ADEMIR GASQUES SANCHES
(orientador)
RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo o estudo das organizações criminosas, bem como, o seu surgimento e a forma que vem se desenvolvendo com o passar dos anos. O estudo fez menção a diversas leis, mas se manteve constante na Lei nº 12.850/13 que trouxe ao nosso ordenamento jurídico brasileiro um conceito moderno de crime organizado. Contudo, o ponto central deste estudo é o procedimento da colaboração premiada, defronte a nova previsão normativa presente no artigo 3º da Lei nº 12.850/13, tendo como natureza jurídica o meio de obtenção de provas que ajudam na demolição de diversas organizações criminosas, trazendo como resultado ao réu colaborador tantos benefícios legais. A análise desenvolvida alvitrou diversos pontos sobre o conceito de organizações criminosas, a origem da delação premiada, as críticas feitas contra este instituto com relação à ética e a moral, e por fim tratou ainda da delação premiada no direito comparado. Além do mais, a pesquisa trouxe as inovações de maneira geral, existentes na doutrina e na jurisprudência.
Palavra-chave: Crime organizado; Colaboração premiada; Meios de prova.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Crime Organizado. 1.1. Evolução Legislativa. 2. Colaboração Premiada na Lei nº 12.850/13. 2.1 Definição. 2.2 Ética e Moral. 2.3 Requisitos. 2.4. Dos Benefícios. 2.4.1 A colaboração premiada pode beneficiar o colaborador em áreas não penais? 2.5 Valor Probatório. 2.6. Procedimentos. 3. Colaboração Premiada no Direito Comparado. 3.1. Espanha. 3.2. Itália. 3.3 Estados Unidos. Considerações Finais. Referências.
A criminalidade no Brasil está crescendo cada vez mais, e de forma organizada e com uma estrutura complexa, com hierarquia e divisão de tarefas entre seus integrantes, fazendo uso de meios cada vez mais sofisticados para o cometimento de delitos. Para punir tais grupos, são necessárias ações bem articuladas do poder público, passando então a adotar seus próprios meios para desmantelar tais organizações. A Colaboração Premiada remonta às Ordenações Filipinas, cuja parte criminal, se encontra presente no livro V. Tendo ele vigorado de janeiro de 1603 até a entrada em vigor do código criminal de 1830.
Dessa forma, o propósito deste artigo científico é analisar a colaboração premiada como mecanismo legal no combate as organizações criminosas, sendo necessário para isso, verificar a evolução histórica desse aludido instituto.
No primeiro item, o presente trabalho abordará o conceito de organizações criminosas e a origem da delação premiada, portanto além de constar no nosso ordenamento jurídico expressamente na Lei nº 12.850/13, já existia de forma mais rudimentar na legislação brasileira.
Superada essa evolução histórica, o segundo item tratará a definição da colaboração premiada, uma breve analise do problema a cerca deste tema, uma divergência entre doutrinadores, sua natureza jurídica, requisitos, benefícios ao colaborador, se a colaboração premiada pode beneficiar o colaborador em áreas não penais, valor probatório e seus procedimentos.
Por fim em feito contínuo, o terceiro item abordará a delação premiada no direito comparado, já que este instituto tem sido usado em diversos países.
O presente trabalho tem a finalidade básica a fim de gerar um conhecimento que seja útil para a ciência, com a intenção de ampliar a compreensão de tais assuntos. Tendo ainda, como objetivo uma pesquisa mais exploratória, ou seja, uma visão mais geral à cerca de determinado fato. Com procedimentos bibliográficos a partir de materiais já existentes, constituído principalmente de livros, artigos e via mais atualizada, quais sejam os meios eletrônicos. Dar-se ainda, que se fará uma abordagem qualitativa à cerca do tema, sem se preocupar com números, posto que tais aspectos são incalculáveis.
Dito isso, a fim de definir o objetivo central, qual seja demostrar a utilização da Colaboração Premiada no combate as Organizações Criminosas, verificando o entendimento à cerca da eficácia ou ineficácia deste instituto.
O conceito de crime organizado provoca inúmeros debates doutrinários e se modifica de acordo com os diversos pontos de vista, já que existem múltiplos tipos de organizações criminosas com “modus operandi” variados.
Para o FBI crime organizado é identificado por qualquer grupo que obtenha
algum tipo de estrutura formalizada, seu objetivo primário é alcançar dinheiro através de atividades ilegais. Estes grupos mantêm suas posições pelo grande uso de violência, corrupção, fraude ou extorsões.
Já para Interpol, seu principal objetivo também é o ganho de dinheiro através de atividades ilegais, sempre subsistindo pela imposição do temor e a prática da corrupção.
Com o passar dos anos diante do silêncio das legislações brasileiras, alguns doutrinadores e tribunais passaram a abraçar o conceito da Convenção de Palermo, que define crime organizado no seu artigo 2° “a” do Decreto nº 5.015/ 2004:
“Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material; (BRASIL, 2004, n.p.).
A criminalidade organizada é um dos maiores problemas do mundo globalizado e vem se desenvolvendo significativamente e de maneira equiparável à sociedade. Com a entrada em vigor da Lei nº 12.850/13, ela trouxe conceito, técnicas investigatórias e meios de obtenção de provas para melhor eficiência persecutória da criminalidade organizada.
A Lei nº 12.850/13 define organização criminosa:
§ 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. (BRASIL, 2013, n.p.).
A estrutura de uma organização criminosa vai além de uma autoria e a atuação de demais pessoas. É uma criminalidade crescente, passando de mero ajudante de pessoas para um aglomerado muito bem organizado para o cometimento de crimes, se apoderando de territórios, grandes centros e envolvendo inclusive a população. Há ainda a utilização de violência, com o objetivo de atemorizar pessoas e impor a chamada lei do silêncio.
A organização e a estruturação do grupo criminoso justamente permitem pela divisão de funções, pela hierarquia, pelo modelo empresarial e racional tornar mais oculta a atividade, mais compartimentados os conhecimentos e mais difícil a compreensão do todo criminoso pelo Estado. (CORDEIRO, 2020, p. 42).
Tráficos de drogas, tráficos de armas, de veículos até de seres humanos, prostituição, lavagem de dinheiro, tudo que se pode ter de ações ilícitas. Contando
muitas vezes com agentes da lei e políticos (de quem deveria denunciá-los, combatê-los e condená-los) até dominarem comunidades e presídios. As organizações criminosas podem também, eventualmente ou corriqueiramente, exercer atividades lícitas com finalidade ilícita.
O confronto entre essas organizações e as forças polícias são constantes e deixam cada vez mais vítimas, marcando noticiários diariamente.
O Brasil teve uma alta de 8% no número de assassinatos nos primeiros meses deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado. Os dados apontam que o país teve 7.743 assassinatos nos primeiros meses de 2020, houve 548 mortes a mais na comparação com 2019, uma alta de 8%. Vinte estados do país apresentaram alta de assassinatos e somente sete registraram queda. (G1, 2020, n.p.).
O número é alto portanto é apenas uma estimativa dada a natureza ilegal das organizações criminosas.
Nos dias que correm são conhecidas pela doutrina quatro formas básicas de organizações criminosas que, por vezes, se combinam. A mais comum conhecida como tradicional (ou clássica) é o modelo mais visto das organizações criminosas tipo máfias, que revelam características próprias.
Rede, que emana através de um grupo de especialistas, que age normalmente por tempo determinado (curto) e depois se separam e se juntam com grupos diversos. Sua principal característica é a globalização. Não exigindo inclusive a forma hierárquica.
Empresarial, iniciada com atividades lícitas por empresários que se aproveita da própria hierarquia da empresa para práticas ilícitas como crimes fiscais, lavagem de dinheiro e etc.
Por fim a Endógena, formado essencialmente por políticos e agentes públicos de todos os níveis (corrupção, prevaricação) agindo dentro de todas as esferas, federal, estadual e municipal envolvendo inclusive cada um de seus poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
A lei nº 7.492/86, artigo 25, parágrafo 2º dos crimes contra o sistema financeiro foi a primeira a fazer menção do instituto da colaboração, dizendo:
§ 2º Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços. (BRASIL, 1986, n.p.).
A Lei nº 8.072/90 dos crimes hediondos veio depois e também estabeleceu o instituto da colaboração no ordenamento jurídico. Posteriormente em 1995 com a Lei nº 9.034/95 surgiu a Lei de Organizações Criminosas que trouxe a colaboração ainda que sem ampla regulamentação. Em 1998 a Lei nº 9.613/98, que trata sobre o crime de Lavagem de Dinheiro também fez menção ao instituto da delação premiada prevendo uma possível redução de pena de 1/3 a 2/3, dentre outros benefícios ao acusado que colaborar. No encalço, com a Lei nº 9.807/99 “programa de proteção a vítimas e a testemunhas” em seu artigo 14 trouxe também a delação premiada. No ano de 2006 veio a Lei nº 11.343/06 Lei de drogas que se dirigiu ao assunto no seu artigo 41. Com o passar dos anos, mais tarde veio a lei nº 12.529/11 que guiou a possibilidade de suspenção do prazo prescricional, impedimento de oferecimento de denúncia em relação ao beneficiário da leniência. Só então, em 2013 surgiu a Lei nº 12.850/13 prevendo expressamente este instituto.
Entende-se hoje que a colaboração premiada é uma das formas mais eficaz para desarranjar organizações criminosas, já que os próprios membros das organizações as desvendam para as autoridades em troca de benefícios. Vale ressaltar que é feita de modo voluntário.
Vivemos há muitos anos em uma verdadeira atribulação e com uma enorme sensação de impunidade, que só tende a aumentar, já que o processo penal se aferrou a costumes antigos e a insuficiência de mecanismos para se buscar a soluções de conflitos.
Desde tempos mais remotos, a História é rica em apontar a traição entre os seres humanos: Judas Iscariotes vendeu Cristo pelas céleres 30 (trinta) moedas; Joaquim Silvério dos Reis denunciou Tiradentes, levando-o à forca; Calabar delatou brasileiros, entregando-os aos holandeses. Com o passar dos anos e o incremento da criminalidade, os ordenamentos jurídicos passaram a prever a possibilidade de se premiar essa traição. Surge, então, a colaboração premiada. (LIMA, 2020, p. 866).
Posto isso, a colaborada premiada pode ser definida como um acordo feito entre o estado e o réu colaborador (coautor e/ou participe) o qual confessa seu envolvimento em determinado crime, fornecendo aos órgãos responsáveis informações eficazes abrindo mão do seu direito de permanecer em silêncio e assumindo o engajamento de ser fonte de prova para a acusação acerca dos demais corréus envolvidos.
Segundo Lima (2020) a colaboração premiada é de modo pleno comportável com o princípio do nemo tenetur se detegere (direito de não produzir prova contra si mesmo).
Escolhendo então o delator deixar de exercer seu silêncio por livre e espontânea vontade terá ele assistência técnica e será previamente avisado de que não é obrigado. Não impedindo deste modo que tenha tido incentivo de terceiros, desde que não haja coerção, constrangimento, intimidação e o uso de força para isto.
O instituto se desenvolveu diante das objeções enfrentadas ao longo do tempo de se punir os crimes praticados em concurso de agentes, e principalmente de se acompanhar a sofisticação das organizações criminosas. Sendo na verdade uma forma do estado suprir sua infrutuosidade em relação ao combate a esses crimes.
Um dia, os juristas irão ocupar-se do direito premial. E farão isso quando, pressionados pelas necessidades práticas, conseguirem introduzir a matéria premial dentro do direito, isto é, fora da mera faculdade e do arbítrio. Delimitando-o com regras precisas, nem tanto no interesse do aspirante ao prêmio, mas, sobretudo, no interesse superior da coletividade. (LHERING, 1853 apud SOUZA, 2008, p. 16).
A delação não se confunde com a confissão espontânea prevista no artigo 65, inciso III, alínea “d” do Código Penal, visto que nesta hipótese o agente somente confessa sua participação no delito, sem imputar este fato a terceiros. Para que se caracterize a delação premiada devem, ocorrer, ao mesmo tempo uma confissão e uma incriminação de um coautor ou participe.
A colaboração premiada tem a natureza jurídica de meio especial de obtenção de prova, materializado em um “acordo” reduzido a termo para posterior homologação pelo juiz.
O STF também retém o entendimento de que a colaboração premiada é um meio de obtenção de prova. Este entendimento foi citado no julgamento do HC 127.483/PR.
No julgamento supramencionado o Relator Ministro Dias Toffoli disse:
[...] A colaboração premiada é um negócio jurídico processual, uma vez que, além de ser qualificada expressamente pela lei como “meio de obtenção de prova”, seu objeto é a cooperação do imputado para a investigação e para o processo criminal, atividade de natureza processual, ainda que se agregue a esse negócio jurídico o efeito substancial (de direito material) concernente à sanção premial a ser atribuída a essa colaboração. (BRASIL, 2016, p. 2).
Pergunta-se: o delatado pode impugnar o acordo de delação premiada?
Em princípio o STF diz que não, pois trata-se de negócio jurídico personalíssimo (HC 127.423/PR). Entretanto, o próprio STF negando-lhe caráter absoluto a esse entendimento diz ser possível caso o delatado tivesse prerrogativa de foro e o acordo houvesse sido homologado por juiz de primeira instância (HC 151.605/DF).
Ainda nos dias de hoje, existe uma enorme discussão entre os doutrinadores sobre a ética e a moral da delação premiada. Há doutrinadores que defendem somente efeitos negativos a este instituto, dizendo ser totalmente inútil e que este não tem força para combater a criminalidade.
Ao preconizar que a tomada de uma postura infame (trair) pode ser vantajosa para quem o pratica, o Estado premia a falta de caráter do codelinquente, convertendo-se em autêntico incentivador de antivalores ínsitos à ordem social. (CARVALHO, 2009, p. 101 apud LIMA, 2020, p. 869).
Para os que defendem trás com sigo a ideia de que no mundo do crime não existe ética, portanto essa traição seria por bons propósitos, agindo contra o crime e em favor do estado e da nossa sociedade.
Apesar de se tratar de uma modalidade de traição institucionalizada, trata-se de instituto de capital importância no combate à criminalidade, porquanto se presta ao rompimento do silêncio mafioso (omertà), além de beneficiar o acusado colaborador. (LIMA, 2020, p. 869-870).
A colaboração premiada decorre de um acordo entre delator e o Estado, ambos entram em um acordo para que cada um venha alcançar o objetivo ambicionado, o colaborador que é conseguir beneficiamentos processuais e o do Estado que é conseguir informações probatórias para solucionar tais organizações que são muito bem organizadas. Para que chegue a tanto, é necessário que o réu colaborador cumpra alguns requisitos para que o Estado lhe ofereça um dos prêmios legais, a começar com a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas, a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas, prevenção de crimes decorrentes das atividades cometidas por tais organizações, a recuperação total ou parcial do produto ou proveito das infrações penais e pôr fim a localização de eventual vítima com sua integridade física preservada.
Bittar (2020) ressalta que o juiz deverá aumentar ou diminuir as vantagens, conforme a maior ou menor eficácia da participação do imputado no acordo de colaboração premiada.
Os benéficos geralmente é o que estimula o réu a colaborar com a justiça, logo os primeiros dispositivos legais que citavam a delação premiada ofereciam um único benefício legal, qual seja, uma diminuição da pena de 1/3 a 2/3. Lima (2020, p. 881) disse: “Fácil perceber, portanto, o motivo pela qual o coator ou partícipe do fato delituoso não se sentia encorajado a colaborar com as autoridades estatais”.
Com o passar dos anos houve várias alterações legislativas que foram melhorando os tipos de benefícios que o delator poderia ter com o acordo de colaboração premiada. Estas alterações foram extremamente necessárias para que
se verifica-se interesse por parte dos réus em colaborar com o Estado, tendo em consideração que os delatores não estariam dispostos a correr risco por uma simples redução de pena.
O colaborador já sabia, de antemão, que provavelmente continuaria cumprindo pena, quiça no mesmo estabelecimento prisional que seus comparsas. Isto acabava por desestimular qualquer tipo de colaboração premiada, até mesmo porque é fato notório que o “Código de Ética” dos criminosos geralmente pune a traição com verdadeira “pena de morte”. (LIMA, 2020, p. 881).
Com a chegada da Lei nº 12.850/13 também houve a ampliação do leque de benefícios, quais sejam: diminuição da pena, substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, perdão judicial e consequente extinção da punibilidade, não oferecimento da denúncia (acordo de imunidade) e progressão de regimes.
Verifica-se ainda alguns direitos do qual o réu delator faz jus, e no caso de sua ineficácia o valor da colaboração premiada se perde. A começar com o principal direito, qual seja a sua voluntariedade em intrometer-se na delação premiada, sua fala deve ser feita na presença de seu advogado de defesa para que o mesmo garanta suas prerrogativas, pode o delator inclusive pedir proteção policial para resguardar sua integridade física, caso queira e achar conveniente pedir o sigilo de seu depoimento. O art. 4°, § 10 da referida Lei, resguarda ao colaborador o direito de retratação, ou seja, retornar ao status quo ante. Por fim, o art. 5° da Lei nº 12.850/13, traz também alguns dos direitos que poderá gozar o colaborador.
Muito se discute a respeito dessa possibilidade de os celebrantes terem concessão de benefícios não expressos em lei. Dispondo sobre o assunto existe duas correntes. Uma delas trata da possibilidade de adoção de sanções premiais não previstas em lei, desde que não agravem a situação do agente colaborador com sanções mais severas.
“No âmbito da operação “Lava Jato”, por exemplo, foram celebrados acordos dando permissão para que familiares do colaborador fizessem uso de bens que são produtos de crime e o cumprimento da pena em regimes diferenciados”. (LIMA, 2020, p. 887.)
E a segunda corrente trata da impossibilidade de adoção de sanções premiais não previstas em lei por achar absolutamente necessário o cumprimento estrito da lei, que trata dos benéficos.
Será possível existindo acordo de colaboração premiada na seara criminal, transferir-se os prêmios legais também a instância cível administrativa?
O tema ainda é pouco discutido, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, portanto há entendimentos em ambos os sentidos.
Em 2014 houve o julgamento de um acordão pela Relatora Carmelita Brasil no seguinte entendimento:
A delação premiada tem aplicação restrita à esfera penal, não alcançando as demais sanções por improbidade administrativa. O recebimento de vantagem indevida por agentes públicos para obter apoio político em campanha eleitoral configura ato de improbidade, sujeito às sanções criminais, cíveis e administrativas. No caso, um dos réus, delator da existência e do funcionamento de organização criminosa instalada na cúpula do GDF, foi beneficiado judicialmente com a delação premiada em virtude da comissão e do termo de colaboração firmado com o MPDFT. Todavia, para o voto majoritário, não cabem os benefícios da delação premiada e do perdão judicial em sede de ação de improbidade administrativa, mesmo por analogia, pois trata-se de institutos exclusivos da esfera penal. Por sua vez, no voto minoritário entendeu-se que, pela interpretação teleológica do ordenamento jurídico, as regras do direito penal alusivas à colaboração premiada devem ser entendidas para a esfera da improbidade administrativa. (TJDFT, 2014, n.p.)
Mais recentemente há doutrina lutando pela possibilidade de ampliação desses benefícios da colaboração, com a alegação de que se existem para a seara criminal, que é a mais grave, não haveria sentido que não houvesse em outros ramos do direito, como o cível e da improbidade.
Os entendimentos que se dizem há favor tem os seguintes argumentos: 1) Se a colaboração atinge a esfera penal, ou seja, a mais grave, porque não poderia atingir o menos. 2) Se é possível conceder o perdão ao crime, porque não também a esfera administrativa. 3) Até mesmo a analogia poderá ser utilizar nesse caso.
Nem as medidas cautelares seja de bem ou de liberdade, tampouco a sentença, a denúncia ou a prisão podem ser apoiadas única e exclusivamente em um acordo de colaboração premiada, devendo sempre haver outras provas para que se fundamente uma condenação.
Em sede de sentença condenatória, todavia, se nem mesmo a confissão do acusado, auto incriminando-se, é dotada de valor absoluto, não mais sendo considerada a rainha entre as provas (CPP, art. 197), o que dizer, então, da colaboração premiada? Ante a possibilidade de mendacidade intrínseca à colaboração premiada, a jurisprudência firmou-se no sentido de que, isoladamente considerada, esta técnica especial de investigação não pode respaldar uma condenação, devendo estar corroborada por outros elementos probatórios. (LIMA, 2020, p. 889).
Este entendimento veio firmado também na Lei 12.850/13 no seu art. 4º, §16. Averiguando o juiz estar a colaboração de acordo com as demais provas, terá ele uma maior tranquilidade para julgar de maneira correta, mais sempre com extrema cautela já que o colaborador está vinculado diretamente ao caso e em seu depoimento pode se auto beneficiar não sendo totalmente honesto.
Inicia-se com uma proposta, que pode partir do Ministério Público, do delegado ou do próprio réu.
Por força da redação do art. 3º-B, incluído pela Lei nº 13.964/2019, o início das negociações formais e sua confidencialidade, que poderão pronunciar ou não, a homologação do pedido de colaboração, ocorre com recebimento da proposta apresentada pela defesa ao celebrante (Delegado ou representante do Ministério Público), estabelecendo ainda o começo de três regras, obrigatoriamente, aceitas pelas partes: a) respeito ao sigilo (confidencialidade); b) estabelecimento da confiança entre as partes que deve abranger a fase das negociações; c) exigência de boa-fé. (BITTAR, 2020. p. 249).
A delação premiada, como qualquer outro acordo, começa com as partes negociando, observando as regras estabelecidas pela Lei e as garantias constitucionais do devido processo.
O sigilo começa no momento em que tem o recebimento da proposta de colaboração, antes de qualquer tratativa as partes, assinará o termo que deixará claro que todos ali presentes deverá manter o sigilo, e sofrerá consequências no caso de quebra.
No Brasil, o acordo deve ser preparado com a presença de advogado para sempre garantir os direitos do colaborador e evitar que ele sofra algum tipo de coerção. O art. 3º da Lei nº 12.850/13 diz que: “Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova: I- colaboração premiada [...]”. Outro artigo da mesma Lei também afirma que o instituto poderá ser feito em qualquer fase, §5º do art. 4º que cita a possibilidade do acordo após a sentença.
“A proposta poderá ser apresentada de forma oral ou escrita, recomendando-se está última por ser a que proporciona maior segurança ao delator.” (BITTAR, 2020, p. 250.)
O juiz não participa dos termos da colaboração premiada, assumindo um papel de mero supervisor dos requisitos legais, ficando as tratativas a cargo do colaborador, e do Ministério Público ou o Delegado de Polícia. Após as negociações, é indispensável a formalização do acordo para sua homologação, art. 6º da Lei nº 12.850/13:
O termo de acordo da colaboração premiada deverá ser feito por escrito e conter: I - o relato da colaboração e seus possíveis resultados; II - as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia; III - a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor; IV - as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor; V - a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário. (BRASIL, 2013, n.p.).
O magistrado deverá realizar audiência para ouvir o delator, analisando sempre a regularidade e a legalidade do acordo, sua voluntariedade, especialmente nos casos em que o colaborador esteve sob medidas cautelares, dentre outros aspectos na homologação, art. 4º §7º Lei nº 12.850/13.
Logo, se entender o juiz ser inadequado o acordo, poderá recusá-lo e pedir adequações necessárias para as partes conforme dispõe o art. 4º, §8º da supracitada Lei. O pedido de homologação do acordo seguirá conforme o artigo 7º da Lei nº 12.850/13.
Prontamente, após uma inspeção da colaboração premiada no ordenamento jurídico brasileiro, se faz necessária algumas considerações em relação ao direito comparado, tomando por base a sua aplicabilidade no direito Espanhol, Italiano e nos Estados Unidos.
Na Espanha a colaboração premiada tende a combater crimes correlacionados ao terrorismo e o tráfico de drogas.
A delação premiada foi introduzida na Espanha em 1988, através da Lei Orgânica nº 3, de 25 de maio, que incluiu uma figura premial (remissão parcial ou total da pena, de acordo com as circunstâncias) para os participantes do crime de terrorismo que colaborassem com a justiça. (BITTAR, 2020, p. 80).
Vale ressaltar que o instituto se estendeu também a delitos associados ao tráfico de drogas, essa ampliação trouxe também alguns requisitos, sendo que um deles era a necessidade de confissão dos fatos de que o colaborador teria cometido a malfeitoria. Mais tarde veio uma alteração propiciada pela Lei Orgânica nº15, de 25 de novembro de 2003 que suspendeu a necessidade de confissão dos fatos. Tendo atualmente os seguintes requisitos:
a) abandono voluntario das atividades delitivas; b) colaboração ativa para (b.1) impedir a produção do delito, ou (b.2) obter provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis ou impedir a atuação ou o desenvolvimento das organizações ou associações a que tenha pertencido ou colaborado. (BITTAR, 2020, p. 81).
Enquanto no Brasil, a colaboração premiada não pode ser utilizada como meio de prova e sim como meio de obtenção de prova, na Espanha, desde que observadas todas as garantias processuais (ATC 280/1989) atuará como prova.
Por conseguinte, identifica-se que o Brasil aderiu alguns pontos do instituto Espanhol.
Na Itália a colaboração premiada tem como objetivo combater os crimes de terrorismo, sendo inaugurada em meados da década de 1970, logo, recebeu mais notoriedade após a operazione nani pulite (operação mãos limpas) um dos mais profusos processos anticorrupção que tinha por objetivo lutar contra as máfias italianas que quase levou a Itália a falência. A operação foi um sucesso.
“Basta lembrar as declarações prestadas por Tommaso Buscetta ao Promotor italiano Giovanni Falcone, que golpearam duramente o crime organizado na península italiana.” (LIMA, 2020, p. 866).
Na Itália as leis são bem mais severas quando se trata de mafiosos. Enquanto um criminoso que comete crimes “comuns” pode receber até quatro visitas da família, o mafioso goza de apenas uma, havendo inclusive a redução nas suas horas de sol.
São tomadas diversas medidas para que esses mafiosos não continuem a comandar crimes ainda que detidos, nem mesmo os advogados entram na prisão com celulares, ainda que possua bloqueio de sinal, suas correspondências são abertas antes de serem entregues para passarem por uma minuciosa análise.
Segundo Bittar (2020) foi graças as confissões de Tommaso Buscetta que se ergueu o chamado maxiprocesso, que pela primeira vez, trouxe a condenação de muitos capimafia (chefes mafiosos). O jornal folha da época disse:
Foi Falcone quem convenceu um velho mafioso, Tommaso Buscetta, a romper o sagrado código de silêncio da organização. Também foi Falcone quem dirigiu os grandes julgamentos de meados dos anos 80, com centenas de mafiosos dentro de jaulas, no fundo de salas construídas especialmente para esse fim, em Palermo. Lá, centenas de criminosos foram sentenciados à prisão perpétua. (GUMBEL, 1997, n.p.).
Cosa Nostra é a organização criminosa mais antiga da Itália com o objetivo de agregar o maior poder possível.
“Durante muitos anos o grupo lucrou com a heroína, mas com o tempo esses ganhos diminuíram fazendo com que as máfias migrassem para outros setores. Uma das principais frentes da Cosa Nostra hoje é construção, principalmente as licitações”. (GHIRELLO, 2010, n.p.).
O código italiano assim como no Brasil, reivindica que as declarações dos colaboradores só valeram como prova caso haja outros elementos que atestem sua veracidade.
Nos EUA, a colaboração processual é denominada plea bargaining, e funciona basicamente como uma negociação pré-processual entre acusador (promotoria) e acusado. Surgiu em meados dos anos 60, a justiça americana na época enfrentava grandes problemas com a máfia, e seus associados se recusavam a colaborar com a justiça por medo de que seus familiares viessem sofrer algum tipo de retaliação.
Ergueu-se então, a ideia de oferecer alguns agrados a quem delatasse os parceiros do crime. A técnica foi um sucesso e fez com que muitos criminosos fossem levados à justiça.
O juiz federal Peter Messitte, do Distrito de Maryland, nos EUA visitou o Brasil em 2017 e em palestra trouxe algumas diferenças entre a colaboração premiada nos dois países.
Umas das principais diferenças citadas por Messitte é a autonomia irrestrita do Departamento de Justiça - o Ministério Público norte-americano - ao propor acordos, inclusive com a possibilidade de não apresentar ação penal contra o delator. Já no Brasil, o MP é obrigado a apresentar denúncia, mesmo que para pedir perdão judicial. (GRILLO, 2017, n.p.).
Nos EUA as delações são consideradas provas porque antes mesmo de proporem o acordo eles já possuem de antemão outros instrumentos que prova a culpa do possível delator, enquanto no Brasil são entendidas meramente como meios de obtenção de prova, já que só a palavra do delator não é suficiente.
A história desse instituto nos revela o quão importante é a colaboração premiada para o combate as grandes organizações criminosas, apesar de ser um mecanismo que causas diversas discussões, se mostrou bem eficaz.
A colaboração premiada foi muito importante também para outros países como a Itália por exemplo, que conseguiu punir com sucesso grandes mafiosos.
Diante disso, vimos que a colaboração premiada tem um papel importante como meio de obtenção de prova e tem sido muito utilizada contra a criminalidade. Este mecanismo foi de fato introduzido no nosso ordenamento jurídico pela Lei de organizações criminosas, qual seja, a Lei nº 12.850/13.
Por ser um mecanismo que atenta contra grupos criminosos e faz com que eles quebrem regras bem severas do “tribunal do crime” colocando em risco suas vidas e de seus familiares , o aplicador do direito se viu “obrigado” a outorgar recompensas ao criminoso delator que de fato oferecesse informações importantes.
É considerável enfatizar que esse instituto não é a principal fonte de obtenção de prova, e sim um meio a mais, que anda ao lado de técnicas especiais, quais sejam as interceptações telefônicas, escuta ambiental, ação controlada e outros métodos habituais se necessários.
Como já dito, a delação é um instituto que traz grandes discussões sobre sua ética e moral, mas está caminhando fortemente a consagração já que a maioria da doutrina defende sua eficácia, indo contra a ideia de traição.
Posto isso, podemos dizer que este instituto tem grande importância na nossa sociedade, desmantelando grandes organizações bem estruturadas, sempre seguindo os princípios constitucionais.
BITTAR, Walter Barbosa. Direto, doutrina e jurisprudência. 3. ed. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2020.
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bacharelanda em Direito pela Universidade Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FELIPE, joyce leal. A colaboração premiada como mecanismo legal no combate as organizações criminosas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 jun 2021, 04:49. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56880/a-colaborao-premiada-como-mecanismo-legal-no-combate-as-organizaes-criminosas. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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