Resumo: O presente trabalho consiste em dar ênfase ao Revenge Porn quanto violência de gênero, mostrando de que forma a saúde mental e a integridade das mulheres são abaladas. O responsável pela publicação acredita que irá ficar impune por ser um crime cibernético e a falta de conscientização dos usuários que compartilham tais imagens com diversas pessoas é consequência relevante para a disseminação. Algumas decorrências dos atos de exposição pela pornografia da vingança: pensamentos suicidas, necessidade de auxílio psicológico, intenso sofrimento, mudança de trabalho ou residência, entre outros. A escassez de políticas públicas e mecanismos de conscientização do poder público para com o revenge porn dificulta o combate ao crime que possui impactos, muitas vezes, irreversíveis.
Palavras-chave: Pornografia da vingança; Violência contra a mulher; Cibercrimes; Direitos Humanos.
Abstract: The present essay consists of emphasizing Revenge Porn as a gender violence matter, showing how the mental health and integrity of women are affected. The responsible for the publication believes that he will go unpunished because it is a cybercrime and the lack of awareness of the users who share such images with several people is a relevant consequence for the dissemination. Some consequences of the acts of exposure through revenge porn: suicidal thoughts, need for psychological assistance, intense suffering, change of job or residence, among others. The scarcity of public policies and mechanisms of awareness from the public Power towards revenge porn makes it difficult to fight this crime, and often causes irreversible impacts.
Key-words: Revenge porn; Violence against women; Cybercrimes; Human rights.
Sumário: Introdução. 1. Dados referentes ao acesso à internet no brasil: o princípio do desdobramento do revenge porn. 2. Revenge porn: a violência contra a mulher na era cibernética. 2.1. Adentrando em uma violência paralela. 2.2. Projeto vazou – Pesquisa sobre o vazamento não consentido de imagens íntimas no Brasil. 3. O efeito danoso – grandes e perpétuas complicações. 4. Leis. Considerações Finais. Bibliografia.
Introdução
Com a ampliação do acesso à internet, os crimes contra a mulher se modernizaram. Existem diversas traduções para o que é chamado de “Revenge Porn”, como: pornografia da vingança, pornografia da revanche, vingança pornô ou pornografia não consensual. No entanto, todas possuem definição equivalente. De acordo com a lei 13.718/2018, é considerado revenge porn quando imagens ou vídeos íntimos são expostos no ciberespaço, sem o consentimento da vítima e com o intuito de punir e se vingar da mesma. Geralmente, os responsáveis pela divulgação são antigos parceiros ou pessoas com quem a vítima viveu relacionamentos afetivos, e, embora a propagação no meio virtual não seja consentida, é possível que a gravação tenha sido permitida.
“Pornografia não consensual se refere a imagens sexualmente explícitas divulgadas sem o consentimento e sem propósito legítimo. O termo encobre material obtido por câmeras escondidas, consensualmente trocadas dentro de uma relação confidencial, fotos roubadas e gravações de abusos sexuais. A pornografia de Vingança frequentemente ocorre em casos de violência doméstica, com os agressores usando a ameaça de divulgação para evitar que suas parceiras os abandonem ou denunciem práticas abusivas.” (Cavalcante & Lelis, 2016)
O termo “revenge porn” foi datado no ano de 2010, após o psicólogo e professor Hunter Moore dos Estados Unidos levantar informações em relação ao compartilhamento ilegal de fotos/vídeos com teor sexual ocasionados pelo sentimento de vingança. Para que haja maior entendimento sobre como a pornografia da vingança acontece, suponha que uma mulher envie uma imagem que contenha nudez. Embora ela acredite que exista uma relação de confiança com o parceiro, o indivíduo publica o retrato em um pequeno grupo de amigos numa rede social. Alguns membros a conservam e fazem uma nova publicação num site de imagens pornográficas. Isso faz com que diversas pessoas tenham acesso e a proliferação aconteça. Não é crime receber, enviar ou guardar a mensagem, mas enviá-la a outras pessoas sem consentimento. Esse modelo de violência virtual e de gênero deixa marcas eternas em quem sofre o trauma. Desde o afastamento das relações sociais a danos psicológicos, como: ansiedade, depressão e tentativas de suicídio.
“O surgimento dessa nova forma de cometer atos que caracterizam a violência de gênero causam principalmente, danos psicológicos às vítimas. Isto porque, segundo Serrano (2013) décadas atrás, o ‘macho’ quando desafiado, rejeitado ou inconformado fazia uso da violência física para se auto afirmar, hoje, reage com violência simbólica ao expor cenas da mulher em público” (Cavalcante & Lelis, 2016)
1. Dados referentes ao acesso à internet no Brasil: O princípio do desdobramento do revenge porn
De acordo com os dados do TIC Domicílios – IBGE/2017 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), responsável por analisar o acesso à infraestrutura e o modo como as tecnologias são utilizadas nas residências do país, cerca de 75% dos domicílios brasileiros possuem acesso à internet.
A região Sudeste possui maior porcentagem de domicílios no total (áreas rural e urbana) em que há utilização da internet, sendo 81,1%. Esse número está acima da média nacional que se concentra em 74,9%. A menor taxa é no Nordeste, somente 64%.
Quanto à zona rural, especificamente, a região norte possui a menor taxa de domicílios com acesso à internet, 27.3%. O Sul se sobressai como área com a melhor proporção, concentrando-se em 53.1%, maior que a taxa nacional de 41%. Em relação a zona urbana, a região centro-oeste conta com o maior índice 83,2%, havendo uma oposição de 10% com a região nordeste que assume 73%.
Os 63,4 milhões de brasileiros que não estavam conectados, alegaram não ter conhecimento de uso da ferramenta, equipamento necessário, interesse, considerar o valor do serviço custoso ou não haver disponibilidade na área de domicílio. É importante associar que na área urbana, apenas 1.2% dos entrevistados tiveram dificuldade em encontrar um serviço de acesso à internet, enquanto na zona rural o número é bem maior, 21.3%.
O número de homens e mulheres que utilizam a internet, na área urbana, é de, respectivamente, 74.6% e 74.9%. No que tange à rural, o percentual tem diferença de 5.6% entre homens (36.3%) e mulheres (41.9%).
Diante desse cenário, o telefone celular se apresenta como o equipamento mais utilizado no uso da internet, está presente em 93,2% dos domicílios. Segundo o IBGE (2017), houve um aumento significativo em relação ao uso da internet móvel, quase 30% num período de 2 anos, ou seja, isso demonstra que a divulgação de informações através desses meios é ainda mais veloz. Em seguida, 46% dos domicílios possuem microcomputador ou tablet. Além disso, 95.5% dos brasileiros utiliza a internet para enviar mensagens, áudio, imagem e vídeo através de diversos aplicativos. O número se mantém similar em todos os locais do país. As conversas através de chamada de voz ou vídeo aparecem na segunda colocação da finalidade do uso da internet (83.8%). No entanto, é possível notar uma pequena diferença em relação às zonas Norte (77.7%) e Centro-Oeste (87.7%).
Se tratando de aplicativos, o que possui maior sucesso em relação a envio de mensagens é o WhatsApp, que em 2019 alcançava cerca de 85% dos usuários. Quanto às demais redes, Youtube, Facebook e Instagram são citadas com 60%,59% e 40% de acesso, respectivamente.
Nessa situação, o Brasil é o país que mais acessa redes sociais na América Latina. O panorama global é do uso de 150 minutos diários - colocando-o em segundo lugar com 225 minutos, número que avançou 60% nos últimos 7 anos, apenas atrás das Filipinas com 241 minutos. Os indivíduos que gastam mais tempo online possuem entre 16 e 24 anos de idade e o aumento significativo gera preocupação em relação a problemas na saúde mental e privacidade de dados.
2. Revenge porn: A violência contra a mulher na era cibernética
A violência de gênero ocorre há muito tempo, com os homens ocupando posições dominantes em espaços de poder e trabalho. Os papéis sociais historicamente construídos atribuíam os gêneros (masculino e feminino) a posições de opressor e submisso
Os discursos socioculturais no Brasil são responsáveis por normalizar comportamentos masculinos e hostilizar os femininos, de modo naturalizado e inconsciente. Sendo assim, não é incomum que parte da sociedade culpabilize a vítima através de discursos conservadores, pelo fato de ter compartilhado a imagem primária, considerando o comportamento inapropriado.
De acordo com BOURDIEU (2006), a sociedade impõe que o homem deve afirmar sua virilidade, independente da circunstância. No caso das mulheres, existe a responsabilidade de honrar a virgindade e a fidelidade, pois são criadas dentro de limites, ensinando-as o que não podem fazer.
“Assim sendo, torna-se possível compreender os motivos que mais embasam os julgamentos sociais negativos sobre o comportamento das vítimas mulheres, mesmo no contexto moderno de defesa da liberdade de expressão e disposição individual do próprio corpo. Isso acontece porque a subjetividade presente no meio virtual também se encontra permeada pela moralidade e suas questões afetas de gênero (FARIA; ARAÚJO; JORGE, 2015).” (Silva; Pinheiro)
No século XX, surgiram os movimentos em defesa da mulher, em que foi conquistado o direito ao voto e os questionamentos sobre a desigualdade de gênero ganharam espaço. No entanto, ainda existem resquícios do machismo no cotidiano, como os casos de violência as distribuições desiguais no acesso a postos de trabalho, renda e poder político.
De acordo com o artigo 7º da Lei nº 11.340/2006, são inúmeras as formas de violência contra a mulher, como: violência física; psicológica; sexual; patrimonial; e, moral. Na citação a seguir, estão caracterizados alguns tipos que fazem alusão ao tema deste trabalho.
“Violência contra a mulher – é qualquer conduta – ação ou omissão – de discriminação, agressão ou coerção, ocasionada pelo simples fato de a vítima ser mulher e que cause danos, morte, constrangimento, limitação, sofrimento físico, sexual, moral, psicológico, social, político ou econômico ou perda patrimonial. Essa violência pode acontecer tanto em espaços públicos como privados.
Violência de gênero – violência sofrida pelo fato de se ser mulher, sem distinção de raça, classe social, religião, idade ou qualquer outra condição, produto de um sistema social que subordina o sexo feminino.
Violência doméstica – quando ocorre em casa, no ambiente doméstico, ou em uma relação de familiaridade, afetividade ou coabitação.
Violência familiar – violência que acontece dentro da família, ou seja, nas relações entre os membros da comunidade familiar, formada por vínculos de parentesco natural (pai, mãe, filha etc.) ou civil (marido, sogra, padrasto ou outros), por afinidade (por exemplo, o primo ou tio do marido) ou afetividade (amigo ou amiga que more na mesma casa).
Violência física – ação ou omissão que coloque em risco ou cause danos à integridade física de uma pessoa.
Violência intrafamiliar/violência doméstica – acontece dentro de casa ou unidade doméstica e geralmente é praticada por um membro da família que viva com a vítima. As agressões domésticas incluem: abuso físico, sexual e psicológico, a negligência e o abandono.” Conselho Nacional de Justiça. Violência contra a mulher: Formas de Violência contra a mulher. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/violencia-contra-a-mulher/formas- de-violência-contra-a-mulher/. Acesso em: 20 maio 2020.
Conforme o Atlas da Violência de 2019, cerca de 13 mulheres eram assassinadas diariamente no Brasil. Embora os dados sejam de 2017, foram quase 5 mil vítimas de feminicídio, e, aproximadamente 18% afirmaram que já sofreram algum tipo de violência, seja ela sexual, psicológica, moral ou patrimonial.
Em relação ao panorama nacional, é importante destacar que a taxa de homicídios femininos (por cem mil) possui grande diferença em comparação à raça. Apenas no Paraná a taxa de mulheres brancas é superior à de negras e pardas. Em âmbito brasileiro, o índice é inferior a 4 e 6, para brancas e pardas/negras, respectivamente.
2.1. Adentrando em uma violência paralela
De acordo com Lino de Macedo, professor do Instituto de Psicologia da USP, o orgulho ferido é um dos motivos da prática do revenge porn, havendo a necessidade de vingança após o rompimento de algo. Há um jogo de poder, pois quando o indivíduo possui algo que desqualifique o outro, ele possui o domínio. Ou seja, há um contrato de respeito quando se há uma relação de intimidade, havendo um combinado, implícito ou explícito, que o conteúdo é pertencente ao casal e não deve ser compartilhado. O contrato é quebrado, caso haja a divulgação, gerando exposição e outros problemas na vida da vítima, como baixa autoestima e afastamento das relações sociais.
As pesquisas do Instituto Avon referente ao “Papel do Homem na Desconstrução do Machismo” e “Violência contra a mulher: o jovem está ligado? (2014)”, mostram como as mulheres são as maiores vítimas. Cerca de 61% dos entrevistados afirmaram que caso a mulher tenha autorizado ser fotografada, ela também é culpada quando um homem compartilha sua imagem sem autorização. Ademais, 78% das mulheres afirmaram que foram vítimas de algum episódio de assédios em lugares públicos, desses 15% foram homens tentando fotografar ou filmar sem consentimento.
Outro dado interessante entre os homens é que 43% alegam que não acham agradável reclamar quando alguém compartilha fotos de mulheres nuas no aplicativo “WhatsApp”. Aliás, 28% dos garotos costumam repassar imagens de mulheres nuas podendo ser ou não conhecidas. Entre as ações de invasão de privacidade sofrida por mulheres, 2% foram ameaças de revenge porn que, de acordo com 83% dos entrevistados, é considerada uma forma de violência. Houve mudança relacionada a atitudes machistas que eram realizadas normalmente. Enquanto 10% indicaram que trocam imagens de mulheres nuas não autorizadas entre amigos, 7% anunciaram que não possuem mais esse comportamento.
Em 2018, foram publicadas cerca de três mil reportagens no Brasil, que apontaram a presença de crimes online, como revenge porn e sextina. Conforme os dados, cerca de 90% das mulheres possuíam menos de 40 anos de idade, 4% tinha entre 40 e 49 anos e 1.5% acima de 50 anos. Menores de idade também apareceram na pesquisa, contabilizando 14%. De 18 a 29 anos são 37% e 43% para idades entre 30 e 39. Não é incomum que outras informações das vítimas sejam divulgadas, uma vez que a finalidade do agressor é causar ainda mais sofrimento e constrangimento.
Os criminosos geralmente são conhecidos pelas vítimas, em sua maioria (52.3%) pessoa com a qual havia um laço de confiança. O restante dos indivíduos que compartilham as imagens, são, muitas vezes, por pessoas que sequer conhecem a vítima, mas contribuem com a distribuição das mídias e ofensas.
2.2. Projeto Vazou – Pesquisa sobre o vazamento não consentido de imagens íntimas no Brasil (2018)
De acordo com o grupo de estudos em criminologia contemporânea de Porto Alegre, existem alguns motivos pelos quais as vítimas de revenge porn se calam diante da violência. A exposição através da divulgação de imagens sem consentimento já é dolorosa, e para ir atrás de seus direitos é necessário que haja confiança em alguém próximo, no profissional (advogados e terapeutas, por exemplo) e no sistema judicial, trazendo tudo à tona novamente.
Existe a possibilidade da vítima se culpabilizar, acreditando que ela tenha aceitado o risco, devido ao fato de ter concordado em encaminhá-la para o indivíduo que compartilhou as imagens. Segundo uma pesquisa realizada nos Estados Unidos, em 2015, um terço dos alunos entrevistados que tiveram suas imagens íntimas divulgadas, afirmaram que se sentiram bravas consigo mesmo. (Brunch et al. 2017).
A pesquisa realizada pelo “Projeto Vazou” foi qualitativa com questões fechadas e abertas, através de um perguntas online, sendo cerca de 140 questionários aptos, a maioria mulheres com mediana de 24 anos. Através dos dados, podemos afirmar que é quase improvável que as vítimas de revenge porn tenham sido atacadas por hackers desconhecidos. Mais de 80% afirmaram conhecer o propagador da mídia, sendo que em 82% dos casos havia algum tipo de relacionamento, como amizade ou namoro, por exemplo. Esse crime é frequentemente praticado por homens, somando 84% das respostas do questionário. Dentre os arquivos vazados também há a possibilidade de enviarem maiores informações sobre a vítima, como nome completo, telefone, local de trabalho e até endereço. As imagens fazem parte de 87% dos arquivos vazados, em seguida, os vídeos com 35%. Em relação à propagação na mídia, aproximadamente 70% foram divulgadas no WhatsApp que é uma plataforma de mensagem instantânea, ou seja, recebida em tempo real. Redes sociais como facebook (26%), Instagram (7%) e Snapchat (5%) estiveram na lista. Por fim, os arquivos também foram enviados por e-mail (19%) ou exposto em sites pornográficos (14%).
Existem duas possibilidades para a obtenção dos arquivos, são elas: consentidas, quando a pessoa autoriza a gravação; ou não consentidas, quando a vítima não sabe que as imagens foram tiradas. No caso das entrevistadas, 60% concordaram em enviar a mídia - muitas vezes pressionadas a ‘oferecer uma prova de amor’ - quando mantinham algum relacionamento e confiavam no receptor.
O principal motivo do compartilhamento das imagens íntimas é a vingança, que busca castigar a vítima por acreditar que de alguma maneira, o divulgador, tenha sido ofendido anteriormente. Dentre as causas, é válido dar enfoque em ameaças, extorsão e invasão do aparelho que também se enquadram em outros crimes contra a liberdade individual ou infração que busca obter vantagem ou lucro. Por fim, todas as razões promovem a vulnerabilidade da vítima.
De acordo com Leandro Ayres França, autor do projeto, existem diversas consequências da divulgação de imagens e vídeos íntimos, principalmente no que tange a saúde mental das vítimas, como: ansiedade 63%), isolamento do contato social (58%), depressão (56%), transtorno de estresse pós-traumático (33%), automutilação e pensamentos suicidas (32%).
Além disso, mudanças do cotidiano também são resultados dessa exposição, exemplo: assédio em locais públicos (27%), abandono de escola/curso/faculdade (16%), mudança de residência (11%), agressão (7%), perda do emprego (6%), dificuldade para encontrar novo emprego (5%). Por fim, poucos são os que não se importaram com o vazamento de imagens (9%) ou que aproveitaram o fato para uma ação positiva (11%). No entanto, a pesquisa não informa quais foram as intervenções construtivas.
Quanto ao tratamento realizado pelas vítimas, cerca de 39% ainda não se recuperaram do acontecimento, 30% precisaram de tratamento psicológico ou 16% psiquiátrico, e 23% afirmaram não precisar de qualquer recuperação. É relevante expor a necessidade do apoio entre familiares (26%) e amigos/empoderamento (30%), visto que é importante para a regeneração do indivíduo.
Em mais de 80% dos casos não houve investigação policial ou processo judicial. Existem diversos motivos pelo qual as vítimas não expõem a agressão, dentre eles a auto culpabilização, medo da reação familiar, aumento da exposição e falta de conhecimento em como denunciar. No que tange a punição pelo crime 72% querem uma penalidade ao agressor, 60% desejam a remoção do conteúdo das redes, 55% querem indenização, e 34% a identificação de quem enviou as imagens ou ajudou a propagá-las.
Muitos agressores usam as imagens ameaçando ou as tornando públicas caso a vítima não haja como ele ordenou, o intuito é punir e humilhar o outro. Acontece que grande parte dos relacionamentos é pautado na sociedade machista e patriarcal, em que os homens “possuem” as mulheres, não aceitando o fim da convivência. A comprovação disso são as altas taxas de violência contra mulher e feminicídio que de acordo com os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019 mata uma mulher a cada 8 horas no Brasil, sendo que 73% dos crimes ocorrem dentro de casa. O revenge porn é realizado, na maioria dos casos, por conhecidos da vítima, como antigos relacionamentos amorosos que receberam imagens e/ou vídeos de maneira consentida e as compartilharam sem autorização. Segundo o “Projeto Vazou”, o revenge porn é um cyber crime, visto que ele acontece por meio de aparelhos que dão acesso ao compartilhamento instantâneo da mídia não consentida. De acordo com David Wall - professor de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de Leeds –, pode-se considerar como cyber crime híbrido, em que a exposição de imagens e a motivação do crime são tradicionais, mas realizadas através de um novo espaço tecnológico que atinge um público maior.
3. O efeito danoso – Grandes e perpétuas complicações
Não é incomum que após fotos ou vídeos íntimos serem divulgados, as vítimas tenham suas vidas reviradas não conseguindo fazer o básico, como trabalhar, estudar e frequentar alguns lugares. Após o relacionamento terminar ou haver o sentimento de injustiça por determinado motivo, alguns tentam destruir o indivíduo através da divulgação de imagens, a fim de expô-los e diminuí-los perante a sociedade.
Segundo o documento “Drafting An Efetive ‘Revenge Porn’ Law: A Glide for Legislaturas”, as vítimas de revenge porn ficam com diversas sequelas. Segue dados:
A pesquisa realizada nos Estados Unidos obteve como resultado que 51% das sobreviventes de revenge porn em algum momento tiveram pensamentos suicidas. Ademais, profissionais da saúde que oferecem apoio as vítimas e pesquisadores, concluíram que os traumas na saúde mental da vítima são equivalentes aos de abuso sexual físico. A professora Kristen Zaleski da University of Southern California afirma que são correspondentes, pois em ambos os casos há vergonha, auto responsabilização e diversos danos ao sistema nervoso, como distúrbios de alimentação. No entanto, os danos causados não afetam apenas a vítima, mas também sua família, como revela Rose Leonel:
“’Perdi o emprego, dinheiro, amigos e oportunidades. Perdi tudo, tudo, até a presença do meu filho, que foi morar fora do país. Sofri um processo de exclusão social e fui obrigada a um período de reclusão. Foi muito duro. Só Deus me sustentou. Até hoje tenho pesadelos. Fui assassinada. Os danos são irreparáveis para mim, meus filhos e meus pais.’” (FERNANDES, 2016)
O crime não é fugaz, além de haver uma grande dificuldade em remover o conteúdo, as consequências para a vítima podem ser irreparáveis e estas, devem ser indenizadas.
“Leah Joliet tinha 14 anos quando suas fotos íntimas circularam pela escola onde estudava, sem o seu consentimento. Ela tinha enviado as fotos para um garoto, que compartilhou com alguns colegas. ‘Realmente foi como um torpor emocional. Eu me desliguei completamente’, disse Joliet ao Giz modo. Durante vários anos após a ocorrência do crime, ela sofreu com ataques de pânico, depressão, pesadelos, ansiedade e outros sintomas de estresse pós-traumático. Na universidade, quando o trauma “se tornou insuportável”, ela sofreu com alcoolismo e pensamentos suicidas.” (EHRENKRANZ, 2018)
A psicóloga Tamires Oliveira de Mattos (2018) afirma que dificuldades afetivas, depressão e ansiedade são alguns exemplos dos traumas causados, portanto é necessário que a vítima seja acolhida e faça acompanhamento psicoterapêutico para conseguir superar o trauma. As consequências psicológicas são grandes e variam entre as pessoas.
Em relação aos tratamentos, Kristen Zaleski afirma que o mais adequado seriam profissionais especializados em vítimas de agressões sexuais. Também existem recursos que ajudam a lidar com a vergonha, constrangimento e autocensura, por exemplo: psicoterapia sensório-motora, EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento do movimento dos olhos) e terapia psicodinâmica centrada na pessoa.
Além da criminalização, é necessário que haja a conscientização da sociedade perante o crime. O julgamento dos demais perante as vítimas pode ser o principal gatilho para que reações extremas como suicídio aconteçam. A sociedade ainda mantém pensamentos tradicionais e machistas em razão do forte patriarcalismo, fazendo com que os homens possuam mais direitos que as mulheres. Isto é valido também para as questões sexuais em que as mulheres são repreendidas. Ou seja, embora cada um seja detentor de seu corpo, a visibilidade negativa frequentemente recai sobre a mulher.
4.Leis
A população sabe pouco sobre quais são as punições aplicadas pelo sistema judiciário, ou como retirar a agressão da internet ou a quem pedir ajuda. Segundo a professora Maria Alves de Toledo Burns, da Universidade de São Paulo (USP), uma das causas do revenge porn é a disponibilidade da internet. Por ainda ser um meio considerado ‘novo’, sem leis ou regras socialmente reconhecidas, os indivíduos ainda estão aprendendo a usá-las. No entanto, em 2014, foram estabelecidos alguns direitos e deveres através do Marco Civil da internet.
“Lei nº 12.965 de 23 de abril de 2014
Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil.
Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo.
Parágrafo único. A notificação prevista no caput deverá conter, sob pena de nulidade, elementos que permitam a identificação específica do material apontado como violador da intimidade do participante e a verificação da legitimidade para apresentação do pedido.” (BRASIL, 2014)
Calúnia, difamação e injúria estão no Código Penal Brasileiro. Acusar o indivíduo de um crime, julgar de ato desonroso ou difamar (considerando algo prejudicial), não é incomum nas redes sociais, e uma publicação pode atingir centenas de pessoas num curto período de tempo e causar transtornos. De acordo com a Constituição de 1988, todos os indivíduos possuem proteção do Estado no que tange a intimidade.
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;” (BRASIL, 1988)
Em 2006, o então presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores, sancionou a Lei Maria da Penha (Lei Nº 11.340). O objetivo era prevenir e controlar a violência contra a mulher, além de punir quem a comete.
“Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.” (BRASIL, 2006)
É relevante expor que a Lei assegura que as mulheres tenham pleno e legítimo direito à vida, à segurança, à saúde, ao lazer, à liberdade e à dignidade. Também lhe é garantido preservação da saúde física e mental. De acordo com a Lei, medidas de prevenção foram tomadas, implementando atendimento humanizado nas delegacias, promovendo estudos e pesquisas, realizando campanhas educativas, e trazendo a discussão sobre direitos humanos e questões de gênero na escola, por exemplo.
“Art. 9. § 4º Aquele que, por ação ou omissão, causar lesão, violência física, sexual ou psicológica e dano moral ou patrimonial a mulher fica obrigado a ressarcir todos os danos causados, inclusive ressarcir ao Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com a tabela SUS, os custos relativos aos serviços de saúde prestados para o total tratamento das vítimas em situação de violência doméstica e familiar, recolhidos os recursos assim arrecadados ao Fundo de Saúde do ente federado responsável pelas unidades de saúde que prestarem os serviços.” (BRASIL, 2006)
Se tratando diretamente do Revenge Porn, em 2018 foi sancionada a Lei Nº13.718 que alterou o Código Penal ajustando-o à novas tipificações de crimes de importunação sexual. Destaca-se que caso a imagem seja publicada em caráter jornalístico, científico, cultural ou acadêmico que protejam a identidade do indivíduo e possua sua autorização, não é considerado crime.
“Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia: (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018) Aumento de pena (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
§ 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por a gente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
Exclusão de ilicitude (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
§ 2º Não há crime quando o agente pratica as condutas descritas no capítulo deste artigo em publicação de natureza jornalística, científica,
cultural ou acadêmica com a adoção de recurso que impossibilite a identificação da vítima, ressalvada sua prévia autorização, caso seja maior de 18 (dezoito) anos. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)” (BRASIL,2018)
Segundo Marilise Gomes (2014), em 2008, um site de vídeos pornôs informou que recebia cerca de 12 pedidos ao mês para que retirassem algum conteúdo da plataforma, pois não haviam consentido a publicação. A Nova Zelândia foi o primeiro país a condenar um jovem à prisão por 10 meses pelo crime de revenge porn.
Há uma percepção de que os cibercrimes permanecem impunes. No entanto, já é possível buscar atendimento em delegacias especializadas ou através da polícia civil que trabalha com investigações específicas. De todo modo, a vítima não é culpada e segundo o código penal, artigo 139, é considerado difamação atentar contra a reputação de uma pessoa e divulgar fotos íntimas de alguém sem autorização.
Em 2018, uma mulher ingressou com uma ação no Tribunal da Justiça do Rio Grande do Sul para ser indenizada depois de ser vítima de revenge porn. Nesse caso, o antigo namorado havia publicado imagens íntimas da vítima em sites pornográficos, além de explicitar seu nome e a cidade onde vivia. Outros três boletins de ocorrência foram realizados, a fim de requerer medidas protetivas, pois havia sido ameaçada virtualmente e pessoalmente.
A vítima solicitava ao Tribunal da Justiça o recebimento de R$30.000,00 (Trinta Mil Reais) de indenização por danos morais pagos pelo réu. No entanto, houve a condenação do pagamento de R$ 10.000,00 (Dez Mil Reais), pagamento integral das custas processuais e dos honorários advocatícios ao procurador da parte autora, fixados em 15% do valor atualizado da condenação.
Em relação ao processo Nº 1.735.712 - SP (2018/0042899-4), desta vez o pedido de indenização foi feito para que a rede social Facebook pagasse. Embora a ação seja de 2014, após o recurso foi atribuída para o gabinete em 2018. Há a afirmação de que o revenge porn constituiu grave lesão à vítima que embora não estivesse completamente despida ou com rosto em evidência, se sentiu humilhada e teve seus direitos de personalidade violado. As imagens haviam sido realizadas por um antigo relacionamento.
O Facebook foi condenado a indenizar a moça não identificada por dano imaterial no valor de vinte mil reais, pois havia diversos usuários utilizando e divulgando a imagem repugnada pela autora, que solicitou a retirada da mesma – removidas apenas após o ajuizamento da ação. A rede social, por sua vez, declarou que a plataforma não considerou a imagem como pornográfica, uma vez que a autora estava de biquíni e sem confirmação de identidade.
O processo do sistema judicial pode ser extremamente demorado e prolongar o sofrimento causado, não oferecendo um atendimento satisfatório a vítima, nem uma reeducação ao infrator. Nesses casos, é necessário oferecer acompanhamento psicológico e psiquiátrico a vítima, justiça restaurativa, exclusão de vídeos e imagens com teor sexual sem consentimento, campanhas de conscientização e educação sexual.
Considerações finais
A internet é uma ferramenta importante para o entretenimento, divulgação de informação e socialização, dando a oportunidade de reencontrar amigos distantes e auxiliar no desenvolvimento da ciência. No entanto, não é incomum que crimes virtuais aconteçam, como é o caso da pornografia da vingança.
De acordo com as informações apresentadas no presente trabalho, é notável que a vítima sofre mais que o constrangimento ao ser exposta. Mudança de escola, prejuízo nas relações sociais e pensamentos suicidas são alguns exemplos que o trauma do revenge porn causa. Dada à importância ao assunto, se faz necessário refletir sobre possíveis métodos que auxiliem no declínio da prática, tanto em relação aos agressores, quanto a urgência em amparar as vítimas.
As consequências apontam que, embora a implementação de leis seja extremamente necessária, considerar outras possibilidades é algo significativo. Através de discussões educativas é possível fazer com que o indivíduo reflita sobre suas atitudes nas redes sociais, entendendo que ao compartilhar uma imagem indevida pode causar grandes transtornos. Além disso, investimentos em propaganda nos meios de comunicação, discussão sobre o uso das redes sociais na escola, maior especialização e humanização de servidores para tratar do revenge porn, criação e investimento em centros de referência para acolher mulheres em situação de vulnerabilidade, punições rigorosas, exclusão das mídias de todas as redes sociais e sites, disponibilização de acompanhamento médico (psicológico, psiquiátrico) e acolhimento para vítimas.
Por fim, o tema possui grande relevância, pois afeta a vida não só da vítima, como as de seus familiares. É imprescindível que os governos (municipal, estadual e federal) deem maior visibilidade para o tema, investindo em políticas públicas e conscientizando a sociedade.
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Graduada em Ciências Sociais (Universidade Federal de São Paulo) - Cursando Especialização em Direitos Humanos, Gênero e Sexualidade (Universidade Anhembi Morumbi)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: STEPHANELLI, Rafaela Viana. Revenge Porn: Consequências Extremas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 jul 2021, 04:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56921/revenge-porn-consequncias-extremas. Acesso em: 22 nov 2024.
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