RESUMO: O presente artigo visa estudar o cabimento do pedido de prisão preventiva, mediante a acusação de estupro do vulnerável. No artigo 5°, inciso LVII, da Constituição Federal, o princípio da Presunção da Inocência dispõe da seguinte maneira: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Sendo este um dos princípios mais importantes do Estado de Direito, tal princípio balizador do Processo Penal Brasileiro tem por meta estabelecer todo o rol de segurança jurídica previstos na tutela das liberdades. Contudo, em casos de estupro de vulnerável este referido preceito constitucional tem sido desconsiderado diante da gravidade do crime. Constata-se perante o elevado número de atuais jurisprudências, tanto do Superior Tribunal de Justiça quanto do Supremo Tribunal Federal que, ambos têm julgado a gravidade do crime estupro de vulnerável causa relevante para a decretação da prisão preventiva. No entanto, sabe-se que, há jurisprudências divergentes destes posicionamentos. O Desembargador Sérgio Bizzotto, do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, afirma que “a acusação de estupro de vulnerável por si só não basta para o pedido de prisão preventiva, acolheu pedido de Habeas Corpus e determinou a soltura do réu”. O objetivo deste trabalho é analisar o crime estupro do vulnerável como forma de violência de gênero, o direito penal dos vulneráveis e a importância de todos os meios de prova cabíveis para o pedido de prisão preventiva do acusado. Para a realização da pesquisa foi utilizado o método documental, por meio de coleta e revisão de artigos sobre o estupro de vulneráveis, assim como monografias relacionadas ao assunto, doutrina específica, reportagens e jurisprudências sobre o tema.
Palavras-chave: Violência de gênero. Princípio da Presunção da Inocência. Estupro do vulnerável. Prisão preventiva.
1. INTRODUÇÃO
No âmbito da legislação penal considera-se tema de relevância os crimes contra a dignidade sexual, tendo sido, por isso, ponto central de recente modificação da legislação penal. O objetivo deste trabalho é analisar o crime estupro do vulnerável, o direito penal dos vulneráveis e a importância da notícia criminis e de todos os meios de prova cabíveis para o pedido de prisão preventiva do acusado.
Entende-se que a dignidade sexual é uma das espécies do gênero dignidade da pessoa humana. Ingo Wolfgang Sarlet, dissertando sobre o tema, esclarece ser a dignidade:
A qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2001, p. 60)
A transformação vivenciada pela sociedade pós-moderna provocou um olhar alarmante para a realidade quantitativa de crimes sexuais. A preocupação deixou de ser acerca da perda da virgindade e tomou um rumo em direção aos mais variados tipos de abusos. Desde a constatação de inúmeras redes de exploração sexual de crianças e adolescentes a redes de internet que ligam milhares de pessoas pelo mundo que fazem uso da pornografia infantil.
Com tantos crimes ocorrendo a seara criminalística tornou-se palco de inúmeras transformações, surgindo alterações fundamentais dentro do Código Penal. O novo dispositivo legal, de 7 de agosto de 2009, a Lei nº 12.015, fundiu em um único tipo penal os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, em seu artigo 213, anteriormente previstos nos artigos 213 e 214 do Código Penal.
Esta mesma lei criou o estupro de vulnerável como novo delito, em seu artigo 217-A, concluindo-se as discussões ocorridas nos Superiores Tribunais a respeito do crime que era cometido contra vítima menor de quatorze anos.
Outra inclusão deste novo dispositivo foi o artigo 234-B, que prevê, de forma assertiva, que trâmite em segredo de justiça os crimes praticados contra a dignidade sexual, assegurando-se uma maior proteção dos envolvidos em processos dessa natureza.
Após o ano de 2009, com a significativa alteração do Código Penal que passou a tratar os crimes sexuais anteriormente registrados como “Dos crimes contra os costumes” a se denominar “Dos crimes contra a dignidade sexual” considera-se que o que é intimo para um indivíduo, pode não ser para outro. Neste cenário, pretende-se mapear os crimes sexuais previstos no Direito brasileiro através da legislação e pesquisa doutrinária.
Na sequência, abordar-se-á o crime de estupro de vulnerável e a dignidade sexual, que é um viés da dignidade humana. O reconhecimento da vulnerabilidade tanto para os sujeitos responsáveis pelas sanções penais, como para os sujeitos de direitos a serem assegurados. Observar-se-á que a noção de vulnerabilidade se aproximou da esfera penalista de forma vagarosa e gradativa e, somente, a partir disto, os vulneráveis passaram a ser enxergados e também reconhecidos não apenas como destinatários das sanções penais, mas como sujeitos de direitos que precisam ser tutelados.
Noutro ponto, abordar-se-á a Lei nº 13.718/18 que trouxe para o cenário do Direito Penal novos crimes sexuais e o reconhecimento da existência de sujeitos que possuem maior vulnerabilidade de violação dos direitos assegurados.
Tão importante quanto os temas supracitados, tratar-se-á das provas admitidas no Direito Penal brasileiro, os meios de prova e sua importância como resultado das garantias de direito fundamentais para a decretação da prisão preventiva.
Finalizar-se-á este trabalho, tendo como embasamento as fontes apresentadas, uma reflexão acerca do crime de estupro de vulnerável x pedido de prisão preventiva: a notícia criminis basta para o pedido de prisão?
O crime de estupro e a sua forma na condição de vulnerável tem como espectro de proteção a liberdade sexual de qualquer indivíduo e trata-se de um crime hediondo, previsto na Lei nº 8.072/90, artigo 1º, inciso V. Diante de crime de natureza hedionda, avaliar-se-á que não podem ser frágeis os alicerces da consolidação de todos os meios de prova cabíveis no Direito brasileiro para a concretude da responsabilidade civil e penal do acusado.
Em relação a metodologia desenvolvida, utilizar-se-á basicamente a teórica, utilizando-se de fontes bibliográficas como meio resolutivo da problemática-tema. Utiliza-se também à metodologia empírica, quando da análise direta de leis e atos normativos referentes ao tema proposto. Passar-se-á pelo campo do direito material penal na busca por um diálogo com os direitos humanos e os grupos socialmente vulneráveis.
O crime de estupro de vulnerável foi tipificado após diversas queixas de mulheres que sofreram esse tipo de abuso em academias de dança, estúdios de tatuagem, nos grupos de prática desportiva e nos transportes públicos e traduz um percurso de muito questionamento na luta contra o abuso, contra o assédio e contra a violência de gênero.
O cerne da questão encontra-se na identificação e no reconhecimento de fundamentos concretos para a decretação da prisão preventiva. O reconhecimento e a valoração destes elementos têm sido fundamentais para justificar a custódia preventiva do réu. Observa-se que, não se revela cabível a aplicação de medidas cautelares alternativas à prisão, quando restarem comprovados a insuficiência de garantias para resguardar a ordem pública.
Esses fatos tornaram-se cotidiano e a partir do direito assegurado a todos pela Carta Magna, a que se propor uma discussão imprescindível a sociedade brasileira acerca tanto da proteção emocional e sexual da mulher, a qual precisa ser levada cada vez mais a todos os ciclos sociais, acadêmicos ou não, sobretudo a proteção a dignidade humana e os direitos tutelados. O direito ao devido processo legal de forma sigilosa, respeitosa e condizente com o termo a qual definimos como justiça.
1 - AS ALTERAÇÕES DO CRIME DE ESTUPRO (Lei Nº 12.015/2009)
CAPEZ (2019) destaca que o delito de estupro consta do Código Penal Brasileiro desde 1940 e, sua alteração ocorreu após o advento da Lei nº 12.015, de 07 de agosto de 2009, que passou a distingui-lo da contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor, prevista no artigo 61 do Código Penal. As alterações trazidas pelo novo dispositivo, impôs a tipificação diversa das condutas incriminadoras relacionadas aos crimes denominados, até então como, “Dos Crimes contra os Costumes” passando à denominação do crime de estupro e suas peculiaridades, modificando, assim, a redação para “Dos crimes contra a dignidade sexual”.
Com tantos crimes sexuais ocorrendo a seara criminalística tornou-se palco de inúmeras transformações, surgindo alterações fundamentais dentro do Código Penal. O novo dispositivo legal, de 7 de agosto de 2009, a Lei nº 12.015 fundiu em um único tipo penal os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, em seu artigo 213, anteriormente, previstos nos artigos 213 e 214, respectivamente, do Código Penal.
Esta mesma lei criou o estupro de vulnerável como novo delito, em seu artigo 217-A, concluindo-se as discussões ocorridas nos Tribunais Superiores a respeito do crime que era cometido contra vítima menor de quatorze anos.
Outra inclusão deste novo dispositivo foi o artigo 234-B, que prevê, de forma assertiva, que trâmite em segredo de justiça os crimes praticados contra a dignidade sexual, assegurando-se uma maior proteção dos envolvidos em processos dessa natureza.
1.1– Antes da alteração da lei
Na redação original do Código Penal de 1940, a previsão do crime de estupro compunha o Título VI, que tratava dos “Crimes contra os Costumes” em seu Art. 213 – “Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça”. E, o Art. 214, fazia referência ao crime de atentado violento ao pudor e trazia em seu texto, “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal”.
De fato, verifica-se que havia no Código Penal de 1940, a tutela da liberdade sexual, contudo, sua limitação e o seu fracionamento, fragilizaram no decorrer dos anos. Daí a necessidade de novos dispositivos para a garantia da proteção da pessoa.
1.2– Depois da alteração da lei
Através das mudanças sociais ocorridas no decurso do tempo, o Código Penal de 1940 tornou-se obsoleto e verificou-se a urgência de novos dispositivos legais. Assim, em 07 de agosto de 2009, foi sancionada a Lei nº 12.015 que produziu profundas alterações nas sanções penais referentes aos crimes previstos no Título VI, denominado, até então, “Dos Crimes Contra os Costumes”.
As alterações do Código Penal brasileiro passaram a prever um novo viés do sujeito passivo e ativo dos envolvidos nesse crime e ampliou a caracterização do estupro após a junção dos dispositivos citados. O crime de estupro passou a prever tanto a conjunção carnal quanto a prática de um ato libidinoso.
Os novos dispositivos penais passaram a prever dentro do crime de estupro a liberdade sexual do ser humano, seja homem ou mulher. Anteriormente a previsão da tutela dirigia-se para o crime de estupro previsto no art. 213 Código Penal. E, todos, sem exceção são sujeitos da proteção da dignidade sexual.
Em relação ao conceito de liberdade sexual, JIMÉNEZ (2003), aduz que assim se entende a:
Autodeterminação no marco das relações sexuais de uma pessoa, como uma faceta a mais da capacidade de atuar. Liberdade sexual significa que o titular da mesma determina seu comportamento sexual conforme motivos que lhe são próprios no sentido de que é ele quem decide sobre sua sexualidade, sobre como, quando ou com quem mantém relações sexuais. (JIMÉNEZ, Emiliano Borja. Curso de política criminal. Valencia: Tirantlo Blanch, 2003, pág. 156)
Assim, dentro dos novos preceitos jurídicos pode-se apontar como bens juridicamente protegidos: a dignidade, a liberdade e o desenvolvimento sexual, mas como preleciona MAIA (2014, p. 15) “também é necessário que estes não se percam ou se estagnem, pois faz parte do Direito essa constante modificação que faça com que a necessidade do todo seja atendida”.
2 – TUTELA PENAL DA INTIMIDADE: CONSIDERAÇÕES GERAIS
A Constituição Federal, de 1988, em seus termos tutela alguns direitos individuais, que são inclusive, considerados cláusulas pétreas, dado à preciosidade do que protegem. Dentre esses, sobressai-se o direito à intimidade e o direito à vida privada, que, ao serem violados, ensejarão uma indenização por dano moral e material.
Atualmente, registra-se cada vez mais a dificuldade em se proteger o direito a intimidade, principalmente devido ao rápido avanço tecnológico. Registra-se inúmeros abusos cometido através da rede de internet como um exemplificador da violação desse direito. Tornando-se necessário a diferenciação entre a “intimidade” e a “vida privada”.
O direito da personalidade, por si só, recepciona o direito à integridade moral, e nele o direito de estar só. Sendo este último, um desdobramento do direito a dignidade humana, previsto na Carta Magna.
No livro, “O Direito de estar só – Tutela da Intimidade”, o autor Paulo José da Costa Júnior, define este direito como:
A necessidade de encontrar na solidão aquela paz e aquele equilíbrio, continuamente comprometidos pelo ritmo da vida moderna; de manter-se a pessoa, querendo, isolada, subtraída ao alarde e à publicidade, fechada na sua intimidade, resguardada da curiosidade dos olhares e dos ouvidos ávidos. (JÚNIOR, Paulo José da Costa. O Direito de estar só – Tutela da Intimidade. 1970, p. 8)
O autor alude ainda que este direito advém da liberdade:
O direito à intimidade provém da liberdade. E é esta que é inata, como direito de personalidade. O direito de alguém poder recolher-se à soledade, portanto, nada mais é que um efeito do exercício da liberdade, consistente em fazer ou deixar de fazer. (JÚNIOR, Paulo José da Costa. O Direito de estar só – Tutela da Intimidade. 1970, p. 48).
Nos termos da Constituição Federal, de 1988, precisamente em seu artigo 5º, inciso X , há uma proteção ao direito à privacidade ao se estabelecer que: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”
No âmbito do Direito Internacional a proteção internacional do direito à privacidade iniciou-se em 1948, tendo suas bases forjadas no direito humano, através em primeiro lugar da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem aprovada pela XI Conferência Internacional em Bogotá. A referida Declaração mencionava em seu art.5º que:
Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra os ataques abusivos a sua honra, a sua reputação e a sua vida privada e familiar. (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. (org.). Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem: Aprovada na Nona Conferência Internacional Americana, Bogotá. 1948. Disponível em: https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/b.declaracao_americana.htm. Acesso em: 19 maio 2021.)
No mesmo ano, foi aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro, a Declaração Universal de Direitos do Homem, que enunciava em seu art. 12 que:
Ninguém será objeto de ingerências arbitrárias em sua vida privada, sua família, seu domicílio ou sua correspondência, nem de ataques a sua honra ou a sua reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou ataques. (Assembleia Geral das Nações Unidas. DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. 1948. Disponível em: https://brasa.org.br/declaracao-universal-dos-direitos-humanos. Acesso em: 19 maio 2021.)
Dois anos mais tarde, em 1950, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais declarou, em seu artigo 6º, o direito à intimidade:
...o acesso à sala de audiência poderá ser proibido à imprensa e ao público durante a totalidade ou uma parte do processo, em interesse da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional em uma sociedade democrática, quando os interesses dos menores ou a proteção à vida privada das partes do processo assim o exijam. (Membros do Conselho da Europa. Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. 1950. Roma, 04 de novembro. Disponível em: https://www.echr.coe.int/documents/convention_por.pdf. Acesso em: 19 maio 2021.)
E, em seu artigo 8º, o mesmo diploma legal tutelou à vida privada:
Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência. Não pode haver ingerência de autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e construir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar econômico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infrações penais, a proteção da saúde ou da moral, ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros. (Membros do Conselho da Europa. Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. 1950. Roma, 04 de novembro. Disponível em: https://www.echr.coe.int/documents/convention_por.pdf. Acesso em: 19 maio 2021.)
Posteriormente, no dia 16 de dezembro de 1966, surge o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, onde os artigos 14 e 17, respectivamente, declararam:
Art. 14 - Todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil. A imprensa e o público poderão ser excluídos de parte ou de totalidade de um julgamento, quer por motivo de moral pública, de ordem pública ou de segurança nacional em uma sociedade democrática, quer quando o interesse da vida privada das Partes o exija, em circunstâncias específicas, nas quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da justiça; entretanto, qualquer sentença proferida em matéria penal ou civil deverá tornar-se pública, a menos que o interesse de menores exija o procedimento oposto ou o processo diga respeito a controvérsias matrimoniais ou à tutela de menores.
Art. 17 – Ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou legais em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra e reputação. Toda pessoa terá direito à proteção da lei contra essas ingerências ou ofensas. (Estados partes (org.). Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos: onu. ONU. 1966. Adotado pela Resolução n. 2.200 A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966 e ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992. Disponível em: https://www.oas.org/dil/port/1966%20Pacto%20Internacional%20sobre%20Direitos%20Civis%20e%20Pol%C3%ADticos.pdf. Acesso em: 20 maio 2021.
2.1 – Violações da Intimidade sob o prisma da violência de gênero
Há que se dizer que, por séculos, as mulheres têm sido alvo de violência apenas pela razão de serem mulheres. E, que, por serem mulheres, por anos a fio foram julgadas, no sistema patriarcal, como seres inferiores e menos dignos que os homens. Certo afirmar, que homens, porque são homens, não foram alvos de violência. Contudo, as razões que levaram e, infelizmente, ainda levam os seres humanos ao uso da violência contra seus semelhantes, em geral, são apontados, especialmente, pelas relações de poder, interesses econômicos e subjugação.
Verificando as escrituras sagradas, desde tempos remotos tem sido atribuído a mulher um papel que a coloca numa posição fragilizada, onde o seu escudo é o medo ou a vergonha. Segundo as escrituras, a mulher, no capítulo de Gênesis 3-16:
Deus disse também à mulher: Multiplicarei os sofrimentos de teu parto; darás à luz com dor teus filhos; teus desejos te impelirão para o teu marido e tu estarás sob o seu domínio. (GÊNESIS: Capítulo 3: 16. Capítulo 3: 16. Disponível em: https://www.bibliaonline.com.br/acf/gn/3/16. Acesso em: 21 maio 2021.)
Por anos, a criação do discurso feminino pouco influenciou o homem que a definiu como o segundo sexo, alguém incapaz de pensar, de agir com inteligência o que, aliás, ele, homem, lia nas próprias escrituras sagradas. São Paulo em suas cartas aos Coríntios registrara:
As mulheres se calem nas assembleias porque não lhes compete falar, mas viver sujeitas, como diz a lei. Se quiserem aprender alguma coisa, que perguntem em casa aos seus maridos que não é conveniente à mulher falar na assembleia. (CORÍNTIOS: 14:34-35. Textos bíblicos - Conselho de Paulo. Disponível em: http://www.centrowhite.org.br/. Acesso em: 21 maio 2021.)
E ainda de São Paulo a Timóteo, versículos de 11 a 15:
A mulher ouça a instrução em silêncio com espírito de submissão. Não permito que a mulher ensine nem se arrogue autoridade sobre o marido, mas permaneça em silêncio, pois o primeiro a ser criado foi Adão e depois Eva. E não foi Adão que se deixou iludir, mas sim a mulher que, enganada, incorreu em transgressão; mas ela poderá salvar, cumprindo os deveres de mãe, contanto que permaneça com modéstia na fé, na caridade e na santidade. (CORÍNTIOS: 14:11 -15. Textos bíblicos - Conselho de Paulo. Disponível em: http://www.centrowhite.org.br/. Acesso em: 21 maio 2021.)
Resta-nos pensar que no embalo deste discurso cristão todos os registros foram elaborados por homens que definitivamente explanaram a imagem de uma mulher frágil, submissa, dominada e inútil senão para procriar, zelar pelo marido e os afazeres do lar.
Ainda na obra teológica de Santo Tomás de Aquino, assim ele refere-se à mulher:
A mulher é um ser acidental e falho. Por natureza a mulher é inferior ao homem em força e dignidade, e por natureza lhe está sujeita, pois no homem o que domina, pela sua própria natureza é a facilidade de discernir, a inteligência.
E continua:
A mulher foi criada mais imperfeita que o homem porque no homem, naturalmente há mais discernimento e razão. (VILELA, Olga dos Santos Caixeta. A VOZ FEMININA À LUZ DA BÍBLIA. Disponível em: http://www.filologia.org.b. Acesso em: 19 maio 2021.)
Observando-se os registros acima, torna-se plausível analisar que tem sido culturalmente inserido no âmago social uma formal natural de violência e agressão a mulher. Tornando aceitável e comum a prática de violência contra a mulher tanto nos aspectos físicos, quanto no econômico, intelectual, moral e sexual produzindo literalmente um ambiente de não reconhecimento dos direitos mais inerentes ao ser humano. Uma negativa expressa da falta de liberdade do pensar, sentir e do querer humano, visivelmente estimulado através da história da humanidade, como direitos pertencentes a homens e direitos não pertencentes às mulheres.
Verifica-se que as citações expressam integralmente a desigualdade de gêneros e o ápice do desrespeito aos direitos humanos preceituados na Constituição Federal, de 1988, em seu artigo 5º:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. (CONSTITUIÇÃO,1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.)
LIMA; SANTOS (2009), cita em sua obra que “as relações entre homens e mulheres são constituídas socialmente e se fundam em poder”, dada a condição de subordinação das mulheres dentro da sociedade brasileira.
No ordenamento pátrio, refere-se à violência de gênero, no âmbito de uma relação íntima, todo e qualquer comportamento que promova dano físico, dano psicológico ou dano sexual àqueles que fazem parte da relação, tanto na esfera privada quanto pública.
Segundo o autor:
Em agosto desse ano, a mídia cobriu a saga de uma menina de 10 anos, estuprada pelo tio, em busca de ter seu direito ao aborto legal garantido. Infelizmente, pode-se estimar que nos 3 meses que se passaram desde então, 6.300 crianças e adolescentes foram estupradas no país, na sua maioria meninas. São aproximadamente 70 por dia.
Em 2019 (1), 70,5% de todos estupros registrados foram de “vulnerável”, ou seja, menores de 14 anos ou pessoas que não podiam oferecer resistência ao ato. Do total de estupros, 57,9% tinham no máximo 13 anos. Entre crianças e adolescentes, 85% foram do sexo feminino e a maior proporção ocorreu entre 10 e 14 anos de idade. Em 84,1% do total de estupros, o autor era conhecido da vítima. Em síntese, o Brasil é um país onde as principais vítimas de violência sexual são meninas e adolescentes, na sua maioria abusadas por familiares ou pessoas de confiança da família. Isso a partir de dados notificados à polícia, que provavelmente são subnotificados.
Outra dimensão da violência sexual, é gestação decorrente do estupro. Estima-se que, por ano, mais de 20.000 crianças nasçam de meninas entre 10 e 14 anos (2). Ou seja, mais de 20.000 meninas por ano seriam elegíveis para realizar o aborto legal e não tiveram acesso a esse direito, acumulando, portanto, uma série de violências: a do estupro, a do não acesso ao aborto legal e provavelmente a da maternidade compulsória. O aborto clandestino e seus riscos à saúde e à vida (3) dessas meninas é outra consequência dessa violência estrutural. Estima-se que, somente neste ano de 2020, 786 abortos já foram realizados ou sofridos por meninas menores de 14 anos, sendo 40 destes por meninas menores de 10 anos de idade.
A violência contra a mulher possui algumas características que a diferencia das demais formas de violência, e são elas: a hierarquia de gênero; a relação de conjugalidade ou afetividade entre os envolvidos, e a habitualidade da violência. LIMA, José Afonso de; SANTOS, Claudiene. Violência Doméstica: vulnerabilidade e desafios na intervenção criminal e multidisciplinar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. BALLAROTTI, Bruna et al. SOCIEDADE BRASILEIRA DE MEDICINA DE FAMÍLIA E COMUNIDADE: violência contra meninas. VIOLÊNCIA CONTRA MENINAS. 2020. Disponível em: https://www.sbmfc.org.br/noticias/violencia-contra-meninas-e-adolescen. Acesso em: 01 maio 2021.
Segundo BALLAROTTI (2020):
Em agosto desse ano, a mídia cobriu a saga de uma menina de 10 anos, estuprada pelo tio, em busca de ter seu direito ao aborto legal garantido. Infelizmente, pode-se estimar que nos 3 meses que se passaram desde então, 6.300 crianças e adolescentes foram estupradas no país, na sua maioria meninas (1) . São aproximadamente 70 por dia.
Em 2019 (1), 70,5% de todos estupros registrados foram de “vulnerável”, ou seja, menores de 14 anos ou pessoas que não podiam oferecer resistência ao ato. Do total de estupros, 57,9% tinham no máximo 13 anos. Entre crianças e adolescentes, 85% foram do sexo feminino e a maior proporção ocorreu entre 10 e 14 anos de idade. Em 84,1% do total de estupros, o autor era conhecido da vítima. Em síntese, o Brasil é um país onde as principais vítimas de violência sexual são meninas e adolescentes, na sua maioria abusadas por familiares ou pessoas de confiança da família. Isso a partir de dados notificados à polícia, que provavelmente são subnotificados.
Outra dimensão da violência sexual, é gestação decorrente do estupro. Estima-se que, por ano, mais de 20.000 crianças nasçam de meninas entre 10 e 14 anos (2). Ou seja, mais de 20.000 meninas por ano seriam elegíveis para realizar o aborto legal e não tiveram acesso a esse direito, acumulando portanto uma série de violências: a do estupro, a do não acesso ao aborto legal e provavelmente a da maternidade compulsória. O aborto clandestino e seus riscos à saúde e à vida (3) dessas meninas é outra consequência dessa violência estrutural. Estima-se que, somente neste ano de 2020, 786 abortos já foram realizados ou sofridos por meninas menores de 14 anos, sendo 40 destes por meninas menores de 10 anos de idade (4)”. (BALLAROTTI, Bruna et al. SOCIEDADE BRASILEIRA DE MEDICINA DE FAMÍLIA E COMUNIDADE: violência contra meninas. VIOLÊNCIA CONTRA MENINAS. 2020. Disponível em: ttps://www.sbmfc.org.br/noticias/violencia-contra-meninas-e-adolescen. Acesso em: 01 maio 2021.)
A Carta Magna de 1988, nos termos do inciso X do art. 5º, estabelece a proteção dos direitos à inviolabilidade da intimidade e da vida privada, e as expressões do direito à liberdade que está assegurado no caput do mesmo dispositivo legal reafirmam a importância de sua inviolabilidade.
Das citações antes apresentadas, se conclui, em síntese, que o direito de privacidade, no qual está inserido o direito à intimidade, se caracteriza como um direito à liberdade, como um direito a ter harmonia e sossego tanto na vida pessoal quanto na vida familiar. Portanto, qualquer ato ou menção que viole a intimidade sexual ou a privacidade de uma pessoa, é certo que ocorrerá prejuízo de seu equilíbrio, de sua harmonia e de sua paz.
Avaliando que, em tempos atuais, a exposição da intimidade de uma pessoa pode ser feita com absurda agilidade e habilidade por meio da rede mundial de computadores, verifica-se a possibilidade de tal exposição manter-se nas redes e na memória social, permitindo que os direitos à intimidade e privacidade violados fiquem como uma sombra na vida de quem sofreu tal abuso.
Os danos podem se tornar devastadores e, incalculáveis os prejuízos causados. Deste modo, espera-se que o Estado, garantidor da ordem e da segurança social, promova de forma célere e eficaz a efetiva proteção destes direitos fundamentais, sancionando com a devida proporcionalidade os danos causados.
No que tange a identificação das vítimas de abuso como crianças ou adolescentes em situação de vulnerabilidade, onde há uma demanda emergencial com cuidados integrais e efetivos. Faz-se necessário a construção de núcleo interligado onde policiais, conselheiros, médicos, terapeutas possam trabalhar e atuar para efetivamente coibir os abusos sofridos por crianças e adolescentes, oportunizando educação e cuidados assistenciais permanentes e contínuos.
2.2 – Crimes Sexuais
O Código Penal Brasileiro, prevê seis tipos de crimes do tipo. São eles:
2.2.1 - Violação sexual mediante fraude
Este crime está descrito no artigo 215 do Código Penal: “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima.”
De acordo com o criminalista MARTINELLI (2020) , professor do Instituto de Direito Público (IDP), neste tipo crime, “a vítima é induzida ao erro, por acreditar que determinada conduta é necessária e que vai fazer bem à pessoa”.
Segundo ele, o crime é configurado quando há fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre vontade da pessoa. “Um médico, por exemplo, pode dizer ao paciente que precisa apalpar partes do corpo para fazer diagnóstico, o que não seria necessariamente necessário. Ele mantém a vítima em erro”.
Na violação sexual mediante fraude, a violência é substituída por um mecanismo enganoso que dificulte a vontade da vítima. “O autor manobra para conseguir”, acrescenta o mestre em direito penal pela USP Conrado Gontijo.
Segundo a previsão legal, a pena deste crime é menor do que a definida para o estupro: reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos. Caso a condenação fique em até 4 (quatro) anos poderá ser aplicada uma pena alternativa, como prestação de serviços à comunidade. Se a fraude busca ainda, além do sexo, intenções e ganhos financeiros, o juiz aplicará uma multa, conforme estabelecido na lei.
2.2.2 - Estupro e estupro de vulnerável
Nos termos da Lei nº 12.015/09, o critério para a condenação tornou-se objetivo por considerar a idade da vítima no crime de estupro de vulnerável, e não mera presunção de violência, ou seja, ainda que o agente não empregasse violência real contra a vítima, presumia-se a sua existência em virtude da idade dela. Pela redação atual do dispositivo, sendo a vítima menor de 14 (quatorze) anos, do sexo masculino ou feminino, ocorrerá o crime, pouco importando o seu histórico sexual. Assim, o Superior Tribunal de Justiça definiu está controvérsia:
1. O cerne da controvérsia cinge-se a saber se a conduta do recorrido - que praticou conjunção carnal com menor que contava com 12 anos de idade - subsuma-se ao tipo previsto no art. 217-A do Código Penal, denominado estupro de vulnerável, mesmo diante de eventual consentimento e experiência sexual da vítima. 2. Para a configuração do delito de estupro de vulnerável, são irrelevantes a experiência sexual ou o consentimento da vítima menor de 14 anos. Precedentes. 3. Para a realização objetiva do tipo do art. 217-A do Código Penal, basta que o agente tenha conhecimento de que a vítima é menor de 14 anos de idade e decida com ela manter conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso, o que efetivamente se verificou in casu. 4. Recurso especial provido para condenar o recorrido em relação à prática do tipo penal previsto no art. 217-A, c/c o art. 71, ambos do Código Penal, e determinar a cassação do acórdão a quo, com o restabelecimento do decisum condenatório de primeiro grau, nos termos do voto.” (STJ, REsp 1371163 / DF, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, j. 25/06/2013).
A configuração do tipo estupro de vulnerável prescinde da elementar violência de fato ou presumida, bastando que o agente mantenha conjunção carnal ou pratique outro ato libidinoso com menor de catorze anos, como se vê da redação do art. 217-A, nos termos da Lei n.º 12.015/2009.” (EDcl no AgRg no Ag 706012 / GO, 5ª Turma, relatora Ministra Laurita Vaz, DJe de 22/03/2010).
Presunção absoluta no antigo art. 224, a, do CP: “a presunção de violência prevista no art. 224, 'a', do Código Penal é absoluta, sendo irrelevante, penalmente, o consentimento da vítima ou sua experiência em relação ao sexo” (STJ, AgRg no REsp 1382136 / TO, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, j. 03/09/2013).
O crime estupro de vulnerável está previsto no artigo 217-A, pelo Código Penal:
Art. 217-A - Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
§ 2o (VETADO)
§ 3o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
§ 4o Se da conduta resulta morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
(BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940.)
No crime estupro de vulnerável, a vítima não está em condições de reagir. E, está vulnerabilidade é presumida para menores de 14 anos e também para todas as pessoas que, por alguma enfermidade ou deficiência mental, não possui o discernimento necessário para a prática do ato.
Resta também configurado como vulnerável, pessoa que, por alguma razão, não consegue resistir ao abuso, por exemplo, pessoas vítimas de serem dopadas por drogas ou bebida alcoólica.
2.2.3 - Importunação ofensiva ao pudor
Em 2018, passou a vigorar a Lei n° 13.718/2018 que trouxe alterações no Código Penal, no capítulo referente à Dignidade Sexual. Dentre elas a inserção do crime de importunação sexual, com previsão no artigo 215-A: “Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: Pena – reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave”.
A inclusão do crime de importunação sexual é preencher uma lacuna em nosso ordenamento jurídico nacional, qual seja, a ausência de um tipo penal intermediário entre a contravenção penal do artigo 61 da Lei das Contravenções Penais (que foi revogada por esta mesma lei) e os crimes de estupro e estupro de vulnerável.
Através deste novo dispositivo legal, temos a norma para um crime intermediário, de médio potencial ofensivo, que pode sancionar com uma pena proporcionalmente justa práticas de atos libidinosos que eram praticados contra vítimas e sem suas anuências. Atos como passar as mãos nas nádegas, seios, genitália das vítimas, ou até ejacular. Condutas essas que não eram geralmente cometidas com constrangimento da vítima, mediante emprego de violência ou grave ameaça, motivo pelo qual não se subsumiam ao crime de estupro, nem havia um crime específico que enquadrasse tais espécies de importunações sexuais mediante atos libidinosos. Logo, casos de abusos como esses eram capitulados juridicamente na extinta contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor (artigo 61 da Lei das Contravenções Penais – Decreto-Lei n° 3.688/1941), que não eram admitidos como crime, cuja pena cominada era multa isolada, por falta de previsão legal.
2.2.4 - Ato obsceno
Tipificado no artigo 233 do Código Penal, que preceitua: “Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.”
O ato obsceno é um crime de menor potencial ofensivo, feito em local público ou aberto, como a exibição dos órgãos genitais em parques ou praias para que as pessoas em geral vejam - e não destinada ou realizada a uma pessoa determinada.
2.2.5 - Atentado violento ao pudor
O crime, que consistia em um ato libidinoso com a vítima que não fosse a conjunção carnal em si, como toques, carícias, sexo anal ou oral, foi incorporado em 2009, pelo artigo 213, do Código Penal, alterado pela Lei 12.015/2009. A partir de então, basta que o sujeito expresse a intenção de ter a conjunção forçada ou qualquer prática de ato libidinoso com a vítima, que irá configurar o delito de estupro.
Não houve abolição do crime atentado ao pudor, pois a referida lei reuniu no mesmo tipo legal as descrições típicas previstas nos crimes de estupro e atentado violento ao pudor. Atualmente, a prática, sob violência ou grave ameaça, de atos libidinosos diversos da conjunção carnal contra homem ou mulher, é considerada legalmente como estupro:
TÍTULO VI - DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL - CAPÍTULO I - DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL ESTUPRO - Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
2º Se da conduta resulta morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
(BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940.)
2.2.6 - Assédio sexual
Este crime, atualmente previsto no Código Penal, foi incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001, em seu artigo 216-A:
Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)
Parágrafo único. (VETADO) (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001).
§ 2o A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos”. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
(BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940.)
Neste crime, o fato fica caracterizado quando há constrangimento com o objetivo de receber vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se, para isso, da condição de superioridade hierárquica ou ascendência em emprego ou função. Ocorre, quando uma pessoa se “utiliza da relação de hierarquia que possui em relação à vítima para obter um favorecimento sexual”, explica o especialista em direito penal Paulo Martinelli.
“Não precisa ocorrer a relação sexual em si. Basta que a pessoa ameace outra com algum tipo de prejuízo, utilizando-se da superioridade hierárquica. A mera ameaça já configura o crime. Tivemos o caso de um professor condenado por prejudicar uma aluna que não correspondeu às cantadas”, exemplifica o criminalista.
3 – Da dignidade sexual Crime de Estupro de Vulnerável
Anteriormente, antes da promulgação da Lei nª 12.015 de 2009, haviam dois delitos: o de estupro, previsto no art. 213 do Código Penal, e o de atentado violento ao pudor, previsto no art. 214 do mesmo dispositivo legal. Em ambos os delitos, o meio de execução era a violência ou grave ameaça. Contudo, quando praticados contra menores de 14 (quatorze) anos, pessoas “alienadas” ou “débeis mentais” ou por quem não podia oferecer resistência, concluía-se a presunção de violência, ou seja, ainda que o agente não investisse violência real contra a vítima, presumia-se o uso de violência em virtude de sua idade.
A partir de 2009, com a redação da nova Lei nº 12.015/09, o critério passou de uma mera presunção de violência contra a vítima para um critério objetivo, onde a idade da vítima tornou-se o ponto primordial. Na atual redação da lei, sendo a vítima menor de 14 (quatorze) anos, do sexo masculino ou feminino, o crime será cometido, independente do seu histórico sexual, algo que anterior a lei era tido como fato relevante. Assim, nesse sentido, posicionou-se o Superior Tribunal de Justiça:
Sexta Turma nega habeas corpus a réu condenado por estupro de vulnerável mesmo sem contato físico.
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou jurisprudência segundo a qual o estupro de vulnerável se consuma com a prática de qualquer ato libidinoso ofensivo à dignidade sexual da vítima, sendo prescindível o contato físico direto entre ela e o réu para a configuração do delito.
No caso analisado pelo colegiado, um homem foi condenado pelo crime porque, a seu pedido, duas mulheres praticaram atos libidinosos em duas crianças e lhe enviaram as imagens.
Em habeas corpus, a defesa requereu ao STJ o reconhecimento da atipicidade da conduta, uma vez que não houve contato físico entre o réu e as vítimas.
Nexo causal - Para o ministro Rogerio Schietti Cruz, relator, as informações que constam da decisão condenatória não deixam dúvida sobre a prática intencional dos atos libidinosos contra as vítimas, que eram menores de idade
Ele lembrou que as instâncias de origem reconheceram a ocorrência dos elementos contidos no artigo 217-A do Código Penal, que caracterizam o estupro de vulnerável, "com destaque à qualidade de partícipe do réu, diante da autoria intelectual dos delitos, bem como da prescindibilidade de contato físico direto para a configuração dos crimes".
Em seu voto, o ministro se posicionou favoravelmente à corrente doutrinária e jurisprudencial que considera dispensável o contato físico, priorizando o nexo causal entre o ato praticado pelo réu – destinado à satisfação da própria lascívia – e o efetivo dano à dignidade sexual sofrido pela vítima.
Contemplação lasciva - Schietti citou precedentes no sentido de que a chamada contemplação lasciva é suficiente para a configuração de ato libidinoso – elemento indispensável constitutivo do delito do artigo 217-A. Nesses casos, explicou, "a ênfase recai no eventual transtorno psíquico que a conduta praticada enseja na vítima e na real ofensa à sua dignidade sexual, o que torna despicienda efetiva lesão corporal física por força de ato direto do agente".
Para o relator, ficou devidamente comprovado que o homem agiu mediante nítido poder de controle psicológico sobre as outras duas agentes, dado o vínculo afetivo existente entre eles, incitando-as "à prática dos atos de estupro contra as menores, com o envio das respectivas imagens via aplicativo virtual, as quais permitiram a referida contemplação lasciva e a consequente adequação da conduta ao tipo do artigo 217-A do Código Penal".
Ao negar o pedido de habeas corpus, o ministro também apontou que o STJ já reconheceu a prática do delito de estupro na hipótese em que o agente concorre na qualidade de partícipe – tese adotada na condenação.
(O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial. CRUZ, Relator: Ministro Rogerio Schietti. STJ - Superior Tribunal de Justiça: sexta turma nega habeas corpus a réu condenado por estupro de vulnerável mesmo sem contato físico. Sexta Turma nega habeas corpus a réu condenado por estupro de vulnerável mesmo sem contato físico. 2021. Nexo Causal - DECISÃO 26/02/2021 08:40. Disponível em:
https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/26022021-Sexta-Turma-nega-habeas-corpus-a-reu-condenado-por-estupro-de-vulneravel-mesmo-sem-contato-fisico.aspx. Acesso em: 03 maio 2021.)
Outra garantia trazida pelo novo dispositivo legal foi a admissão da possibilidade da unificação do crime de estupro e de atentado violento ao pudor. Passando a configuração de um crime único ou um crime continuado, a depender das circunstâncias concretas dos fatos.
Diante do princípio da continuidade normativa, descabe falar em abolitio criminis do delito de estupro com presunção de violência, anteriormente previsto no art. 213, c. C. O art. 224, ambos do Código Penal. Com efeito, o advento da Lei n.º 12.015/2009 apenas condensou a tipificação das condutas de estupro e atentado violento ao pudor no art. 213 do Estatuto repressivo. Outrossim, a anterior combinação com o art. 224 agora denomina-se 'estupro de vulnerável', capitulada no art. 217-A do Código Penal. (STJ, HC 210346 / SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, j. 04/06/2013).
Através da Lei Federal nº. 13.964, que foi publicada no dia 24 de dezembro de 2019, houve a alteração de diversas disposições das legislações penais e processuais penais, promulgando aquilo que vinha sendo popularmente chamado de “Pacote Anticrime”. Nos termos da Lei nº. 8.072/1990, ocorreu uma das modificações mais significativas, a chamada “Lei dos Crimes Hediondos”.
A Constituição Federal de 1988, previa em seu artigo 5º, inciso XLIII, os crimes hediondos como inafiançáveis e insuscetíveis de graça e anistia, juntamente com os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e terrorismo, os quais apesar de não hediondos, são assim equiparados. Por esta razão a eles é ofertado um tratamento mais rigoroso.
Como crime hediondo, comumente se entende aquele crime repugnante, asqueroso, depravado, horrível, sádico ou cruel, seja por sua gravidade objetiva, por seu modo ou meio de execução, seja pela finalidade do agente. No entanto, o conceito legal de crime hediondo diz respeito apenas aos crimes que estão previstos no artigo 1º da Lei nº. 8.072/1990, ou seja: só serão crimes hediondos aqueles que a norma legal disser que são.
Já faziam parte desse rol alguns crimes dos quais já temos conhecimento, como o homicídio qualificado em todas as suas hipóteses; a lesão corporal dolosa de natureza gravíssima contra autoridade de segurança pública, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição; o latrocínio; a extorsão qualificada pela morte; a extorsão mediante sequestro e na forma qualificada; o estupro (simples e qualificado); estupro de vulnerável (simples e qualificado); epidemia com resultado morte; falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais; o favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável e ainda os crimes de genocídio e posse ou porte ilegal de arma de fogo, todos eles tanto em sua forma consumada como tentada.
(MARTINS, Camila Saldanha. Pacote Anticrime: crimes hediondos. Crimes Hediondos. 2020. Disponível em: https://bmef.adv.br/2020/10/05/o-pacote-anticrime-e-as-alteracoes-dos-crimes-hediondos-a-lei-se-tornou-mais-rigida/. Acesso em: 25 maio 2021.)
Essa lei traz algumas medidas mais duras para aqueles que cometem crimes hediondos, em relação aos crimes “normais”. Para estes crimes não há anistia, graça, indulto ou fiança para aqueles que praticam crimes hediondos e equiparados; sendo a anistia quando o Poder Legislativo extingue as consequências de um fato punível, “perdoando” a prática do crime. Graça e Indulto excluem a punibilidade do crime, entretanto, eles são concedidos através de ato do presidente da república, sendo que o indulto é concedido de forma coletiva e a graça é atribuída de maneira individual, a uma pessoa específica.
A prisão temporária terá um prazo de 30 dias, enquanto que a regra para outros crimes é de 5 (cinco) dias; há um prazo maior para o condenado conseguir um livramento condicional, ou seja, a oportunidade de cumprir o restante da pena em liberdade, que é o cumprimento de 2/3 da pena se for réu primário, em casos de crimes não hediondos dolosos de réus primários é de apenas 1/3.
A pena para crimes hediondos será cumprida inicialmente em regime fechado. Contudo, o Supremo Tribunal Federal – STF, declarou ser inconstitucional que esse regime seja fixado de maneira automática. Devendo, pois, ser analisado o caso concreto.
Ainda, poderá ocorrer a delação premiada de um participante nos casos do crime ser cometido por bando ou quadrilha, podendo sua pena ser reduzida de 1/3 a 2/3.
O crime de estupro de vulnerável trata-se de um crime comum, possível de ser praticado por qualquer pessoa, homem ou mulher. Sendo o sujeito passivo a vítima, do sexo masculino ou feminino, menor de 14 (quatorze) anos, ou quem, por enfermidade ou deficiência mental, não tenha o necessário discernimento para a prática do ato, ou, ainda, quem, por qualquer motivo, não possa opor resistência.
Considera-se como o objeto jurídico a dignidade sexual do vulnerável, e não a liberdade sexual, pois não se discute se a vítima consentiu ou não com o ato sexual. E, o objeto material é a própria vítima, ou seja, a pessoa plenamente vulnerável.
O crime pode se dar pela conjunção carnal, cópula vagínica, ou pela prática de ato libidinoso diverso, não sendo exigido o emprego de violência ou grave ameaça. A Lei 12.015/09 unificou os crimes de estupro, previsto no artigo 213 do Código Penal e o atentado violento ao pudor, previsto no artigo 214 do mesmo dispositivo legal, e a mesma fórmula foi adotada no art. 217-A, ao tratar do estupro de vulnerável.
Neste caso, o elemento subjetivo é o dolo, consistente na conjunção carnal ou outro ato libidinoso, não sendo admitida a modalidade culposa por ausência de previsão legal. Torna-se imprescindível que o agente tenha consciência de que a vítima é menor de 14 (quatorze) anos.
Caso o autor do crime praticar o ato sexual sem o conhecimento de que faz sexo com um ou uma menor de 14 (quatorze) anos, ocorrerá o erro do tipo, previsto no artigo 20 do Código Penal, pois ocorrerá erro sobre o elemento constitutivo do tipo penal. E, como não há punibilidade para a modalidade culposa, neste caso, a conduta será atípica. Vale ressaltar que o erro do tipo apenas ocorrerá nas situações em que a vítima, de fato, aparentar ser maior de 14 (quatorze) anos. E, o erro de tipo deve recair sobre a idade da vítima, e não sobre a sua vulnerabilidade. Portanto, se o agente, sabendo que a vítima é menor de 14 (quatorze) anos, com ela mantem relações sexuais ou nela se pratique um ato libidinoso diverso da conjunção carnal (exemplos: toques íntimos, sexo anal e cunnilingus), sob o argumento de que não a considerava vulnerável pois se prostitui, por exemplo, ocorrerá o delito do art. 217-A, pois a presunção de violência é absoluta. Tratando-se de vítima menor de 14 anos, o crime poderá ser o de satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente, nos termos do artigo 218-A, do Código Penal.
Não há que se falar em absolvição por erro de tipo, quando há, nos autos, elementos bastantes a demonstrar a compleição física da vítima, feições e tom de voz infantis, não se mostrando crível que o apelante, um jovem de 24 anos de idade à época do fato, não tenha percebido, ao invadir a intimidade da vítima para satisfazer sua lasciva, tratar-se de uma criança de apenas dez anos de idade. Ademais, segundo entendimento do STJ, deve prevalecer a proteção penal contra todo e qualquer tipo de iniciação sexual precoce a que sejam submetidos menores por um adulto, dado os riscos imprevisíveis sobre o desenvolvimento futuro de sua personalidade e a impossibilidade de dimensionar as cicatrizes físicas e psíquicas decorrentes de uma decisão que um adolescente ou uma criança de tenra idade ainda não é capaz de livremente tomar. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJ-GO – APELAÇÃO CRIMINAL APR 760126320148090123 PIRACANJUBA – Des. CARMECY ROSA MARIA A. DE OLIVEIRA, DJ 2082 - 04/08/2016)
Atualmente, regido pelo artigo 21, do Código Penal, há a previsão legal para o erro de proibição. Ainda que pareça improvável crer que ainda exista alguém que porventura desconheça que é crime a prática de ato sexual com menor de 14 (quatorze) anos, independente do gênero. Contudo, em tese, pode vir a ocorrer, excepcionalmente, sobretudo quando se trata de uma localidade distante, onde não há nenhum tipo de acesso aos meios de comunicação, e por seguinte, nenhum contato com propagandas e divulgação desta proibição. E, um adulto, com anuência dos pais, mantém relacionamento amoroso com um menor de 14 (quatorze) anos. Nesta hipótese, nenhum dos adultos têm ciência do tipo penal.
Para configurar o estupro é necessário o dissenso sincero e positivo da vítima durante todo o ato sexual, ou seja, uma reação efetiva à vontade do agente de com ele ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ela se pratique outro ato libidinoso. Na lição BITENCOURT (2012), “não é necessário que se esgote toda a capacidade de resistência da vítima, a ponto de colocar em risco a própria vida, para reconhecer a violência ou grave ameaça”.
Contudo, tratando-se de vítimas vulneráveis, com ou sem o seu consentimento, o crime será o de estupro de vulnerável, nos termos do artigo 217-A, do Código Penal. Os §§ 1º e 2º, do art. 213, do Código Penal, elencam as formas qualificadas do estupro, alterando o mínimo e o máximo das penas previstas em abstrato. Se a vítima for menor de 14 anos, o crime é de estupro de vulnerável, independentemente do emprego da violência ou grave ameaça. Para a consumação do crime dispensa-se a efetiva relação sexual.
Segundo o RHC 70.976/MS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJe de 10/8/2016, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que o estupro de vulnerável pode se caracterizar inclusive em situações nas quais não ocorre o contato físico entre o agente e a vítima . O tribunal decidiu que o contato do órgão sexual do agente com o corpo da vítima consuma o crime mesmo que não tenha havido efetiva relação sexual.
No caso deste julgado, um autor foi flagrado passando o seu órgão genital nas nádegas e nas costas de uma criança com apenas quatro anos de idade. O caso ocorreu na cidade do Rio de Janeiro e, em primeira instância o réu foi sentenciado a nove anos de reclusão. Contudo, diante do recurso de apelação, o Tribunal de Justiça reformou a sentença para reconhecer a tentativa de estupro em virtude da ausência de penetração.
No entanto, o Superior Tribunal de Justiça, restabeleceu a sentença de primeira instância sob o argumento de que o acordão contrariava a orientação consolidada pela Terceira Seção do tribunal sob o rito dos recursos repetitivos: para que se caracterize o crime do art. 217-A do Código Penal, basta que o agente pratique conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso com o vulnerável. Portanto, a conduta realizada pelo réu define como consumado o crime contra o vulnerável.
No que compete o julgamento do crime de estupro de vulnerável o Estatuto da Criança e do Adolescente, nos termos do artigo 145, autorizou aos Estados e o Distrito Federal a criação de varas especializadas e exclusivas para processar e julgar demandas envolvendo crianças e adolescentes, dentro da estrutura do Poder Judiciário. E, no mesmo dispositivo legal, nos termos do artigo 148, há uma descrição das matérias a serem tuteladas pelas respectivas varas.
O maior de 18 anos acusado da prática de estupro de vulnerável (art. 217-A, caput, do CP) pode, por esse fato, ser submetido a julgamento perante juízo da infância e da juventude na hipótese em que lei estadual, de iniciativa do tribunal de justiça, estabeleça a competência do referido juízo para processar e julgar ação penal decorrente da prática de crime que tenha como vítima criança ou adolescente. A jurisprudência do STJ havia se pacificado no sentido de que a atribuição conferida pela CF aos tribunais de justiça estaduais de disciplinar a organização judiciária não implicaria autorização para revogar, ampliar ou modificar disposições sobre competência previstas em lei federal. Nesse contexto, em diversos julgados no STJ, entendeu-se que, como o art. 148 da Lei 8.069/90 (ECA) disciplina exaustivamente a competência das varas especializadas da infância e juventude, lei estadual não poderia ampliar esse rol, conferindo-lhes atribuição para o julgamento de processos criminais, que são completamente alheios à finalidade do ECA, ainda que sejam vítimas crianças e adolescentes. Todavia, em recente julgado, decidiu-se no STF que tribunal de justiça pode atribuir a competência para o julgamento de crimes sexuais contra crianças e adolescentes ao juízo da vara da Infância e juventude, por agregação, ou a qualquer outro juízo que entender adequado, ao estabelecer a organização e divisão judiciária. (Precedente citado do STF: HC 113.102-RS, Primeira Turma, DJe 15/2/2013. HC 219.218-RS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 17/9/2013.)
O Código de Processo Penal, nos termos do artigo 156, inciso I, estabelece que:
A prova poderá ser produzida antecipadamente, até mesmo antes de deflagrada a ação penal, desde que seja urgente e relevante, exigindo-se, ainda, que a medida seja necessária, adequada e proporcional. 2. A relevância da oitiva das menores é incontestável, e sua condição de crianças suspeitas de haverem sido abusadas sexualmente é suficiente para que se antecipe a produção da prova testemunhal, estando demonstrada a urgência da medida, vale dizer, que os seus depoimentos irão se perder ou não serão fidedignos caso sejam colhidos no futuro. 3. Conquanto a oitiva das vítimas antes mesmo de deflagrada a persecução penal caracterize situação excepcional, o certo é que a suspeita da prática de crime sexual contra criança e adolescente justifica a sua inquirição na modalidade do 'depoimento sem dano', respeitando-se a sua condição especial de pessoa em desenvolvimento, em ambiente diferenciado e por profissional especializado. 4. A colheita antecipada das declarações de menores suspeitos de serem vítimas de abuso sexual, nos moldes como propostos na hipótese, evita que revivam os traumas da violência supostamente sofrida cada vez que tiverem que ser inquiridos durante a persecução. (STJ, HC 226179 / RS, Relator Ministro JORGE MUSSI, j. 08/10/2013).
No que concerne ao crime de estupro de vulnerável a palavra da vítima será de suma importância para o devido processo legal. Posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:
Nos crimes contra a liberdade sexual, a palavra da vítima é importante elemento de convicção, na medida em que esses crimes são cometidos, frequentemente, em lugares ermos, sem testemunhas e, por muitas vezes, não deixam quaisquer vestígios, devendo, todavia, guardar consonância com as demais provas coligidas nos autos. (AgRg no REsp 1346774/SC, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, j. 18/12/2012).
Em relação a ausência de exame de corpo de delito há também o posicionamento do STJ, onde reza a inafastabilidade da materialidade do delito de estupro do vulnerável:
(...) nos crimes sexuais a ausência de laudo pericial não afasta a materialidade do delito, tendo em vista que, praticado na clandestinidade e muitas vezes não deixando vestígios, a palavra da vítima em consonância com a prova testemunhal autoriza a condenação. (STJ, HC 240393 / BA, Rel Ministra MARILZA MAYNARD (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/SE))
Nos termos do artigo 217-A, do Código Penal, haverá formas qualificadas do delido sempre que:
§ 3o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
§ 4o Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
(BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940.)
Os parágrafos 3º e 4º do artigo 217-A do CP descrevem crimes preterdolosos, que são crimes em que o resultado da lesão de natureza grave ou morte não foi desejado pelo autor do delito, mas ele ocorreu a título de culpa. Praticando o dolo de lesionar ou matar a vítima, ainda que eventualmente, deve o autor ser responsabilizado por ambos os crimes.
Há no artigo 226, do Código Penal a previsão de causas de aumento de pena:
A pena é aumentada: I - de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas; II - de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela.
3.1 – Direito Penal dos Vulneráveis
Nos termos da Lei nº 12.015, de 2009, a legislação brasileira foi alterada na parte dos crimes sexuais para compreender os crimes contra a dignidade sexual, anteriormente tratados como crimes contra os costumes. A inclusão da pessoa do vulnerável nos crimes contra a dignidade sexual ocorreu devido ao pacto firmado pelo Brasil junto à comunidade internacional. Visto que a sexualidade humana vai de encontro aos aspectos sociais de toda a humanidade.
Ao analisar o direito penal dos vulneráveis, ocorre a aproximação da dignidade sexual e a dignidade da pessoa humana e, vale ressaltar que no âmbito da vida sexual, a cultura de cada povo estabelece o que é ou não é permitido como prática da vida sexual. Neste prisma, o Direito Penal, opera de maneira variada de sociedade para sociedade.
Em razão deste paradigma observa-se que o Direito Penal opera em muitas ocasiões como emergência em determinadas situações concretas, sobretudo como possibilidade de repressão. Assim, por questões sociais a tutela deixou de ser algo advindo de interesse individual para ser uma tutela supra individual. Mas, fato é que o Direito Penal não consegue, apenas pelo aparato repressivo, coibir ou eliminar as violências praticadas pelo ser humano contra outro ser humano.
Reconhece-se que as vítimas vulneráveis carecem de uma proteção efetiva contra o abuso de violência e, que o Estado deve investir de forma generalizada para assegurar que seja possível a viabilidade desta proteção. Verifica-se que há uma carência emocional, uma carência de recursos econômicos e uma gigantesca lacuna de políticas públicas que incluam pessoas e comunidades vulneráveis, o que reafirma um abandono social por parte do Estado e, resta ao Direito Penal atuar no ordenamento jurídico como o repressor da violência gerada por estas carências que marcam o cenário brasileiro.
3.2 – Crime de Estupro de Vulnerável
Através da redação da Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, ocorreu a alteração do Título VI da Parte Especial do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – referente ao Código Penal e outros dispositivos, substituindo a antiga denominação de Crimes contra os costumes para Crimes contra a dignidade sexual. Esta pode ser considerada uma significativa transformação do Direito Penal brasileiro, pois a dignidade sexual, sob o prisma de um dos valores fundamentais da sociedade, carecia há muito, de uma devida adequação do ordenamento jurídico.
Por décadas predominou dispositivos legais que mascaravam uma concepção arcaica, machista e patriarcal, onde a raiz se mantinha na própria discriminação da dignidade sexual.
No entanto, torna-se possível constatar que este singular avanço legislativo, não resolve por si as inúmeras questões que rondam a âmbito da dignidade sexual, sobretudo no que se refere ao gênero feminino. Novos dispositivos são tão somente a ponta deste iceberg e, muito a que se debruçar sobre este tema todo o espectro social e jurídico do país. Diariamente ocorre um número estrondoso de abusos. Muitas vezes sem a devida sanção dos autores, espalhando por estados e munícipios uma onda de degradação do ser humano, infelizmente, constata-se que crianças e adolescentes permanecem sofrendo violência sexual inclusive por parte daqueles que deveriam ser os seus protetores.
Quando se aborda o tema da violação de direitos humanos, a violência sexual é uma das mais antigas expressões da violência de gênero e, ainda que as vítimas sejam de ambos os sexos, há evidencias de um altíssimo número de mulheres agredidas e violadas, especialmente aquelas que se encontram em situação de alta vulnerabilidade. Onde há uma carência generalizada de educação, segurança e esteio. Partindo deste terrível cenário brasileiro, verifica-se que urge uma política pública e participativa de toda a sociedade para que ocorra, de forma efetiva e atuante, uma força tarefa que possibilite amplamente a garantia à dignidade sexual, independente do gênero.
Ao emanar a necessidade de políticas públicas que abarquem toda a dimensão e formação humana, é chamar para um romper de tabus e crenças culturalmente criados e vividos e, enraizados pelo hábito reiterado de conviver com a violência e os abusos em suas mais variadas formas. Vale-se dizer do grau máximo de relevância para um novo enfoque de práticas educacionais e culturais, de maneira a transformar os velhos costumes em algo onde a igualdade de gêneros seja mais que uma simples frase veiculada pela mídia. Os seres humanos, sem distinção, devem ocupar um lugar no mundo em que todos possam expressar suas crenças e seus valores sexuais, familiares, culturais e religiosos sem medo de mau tratos, injúrias e violências.
Observa-se, neste cenário, que o sistema penal equivale a apenas uma parte de um todo, para além dele há toda uma vasta dimensão a ser construída e transformada pela sociedade. Um cenário onde a participação de todos poderá vir a modificar e romper um ciclo vicioso da violência sexual.
3.3 – Direito Penal dos Vulneráveis
Nos termos da Lei nº 12.015, de 2009, a legislação brasileira foi alterada na parte dos crimes sexuais para compreender os crimes contra a dignidade sexual, anteriormente tratados como crimes contra os costumes. A inclusão da pessoa do vulnerável nos crimes contra a dignidade sexual ocorreu devido ao pacto firmado pelo Brasil junto à comunidade internacional. Visto que a sexualidade humana vai de encontro aos aspectos sociais de toda a humanidade.
Ao analisar o direito penal dos vulneráveis, ocorre a aproximação da dignidade sexual e a dignidade da pessoa humana e, vale ressaltar que no âmbito da vida sexual, a cultura de cada povo estabelece o que é ou não é permitido como prática da vida sexual. Neste prisma, o Direito Penal, opera de maneira variada de sociedade para sociedade.
Em razão deste paradigma observa-se que o Direito Penal opera em muitas ocasiões como emergência em determinadas situações concretas, sobretudo como possibilidade de repressão. Assim, por questões sociais a tutela deixou de ser algo advindo de interesse individual para ser uma tutela supra individual. Mas, fato é que o Direito Penal não consegue, apenas pelo aparato repressivo, coibir ou eliminar as violências praticadas pelo ser humano contra outro ser humano.
Reconhece-se que as vítimas vulneráveis carecem de uma proteção efetiva contra o abuso de violência e, que o Estado deve investir de forma generalizada para assegurar que seja possível a viabilidade desta proteção. Verifica-se que há uma carência emocional, uma carência de recursos econômicos e uma gigantesca lacuna de políticas públicas que incluam pessoas e comunidades vulneráveis, o que reafirma um abandono social por parte do Estado e, resta ao Direito Penal atuar no ordenamento jurídico como o repressor da violência gerada por estas carências que marcam o cenário brasileiro.
3.3 – Violência de Gênero e Crimes Sexuais
A principal lei nacional no enfrentamento dessa violência é a Lei nº 11.340/2006, também conhecida como a Lei Maria da Penha, sendo considerada um divisor de águas do ordenamento jurídico brasileiro na luta contra a violência baseada no gênero.
Nas palavras de ROSSI, (2015):
A este tipo de violência, que pode se manifestar nas formas física e/ou psíquica, praticada apenas pela condição de mulher da vítima e manifestada como uma forma de “correção” àquelas que desrespeitaram o que lhes foi socialmente imposto, denomina-se violência de gênero. (ROSSI, Giovana. Os estereótipos de gênero e o mito da imparcialidade jurídica: Análise do discurso judicial no crime de estupro. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) -Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2015, p. 19. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/134028>. Acesso em: 18 de maio de 2021.
A violência de gênero, são formas de violências perpetradas contra a vítima mulher, por conta de sua identidade de gênero, e pode se manifestar em sua forma física, intrafamiliar, doméstica, violência psicológica/moral, sexual, econômica/financeira, institucional e patrimonial.
Estão previstos cinco tipos de violência doméstica e familiar contra a mulher na Lei Maria da Penha: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial − Capítulo II, art. 7º, incisos I, II, III, IV e V. Essas formas de agressão são complexas, perversas, não ocorrem isoladas umas das outras e têm graves consequências para a mulher. Qualquer uma delas constitui ato de violação dos direitos humanos e, portanto, deve ser denunciada.
Em relação aos avanços no âmbito da igualdade entre os sexos, a conduta feminina ainda é considerada como marca fundamental para a ocorrência de delitos sexuais. A inclusão do debate de gêneros no âmbito jurídico é fruto de um processo de participação ativa das mulheres na política mundial. Entretanto, não obstante todos os direitos conquistados, a violência e opressão feminina são maculados com tolerância e incentivo social, o que é facilmente percebido, por exemplo, na cultura do estupro, contexto no qual a violência à dignidade sexual é entendida como normal e justificada pelo comportamento da vítima. Sendo, portanto, de grande importância para o direito, a inclusão das discussões sobre violência de gênero e demais implicações para a desconstrução de estereótipos e preconceitos.
Dessa forma, é possível concluir que a organização social ainda é pautada na subjugação do gênero feminino em relação ao masculino, subjugação amparada e justificada por décadas de violência de gênero.
No Brasil, encontra-se, significativamente, a “cultura do estupro”, onde constata-se ser alarmante os casos de assédio e violências sexuais. Estes crimes são aceitos e, por vezes, justificados e compreendidos socialmente sob o prisma da avaliação do comportamento da mulher, a vítima dos abusos. Constata-se que o pensamento popular ainda perdura no sentido de que são as meninas, ensinadas desde a tenra idade, que devem portar-se de forma a “não dar brechas” para atos de violência sexual.
Neste prisma, quando a mulher violentada procura o sistema de justiça criminal, a fim de buscar a penalização de seu agressor encontra, no operador do direito um perpetuador da violência de gênero e a duplicação do seu sofrimento. Para ANDRADE, (2016) além da violência sexual, a mulher se torna vítima da violência institucional do sistema penal que repercute a violência estrutural das relações sociais capitalistas e patriarcais. Nas palavras da autora:
O julgamento de um crime sexual – inclusive e especialmente o estupro – não é uma arena onde se procede ao reconhecimento de um
a violência e violação contra a liberdade sexual feminina nem tampouco se julga um homem pelo seu ato. Trata-se de uma arena onde se julgam, simultaneamente, confrontados numa fortíssima correlação de forças, a pessoa do autor e da vítima: o seu comportamento, a sua vida pregressa. E onde está em jogo, para a mulher, a sua inteira “reputação sexual’ que é – ao lado do status familiar – uma variável tão decisiva para o reconhecimento da vitimização sexual feminina quanto a variável status social o é para a criminalização masculina. O que ocorre, pois, é que no campo da moral sexual o sistema penal promove, talvez mais do que em qualquer outro, uma inversão de papéis e do ônus da prova. A vítima que acessa o sistema requerendo o julgamento de uma conduta definida como crime acaba por ver-se ela própria “julgada” (pela visão masculina da lei, da polícia e da Justiça), incumbindo-lhe provar que é uma vítima real e não simulada. (ANDRADE, Vera Pereira de. Sistema Penal Máximo X Cidadania Mínima. 2ª ed. Livraria do Advogado, 2016. P. 98,99).
Ás mulheres, em linhas gerais não têm o direito a ter voz, não costuma ser-lhes oportunizado o direito em emitir suas opiniões, situação que se agrava cada vez mais quando elas são vítimas de violência de gênero. Pelas formas e maneiras em que ocorrem os estupros, comumente, em localidades distantes e desertas ou ainda, no mais íntimo ambiente do próprio lar, esses delitos, são um frágil conjunto probatório, limitando-se, muitas vezes ao depoimento da vítima. Contudo, no que se refere ao depoimento da vítima em casos de crimes contra a dignidade sexual, considerando em que um alto percentual dos crimes o depoimento central estabelecido como meio de prova são os das mulheres embasados em sua vida pregressa e vistas com pleno descrédito.
4 - PROTEÇÃO DA INTIMIDADE SEXUAL
Nos termos da Lei nº 13.772/18, foi inserido o artigo 216-B no Código Penal, com a finalidade de atualizar a listagem de condutas praticadas com a mais aperfeiçoada tecnologia visual, compreendendo filmadora, máquina fotográfica, binóculos, drone e outros. O artigo recepcionou a seguinte redação:
Art. 216-B. Produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa.
(BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940.)
A nova lei também acrescentou que na mesma pena incorre quem faz montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro contendo cena de nudez, de ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo. E, em se tratando de crime praticado contra criança ou adolescente, aplica-se o artigo 240 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê uma pena de reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos e multa.
A Constituição Federal, de 1988, dentre vários direitos desenvolvidos e tutelados, recepcionou em seu texto a proteção à intimidade do cidadão, assim descrita no inciso X do artigo 5º: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Considera-se a dignidade sexual na intimidade do lar com um espaço discreto e visitado somente pela pessoa interessada. O ambiente em que vai estar consigo mesmo. Portanto, sem nenhum acesso à curiosidade privada. Neste viés pode figurar o que é mais precioso para a pessoa, desde a sua crença religiosa até os seus segredos mais íntimos, sem qualquer risco de invasões arbitrárias e, principalmente, de se chegar ao conhecimento público porque não existe qualquer registro materializado de sua anuência.
Assim, pode-se dizer até que, na era da mais célere informática, da tecnologia mais apurada, nenhum dispositivo, ferramenta ou aplicativo será capaz de captar o que circula neste espaço reservado, de uso exclusivo de seu titular.
COSTA Jr., (1970) definiu a intimidade como sendo:
A necessidade de encontrar na solidão aquela paz e aquele equilíbrio, continuamente comprometidos pelo ritmo da vida moderna, de manter-se a pessoa, querendo, isolada, subtraída ao alarde e à publicidade, fechada na sua intimidade, resguardada da curiosidade dos olhares e dos ouvidos ávidos. (COSTA Jr., Paulo José. O direito de estar só: tutela penal da intimidade. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1970, p. 8.)
Partindo da compreensão deste enunciado, o espaço reservado de forma particular pelo indivíduo abarcando sua intimidade, sua solitude, ninguém poderá adentrar, ninguém poderá acessar, seja pessoalmente ou através do uso de tecnologia visual, compreendendo filmadora, máquina fotográfica, binóculos, drone e outros, pois conclui-se como um ambiente puramente individualista e sem qualquer relação com o exterior.
O direito à intimidade está relacionado de forma especial ao direito à imagem. Isto porque, por diversas vezes, a intimidade é violada por meio da divulgação da imagem e de conteúdos relacionados a ela. Partindo desse pressuposto, SAMPAIO (1998), leciona sobre o direito à imagem:
Como objeto de um direito, o direito à imagem, a experiência jurídica a tem associado componentes que, embora inter-relacionados com a noção supracitada, destaca-se na precisa definição dos poderes atribuídos a seus titulares: negativos: de oposição à sua realização, produção, reprodução e divulgação, enfim, ao conhecimento alheio; positivos: de consentir com tudo isso. (SAMPAIO, José Adércio Leite. Direito à intimidade e à vida privada: uma visão jurídica da sexualidade, da família, da comunicação e informações pessoais, da vida e da morte. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 377)
4.1 - Das Provas
A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, nos termos do artigo 5º, inciso LV, estabelece que: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. No título VII do Código de Processo Penal aponta a prova em matéria processual penal, estabelecendo em seu artigo 155 que: “no juízo penal, somente quanto ao estado das pessoas, serão observadas as restrições à prova, estabelecidas na lei civil”. E, nos termos do artigo 212 do Código Civil Brasileiro há previsão que: “salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídico pode ser provado mediante: I – confissão; II – documento; III – testemunha: IV – presunção; V – perícia”.
O Código de Processo Civil Brasileiro, nos termos do artigo 332 do capítulo VI, denominado (Das Provas), determina que: “todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa”.
Sabe-se que a prova nos crimes de qualquer espécie é o objeto principal de uma ação penal, pois nela se baseará o veredicto final, seja para absolver ou condenar o autor dos delitos que lhes forem imputados. Segundo NUCCI (2016):
A prova é tudo aquilo que será utilizado para contribuir na formação do convencimento do órgão julgador, e esta pode ser entendida como o ato de provar - instrução probatória; o meio para provar, que são os instrumentos para a demonstração da verdade; e o resultado obtido para a análise do material probatório, isto é, o efeito ou o resultado da demonstração daquilo que se alega. O elemento pelo qual se procura mostrar a existência e a veracidade de um fato, verificando de que forma existiu ou como existe, de modo que o magistrado formará a sua convicção quanto ao caso concreto com o auxílio destas. (NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes Contra Dignidade Sexual. Rio de Janeiro: Forense LTDA, 2014, p. 377)
No mesmo sentido, segundo CAPEZ (2011):
Do latim probatio, é o conjunto de atos praticados pelas partes, pelo juiz e por terceiros, destinados a levar ao magistrado a convicção acerca da existência ou inexistência de um fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmação. Trata-se, portanto, de todo e qualquer meio de percepção empregado pelo homem com a finalidade de comprovar a verdade de uma alegação. (CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. parte especial. v. 3. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 344)
Fundamentalmente, “existe três sentidos para o termo prova: a) ato de provar: Processo pelo qual se verifica a verdade do fato alegado pela parte no processo; b) meio: trata-se do instrumento pelo qual se demonstra a verdade de algo; c) resultado da ação de provar: é o produto extraído da análise dos instrumentos de prova oferecidos, demonstrando a verdade de um fato”, segundo MIRABETE (2007, pág. 465).
RAMALHO JUNIOR (2004), conceitua prova da seguinte forma:
O conceito de prova pode ser tido como comunicação, como troca de mensagens entre emissores (partes, testemunhas, peritos) e receptor (o juiz), que deve receber, processar, interpretar e valorar os dados que lhe são transmitidos, como etapa necessária do processo decisório. […] A prova seria, portanto, uma mensagem descritiva, ou seja, com a finalidade precípua de informar. Norma e prova, assim, seriam duas grandes fontes de informação, prescritiva e descritiva, tendentes a compor um verdadeiro universo linguístico em que estaria mergulhado o juiz no momento da tomada de decisão. (RAMALHO JUNIOR, Elmir Duclerc. Prova penal e garantismo: uma investigação crítica sobre a verdade fática construída através do processo. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004, pág. 16)
Nesse sentido, tem-se que a prova tem como principal função informar, ou seja, esclarecer os fatos anteriormente apresentados, para que no momento da tomada de decisão o magistrado possa alicerçar-se em evidências concretas, e não apenas em meras suspeitas, conforme nos ensina TÁVORA; ALENCAR (2013):
A prova pode ser vista como um elemento que explicita os fatos em busca da verdade, contribuindo para que o magistrado ao realizar sua análise profira sua decisão de forma embasada, coerente e fundamentada. A demonstração da verdade dos fatos, é feita por intermédio da utilização probatória, e a prova é tudo aquilo que contribuiu para a formação do convencimento do juiz, demonstrando os fatos, atos, ou até mesmo o próprio direito discutido no litígio. (TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 8. ed. Salvador: Juspodivm, 2013, pág 388)
A prova, ao ser direcionada ao processo pode ser apresentada por qualquer das partes e pelo juiz e pode ser utilizada por qualquer um deles, caracterizando o princípio da comunhão dos meios de prova. Portanto, a prova pode ser vista como fonte de informações que, em conjunto a outros procedimentos, pode oferecer a certeza processual, permitindo ao magistrado a estabelecer sua convicção em um determinado processo que esteja julgando.
4.2 – Meio de Provas
No Processo Penal, a prova realiza a tarefa de identificar algo que mais se aproxime da verdade dos fatos para que seja julgada uma determinada ação do réu. Em busca, sobretudo, de reproduzir os fatos investigados no processo, buscando clareza e assertividade ao se reproduzir os acontecimentos considerando o tempo e o espaço.
O magistrado formará sua convicção através da atividade probatória estabelecida pelas partes ou até mesmo por contribuição de terceiros. Por exemplo, no caso de um perito, que apresentará ao juiz uma possibilidade para que ele chegue mais perto do que realmente aconteceu. Poderá decidir livremente, observando todas as provas disponíveis nos autos, obedecendo a critérios racionais e lógicos, surgindo, assim, o princípio do livre convencimento do juiz como um sistema de apreciação da prova conforme o disposto no artigo 155, caput, do Código de Processo Penal.
Art. 155 - O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
(BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940.)
A finalidade da prova é estabelecer a verdade real, pode ser vista como fonte de informações que juntamente de outros procedimentos pode oferecer a certeza processual, auxiliando o magistrado a formular sua convicção para aplicação da norma legal de forma segura, sem dúvidas e sem equívocos.
As provas, no termo do o artigo 332 do Código de Processo Civil, estão definidas como: “todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa”.
Portanto, as provas são admitidas em Direito e podem ser apresentadas no devido processo legal, respeitados o contraditório e a ampla defesa como garantias processuais. Contudo, nem tudo pode ser apresentado como prova. Há para a doutrina a chamada de prova proibida, que são a prova ilegítima e a prova ilícita. Estas, não devem ser admitidas no processo. Caso sejam admitidas, devem ser desentranhadas dos autos.
A prova ilegítima é aquela obtida com violação de regras de ordem processual. Exemplo: oitiva de pessoas que não podem depor, como é o caso do advogado que não pode nada informar sobre o que soube no exercício da sua profissão, violando a regra contida no artigo 207, Código de Processo Penal.
A prova ilícita é aquela obtida com violação a regras de direito material, violação a direito da pessoa. Exemplo: provas ilícitas as obtidas com violação do domicílio (art. 5º, XI, da CF) ou das comunicações (art. 5º, XII, da CF); as conseguidas mediante tortura ou maus-tratos (art. 5º, III, da CF); as colhidas com infringência à intimidade (art. 5º, X, da CF).
As provas ilícitas formam as denominadas provas vedadas. São provas que não podem ser levadas a juízo ou chamadas para fundamentar um direito. São meios de provas, nos termos do Código de Processo Penal brasileiro, em seu Título VII, dos artigos 155 a 250.
Os meios de prova existentes de uma forma não taxativa, são eles os meios úteis para a formação direta ou indireta da verdade real, sendo, portanto, regularizados em lei para produzir efeitos dentro do processo: a prova pericial (artigos 158 a 184, CPP); o exame de corpo de delito (artigos 158, CPP); o interrogatório (artigos 185 a 196, CPP); Confissão (artigos 197 a 200, CPP); as declarações do ofendido (artigo 201, CPP); a prova testemunhal (artigos 202 a 225, CPP); o reconhecimento de pessoas e coisas (artigos 226 a 228); a acareação (artigos 229 e 230, CPP); a prova documental (artigos 231 a 238, CPP); os indícios (artigo 239, CPP) e a busca e apreensão (artigos 240 a 250, CPP).
São diversos os meios de provas, que ao o magistrado usará ao caso concreto, pois, em cada crime muitos aspectos deverão ser analisados e cada um deixa os seus vestígios e materialidades de uma forma específica. Há casos em que não existe nenhuma prova, a não ser a palavra probatória da vítima.
A palavra probatória da vítima, também denominada de declaração da ofendida possui natureza jurídica de meio de prova, que será recebida no curso da instrução. De acordo com Nucci (2019, p. 582), “Trata-se de ponto extremamente controverso e delicado na avaliação de prova”.
É considerado como um meio de prova, assim como qualquer outro, porém, deve ser estudado e interpretado de uma forma especial, pois, é dotado de sentimentos e frustações pelo fato ocorrido, tomando precauções necessárias para evitar condenações e absolvições injustas. (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.)
Ainda de acordo com o autor, a palavra da vítima tem ganhado força especial como meio de prova para a condenação do acusado, desde que esteja em conformidade com outras provas do fato.
5.1 – Requisitos objetivos e subjetivos para decretar a Prisão Preventiva
O testemunho é um meio de prova disciplinado nos artigos 202 a 225 do Código de Processo Penal. O Juiz, tendo em vista o sistema do livre convencimento, pode valorá-lo livremente à luz das demais provas produzidas. No antigo sistema da certeza legal ou da prova legal prevalecia o brocardo testis unus, testis nullus (voix d’un, voix de nul, para os franceses), onde uma só testemunha não valia como prova.
Atualmente se admite uma condenação com base em um único testemunho desde que corroborado com os demais meios probatórios colacionados aos autos.
(...) 5. É firme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que, em crimes contra a liberdade sexual, a palavra da vítima possui especial relevância, uma vez que, em sua maioria, são praticados de modo clandestino, não podendo ser desconsiderada, notadamente quando corroborada por outros elementos probatórios. Incidência da súmula 83/STJ. (AgRg no AREsp 1352080/SP). (Tribunal de Justiça do Ceará TJ-CE – Apelação Criminal: APR 0001846-08.2016.8.06.0080 – Relatora: Ministra Maria Edna Martins - Julgamento: 02 de fevereiro de 2021.)
Por outro lado, muitas vezes vários testemunhos não são suficientes para uma sentença condenatória. Portanto, o que importa não é o número de testemunhas, mas a credibilidade do respectivo depoimento e o critério com que o julgador o aferirá.
A palavra da vítima tem relevância diante dos fatos ocorridos. Contudo, o seu depoimento deve estar em consonância e conformidade com as demais narrativas.
5.2 – Aspectos fundamentais da Prisão Preventiva
A Constituição Federal de 1988, estabeleceu a justiça como sua balizadora e, nos termos de seu art. 5º, inciso LVII, determinou que “ninguém será considerado culpado antes do trânsito de uma sentença penal condenatória” (BRASIL, 1988). Desse modo, a pessoa deverá ser presumida inocente, até a sentença penal transitada em julgado.
Em tal linha de pensamento, qualquer medida cautelar vai exigir a existência dos seguintes requisitos: o fumus boni iuris (fumus comissi delicti), ou seja, a pretensão condenatória deverá se revelar legítima; periculum libertatis (periculum in mora), pois apenas se justifica a restrição à liberdade se esta liberdade configura um risco à real prestação jurisdicional que se busca. Ambos com fundamentos jurídicos descritos nos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal.
Deverão ser aplicadas, primeiramente, as medidas cautelares diversas da prisão previstas no artigo 319 e 320 do Código de Processo Penal, e, caso se constate que incorre o periculum libertatis, recorrer-se-á à prisão preventiva, nos termos do artigo 282, §§ 1º e 2º c.c. § 4º do Código de Processo Penal.
A prisão preventiva, bem como as demais prisões cautelares, destina-se a garantir a efetividade da administração da justiça, na busca de se obter segurança para o bom andamento do processo ou da investigação criminal. Tal medida é considerada como secundária e excepcional. Portanto, deve ser aplicada como último recurso, visto que se trata de um ato que priva a liberdade do indivíduo.
Em 2019, com as alterações trazidas pelo chamado “Pacote Anticrime”, através da Lei nº 13.964/2019, restaram modificados alguns artigos do Código de Processo Penal relativos a prisão preventiva.
No artigo 311 do Código de Processo Penal, a expressão “de ofício” foi retirada, passando a seguinte redação: “Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial”. Assim, não é mais possível a decretação da prisão preventiva de oficio pelo juiz, respeitando o princípio acusatório do devido processo legal.
No artigo 312 do Código de Processo Penal foi acrescentado, em sua parte final, a possibilidade de decretar a prisão preventiva no caso de perigo gerado pelo estado de liberdade do acusado. Ainda neste artigo foi acrescentado o parágrafo segundo que reforça a necessidade de fundamentar o perigo e a existência concreta de fatos novos ou antigos que justifiquem a aplicação da medida adotada, sob pena de nulidade.
Outra alteração ocorreu no artigo 313 do Código de Processo Penal, em que foi acrescentado o parágrafo segundo que estabelece que não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia, pois a prisão preventiva não pode ser considerada uma antecipação de pena, mantendo assim seu caráter cautelar, excepcional e de ultima ratio.
Em se tratando do artigo 315 do Código de Processo Penal, este passou a trazer de forma mais detalhada a fundamentação da decisão que decreta, que substitui ou denega a prisão preventiva, destacando, em seu segundo parágrafo, os casos em que não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acordão. A motivação e a fundamentação permitem que sejam examinados os motivos de fato e de direito que formaram o convencimento do juiz.
Por fim, o artigo 316 do Código de Processo Penal possibilitou ao magistrado, de oficio ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação a do processo, não houver mais motivos para que ela subsista. E, em seus termos, possibilitou que o magistrado voltasse a decreta-la, se sobrevier razões que a justifiquem.
Ainda ao artigo 316, foi acrescido o parágrafo único que estabelece que o órgão emissor do decreto preventivo deve revisar a necessidade de manutenção da prisão preventiva a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena da prisão ser considerada ilegal.
As alterações trazidas pela nova Lei nº 13.964/2019, marcaram significativas mudanças no cenário da prisão preventiva. Destaca-se o detalhamento referente a motivação e fundamentação das decisões, bem como a finalidade cautelar da prisão preventiva que não deve servir como antecipação de pena, fazendo com que seja dever do órgão emissor a revisão da necessidade da permanência da prisão; a vedação da decretação da prisão preventiva de oficio pelo juiz, cabendo-lhe uma posição paralela as partes, respeitando o princípio acusatório do devido processo legal.
6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa científica abordou o crime estupro de vulnerável e a questão do pedido de prisão preventiva: a noticia criminis basta para o pedido de prisão? Neste trabalho, a autora buscou esboçar alguns tópicos de relevante questão no procedimento da prisão preventiva prevista no ordenamento jurídico brasileiro tendo como norteador o crime estupro de vulnerável. Dentre eles, as alterações do crime de estupro Lei nº 12.015/2009; a tutela penal da intimidade, os meios de prova, os direitos dos vulneráveis, a violência de gênero e crimes sexuais, a proteção da intimidade sexual, os meios e requisitos objetivos e subjetivos para decretar a prisão preventiva.
Primeiramente foi feito um levantamento sobre as alterações do Crime de Estupro, o antes e o depois dos termos da Lei nº 12.015/2009; o conceito de intimidade e as violações da intimidade sob o prisma da violência de gênero. O conceito de vulnerável e o direito penal dos vulneráveis.
Num segundo momento desta pesquisa, abordou-se o surgimento do Pacote Anticrimes, com o advento da Lei nº 13.964/2019 e as alterações relativas aos requisitos para a prisão preventiva.
Uma questão que deve ser analisada em relação à prisão preventiva é de que esta deveria ser uma medida excepcional, como apontam muitos juristas em todo o país. Essa é a ideia mais difundida entre os operadores do Direito. Contudo, em muitos casos, ela acaba sendo banalizada pela justiça, no sentido de ser usada sem os crivos, os critérios e as premissas necessárias para que ocorra.
Há estudos que sustentam o apelo que prisões preventivas podem ter, principalmente pela sociedade civil, por causa do senso de que isso fará justiça. No entanto, existem casos em que, por conta do clamor social pedindo uma ação da Justiça ou pressionando o magistrado para agir, decisões são proferidas de maneira errônea e equivocada. Isso ocorre também nos casos de prisão preventiva, em que nem sempre existem as provas ou indícios básicos necessários para que ela seja definida.
A prisão preventiva deveria ser uma medida excepcional. Essa é a ideia mais difundida entre os operadores do Direito. Em muitos casos, porém, ela acaba sendo banalizada pela justiça, no sentido de ser usada sem os critérios e as premissas necessárias para que ocorra.
Em certas situações, decisões proferidas por tribunais formam precedentes de jurisprudência e essas decisões acabam por antecipar à própria legislação vigente. Quando se trata de prisões preventivas, uma nova jurisprudência pode significar passar por cima do direito de presunção de inocência, na qual a Constituição Federal, de 1988, se ampara.
A prisão preventiva deve ser justificada por absoluta necessidade, sem formar um juízo abreviado, sob pena de se descaracterizar o próprio instituto. No artigo 330 do Código de Processo Penal, estão elencados os pressupostos de admissibilidade, fica a prisão preventiva condicionada à comprovação da materialidade delitiva e dos indícios suficientes de autoria, correspondentes à justa causa (fumus commissi delicti), necessário demonstrar o fator de risco justificante da medida restritiva de liberdade (periculum libertatis.
Essas considerações permitem afirmar que o crime estupro de vulnerável e a questão do pedido de prisão preventiva: a noticia criminis não basta para o pedido de prisão do acusado. Não mais pode ser decretada a prisão preventiva por decisão própria do juiz, dependendo atualmente de requerimento do Ministério Público, do Delegado ou da parte que se sente ameaçada. Além destas situações, como segurança da ordem pública ou prova de crime, o caso de perigo gerado pela liberdade do suspeito a quem o crime é imputado também é considerado.
A decisão do pedido de prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada segundo a existência concreta de fatos novos ou atuais que justifiquem a prisão.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Eliza Mara Alves. Crime de estupro de vulnerável x pedido de prisão preventiva: a notícia criminis basta para o pedido de prisão? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 jun 2021, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56904/crime-de-estupro-de-vulnervel-x-pedido-de-priso-preventiva-a-notcia-criminis-basta-para-o-pedido-de-priso. Acesso em: 22 nov 2024.
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