano passado, conhecer os direitos do acusado nessa nova modalidade é de grande importância para que se possa entender como funcionará o processo penal e minimizar o grande número de processos transitando nos tribunais de todo país.
Durante muitos anos o ordenamento jurídico seguia apenas o civil law, mas afere-se da pesquisa cientifica que os legisladores querem se modernizar e englobar a experiência de outros países na legislação pátria, trazendo o commow law e o plea bargain, que serão extremamente relevantes para o processo penal e para o Parquet, o acusado e a defesa, modificando o ordenamento jurídico para uma nova ótica.
As experiências refletidas pela transação penal e pela colaboração premiada mostram-se enriquecedoras para a legislação pátria, viabilizando-se a inserção do plea bargain para que o legislador, já familiarizado com a justiça negociada, possa trabalhar de forma mais eficiente para garantir uma celeridade processual.
Portanto, diante da existência desses diversos entendimentos acerca do tema, importa a realização de pesquisa aprofundada sobre o tema apresentado, observando os aspectos que englobam os novos direitos e deveres assegurados ao acusado.
REFERÊNCIAS
ALBERGARIA, Pedro Soares de. Plea Bargaining: aproximação à justiça negociadanos E.U.A. Coimbra: Almedina, 2007. Disponível em: https://www.academia.edu/34491102/Plea_bargaining_aproximacao_conceitual_e_ breve_historico Acesso em: 18 nov. 2020.
AMORIM, Pierre Souto Maior Coutinho de. Considerações processuais sobre os acordos previstos no projeto de lei n. 882/20191 (projeto “anticrime”), Migalhas, 2019. Disponível em https://migalhas.uol.com.br/arquivos/2019/5/art20190510- 14.pdf Acesso em: 18 nov. 2020.
ARAS, Vladimir. Origem do instituto da colaboração premiada. Blog do Vlad. Brasilia. 12 de maio de 2015. Disponivel em: https://vladimiraras.blog/2015/05/12/origem-do-instituto-da-colaboracao-premiada/. Acesso em: 08 de Maio de 2021.
BRANSALISE, Rodrigo da Silva. O consenso processual penal analisado a partir de hipóteses negociais colombianas. Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, n. 71, pp. 223-237, jan./mar. 2019.
BRASIL, Congresso Nacional. (2019). Projeto de Lei Anticrime. Disponível em: https://www.justica.gov.br/news/collective-nitf-content-1549284631.06/projeto-de- lei-anticrime.pdf;. Acesso em: 18 nov. 2020.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 23 mar. 2021.
BRASIL, Câmara dos Deputados. PL 882/2019, Projeto de Lei. 2019. Disponível em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=21923 53. Acesso em: 18 nov. 2020.
BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm >. Acesso em: 23 mar. 2021.
BRASIL. Tribunal Regional Federal (4. Região). Correição Parcial (TURMA) Nº 5009312-62.2020.4.04.0000/RS. Corrigente: Ministério Público Federal. Corrigido: Juízo Substituto da 11ª VF de Porto Alegre. Relator: Juiz João Pedro Gebran Neto. Porto Alegre, 14 de maio de 2020. Disponivel em https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=15197. Acesso 24 de Abril de 2021
BRASIL. Tribunal Regional Federal (4. Região). Apelação Criminal. ACR 5005673-56.2018.4.04.7000/RS, Oitava Turma.Apelante: Cristiano Tertuliano da Silva. Apelado: Ministério Público Federal. Relator: Juiz João Pedro Gebran Neto. Porto Alegre, 14 de maio de 2020. Disponível em https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=15197. Acesso 24 de Abril de 2021
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal- Parte Geral, volume 1, 11ª edição, pg. 48 a 51; Saraiva; São Paulo; 2007.
CRUZ, Antonio Flavio, PLEA BARGAINING E DELAÇÃO PREMIADA: ALGUMAS PERPLEXIDADES. dez. 2016. Disponível em: http://revistajuridica.esa.oabpr.org.br/wp-content/uploads/2016/12/2-8-plea.pdf. Acesso em: 05 nov. 2019.
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, Federal Rules of Criminal Procedure, Rule 11. Pleas, de 30 de abril de 1790. Disponível em: https://www.federalrulesofcriminalprocedure.org/title-iv/rule-11-pleas/. Acesso em: 18 nov. 2020.
FABRETTI, H. B.; VELLOZO, J. C. O. UMA ANÁLISE CRÍTICA SOBRE A LEI ANTICRIME DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Viçosa: Revista de Direito. 2019. Disponível em https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=7085853. Acesso em: 21 de Abril de 2021.
FISHER, George, Plea Bargaining's Triumph, 109 Yale L.J. (2000). Dispónivel em: https://digitalcommons.law.yale.edu/ylj/vol109/iss5/. Acesso em: 14 de Março de 2021
GOUVEIA FILHO, Eduardo Correia. Delação Premiada e Plea Bargaining: uma análise microcomparativa à luz das normas jurídicas brasileiras e ianques. Revista Humus. v. 9, n. 26, 2019. Disponível em: http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/revistahumus/article/view/11575. Acesso em: 18 nov. 2020.
LENIESKY, Fabiano. O descumprimento do acordo de não persecução penal e a (in)validade da confissão como prova no processo penal. DireitoNet. São Paulo. 23 de dezembro de 2015. Disponivel em: https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/11576/O-descumprimento-do-acordo-de-nao-persecucao-penal-e-a-in-validade-da-confissao-como-prova-no-processo-penal. Acesso em: 20 de Março de 2021.
MATTOS, Saulo. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL: UMA NOVIDADE
CANSADA. Trincheira Democrática, boletim revista do instituto baiano de direito processual penal - ano 3, nº 07, 2020. Disponível em: http://www.ibadpp.com.br/novo/wp-content/uploads/2020/03/TRINCHEIRA- FEVEREIRO-2019.2.pdf. Acesso em: 18 nov. 2020
MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Teoria Geral do Processo. 3. ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2017.
MENDONÇA, Stephan Gomes. Lei dos Juizados Especiais: 20 anos de vigência e reflexos no processo penal. Justificando. 2015. Disponível em: http://www.justificando.com/2015/06/19/lei-dos-juizados-especiais-20-anos-de-vigencia-e-reflexos-no-processo-penal/. Acesso em: 07 de Abril de 2021
MIRABETE. Júlio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais: Comentários, Jurisprudências e Legislação. 4. ed. São Paulo, Atlas. 2000. p. 117.
RAPOZA, Phillip. A experiência americana do Plea Bargaining: a excepção transformada em regra. Revista Julgar, n. 19. Coimbra: Coimbra Editora, 2013. Disponível em: http://julgar.pt/wp-content/uploads/2013/01/207-220-Plea- bargaining.pdf. Acesso em: 18 nov. 2020.
RODRIGUES, Rodrigo Alves. Principais Aspectos Do Acordo de Não Persecução Penal. Ambito Juridico. São Paulo. 2020. Disponivel em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-processual-penal/principais-aspectos-do-acordo-de-nao-persecucao-penal/. Acesso em: 5 de Março de 2021.
SANTOBELLO V. NEW YORK 404 U.S 257. SUPREME COURT, 1971. Disponível em: https://supreme.justia.com/cases/federal/us/404/257/. Acesso em: 18 de novembro de 2020.
SCHIAVONE, Edvaneide Inojosa. Justiça criminal negociada: a barganha do pacote anticrime e suas implicações. 2019. Disponível em: http://dspace.mackenzie.br/handle/10899/20618. Acesso em: 06 de março de 2021.
SOUZA, José Alberto Sartório de. “Plea bargaining”: modelo de aplicação do princípio da disponibilidade. Revista Eletrônica do Ministério Público de Minas Gerais, 1998. Disponível em: https://aplicacao.mpmg.mp.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/400/plea%20barg aining_Souza.pdf?sequence=1. Acesso em: 18 nov. 2020.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. A uniformidade e a estabilidade da jurisprudência e o estado de direito - Civil law e common law. Revista Jurídica, Porto Alegre, v. 57, n. 384, p. 53-62, out, 2009.
[1] Professor Orientador do Curso de Direito da Universidade de Gurupi – Unirg. Pós-Graduado (Especialista) em Direito Civil e Processo Civil pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Marabá -PA e em Educação em Direitos Humanos pela Pontífice Universidade Católica de Goiás (PUC-GO).
graduando do curso de Direito da Universidade de Gurupi - UNIRG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Luis Claudio Barbosa. O instituto do plea bargain: reflexos sobre a aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 jun 2021, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56823/o-instituto-do-plea-bargain-reflexos-sobre-a-aplicabilidade-no-ordenamento-jurdico-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
Precisa estar logado para fazer comentários.