RESUMO: A presente pesquisa é destinada não apenas à população carcerária em geral, mas também, e principalmente, aos operadores do sistema jurídico-penal. Está vinculada à Violência, como área de concentração, e à Psiquiatria e Violência, como linha de pesquisa. Nesse contexto, já num primeiro momento e de forma ampla, é conveniente esclarecer que o que se pretende pesquisar é a relação da pena privativa de liberdade com os criminosos acometidos de Transtorno de Personalidade Antissocial. Como metodologia, utilizou-se a pesquisa bibliográfica, onde reunimos livros e artigos com seus respectivos autores para que pudéssemos discutir o assunto em questão. No primeiro item será analisado o Transtorno de Personalidade Antissocial, seu conceito, os aspectos gerais, a etiologia, os critérios diagnósticos. No segundo item, serão abordadas as formas de punição possíveis no Direito Penal brasileiro, analisadas as funções da pena, e também do Direito Penal, a fim de que se possa determinar se a pena de prisão aplicadas ao acometidos de transtorno antissocial é adequada e eficaz.
Palavras-chave: Psicopatia; Pena; Prisão.
1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa é destinada não apenas à população carcerária em geral, mas também, e principalmente, aos operadores do sistema jurídico-penal. Está vinculada à Violência, como área de concentração, e à Psiquiatria e Violência, como linha de pesquisa. Nesse contexto, já num primeiro momento e de forma ampla, é conveniente esclarecer que o que se pretende pesquisar é a relação da pena privativa de liberdade com os criminosos acometidos de Transtorno de Personalidade Antissocial.
Em razão da necessidade decorrente da inexistência de tratamento jurídico específico para esses indivíduos é que se estabelece como objetivo geral da presente pesquisa determinar se a pena privativa de liberdade cumpre sua função, quando imposta a indivíduos acometidos de Transtorno de Personalidade Antissocial.
Ao objetivo geral, que contribui para demonstrar a necessidade de se desenvolver a presente pesquisa e aponta para um possível benefício que o estudo poderá trazer à população em geral, somam-se os objetivos específicos, que podem ser descritos como os objetivos da pesquisa propriamente ditos, e consistem em analisar os fundamentos médicos, psicológicos e jurídicos que conferem aos indivíduos portadores de psicopatia, a condição de imputáveis, não obstante a existência de uma psicopatologia; investigar se a pena privativa de liberdade cominada a esses indivíduos é, ou não, adequada e eficaz, consideradas as suas funções e os fins a que se destina, enquanto sanção jurídico-penal; determinar quais as consequências da aplicação da pena privativa de liberdade, seja ou não eficaz, para indivíduos acometidos de transtorno antissocial.
No primeiro item será analisado o Transtorno de Personalidade Antissocial, seu conceito, os aspectos gerais, a etiologia, os critérios diagnósticos. No segundo item, serão abordadas as formas de punição possíveis no Direito Penal brasileiro, analisadas as funções da pena, e também do Direito Penal, a fim de que se possa determinar se a pena de prisão aplicadas ao acometidos de transtorno antissocial é adequada e eficaz.
2. DO TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ANTISSOCIAL
A falta de consenso na área médica acerca de questões relativas aos transtornos de personalidade eleva a importância do assunto, da mesma forma que instiga a pesquisa a respeito. Isso porque os transtornos de personalidade não importam somente à Psicologia e à Medicina, mas também tem grande relevância na área jurídica, uma vez que os seus portadores são propensos à prática delitiva, sobretudo os portadores de transtorno de personalidade antissocial.
Além dessa razão justificadora do interesse das ciências jurídicas pelos transtornos de personalidade, a relevância do seu estudo para as áreas médica e psicológica é incomensurável, uma vez que os portadores apresentam grandes chances de desenvolver vários quadros psicopatológicos, incluindo episódios depressivos, transtornos de ansiedade e dependência química. Ainda, a coexistência de um quadro de transtorno da personalidade complica o tratamento e agrava o prognóstico de outros transtornos psiquiátricos (TABORDA et al, 2015), porquanto o paciente normalmente tem dificuldade em se relacionar estavelmente com o psiquiatra e em seguir a prescrição medicamentosa regularmente. A esse respeito, pode-se afirmar que:
Os TEP são atualmente considerados como anomalias do desenvolvimento psicológico que impedem a integração entre os afetos e as tendências de modo contínuo e persistente, de tal maneira que, apesar da capacidade mental poder situar-se em limites normais, os indivíduos que os apresentam evidenciam maior impulsividade ou descontrole dos impulsos, sentimentos deficitários de empatia e de consideração pelos demais, incapacidade de sentir culpa ou remorso pelos atos danosos infligidos a outras pessoas, e para alguns transtornos, é freqüente a incursão criminal (MORAES, 2001).
Os transtornos de personalidades estão divididos em várias categorias, o que é didaticamente conveniente, mas desagrada a muitos profissionais, porquanto a categorização implica uma descontinuidade entre os diversos tipos de transtorno, bem como entre o transtorno e a normalidade, quando, na verdade, não existe um limite nítido entre uma personalidade considerada normal e outra considerada transtornada. Além disso, o indivíduo pode apresentar um quadro clínico caracterizado por um predomínio de manifestações de um determinado tipo de transtorno de personalidade, mas com a presença simultânea de características de um outro tipo (TABORDA et al, 2015).
Assim, pode-se afirmar que os transtornos específicos de personalidade estão assim divididos: transtorno paranoide da personalidade; transtorno esquizoide da personalidade; transtorno antissocial da personalidade; transtorno emocionalmente instável da personalidade (tipo impulsivo e tipo borderline); transtorno histriônico da personalidade; transtorno anancástico da personalidade; transtorno ansioso (esquivo) da personalidade; e transtorno da personalidade dependente. De todos esses, o que se analisará nesta pesquisa é o transtorno de personalidade antissocial, em razão de sua estreita relação com as ciências jurídicas e de sua relevância para a psiquiatria e psicologia jurídica, não obstante a importância de outros transtornos da personalidade para essas áreas.
2.1 CONCEITOS
Não há consenso sobre o conceito do termo transtorno. De acordo com a CID-101 (OMS, 2013), trata-se da existência de um conjunto de sintomas ou comportamentos clinicamente reconhecível associado, na maioria dos casos, a sofrimento e interferência com funções pessoais. A partir daí, pode-se considerar os transtornos de personalidade com um tipo de transtorno mental, o que também não é unânime entre médicos e psicólogos.
De acordo com Taborda, Chalub e Abdalla Filho (2015), os transtornos de personalidade não são doenças mentais, em razão de sua natureza duradoura e das constantes manifestações clínicas e comportamentais, além de representarem extremos de uma variação da personalidade que provoca um desajuste do indivíduo no meio em que ele está inserido. Ao que se vê, não se trata propriamente da incidência de um processo patológico em um determinado momento da vida do indivíduo, mas de um traço permanente, que caracteriza a personalidade e o modo de vida do sujeito.
2.2 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS
A primeira descrição clínica abrangente dos portadores de transtorno de personalidade antissocial foi fornecida em 1941, por Hervey Cleckley, para quem o psicopata era um indivíduo não explicitamente psicótico, mas cuja conduta era caótica e tão pouco sintonizada com as exigências da realidade e da sociedade, que indicavam uma psicose subjacente (GABBARD, 2018). Os critérios de Cleckley para psicopatia eram os seguintes:
1. Encanto superficial e boa “inteligência”
2. Ausência de delírios e outros sinais de pensamento irracional
3. Ausência de “nervosismo” ou manifestações psiconeuróticas
4. Inconfiablidade
5. Falsidade e falta de sinceridade
6. Falta de remorso ou vergonha
7. Conduta anti-social inadequadamente motivada
8. Fraco juízo crítico e incapacidade de aprender com a experiência
9. Egocentrismo patológico e incapacidade de amar
10. Pobreza geral nas reações afetivas importantes
11. Perda específica de insight
12. Falta de reciprocidade nas relações interpessoais em geral
13. Conduta extravagante e desagradável com, e às vezes sem, bebida
14. Raramente chega ao suicídio
15. Vida sexual impessoal, trivial e pouco integrada
16. Fracasso ao tentar seguir qualquer plano de vida (GABBARD, 2018).
Em 1968, a DSM-II alterou a nomenclatura para personalidade antissocial, e, em 1980, a DSM-III alterou consideravelmente o transtorno de personalidade antissocial, em relação à descrição original de Cleckley. De acordo com as críticas de Gabbard, o DSM-III estreitou o foco do transtorno para uma população criminosa, propensa a estar ligada a grupos com situação socioeconômica inferior, oprimidos e desfavorecidos; além de serem os critérios tão ateóricos, que ofereciam pouco mais que descrições comportamentais de atividades comumente encontradas em criminosos, o que os autores da DSM-III-R tentaram reparar acrescentando a expressão “falta de remorso” aos critérios (GABBARD, 2018).
De acordo com o DSM-IV-TR, a característica essencial do Transtorno Antissocial de Personalidade é um padrão global de desconsideração e violação dos direitos alheios, que inicia na infância ou no começo da adolescência e continua na vida adulta, conforme indicado por pelo menos três dos seguintes quesitos: falha em adaptar-se às normas legais, propensão para enganar, impulsividade, agressividade, desrespeito pela segurança própria ou alheia, irresponsabilidade vinculada ao trabalho ou finanças e ausência de remorso ou culpa (OLIVEIRA, 2012).
A CID-10, instrumento oficial de diagnóstico médico aceito mundialmente, destaca como aspectos mais comuns do Transtorno de Personalidade Antissocial a frieza emocional, imediatismo, desprezo pelas regras e normas, tendência ao uso de drogas, culpa os outros por seus atos, mentiras e tendência para enganar os outros, incapacidade para sentir culpa, dificuldade para aprender com as punições e uso de racionalizações (OMS, 2013).
3. DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E DA MEDIDA DE SEGURANÇA
Ao iniciar a leitura da obra Vigiar e Punir, de Michel Foucault (2014), pode-se ter uma breve noção de como eram punidos os delitos na antiguidade e de como as penas eram aplicadas. As atrocidades cometidas eram tamanhas, que, contemporaneamente, é difícil conceber que efetivamente ocorriam tais barbáries com a conivência e, mais do que isso, com a aprovação dos governantes e da população. Esta última, inclusive, aclamava, pois acreditava ser o castigo aplicado, indiscutivelmente cabível e justo. No dizer de Cesare Beccaria (2014), homens dotados dos mesmos sentidos e sujeitos às mesmas paixões sentem prazer em julgar os criminosos, têm prazer em seus tormentos, dilaceram-nos com solenidade, aplicam-lhes lentas torturas e os entregam ao espetáculo de uma multidão fanática que goza com suas dores.
Na Idade Média, conforme Bitencourt (2017), Henri Sanson, o verdugo de Paris, escrevendo as suas memórias, faz a seguinte afirmação: ‘Até 1971 a lei criminal é o código da crueldade real’. Daí se percebe, que àquela época, a finalidade do Direito Penal tendia à provocação do receio coletivo de sofrimento de uma sanção:
A noção de liberdade e respeito à individualidade humana não existia e as pessoas ficavam ao arbítrio e à mercê dos detentores do poder, que, por sua vez, debatiam-se na instabilidade reinante, típica, por outra parte, dos Estados que procuravam organizar-se institucionalmente. Não importa a pessoa do réu, sua sorte, a forma em que ficavam encarcerados. Loucos, delinquentes de toda ordem, mulheres, velhos e crianças esperam, espremidos entre si em horrendos encarceramentos subterrâneos, ou em calabouços de palácios e fortalezas, o suplício e a morte (BITENCOURT, 2017).
De acordo com o entendimento dos autores da época, em especial Ferri, era imperioso analisar e considerar a personalidade do agente do delito, com base na qual o delinquente haveria de ser afastado da sociedade, necessariamente, ainda que fosse inimputável por qualquer razão.
Daí surgiu o Sistema Binário de aplicação da pena, pelo qual a regra seria a aplicação de pena ao sujeito ativo de crime, e a concomitante aplicação de medida de segurança, em se tratando de agentes de maior periculosidade, que careciam de observação, antes de retornar ao convívio social. Atualmente, o ordenamento jurídico penal brasileiro, em razão da adoção do Sistema Vicariante de aplicação da pena, veda essa dupla penalização, reservando a medida de segurança aos agentes inimputáveis.
O estado de barbárie legalizada com o qual convivia a sociedade não podia mais prosperar. Os cidadãos decidiram, então, sacrificar parte de sua inútil liberdade, para que pudessem ter segurança na fração que restasse. A soma de todas as pequenas porções de liberdade cedidas pelos cidadãos deu origem à soberania, e aquele sob cuja responsabilidade estavam tais liberdades, foi proclamado o senhor do povo, e deveria não apenas resguardá-las, mas também protegê-las. Para tanto, eram necessários meios sensíveis e bastante poderosos para comprimir esse espírito despótico, que logo tornou a mergulhar a sociedade no seu antigo caos. Esses meios foram as penas estabelecidas contra os infratores das leis.
Finalmente, a aplicação da pena começa a sofrer um processo de humanização, eis que passa a se considerar não somente a fria retribuição da sociedade ao mal praticado, mas as razões que eclodiram em uma determinada conduta típica, abandonando, assim, a concepção de que a imposição de penas cruéis seria um mal imperioso. Tal fato acabou por desencadear uma série de conflitos para a teoria retribucionista, sem, entretanto, fazer com que esta perdesse forças ou fosse reavaliada por seus seguidores.
3.1 DAS ESPÉCIES DE PENA
Até chegar à classificação atual, as penas impostas aos autores de delitos eram as mais variadas e desumanas possíveis. Conforme mostra a doutrina, havia condenações à pena de galés, inclusive perpétuas; trabalhos forçados em minas, pedreiras e construções de obras públicas; pena de morte, em larga escala, variando a forma de execução, de acordo com a época e os costumes do povo: alguns forçavam o suicídio, outros atiravam o condenado às feras ou na fogueira, outros matavam aos poucos, impondo agonia espantosas, enterrando vivos os infelizes, esquartejando-os, ou atirando-os de precipícios, o que ocorria em todas as partes do mundo (PRADO, 2020). Inclusive no Brasil, conforme Feu Rosa (2020):
Aqui no Brasil mesmo, consta que Maurício de Nassau, em Recife, condenou e executou uma família que manteve contato com os portugueses – o que era terminantemente proibido pelo invasor holandês – da seguinte forma: amarrou todos em cima dum varal, em praça pública e mandou colocar brasas ardendo em cima dos corpos; as brasas foram corroendo as entranhas dos réus lentamente, durante cinco dias, até que morreram.
Ao invés das penas de morte, o condenado poderia sofrer outras penas corporais, onde tinha os olhos perfurados, as mãos ou os pés amputados, a língua cortada, eram castrados ou tinham o nariz ou as orelhas cortadas. Além dessas, aplicadas para punir crimes menos graves, existiam, também, as penas infamantes, como o pelourinho, em que o condenado permanecia amarrado no centro da praça pública, exposto aos olhares de todos; o poste da vergonha e a marca a fogo, onde carimbavam o criminoso com determinado sinal nas costas ou nas nádegas para ficar indelevelmente marcado. Havia, ainda a condenação ao exílio, à deportação e ao degredo, que importavam no afastamento temporário ou definitivo do réu, do meio social, sendo transportado, para ilhas isoladas ou para colônias penais distantes (FEU ROSA, 2020).
Tudo isso sem mencionar que a pena não ficava limitada à pessoa daquele indivíduo que cometeu o ilícito penal, sendo que toda a sua família era, no mais das vezes, atingida direta ou indiretamente pela condenação, tendo que suportar as penas infamantes, ser privada de seu patrimônio ou acompanhar o apenado, quando imposto o exílio.
Assim, na Idade Média, os soberanos do povo eram quem decidiam sobre a imposição e a aplicação das sanções criminais, o que era feito de acordo com a classe social e com o nível econômico do acusado, de maneira que algumas penas poderiam ser substituídas por prestações em metal ou espécie, restando a pena de prisão, excepcionalmente, para aqueles casos em que os crimes não tinham suficiente gravidade para sofrer condenação à morte ou a penas de mutilação (BITENCOURT, 2017).
Atualmente, o sistema jurídico-penal brasileiro prevê três espécies de pena passíveis de serem aplicadas: multa, restritiva de direito e privativa de liberdade. Esta última é a que será abordada na presente pesquisa, a fim de que se possa estabelecer conclusões acerca de sua adequação e eficácia, quando imposta a indivíduos acometidos de transtorno de personalidade antissocial, bem como as consequências dessa imposição.
3.1.1 DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
Reservada, dentro do sistema penal contemporâneo, para os crimes de maior gravidade, ou, pelo menos, àqueles cuja pena imposta é mais elevada, o que, a princípio, faz pressupor que se trata de delito de maior potencial ofensivo, a pena privativa de liberdade já mereceu maiores louvores, seja no tocante à sua eficácia, seja no que concerne ao seu modo de execução.
Nem tão antiga quanto a pena de morte, nem tão recente quanto as penas restritivas de direitos, a pena privativa de liberdade teve sua origem no século XVI, generalizando-se no século XIX de tal forma que, na atualidade, constitui o núcleo central de todos os sistemas punitivos, como não poderia deixar de ser, já que em se tratando de Direito Penal, o mesmo perderia totalmente a autoridade, e não teria mesmo fundamento, se não estipulasse determinada sanção a uma conduta prevista (ZAFFARONI, 2021).
A pena privativa de liberdade imposta ao condenado como castigo não representa a realidade da época em que passou a ser aplicada, pois somente foi assim admitida em decorrência da influência do Direito Canônico, que acreditava ter a prisão o poder de expiar o réu de seu crime.
Contemporaneamente, embora venha sendo cada vez mais criticada, a pena privativa de liberdade ainda é necessária, e será até que a sociedade encontre um outro meio de sancionar os crimes, mais eficaz e menos gravoso ao condenado. De acordo com o texto do Código Penal vigente, a pena privativa de liberdade divide-se em duas modalidades: reclusão e detenção, embora sem grandes diferenciações entre ambas. O artigo 33 fixa, unicamente, que a reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto, enquanto a detenção só pode ser cumprida em regime semiaberto ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado. No que se refere à execução, não existem diferenças entre as duas espécies de pena.
Apesar de todas as transformações que sofreu, desde a antiguidade, quando era considerada uma forma de custódia para impedir a fuga do acusado, até ser considerada como uma forma de punição, passando, após, pelo processo de humanização, a pena privativa de liberdade enfrenta hoje, novamente, uma grave crise, não apenas no Brasil, mas em todos os países (FEU ROSA, 2020). Nesse sentido, Prado (2020) refere que (...) conquanto se reconheça o fracasso da pena de prisão, esta continua a ser o eixo em torno do qual gira todo o sistema penalógico somente por não se ter ainda encontrado o modo de substituí-la integralmente.
Assim, apesar das fundadas críticas que vêm sofrendo, é na pena privativa de liberdade que a população continua depositando todas as esperanças de diminuição da criminalidade e da violência. Em sua ignorância jurídica, acredita a sociedade que é através da imposição de penas cada vez mais rigorosas e longas que se atingirá os fins sociais e o bem-estar geral.
3.2 DAS FUNÇÕES DA PENA DO DIREITO PENAL
Num primeiro momento e sem que se aprofundasse o estudo do Direito Penal, poderia se dizer que a sua principal função é a proteger a sociedade da criminalidade, e, consequentemente, punir os responsáveis pela prática de condutas lesivas à paz social. Porém, combater o crime não é tarefa do Direito Penal, cabendo à família, à escola e à própria comunidade a responsabilidade na luta contra a violência e a criminalidade.
Assim, se faz necessário delimitar qual seria a função específica e exclusiva do Direito Penal, embora a doutrina não seja pacífica acerca do assunto. Toledo (2012) entende que o Direito Penal deve estar norteado pela ideia de retribuição justa, razão pela qual só pode ser um Direito Penal de fundo ético, considerando como objetivo fundamental da norma penal a tutela de bens, valores e interesses, para além dos quais inexistiria tutela possível, bem como norma penal.
Welzel (2017) diz que a tarefa do Direito Penal é a proteção dos elementares valores ético-sociais da ação e só por extensão a proteção de bens jurídicos, ao passo em que afirma o caráter fragmentário e limitado dessa proteção. Com outra visão, Toledo (2012) enxerga no direito penal um ordenamento de proteção e de paz para as mais essenciais relações humanas, por isso que a sua tarefa é a proteção da vida comunitária do homem, na sociedade.
Dessa forma, não obstante as divergências entre os doutrinadores, a tarefa imediata do direito penal é de natureza eminentemente jurídica e, como tal, resume-se à proteção de bens jurídicos, no que está empenhado todo o ordenamento. E aqui se percebe o caráter subsidiário do Direito Penal, porquanto a proteção penal existe somente quando a proteção de outros ramos do direito está ausente, falha ou revela-se insuficiente, ou se a lesão ou exposição a perigo do bem jurídico tutelado apresenta certa gravidade: até aí deve estender-se o manto da proteção penal, como ultima ratio regum.
O que fatalmente vem ocorrendo é o abandono dessa que é a missão do Direito Penal, com a adoção de outras funções. Isso para que se permita criar cada vez mais novos tipos penais, a despeito de controlar e reprimir o aumento da criminalidade, mas simplesmente vulgarizando o Direito Penal. De acordo Zaffaroni e Pierangeli (2021), a intervenção penal não objetiva mais tutelar, com eficácia, os bens jurídicos considerados essenciais para a convivência harmônica, mas apenas produzir um impacto tranquilizador sobre o cidadão e sobre a opinião pública, acalmando os sentimentos, individual ou coletivo, de insegurança.
3.2.1 RETRIBUIÇÃO
A transformação pela qual passou o Estado, com o surgimento do mercantilismo, deixando de ser absoluto e impondo uma revisão na concepção de Estado, fez surgir o Estado burguês, tendo como base a teoria do contrato social. O Estado, então, passou a ser expressão soberana do povo, em razão do quê a pena passa a ser concebida como retribuição à perturbação da ordem adotada pelos homens e consagrada pelas leis. A pena é a necessidade de restaurar a ordem jurídica interrompida (BITENCOURT, 2017), conforme propõe a expressão encontrada em todos os livros de direito penal: ao mal do crime, o mal da pena (punitur cuia peccatum est) (PAGANELLA, 2020).
No direito contemporâneo, a retribuição como função da pena é inconcebível, por remeter justamente ao período da vingança e do Talião. Não se pode considerar lícito que a liberdade e os direitos daquele que delinquiu sejam cerceados a título de retribuição pura e simples a uma determinada conduta. Isso porque, aceitar a retribuição do mal com o mal implica “legitimação” da vingança pelo Estado, dispensando-se o ofendido de manchar ele próprio as mãos com o sangue da vítima (PAGANELLA, 2020).
Dessa forma, Paganella Boschi (2020) entende que a concepção da pena como retribuição sem limites atende muito bem aos interesses dos regimes totalitários, porque permite ao legislador que criminalize as condutas que bem entender, arredando o interesse na discussão sobre o conteúdo ético que relaciona os fundamentos e os limites do direito de punir. Por tais razões é que se pode afirmar que caráter retributivo da pena não encontra respaldo em nenhum Estado de Direito democrático contemporâneo, justamente por ser desprovido de qualquer senso moral e de justiça. Se admitido, implica necessariamente em retroceder na luta pela humanização das penas e do seu modo de execução.
3.2.2 RESSOCIALIZAÇÃO
Foi entre teorias clássicas, positivas e críticas, com ideias defendidas por Kant, Carrara, Garofalo e Carnevale, e tendências alternativas que surgiu a Escola Correcionalista, liderada por Roeder. Para os correcionalistas, a suprema finalidade da pena era a readaptação social do criminoso, sua regeneração, sua recuperação física e moral e a sua reabilitação para o trabalho, devolvendo aos agentes de delitos a possibilidade de produzir e ser útil (FEU ROSA, 2020). A ideia central era a de devolver ao criminoso a esperança de poder prosseguir convivendo com seus pares, harmoniosamente, após ter se arrependido da conduta ilícita que praticou e, mais do que isso, estar recuperado das tendências criminógenas que o impulsionaram, quando da comissão do delito.
Para essa teoria, o delinquente é visto como um ser incapaz para o Direito e a pena como um meio para o bem, isto é, o criminoso é um ser limitado por uma anomalia de vontade, sendo que o delito é o seu sintoma mais evidente e a pena um bem (PRADO, 2020). Feu Rosa (2020) afirma que o criminoso, muitas vezes, era o resultado de doenças sociais, produto de péssimas condições econômicas e educacionais, reflexo da vida no submundo das favelas povoadas de marginais da pior espécie, fruto do ambiente familiar e da maldita herança de doenças hereditárias e degenerativas.
Com o passar do tempo, embora existisse uma aceitação de que as penas só se justificam por estarem orientadas por finalidades construtivas, integradoras e de recuperação do criminoso para o retorno ao convívio social, o termo ressocialização passou a ser entendido de diferentes formas, de acordo com os fins das ideologias de cada um (PAGANELLA, 2020). Dessa forma, apesar de ter sido, de início, largamente aceita nos círculos jurídicos, não demorou muito para se perceber que a ressocialização como função da pena, fracassaria, necessariamente, já que é flagrante o contra censo existente no fato de se querer readaptar um indivíduo à sociedade, segregando-o e isolando-o dessa mesma sociedade.
Por tais razões, assim como a função retributiva, a função ressocializadora da pena acabou por se mostrar ineficaz e inadequada, justamente por estar dissociada e contrariar valores e teorias inerentes a princípios basilares do Direito Penal. Tobias Barreto85, em 1892, deixava no ar a seguinte questão: a sociedade e o Estado, escondendo os criminosos atrás dos muros de suas instituições totais, estariam imbuídos do efetivo propósito de corrigi-los e de torná-los melhores?
Nesse contexto, há que se mencionar que o ideal ressocializador também fracassou. Assim, prosseguem os doutrinadores, procurando encontrar fundamentos para o jus puniendi, já que a pretensão punitiva do Estado aos agentes de condutas típicas, pelo que se depreende da evolução histórica do Direito Penal e das penas, não deixará de existir, ainda que novas transformações ocorram, modificando as atuais espécies de penas e seu modo de execução.
4 CONCLUSÃO
Depois do estudo do transtorno de personalidade antissocial e da pena de prisão, pode-se afirmar que ambos são elementos que se sobrepõem na teoria e na prática tanto psiquiátrica, quanto psicológica e jurídica. O indivíduo acometido de transtorno de personalidade antissocial apresenta graves desajustamentos nas relações sociais, com frequente prática de atos violentos e atividade criminosa, com altos índices de reincidência, o que justifica a relação desse transtorno com o mundo jurídico-penal. Por tais razões, o diagnóstico correto dessa psicopatologia é de fundamental importância, bem como a aplicação de um tratamento harmônico, tanto na esfera médica-psicológica, quanto jurídica.
Embora o transtorno antissocial não possa ser considerado uma doença mental, mas sim uma anomalia de desenvolvimento, conforme se concluiu, as características desta anomalia indicam que se a aplicação de medida de segurança não é recomendável ao criminoso, a pena de prisão também não é adequada, nem eficaz. Vale lembrar que, no ordenamento jurídico atual, esses sujeitos não são considerados nem imputáveis, nem inimputáveis, mas semi imputáveis. Na prática, isso representa uma redução na pena a ser aplicada, em até dois terços (parágrafo único do artigo 26 do Código Penal), e o cumprimento da mesma em estabelecimento prisional comum.
5. REFERÊNCIAS
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: EDIPRO, 2014. p. 47.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 08.
FEU ROSA, Antônio José Miguel. Direito penal: parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020, p. 408.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 2014, 262 p.
GABBARD, GLEN O. Psiquiatria psicodinâmica: baseado no DSM-IV. 2. ed., Porto Alegre: Artes Médicas, 2018.
MORAES, Talvane de. Org. Ética e Psiquiatria Forense. Rio de Janeiro: IPUB-CUCA, 2001. p. 107.
OLIVEIRA, Otávio de Passos. Loucura moral: os parcialmente imputáveis. In: CORONEL, Luis Carlos I.; BARROS, Carlos A. S. M. de. Psiquiatria legal para o leigo. Porto Alegre: Conceito, 2012. p. 106-110.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10. Descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artes Médicas, 2013
PAGANELLA BOSCHI, José Antônio. Das penas e seus critérios de aplicação. 8. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2020. p. 105.
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020. p. 295
TABORDA, José G. V.; CHALUB, Miguel; ABDALLA FILHO, Elias. Psiquiatria forense. 3ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2015, p. 281.
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. atual. ampl. São Paulo: Saraiva, 2012 p. 06.
WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal: uma introdução à doutrina da ação finalista. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.
ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 14. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.
Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus- CEULM/AM
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SALIGNAC, Tassia Bentes. Psicopatia e pena de prisão Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 jun 2021, 04:21. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56836/psicopatia-e-pena-de-priso. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: LEONARDO DE SOUZA MARTINS
Por: Willian Douglas de Faria
Por: BRUNA RAPOSO JORGE
Por: IGOR DANIEL BORDINI MARTINENA
Por: PAULO BARBOSA DE ALBUQUERQUE MARANHÃO
Precisa estar logado para fazer comentários.